Ludmila
Cerqueira Correia*
Coimbra, 21 de julho de 2015.
Já tinha ouvido falar da Raquel Rigotto e
das atividades que ela vem desenvolvendo na Universidade Federal do Ceará, mas
só agora a conheci pessoalmente e pude saber um pouco mais sobre a atuação do Núcleo TRAMAS (Trabalho, Meio Ambiente
e Saúde), num seminário realizado no Centro de Estudos Sociais da Universidade
de Coimbra. Nos primeiros minutos da sua apresentação me identifiquei logo com
a proposta do núcleo e, a partir de três palavras: contra hegemonia, dissidência
e insurgência na universidade, mais
uma vez, confirmei que a extensão universitária engajada, aliada à formação e à
pesquisa, junto aos movimentos sociais, é que faz a diferença para uma educação
crítica e de qualidade, e que seja comprometida com a transformação social.
Foram quase três horas incansáveis sobre o percurso, os aprendizados e frutos do
TRAMAS, que culminaram com o que Raquel chamou de “reencantamento da juventude
crítica com novas epistemologias e com a universidade”.
Sua apresentação me conectou com as ações
que promovemos no Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), e também com as atividades que iniciamos no Curso de
Direito de Santa Rita (UFPB), na matéria Direitos dos Grupos Socialmente
Vulneráveis. Nos anos de 2012, 2013 e 2014, realizamos atividades de extensão
dentro dessa matéria junto a movimentos sociais da Paraíba. Um deles foi o Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB). Naquela oportunidade, ao conhecerem a realidade das famílias vítimas da
construção da barragem de Acauã, estudantes da graduação em direito construíram
junto com o MAB na Paraíba um blog** para dar maior visibilidade à sua situação
e divulgar a sua luta, uma demanda desse movimento no estado, que ainda não
tinha um veículo de comunicação próprio na internet. E nessa semana, as
esperanças se renovam nas trincheiras dessa luta: o Ministério Público Federal
na Paraíba recebeu do MAB e da Universidade Federal de Campina Grande
documentos que servirão de base para o inquérito civil público da barragem de
Acauã***.
Essas atividades em conjunto com movimentos
sociais não são novidade nas universidades brasileiras e, nos cursos de direito,
felizmente, têm crescido nos últimos anos com os projetos de extensão engajados
e as assessorias jurídicas populares universitárias. Mas é preciso dizer que tais
práticas têm, dentre outras, uma fonte significativa: O Direito Achado na Rua, que desde a sua criação, tem sido
incorporado como referência nos meios acadêmicos e sociais e nas atividades de
ensino, pesquisa e extensão em direito e direitos humanos.
Em tempos de cólera, de autoritarismo, de fascismo
social e de ódio, afirmar a universidade como sujeito social, ao lado das
comunidades e movimentos sociais, não pode parecer tão óbvio como poderíamos
imaginar. Basta dar uma lida na última provocação de Reinaldo Azevedo, na sua
coluna na Folha de São Paulo****, em que afirma: “Chegou a hora de a
companheirada se tornar vítima de seus religiosos fanáticos, formados nas
escolas de direito contaminadas por doutrinadores do partido e esquerdistas
ainda mais obtusos. É uma pena que não só os petistas paguem o pato. Esses
vetustos jovens senhores são crias de exotismos como "direito achado na rua", "combate ao
legalismo", "neoconstitucionalismo" e afins, correntes militantes que consideram a
letra da lei o lixo dos "catedraúlicos", pecha que um desses teóricos
amalucados pespegava em juízes que insistiam em se ater aos códigos.”
Ora pois, só posso dizer
uma coisa a esse senhor, após conhecer de perto a história de Inês de Castro e a
fonte dos amores em Coimbra: agora Inês
é morta! Continuaremos bebendo dessa fonte, é ela que nos inspira e propaga
amor na universidade, é ela que nos instiga para continuar transformando a
realidade.
*
Ludmila Cerqueira Correia é doutoranda em Direito, Estado e Constituição
no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, integrante
do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, bolsista CAPES em estágio
doutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, professora do
Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e
Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania (Centro de
Referência em Direitos Humanos da UFPB).
** Disponível em: <http://osretratosdadestruicao.blogspot.pt/>
*** Disponível em: <http://www.prpb.mpf.mp.br/news/mpf-pb-recebe-documentos-que-servirao-de-base-para-inquerito-civil-publico-da-barragem-de-acaua>
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