Magnífico Reitor Professor Ivan
Camargo;
Ilma Sra Diretora da Faculdade de
Educação Professora Carmen Nísia Jacobina Ayres;
Ilmo Sr Vice-Diretor da Faculdade
de Educação Professor Antonio Fávero Sobrinho;
Distinta Comissão de Honra;
Senhores Ex-Reitores;
Senhores e Senhoras Professores e
Professoras Eméritos e Eméritas e demais titulares de distinções honoris causa;
Senhores e Senhoras Decanos e
Decanas;
Senhores e Senhoras Diretores e
Diretoras de Unidades Acadêmicas e Administrativas;
Senhores e Senhoras Professores e
Professoras, Servidores e Servidoras, Estudantes, Familiares da homenageada,
seu marido advogado José Oscar Pelúcio Pereira, filho, filhas, nora, genros e
netos;
Convidados e convidadas. Distingo
entre os aqui presentes, não podendo nomear todos, o advogado Antonio Carlos
Sigmaringa Seixas, antigo batonier da
Ordem dos Advogados de Brasília, meu mestre, sob cuja orientação aprendi a
ética e a técnica que balizam o exercício dessa nobre profissão;
Secretário Chefe da Casa Civil do
Governo do Distrito Federal, Swendenberger do Nascimento Barbosa;
Integrantes dessa extraordinária
e talvez mais antiga turma de ludopedistas
de Brasília, entre os quais me incluo;
Por último, mas com o sentimento
de que é distinguida em primeiro lugar, Senhora Professora Emérita Eva Waisros
Pereira.
O memorial que
apresenta e reivindica a outorga de título de professora emérita a Eva Waisros
Pereira, dando início a um processo complexo que tem sua culminância nesta
solenidade, é subscrito por uma qualificada comissão formada por professoras da
Faculdade de Educação da UnB, nomeadamente, Laura Maria Coutinho, Maria
Alexandra Militão Rodrigues, Maria Luiza Pinho Pereira e Hélvia Leite Cruz.
O
memorial abre, sob a inspiração de Cora Coralina, que evoca a experiência pela
mediação da escola para, com sensibilidade, demarcar o duplo contexto que dá
significado e relevância a uma trajetória: “Se
Cora Coralina, – tem início o memorial – em sua evocação poética da escola, rememora a sua experiência pessoal
de ter sido aluna em uma determinada época, o presente memorial, centrado na
trajetória da Professora Eva Waisros Pereira, rememora a sua experiência histórica
de educadora que assumiu a escola como tempo/espaço de militância político-pedagógica,
de docência e de pesquisadora da escola como ‘lugar de memória’”.
Assim,
aludir ao percurso da Professora Eva Waisros Pereira, é ao mesmo tempo, expor
um tanto a sua biografia e, um pouco traçar o seu retrato. Numa perspectiva
hermenêutica Boaventura de Sousa Santos distingue as duas aproximações. No
primeiro caso, diz ele, registra-se aquilo que se fez; no segundo, aquilo que
se é. Para ele (Sociologia na Primeira Pessoa: fazendo pesquisa nas favelas do
Rio de Janeiro, Revista da Ordem dos Advogados n. 49, São Paulo, Editora
Brasiliense, 1988, ps.39/40), “Embora, à
primeira vista, a distinção pareça clara, ela é na realidade bem complexa,
muito para além do fato comumente aceite de que aquilo que se faz espelha o que
se é. Aquilo que sou é, de certo modo, o último capítulo daquilo que fiz, mas
um último capítulo que contraditoriamente está presente quando se escrevem
todos os capítulos anteriores”.Traduz-se nesse processo a problemática já
vivenciada por Santo Agostinho ao escrever As Confissões (Livro X, cap. 3),
contrapondo aquilo que tinha feito ao que era quando estava a escrever. Cito
Santo Agostinho sem receio de enfadar mentalidades decididamente laicas, certo
do que me disse José Oscar certa vez, confessando-se ateu mas não praticante.
O
que a Professora Eva Waisros Pereira fez enquanto foi sendo, está bem exposto
no Memorial já mencionado, que a surpreende desde a infância em família de
judeus poloneses imigrantes e já adolescente, estudante secundarista militando
no movimento estudantil e engajada nas lutas do Partido Comunista Brasileiro,
nas quais conheceu aquele que viria a ser, aos 21 anos, seu marido, o advogado José Oscar Pelúcio
Pereira. Com ele mudou-se para Brasília, quando José Oscar veio assumir
atividades políticas e profissionais, como advogado sindicalista, em defesa da
organização e da luta por direitos própria da ação sindical. Aqui nasceram os
filhos: Paulo Guilherme, Denise, Marina e Cláudia.
Há
pouco tempo em Brasília, sobreveio o golpe de 1964 que se abateu funestamente
sobre a família. O memorial descreve: “a
professora Eva passou por momentos extremamente difíceis, especialmente em face
das perseguições e prisões sofridas por seu companheiro José Oscar, devido a
sua militância política como procurador de órgão público e advogado de
sindicatos de trabalhadores no Distrito Federal. Não foram poucas as
repercussões na vida familiar, diante do clima de insegurança e de dificuldades
de toda ordem decorrentes do caráter repressor do regime militar que se
instaurava nos anos 60 do século passado. Numa época em que os ideais estavam
incendiando o jovem casal, Eva emergiu com a força de uma leoa. Destacou-se por
sua atuação determinada e incansável na denúncia e investigação do
desaparecimento temporário do marido, revelando uma postura corajosa, valente e
agregadora principalmente com a família, no enfrentamento de inúmeras situações
ameaçadoras”.
O
memorial prossegue expondo a sólida formação acadêmica, o expressivo rol de
atividades profissionais, a participação ativa em eventos e o notável
engajamento na pesquisa, cujo eixo, anotam as suas autoras, é a disposição de
contribuir para fortalecer as conquistas decorrentes da LDB. Neste aspecto
dizem, o compromisso da professora Eva Waisros Pereira com a história da
educação pública no Brasil, a partir de sua docência na disciplina História da
Educação Brasileira, no Departamento de Teorias e Fundamentos, da Faculdade de
Educação da UnB, levaram-na a assumir um grade desafio: “lutar pela memória da educação pública no Distrito Federal”.
Desse impulso,
duas resultantes devem ser postas em relevo. Primeiro,
a defesa da democratização da educação no Brasil e pela implantação de um
modelo de escola pública integral no Distrito Federal, seguindo o projeto de
Anísio Teixeira. Nesta vertente, é notável a sua competência agregadora que tem
sido capaz de reunir um dos mais qualificados grupos de pesquisadores, num
projeto cujo resultado mais recente é a edição do livro Nas Asas de Brasília: memórias de uma utopia educativa (1956-1964).
Lançado pela Editora da UnB ao ensejo das celebrações do cinqüentenário da
cidade, tive a honra de redigir a apresentação da obra. Nessa oportunidade, pareceu-me
destacável reconhecer no trabalho realizado sob a coordenação da Professora Eva
Waisros Pereira a identificação do experimento utópico de fazer da educação, a
mediação necessária à emancipação social reclamando projetos aptos a realizarem
a experiência de mudança da sociedade, tal como aqueles formulados por Anísio
Teixeira e Darcy Ribeiro: “A ocasião da
criação de Brasília era a conjuntura perfeita para a realização desse projeto
emancipatório. Pela primeira vez no país se poderia planejar o nascimento de
uma cidade simultaneamente a seu projeto pedagógico. Foi a oportunidade de
concretização de vários dos ideais do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
de 1932, cuja natureza só permitiria o desenvolvimento pleno se semeados em um
solo virgem, livre de passado e de práticas sociais cristalizadas pelo tempo. O
novo sistema de organização escolar se propunha oferecer educação gratuita e
obrigatória a todos, sem distinção entre os alunos pela posição ocupada na teia
social. Somente as aptidões naturais deveriam permitir diferir um estudante de
outro” (Apresentação,p. 9).
A segunda
resultante, também destacada no memorial, e como fruto do trabalho de pesquisa
conduzido pela Professora Eva Waisros Pereira, é a mobilização voltada para a
criação e implantação do Museu da Educação do Distrito Federal. Cuida-se, de um
lado, de recolher o amplo acervo de registro de memórias dos pioneiros da
educação pública do Distrito Federal, fotos, documentos oficiais e pessoais, em
grande parte coletados no trabalho da pesquisa. De outro lado, um elemento
simbólico muito valioso: reconstruir, na Candangolândia, a primeira escola do
Distrito Federal, denominada Júlia Kubitschek.
Esta proposta, atualmente, com total apoio da UnB, já se transformou num
verdadeiro movimento engajando educadores, organizações da sociedade civil,
parlamentares e representantes governamentais, conscientes da importância de
preservar, lembram as autoras do memorial, “os
fundamentos do projeto original do sistema de educação, parte do plano de
implantação da nova capital do país”.
Na sua parte conclusiva,
o memorial apresentado à Faculdade de Educação da UnB, onde foi por unanimidade
acolhido, sintetiza, assim,”os requisitos da proposta de concessão do título de
professora emérita a Professora Eva Waisros Pereira:
“A sua precoce e contínua militância política em defesa de uma
sociedade justa e democrática. Esse perfil sempre esteve presente nas dimensões
da vida familiar e profissional como educadora da escola e universidade
públicas;
A sua capacidade de ser articuladora e agregadora visando
à construção de projetos coletivos na Secretaria de Educação e na Universidade
de Brasília. Na Secretaria de Educação, nos anos 80, foi indicada por vontade
coletiva dos professores da rede pública para ser Diretora Geral de Pedagogia
da antiga Fundação Educacional do Distrito Federal. Por ocasião da elaboração
da atual Lei de Diretrizes e Bases, juntamente com um grupo de educadores,
lutou em defesa de uma educação pública de qualidade.
Por fim, mesmo aposentada continua mobilizando educadores
e pesquisadores para mais uma causa social e coletiva que é a organização do
Museu da Educação do Distrito Federal seu atual grande desafio acadêmico e
profissional”.
No
Conselho Universitário, também por unanimidade, foi a concessão aprovada,
demonstrando o testemunho da relatora Professora Isabela Brochado, atual
Diretora do Instituto de Artes e sua ex-aluna, a perfeita convergência entre o
perfil da homenageada e a disposição estatutária que prevê a honraria, para “o docente aposentado na Universidade de
Brasília, que tenha alcançado uma posição eminente em atividades
universitárias”(art. 66, 2).
Com
efeito, a UnB tem sido parcimoniosa na concessão dos títulos honoríficos
previstos em seu estatuto. Mesmo em seu cinqüentenário, quando as unidades acadêmicas
se empenham em revisitar a sua contribuição à obra de criação da universidade,
a indicação dos protagonismos que carregam a marca de exemplaridade, continua
rigorosa, preservando a seletividade que revela o zelo com a representação de
sua Alma Mater, que é, assim,
fortalecida com o carisma dos que alcançam tal honraria.
Na
área de educação eles são muito poucos. Entre os fundadores Darcy Ribeiro e
Anísio Teixeira, acrescenta-se Paulo Freire, pos-mortem, doutores honoris
causa e eméritos, apenas Ilma Passos Alencastro Veiga e Jacques Rocha Velloso,
conforme recolhi dos registros da própria UnB.
Estes
nomes, entretanto, professôra Carmen Nísia Jacobina Ayres, bastam para por em relevo a singularidade
acadêmica representada na UnB pela Faculdade de Educação. Se uma universidade
tivesse um centro, e sustento que ela não o tem, nem territorialmente, multicampi como ela é; nem
epistemologicamente, como mostra Boaventura de Sousa Santos, nosso mais recente
Doutor Honoris Causa, ao falar da
universidade como lugar de encontro entre saberes, cuja síntese é um
conhecimento pluriversitário solidário (A
Universidade no Século XXI. Para uma reforma democrática e emancipatória da
Universidade, São Paulo, Cortez Editora, 3ª edição, 2010, p. 61); mas se
ela tivesse esse centro, eu repito, este deveria ser a sua Faculdade de Educação.
Esta
convicção se vê reforçada, sobretudo na UnB, cujo projeto singular é sempre
retomado apesar de suas sucessivas interrupções (SALMERON, Roberto A., A Universidade Interrompida. Brasília
1964-1965, Brasília, Editora UnB, 2ª edição revista, 2012, passim), exatamente porque ela guarda
identidade e compromisso com os valores lançados no Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova de 1932, assinado entre outras personalidades por dois fundadores
de nossa universidade – Anísio Teixeira e Hermes Lima – notadamente no que
demarca a dupla lealdade de sua concepção original: a lealdade aos padrões
internacionais de conhecimento e a lealdade ao povo como compromisso de buscar
soluções para os problemas que afetam o seu desenvolvimento.
É
assim que ela se constituiu como uma universidade necessária (Ribeiro, Darcy. A Universidade Necessária, Rio de
janeiro, Editora Paz e Terra, 1975, passim), que tivesse, segundo Darcy
Ribeiro, “o inteiro domínio do saber
humano e que o cultive não como um ato de fruição ou de vaidade acadêmica, mas
com o objetivo de, montada nesse saber, pensar o Brasil como problema” (Ribeiro,
Darcy (org). Universidade de Brasília:
projeto de organização, pronunciamento de educadores e cientistas e Lei n.
3.998, de 15 de dezembro de 1961, Brasília, Editora UnB, 2011, p. 8).
É
nesse passo que a universidade necessária se faz também emancipatória (Sousa
Junior, José Geraldo de (org). Da
Universidade Necessária à Universidade Emancipatória, Brasília, Editora
UnB, 2012, passim) porque, digo-o em
texto que organizei e acabo de publicar, avançando com seu projeto, radicaliza
o que já se enunciava no Manifesto de 1932, por retirar “a Educação do sistema censitário, cativa de privilégios de classe, para
configurá-la como fator estratégico para o desenvolvimento do País, antecipando
fundamentos que são atualmente perseguidos, seja no ensino fundamental, com o
pressuposto da educação em tempo integral com meta de universalização, seja no
ensino superior, com valores que foram transpostos para o projeto da UnB, com a
disposição de criar conhecimento comprometido socialmente, a cargo de
profissionais bem formados e valorizados social e economicamente” (op. cit.
p. 13).
Eis
aí o mais cabal significado da educação, campo de luta sem quartel da professora
Eva Waisros Pereira. Ela atualiza com a sua luta, o seu denodo profissional, as
proposições de sua inteligência aguda, a solidariedade de seu compromisso
político, o engajamento histórico de educadores, a exemplo daqueles que
subscreveram o Manifesto de 1932, dos que assinaram o projeto da UnB e de
políticos, como Rui Barbosa, que em seus pareceres de 1942 e de 1947, sobre as
reformas educacionais do século XIX no Brasil, cerravam fileiras para
fortalecer esse significado. Lembra Rui, nesse sentido, em seu parecer sobre a
reforma do ensino primário, que “todas as
leis protetoras são ineficazes para gerar a grandeza econômica do país; todos
os melhoramentos materiais são incapazes de determinar a riqueza, se não
partirem da educação popular, a mais criadora de todas as forças econômicas, a
mais fecunda de todas as medidas financeiras”.
Se na Ilíada
há o testemunho da elevada consciência educadora como representação da Arete grega para designar o ideal de
formação, no melhor sentido da Paidéia,
pode-se dizer que o conselho do velho Fênix dirigido ao seu pupilo Aquiles, fez
eco igualmente na disposição de Eva Waisros Pereira, cuja trajetória, pessoal e
política, traduz, virtuosamente, o sentido e o fim da educação: saber proferir
belas palavras mas não deixar de realizar ações que transformem o mundo (Paidéia, Jaeger, Werner. Martins Fontes
Editora/Editora UnB, Brasília, 1986, p. 21) Ativista da práxis, ela sabe, com
Marx (Marx-Engels, Antologia Filosófica,
11ª Tese sobre Feuerbach, Editorial Estampa, Lisboa, 1971, p. 25), que não
basta a representação diletante da realidade, urge transformá-la. Ou, como o
grande educador da pedagogia da autonomia, Paulo Freire, cuja maior ensinamento
encontrou nela, uma acolhida militante: é preciso estar no mundo e com o mundo,
como seres históricos, para intervir nele, e assim, conhecê-lo (Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários
à prática educativa, São Paulo, Editora Paz e Terra, 1996. p. 31). Contar
para o mundo, agir nele pedagogicamente, eis o que é essencial, e é o exemplo
que nos dá Eva Waisros Pereira, sobretudo em tempos de consumismo produtivista,
também no âmbito acadêmico, não imune às ilusões burocratizantes que facilmente
deságuam numa aritmética alienadora, satisfeita em contabilizar citações e
papelizar o conhecimento.
Quero
concluir, dado o realce ao que de inteligência e de lealdade, se constituem a
biografia e o retrato da professora emérita Eva Waisros Pereira, registrando
algo a mais de notável com que ela e seu marido José Oscar Pelúcio Pereira
impressionam a todos e todas que com eles convivem. Algo que se traduz como uma
dimensão estética do existir, captada sensivelmente por seu genro aqui
presente, o poeta e compositor Jorge Ferreira, (Rio Adentro. Poemas, São Paulo, Geração Editorial, 2011, p. 6),
admirando neles, “a beleza com que
experimentam a vida”.
No ano de seu
jubileu, Magnífico Reitor e presentes neste ato e neste Auditório 2 Candangos
(Expedito Xavier Gomes e Gedelmar Marques), monumento concreto da história da
UnB, a Alma Mater de nossa
universidade se nutre de seiva nobre que a faz irradiar mais fortemente, com a
admissão no seu mais simbólico panteão, de Eva Waisros Pereira, Professora
Emérita da UnB.
Professor José
Geraldo de Sousa Junior, Ex-Reitor da UnB (2008-2012)
Auditório 2 Candangos, UnB,
03/04/2013
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