sábado, 19 de julho de 2025

 

Antes que Aconteça: Prevenção e Intervenção no Campo da Violência Contra as Mulheres

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

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Mesa de Abertura da Construção Coletiva do Programa. Foto Duda Rodrigues

Com essa expectativa, o Ministério da Justiça por sua Secretaria de Acesso à Justiça – SAJU, estabeleceu com a Universidade de Brasília, um Termo de Execução Descentralizada para operacionalização de uma política pública referida à disposição de promover acesso à justiça para mulheres, orientada por estudos sobre as condições de exercício do direito à vida e à integridade.

Essa ação está sustentada por Emenda da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres da Câmara dos Deputados, com o apoio da Deputada Soraya Santos (PL – RJ) e da Senadora Daniella Ribeiro (PSD – PB), que vêm acompanhando a execução do Projeto, inscrito no termo de referência do TED.

Na UnB, o Plano de Trabalho foi assumido por sua Faculdade de Direito, com etapas próprias, mas em diálogo com universidades parceiras e institucionalidades que realizam outros projetos articulados a essa política.

Assim, por exemplo, numa interlocução articulada pela SAJU, juntamente com a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e a Fiocruz, se desenvolve concomitantemente o projeto Jovens Defensores Populares, uma ação que visa formar mil jovens em diferentes regiões do Brasil para atuar na defesa de direitos, fortalecendo o engajamento cívico-político e garantindo que possam se desempenhar de forma efetiva na melhoria das condições de vida em seus territórios. Esse projeto, conduzido pela Agenda Jovem Fiocruz e pela Coordenação de Cooperação Social da Presidência dentro da instituição, prioriza jovens de regiões periféricas, favelas, comunidades tradicionais e de baixa renda, no Distrito Federal e em cinco estados: Pará, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Os municípios participantes são os identificados pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).

No projeto da UnB, como é próprio de uma instituição universitária que promove ensino, pesquisa e extensão, mas contando com o suporte da Fundação de Apoio à Pesquisa (Finatec), apta a mediar as necessidades acadêmicas com as exigências de controle, desde as equipes de base à sua superintendência, dois problemas serão mais especificamente estudados na sua configuração de pesquisa e extensão para o “Antes que Aconteça” são: (a) quais são as barreiras e entraves dos equipamentos e processos de trabalho do sistema de justiça que dificultam, interrompem ou impedem o acesso e proteção das mulheres vítimas de violência? (b) quais medidas de prevenção existem e quais podem ser desenvolvidas para evitar a violência ou interromper seu escalonamento?

Claro que há outros componentes de execução, que se constituem etapas de aquisição de bens e acessórios de infraestrutura da política (carretas, vans, equipamentos), mas o objetivo geral é fornecer evidências científicas para estruturação de políticas de acesso à justiça, segurança e promoção de direitos para redução dos níveis de violência contra meninas e mulheres. Os objetivos específicos são (1) compra e doação de veículos de atendimento especializado itinerante, (2) desenvolvimento de metodologia de apoio ao processo de aprendizado dos homens agressores, (3) premiação de boas práticas no tema que sejam passíveis de replicação e (4) pesquisa científica que identifique as barreiras e entraves dos equipamentos e processos de trabalho do sistema de justiça, em 5 Estados da federação.

O plano para início e desenvolvimento do trabalho engloba ações de coordenação científica em nível decisório. A metodologia é gestão e conformidade da pesquisa intervenção, pela compatibilização de objetivos do poder público e da Universidade de Brasília, a partir do trabalho de relações institucionais e liderança interna. Além disso, o trabalho inclui o desenho e planejamento das pesquisas e intervenções, bem como a gestão acadêmica das atividades e equipes que participarão do projeto, monitorando as mesmas para que dialoguem entre si e não se sobreponham em termos de objetivos e metodologias. O trabalho seguirá quatro Eixos: Eixo Serviços itinerantes, Eixo Premiação de Boas Práticas, Eixo Grupos Reflexivos de Agressores, Eixo Pesquisa e Extensão sobre entraves na proteção da mulher e possibilidades de prevenção da violência.

São quatro os resultados esperados: compra e doação de veículos aos 5 Estados participantes (serviços itinerantes); Revisão e aprovação de relatório de análise do funcionamento dos Grupos Reflexivos; revisão dos processos de premiação e aprovação do documento de Lições Aprendidas desse trabalho; início da execução das ações de extensão e pesquisa, após revisão e aprovação no Comitê de Ética, necessários à realização da pesquisa acadêmica.

Também integra os objetivos da ação assumida pela UnB/Faculdade de Direito (Projeto 7861/MJSP/UNB/FD) – Antes que Aconteça e a promoção de acesso à justiça para mulheres: um estudo sobre as condições de exercício do direito à vida e à integridade, a realização em Brasília de uma Oficina Popular Interministerial “Mães Por Direitos”.

A iniciativa que se desenvolveu nos dias 17 e 18, no Ministério da Justiça, tem como objetivo a construção de políticas públicas de atenção e acolhimento para familiares e vítimas da violência institucional. Trata-se de abertura de um espaço de diálogo entre movimentos sociais, mães e familiares de vítimas, organismos internacionais, instituições de ensino e pesquisa, atores do sistema de justiça e representantes de diferentes ministérios do governo federal sobre medidas de acesso à direitos para vítimas de violência.

A programação dessa Oficina e sua metodologia contou com rodas de discussão sobre os desafios para o enfrentamento à violência institucional, iniciativas e boas práticas de atenção e assistência, recomendações internacionais e casos emblemáticos e oficinas práticas para coleta de propostas sobre os temas acesso à justiça; atendimento psicossocial; memória e reparação e medidas de prevenção à violência institucional.

Não foi um encontro de apresentação de políticas ou de ações para realizá-las, mas uma troca em que todos, no caso, todas se apresentaram como protagonistas, investidas de subjetividade ativa, formuladoras e detentoras de conhecimentos aptos a legitimar os resultados obtidos e partilhados nas oficinas.

Por isso a divisão de equipes a partir dos eixos temáticos e realização de oficinas simultâneas: Acesso à Justiça, Memória e Reparação; Atendimento Psicossocial; Medidas de Prevenção à Violência Institucional e Proteção a Defensores de Direitos Humanos. Por isso também, as sessões para a Devolutiva das Oficinas Temáticas e para a Mobilização e Comunicação Estratégica na Agenda de Direitos Humanos.

Mesa de Abertura da Construção Coletiva do Programa. Foto Duda Rodrigues

A atuação das mães por direitos — especialmente aquelas que perderam filhos em decorrência da violência estatal e institucional ou mesmo estrutural (no sentido do conceito introduzido por Johan Galtung, referido a formas de violência que são inerentes a estruturas sociais e instituições, impedindo que pessoas atendam às suas necessidades básicas e, portanto, causando danos, tanto econômicos, políticos ou culturais, de modo muitas vezes invisível, mas que impede o desenvolvimento humano e a igualdade) — tem se tornado um campo fundamental de formulação e incidência em políticas públicas de justiça e reparação no Brasil e na América Latina.

Na Abertura, a parceria, os objetivos e a indicação dos principais eixos das políticas públicas de justiça e reparação protagonizadas por mães por direitos, ressoaram em uníssono nas manifestações da Secretária Nacional de Acesso à Justiça Sheila de Carvalho, da Secretária Nacional de Diálogos Sociais Kenarik Boujikian, da Secretária Executiva da Secretaria-Geral da Presidência da República Kelli Mafort, por mim, na mesa representando a Universidade de Brasília, e, muito vivamente, pelas ministras Anielle Franco da Igualdade Racial e Macaé Evaristo dos Direitos Humanos e Cidadania, as ministras dando relevo à condição inegociável de uma agenda de luta por reconhecimento da dignidade de mulheres em sua maioria periféricas e negras (Anielle) e de compromissos com os estandares e com o monitoramento das diretrizes estabelecidas pelas cortes internacionais de direitos humanos (Macaé), especialmente no tocante a recomendações de Relatórios da ONU e da CIDH e nas sentenças da CIDH sobre violência policial no Brasil, nos quais, inclusive, são reconhecidos o papel das mães como defensoras de direitos humanos.

Na exposição de Sheila de Carvalho e na minha, os paradigmas da Justiça de Transição, atinentes ao tema – Memória, Verdade e Justiça – foram recortados, até porque em todas as mobilizações de “mães por direitos”, elas reivindicam o direito à memória de seus filhos, netos, irmãos e maridos, recusando a criminalização das vítimas. Elas lutam por justiça e responsabilização do Estado por execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e omissões, elas defendem reparação ampliada, que vai além da indenização financeira, mas que inclui reconhecimento público das violações; acompanhamento psicológico e social; políticas públicas territoriais voltadas para as famílias atingidas; medidas simbólicas (nomeação de espaços, eventos de memória, etc.); ressignificação de projetos de vida interrompidos pelas múltiplas violências.

Por isso também elas pedem transformação democrática da Segurança Pública, criticando o modelo militarizado e racista de segurança, propondo a sua reestruturação, pois resistente ao controle externo e social da atividade policial e indicam a importância da criação de ouvidorias populares e canais de denúncia acessíveis (experiências já bem consolidadas no sistema de defensoria pública, aliás, com presença forte na Oficina) e a necessidade de formação antirracista, despatriarcalizada, igualitária e em direitos humanos para agentes públicos, do sistema de segurança e de justiça.

Com energia participativa e disposição para contribuir para a reeducação das instituições e para a não repetição, esse encontro se traduz, pelo menos assim me pareceu, num protagonismo que articula dor, é verdade, mas também denúncia e proposta, produzindo um campo político de resistência e criação, de reinvenção democrática e de interpelação não só de acesso à Justiça, mas de busca de discernimento para a discussão sobre qual a Justiça a que se quer acesso.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

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