09/07/2018, 14horas
Há dois dias estou lendo textos e postagens tomando como um dado que "Favreto errou".
Fiquei me perguntando: errou mesmo?
HC é a classe processual na qual o juiz tem o maior grau de liberdade. Observando constrangimento ilegal, pode conceder a ordem até mesmo de ofício
Favreto identificou constrangimento ilegal na inércia da juíza da execução, que até hoje não apreciou pedido de Lula para poder dar entrevistas e participar de debates, uma vez que é pré-candidato à presidência da República
Portanto:
1) Nada há de "teratológico" em sua decisão (porque não trata de prisão após condenação de segunda instância);
2) Tampouco essa decisão contradiz súmula do CNJ que impede a reapreciação, em plantão, de questão já decidida (porque o constrangimento ilegal decorre exatamente de uma não-decisão);
3) É sem nenhuma procedência a pretensão do MPF de que a única instância competente para conhecer HCs em favor de Lula é o STJ. Em se tratando de um constrangimento ilegal provocado por omissão da juíza de execução, inegável que a competência é do TRF4; e
4) A questão sobre a pertinência de se conceder o HC em plantão pode ser levantada tanto contra como a favor de Favreto. Se não havia fato rigorosamente novo - há tempos se sabe que Lula é candidato -, Favreto não poderia ou deveria deixar a decisão do HC para o juiz natural, que assumiria o caso na segunda-feira? Digamos que sim. Mas ao se defrontar com uma ilegalidade (a não-decisão da juíza, não obstante a "notória" pré-candidatura), Favreto não poderia ou deveria agir? A resposta também deveria ser "sim".
Isso me leva ao mérito do HC, o qual envolve questão da mais elevada relevância constitucional: em que medida pode o Estado restringir direitos políticos de condenados criminalmente?
O texto da CF/1988 dá a resposta para isso, determinando o seguinte:
"Art. 15 - É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(...)
"III - condenação criminal TRANSITADA EM JULGADO, enquanto durarem seus efeitos"
(...)
"III - condenação criminal TRANSITADA EM JULGADO, enquanto durarem seus efeitos"
No caso de Lula, apesar de condenado, ainda assim ele mantém seus direitos políticos (de votar e ser votado). Isso porque a sentença (que, entre outras coisas, teria o efeito de suspender tais direitos), AINDA NÃO TRANSITOU EM JULGADO. Portanto, se Lula é "notoriamente" um pré-candidato à presidência da República, o Estado deveria respeitar essa condição e se abster de qualquer ato que a prejudicasse. ATENÇÃO, isso não é comunismo; é liberalismo do século XVIII.
Mas o sujeito pode ser candidato e preso?
Pois é. Como sabemos, Lula só está preso porque:
1) Em 2016, no contexto da lavajato, o STF modificou casuisticamente sua jurisprudência em relação à possibilidade de prisão antes do trânsito em julgado; e
2) Fachin e Carmen Lúcia manobraram para manter tal "status quo" no julgamento do HC de Lula, quando a composição do Tribunal, alterada em relação a 2016, já não mais confirmaria aquele giro interpretativo.
Se o STF tivesse honrado o que está literalmente escrito na CF/1988 - ou seja, o fato de que não se pode, como regra, começar a cumprir pena privativa de liberdade até o trânsito em julgado -, não teríamos esse problema. Lula poderia fazer sua campanha, mesmo condenado, e caberia ao eleitorado decidir se ele merece ou não se tornar novamente o presidente. Aliás, naquela votação, Juízes como Marco Aurelio e Celso de Mello insistiram quanto ao fato de que o instituto do "trânsito em julgado" tem várias implicações no direito, as quais não estavam sendo adequadamente levadas em conta pelo plenário.
Mas e a ficha-limpa, não constitui um impedimento a uma candidatura de Lula?
Em princípio sim, mas há mais de 100 candidatos condenados em 2a instância que obtiveram no TSE autorização para se manterem candidatos. Teríamos que ver o que o TSE diria em relação à candidatura de Lula para só então afastá-lo do pleito. Até lá, ele poderia e pode ser candidato (isso também é liberalismo do século XVIII).
Por tudo isso, quero abrir divergência das leituras que estão correndo, e dizer que, no quadro em que operou, Favreto proferiu uma decisão bastante razoável. Talvez não precisasse mandar "soltar"; poderia ter concedido um alvará "autorizando a participação em entrevistas e debates sob o compromisso de se apresentar ao juízo da execução 24h depois". Na prática, o resultado disso seria muito parecido com o de uma soltura, pois não faltariam convites para entrevistas e debates com Lula daqui até as eleições.
Mas por que até agora ninguém ousou falar isso? Por que parece haver um consenso de que Favreto "errou"?
Há duas prováveis razões. A primeira é a tentativa de diminuir o peso dos ERROS, aí sem aspas e em caixa alta, que vieram depois, por parte de Moro, Gebran, e do próprio Thompson Flores. A segunda é a intenção de criminalizar o próprio Favreto, contra quem já pesam oito representações no CNJ. "Se errou, tem que pagar".
Uma dessas representações, a propósito, registra que "a quebra da unidade do direito, sem a adequada fundamentação, redunda em ativismo judicial pernicioso e arbitrário".
O texto caberia mais ao STF, que, ao ignorar a CF/1988 para prender Lula "quebrou a unidade do direito", que a Favreto, que, premido por muitos limites, inclusive os da condição de ex-filiado ao PT, ousou juntar os cacos.
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