Cristiano Paixão*
Acaba de ser lançado o volume 2 da
coleção “Direito Vivo”, da editora Lumen Juris, intitulado “O Direito Achado na
Rua – concepção e prática”. Sob a coordenação do Prof. José Geraldo de Sousa
Junior, que subscreve o artigo introdutório, um grupo de pesquisadores aborda
questões ligadas à dimensão contemporânea dos direitos humanos e da cidadania.
Duas expressões são adequadas para
descrever a obra: maturidade e diversidade. Constata-se, após décadas de
produção teórica e exercício concreto de projetos de ensino, pesquisa e
extensão, que a linha de pesquisa Direito Achado na Rua atinge um ponto de desenvolvimento
bastante consistente. O volume é marcado por uma preocupação dúplice: por um
lado, a necessidade de explicitação e afirmação das referências teóricas
fundamentais para sua própria construção. Assim, a obra de Roberto Lyra Filho é
apresentada de forma extensiva, o que permite uma maior compreensão da
inspiração inicial que marcou o trabalho dos fundadores da linha de pesquisa. E
alguns diálogos adicionais são propostos, especialmente com a produção de Paulo
Freire, cuja contribuição é explorada, com merecido destaque, no artigo redigido
pelo Prof. José Geraldo de Sousa Junior. E, por outro lado, verifica-se a
premência das questões contemporâneas que desafiam, incessantemente,
profissionais do direito e pesquisadores da universidade na busca por caminhos
e soluções no campo dos direitos humanos e da cidadania.
A diversidade que marca a obra advém
da própria complexidade da sociedade moderna. Numa sociedade como a brasileira,
secular, democrática, multicultural e em constante processo de transformação e
auto-observação, as contribuições do Direito Achado na Rua são particularmente
bem-vindas. As lutas por direitos e reconhecimento são travadas em diversas
arenas, com temporalidades distintas e pautas específicas. Povos indígenas,
movimentos sociais, estudantes, trabalhadores, marginalizados, excluídos: todas
essas designações sociais produzem sentido no mundo e ensejam lutas,
manifestações e reações contrárias. No centro de gravidade dessas demandas,
localizam-se os direitos humanos, percebidos em sua dimensão performativa,
atuante, provocadora.
O livro aqui analisado apresenta uma
importante preocupação com a educação para os direitos humanos. Num esforço
muito bem-sucedido de inserção e institucionalização no ensino, a linha de
pesquisa do Direito Achado na Rua se consolidou como um verdadeiro campo de
investigação no âmbito de dois programas de pós-graduação. Tanto no PPG em
Direito, Estado e Constituição, que já possui uma história de mais de trinta
anos de reflexão na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, como no
recém-criado PPG em Direitos Humanos e Cidadania, de matiz interdisciplinar,
também na Universidade de Brasília, está presente a linha de pesquisa do
Direito Achado na Rua. É natural, portanto, que a universidade seja um lugar
central na experiência do grupo de pesquisadores que produziu a obra. As
iniciativas inovadoras da linha de pesquisa são trazidas à discussão, com
interessantes indicações e possibilidades de ação no futuro.
Um exemplo ilustrativo está inserido
em um dos capítulos da obra. Ao final da argumentação, quando os autores
promovem um inventário crítico da recepção do movimento e de sua base teórica,
surge uma questão fascinante: a Constituição de 1988 marcaria uma espécie de
limite para o Direito Achado na Rua, considerando a positivação de várias das
conquistas sociais no período da redemocratização? A resposta, evidentemente,
não poderia ser afirmativa. O que os autores concluem, com razão, é que o texto
constitucional representa, antes de tudo, o início de um processo histórico de
aquisição e transformação de direitos, que não tem um fim, mas um horizonte,
que permanece indeterminado. E que a luta por direitos humanos e cidadania
permanece e se renova, produzindo novas construções marcadas pela concretude da
experiência da rua.
*Professor
da Faculdade de Direito da UnB (Graduação e Pós-Graduação) e do Mestrado em
Direitos Humanos e Cidadania, CEAM/UnB; membro da Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça. Doutor em Direito tem Estágio Pós-Doutoral na École des
Hautes Études en Sciences Sociales (França, 2015) e na Scuola Normale Superiore
di Pisa (Pisa, Itália, 2009)
Resgatando a velha e atual provocação do professor Roberto Lyra Filho - que encampa uma concepção de direito em movimento ("é, sendo") e em diálogo com a práxis social -, quando propôs à universidade a reflexão sobre as propostas debatidas na Constituinte no contexto de transição política, encontramos o seguinte questionamento: “[...] transição de onde para onde? Transição por que meios? ”(LYRA FILHO, 1985, p.10).
ResponderExcluirEsse horizonte de expectativas que é aberto (ou reforçado) pela Constituição Federal de 1988, permanece, de fato, indeterminado. São as práticas social e historicamente contextualizadas que delinearão esse processo de transformação da realidade.
Gostaria de compartilhar aqui um texto do professor Cristiano Paixão, que encontra-se em pleno auge de produção intelectual (no melhor sentido possível) no que se refere-se à reflexão e análise dos modelos constitucionais e as experiências autoritárias e/ou democráticas.
O texto é intitulado "Direito, política, autoritarismo e democracia no Brasil", e pode ser acessado no seguinte endereço: . Acessei ainda hoje, para conferir se ainda está disponível e consegui baixar o texto, sem problemas.
Outra recomendação de leitura, atualíssima para os dias de hoje, é o Caderno de Constituição & Democracia, disponível on-line: https://drive.google.com/folderview?id=0B5uBt99PdGHCdkpwZXpLSXQyWWM