Inteligência Artificial, Justiça e Democracia
Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF
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Encerrou-se nesta quarta-feira, depois de dois dias intensos e de meses de preparação, incluindo a elaboração de textos prévios para a discussão entre os participantes, o Seminário “Artificial Intelligence, Justice, and Democracy. Pan-American Committee of Judges for Social Rights and the Franciscan Doctrine, and Fray Bartolomé de las Casas Legal Research Institute”, realizado na Casina Pio IV, por convocação do Papa Francisco e da Academia de Ciências Sociais do Vaticano
As referências completas sobre o Seminário, mesas, painéis e temas podem ser conferidas em https://www.pass.va/en/events/2025/artificial_intelligence.html; e podem ser recuperadas pelo registro do evento no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=bcH871osqbI , incluindo as anotações do último evento Colonization, Decolonization and Neocolonialism from the Perspective of Justice and the Common Good. African and American Intercontinental Meeting of Judges for Social Rights and the Franciscan Doctrine (https://www.pass.va/en/events/2023/colonization.html).
Já fiz anotações sobre esses acontecimentos, aqui na Coluna O Direito Achado na Rua – https://brasilpopular.com/vaticano-conferencia-sobre-colonialismo-descolonizacao-e-neocolonialismo/ . E, na publicação de Agenda Latino-Americana (Mundial) 2024. Entidade Organizadora: Comissão Dominicana de Justiça e Paz – Brasil (https://www.dominicanos.org.br/justica-paz). Goiânia (Secretariado), 2023 (https://estadodedireito.com.br/agenda-latino-americana-mundial-2024/), com o artigo Descolonizar o Mundo e a Vida, uma Missão Libertadora. Remeto a esse texto em meu artigo de fundo encaminhado para a organização do seminário promovido pela Academia de Ciências Sociais do Vaticano.
Não tendo podido estar presente no Vaticano, designado para o Painel: “The Impact of AI on Economic, Social, Cultural and Environmental Rights”, que dividiria com companheiros latino-americanos vinculados ao COPAJU (Comitê Pan-Americano de Juízes e Juízas para os Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana), enviei o texto conforme o tema que me foi designado, nos termos do programa que organizou o debate. O texto, enquanto não se publica a versão oficial, em espanhol, pode ser lido em – https://odireitoachadonarua.blogspot.com/search?q=Pontificia+Academia+de+las+Ciencias+Sociales+-+Taller+sobre+%E2%80%9CInteligencia+Artificial%2C+Justicia+y+Democracia%E2%80%9D+en+la+Casina+P%C3%ADo+IV%2C+los+d%C3%ADas+4+y+5+de+marzo+de+2025.
Com o título Horizontes éticos e democráticos para a descolonização do mundo digital, faço a seguir uma síntese no que nele foi a minha contribuição para a discussão que se travou nos dois dias do Seminário.
Na síntese, digo que o texto aborda a interseção entre inteligência artificial (IA), justiça, democracia e descolonização digital, destacando a necessidade de uma ética algorítmica (“algor-ética”) que priorize a dignidade humana e evite a delegação de decisões críticas a máquinas. O Santo Padre introduz o conceito de “algor-ética”, enfatizando a necessidade de uma moderação ética dos algoritmos e programas de IA para garantir que sirvam à humanidade. Junto ao Papa Francisco, destaca-se a importância de priorizar a dignidade humana, a autonomia e a tomada de decisões frente aos avanços da IA, alertando sobre o perigo de delegar decisões às máquinas quando essas decisões minam a liberdade e a responsabilidade humanas e estão desvinculadas de considerações éticas.
No âmbito da justiça, alerta-se para os riscos de permitir que a IA tome decisões que devem permanecer sob controle humano, como na administração da justiça e na aplicação da lei. Critica-se a ideia de que os algoritmos possam governar contextos complexos sem considerações éticas, sublinhando que a justiça deve ser impartida por juízes e sistemas judiciais que respeitem os direitos humanos e a equidade.
Também se critica a mercantilização da educação e da cultura por meio da IA e da educação a distância, alertando sobre os riscos da automatização e da perda de empregos, como visto no caso dos atores de Hollywood. Além disso, discute-se o impacto da IA na economia global, com projeções de que ela pode agregar trilhões de dólares, mas à custa da precarização laboral.
O texto explora a colonialidade do poder, do saber e do ser, propondo uma crítica contracolonial que vá além da descolonização, questionando as estruturas coloniais ainda presentes na produção de conhecimento. Mencionam-se pensadores como Frantz Fanon, Aníbal Quijano, Nego Bispo e Ailton Krenak, que defendem uma humanidade mais conectada com a Terra e menos centrada na exploração utilitária.
No âmbito educacional, destaca-se a necessidade de repensar o uso de tecnologias nas salas de aula, promovendo uma pedagogia que fomente a autorregulação e a democracia. Por fim, sublinha-se a importância da autonomia universitária e da liberdade acadêmica em um contexto de avanço do capitalismo universitário, defendendo a educação como um bem público e não como uma mercadoria.
Em resumo, o texto convoca a uma reflexão crítica sobre o impacto da IA na sociedade, defendendo uma abordagem ética decolonial e mais ainda contracolonial que priorize a dignidade humana, a justiça social e a democracia na era digital, incluindo a aplicação da justiça por sistemas judiciais e juízes que respeitem princípios éticos e os direitos humanos.
As discussões se concentraram nos desafios éticos impostos pela IA, sua influência na tomada de decisões judiciais e seu potencial para moldar instituições democráticas. Nesse sentido, tal como registrou a Agência de Notícias Católica (https://www.catholicnewsagency.com/news/262567/vatican-conference-examines-artificial-intelligence-implications-for-democracy-justice), para a Irmã Helen Alford, presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, em seu discurso de abertura da conferência, em seu discurso inaugural: “Assim como em todos os outros aspectos da vida técnica que precisam de uma estrutura ética, as autoridades da Igreja deixam para os especialistas em um campo específico o fardo e a honra de identificar quais são os principais problemas éticos emergentes naquele campo e, então, trabalhar com eles para indicar as soluções que podem ser propostas aos governos e ao público em geral. Desta forma, a Igreja está presente no debate, tanto depositando confiança nos responsáveis por estas tecnologias e pelos seus usos, como se colocando à disposição para participar e apoiar os esforços morais, éticos e políticos de todas as pessoas de boa vontade para dirigir estas tecnologias de forma adequada.”
Entre as muitas e contundentes manifestações de diferentes quadrantes americanos (Sul, Centro e Norte), tocou-me pela força sensível as exposições das juízas brasileiras Ananda Tostes Isoni (Brasília) e Gabriela Lenz de Lacerda (Porto Alegre), articuladoras e dirigentes do capítulo brasileiro do COPAJU. Carregadas do esperançar francisco-freireano elas falaram de esperança ativa, não a esperança sentada que assiste passiva o descarte e a desumanização. Propositivas e imaginativas, elas deram respostas consistentes aos desafios que o tema do Seminário coloca, sabendo extrair do chamamento do Papa Francisco a noção de “algor-ética” para trazer, com exemplos suleadores, e a partir do mundo do trabalho, a dignidade jurídica da luta emancipatória por justiça e por direitos. Marcante trazer Nego Bispo para articular o esperançar com o confluir, ser mais sem deixar de ser subjetivamente. E tomar as alternativas que encantam o ambiente judicial para advertir, que entre nós, que ser contra-hegemônico é um modo de ser necessariamente contracolonial, como sustentam o próprio Nego Bispo e com ele Ailton Krenak. Com elas tomei conhecimento do uso inteligente e solidário da Inteligência Artificial e de eticidade algorítmica, como a que se estabelece com o programa “contrate quem luta” do MST, no Brasil.
Em todas as manifestações elevamos os corações em fervorosa oração pela recuperação do Papa Francisco, solidários com seu sofrimento, mas com a fé inabalável de que sua grande força espiritual e discernimento, mais do que nunca, são necessários para abrir caminhos que orientem nossas ações rumo à edificação do mundo e ao caminho da transcendência. E para ele serão transmitidos, em carta, esses votos solidários e uma síntese das discussões para as quais ele, a todos e a todas, convocou.
(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

Encerrou-se nesta quarta-feira, depois de dois dias intensos e de meses de preparação, incluindo a elaboração de textos prévios para a discussão entre os participantes, o Seminário “Artificial Intelligence, Justice, and Democracy. Pan-American Committee of Judges for Social Rights and the Franciscan Doctrine, and Fray Bartolomé de las Casas Legal Research Institute”, realizado na Casina Pio IV, por convocação do Papa Francisco e da Academia de Ciências Sociais do Vaticano
As referências completas sobre o Seminário, mesas, painéis e temas podem ser conferidas em https://www.pass.va/en/events/2025/artificial_intelligence.html; e podem ser recuperadas pelo registro do evento no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=bcH871osqbI , incluindo as anotações do último evento Colonization, Decolonization and Neocolonialism from the Perspective of Justice and the Common Good. African and American Intercontinental Meeting of Judges for Social Rights and the Franciscan Doctrine (https://www.pass.va/en/events/2023/colonization.html).
Já fiz anotações sobre esses acontecimentos, aqui na Coluna O Direito Achado na Rua – https://brasilpopular.com/vaticano-conferencia-sobre-colonialismo-descolonizacao-e-neocolonialismo/ . E, na publicação de Agenda Latino-Americana (Mundial) 2024. Entidade Organizadora: Comissão Dominicana de Justiça e Paz – Brasil (https://www.dominicanos.org.br/justica-paz). Goiânia (Secretariado), 2023 (https://estadodedireito.com.br/agenda-latino-americana-mundial-2024/), com o artigo Descolonizar o Mundo e a Vida, uma Missão Libertadora. Remeto a esse texto em meu artigo de fundo encaminhado para a organização do seminário promovido pela Academia de Ciências Sociais do Vaticano.
Não tendo podido estar presente no Vaticano, designado para o Painel: “The Impact of AI on Economic, Social, Cultural and Environmental Rights”, que dividiria com companheiros latino-americanos vinculados ao COPAJU (Comitê Pan-Americano de Juízes e Juízas para os Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana), enviei o texto conforme o tema que me foi designado, nos termos do programa que organizou o debate. O texto, enquanto não se publica a versão oficial, em espanhol, pode ser lido em – https://odireitoachadonarua.blogspot.com/search?q=Pontificia+Academia+de+las+Ciencias+Sociales+-+Taller+sobre+%E2%80%9CInteligencia+Artificial%2C+Justicia+y+Democracia%E2%80%9D+en+la+Casina+P%C3%ADo+IV%2C+los+d%C3%ADas+4+y+5+de+marzo+de+2025.
Com o título Horizontes éticos e democráticos para a descolonização do mundo digital, faço a seguir uma síntese no que nele foi a minha contribuição para a discussão que se travou nos dois dias do Seminário.
Na síntese, digo que o texto aborda a interseção entre inteligência artificial (IA), justiça, democracia e descolonização digital, destacando a necessidade de uma ética algorítmica (“algor-ética”) que priorize a dignidade humana e evite a delegação de decisões críticas a máquinas. O Santo Padre introduz o conceito de “algor-ética”, enfatizando a necessidade de uma moderação ética dos algoritmos e programas de IA para garantir que sirvam à humanidade. Junto ao Papa Francisco, destaca-se a importância de priorizar a dignidade humana, a autonomia e a tomada de decisões frente aos avanços da IA, alertando sobre o perigo de delegar decisões às máquinas quando essas decisões minam a liberdade e a responsabilidade humanas e estão desvinculadas de considerações éticas.
No âmbito da justiça, alerta-se para os riscos de permitir que a IA tome decisões que devem permanecer sob controle humano, como na administração da justiça e na aplicação da lei. Critica-se a ideia de que os algoritmos possam governar contextos complexos sem considerações éticas, sublinhando que a justiça deve ser impartida por juízes e sistemas judiciais que respeitem os direitos humanos e a equidade.
Também se critica a mercantilização da educação e da cultura por meio da IA e da educação a distância, alertando sobre os riscos da automatização e da perda de empregos, como visto no caso dos atores de Hollywood. Além disso, discute-se o impacto da IA na economia global, com projeções de que ela pode agregar trilhões de dólares, mas à custa da precarização laboral.
O texto explora a colonialidade do poder, do saber e do ser, propondo uma crítica contracolonial que vá além da descolonização, questionando as estruturas coloniais ainda presentes na produção de conhecimento. Mencionam-se pensadores como Frantz Fanon, Aníbal Quijano, Nego Bispo e Ailton Krenak, que defendem uma humanidade mais conectada com a Terra e menos centrada na exploração utilitária.
No âmbito educacional, destaca-se a necessidade de repensar o uso de tecnologias nas salas de aula, promovendo uma pedagogia que fomente a autorregulação e a democracia. Por fim, sublinha-se a importância da autonomia universitária e da liberdade acadêmica em um contexto de avanço do capitalismo universitário, defendendo a educação como um bem público e não como uma mercadoria.
Em resumo, o texto convoca a uma reflexão crítica sobre o impacto da IA na sociedade, defendendo uma abordagem ética decolonial e mais ainda contracolonial que priorize a dignidade humana, a justiça social e a democracia na era digital, incluindo a aplicação da justiça por sistemas judiciais e juízes que respeitem princípios éticos e os direitos humanos.
As discussões se concentraram nos desafios éticos impostos pela IA, sua influência na tomada de decisões judiciais e seu potencial para moldar instituições democráticas. Nesse sentido, tal como registrou a Agência de Notícias Católica (https://www.catholicnewsagency.com/news/262567/vatican-conference-examines-artificial-intelligence-implications-for-democracy-justice), para a Irmã Helen Alford, presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, em seu discurso de abertura da conferência, em seu discurso inaugural: “Assim como em todos os outros aspectos da vida técnica que precisam de uma estrutura ética, as autoridades da Igreja deixam para os especialistas em um campo específico o fardo e a honra de identificar quais são os principais problemas éticos emergentes naquele campo e, então, trabalhar com eles para indicar as soluções que podem ser propostas aos governos e ao público em geral. Desta forma, a Igreja está presente no debate, tanto depositando confiança nos responsáveis por estas tecnologias e pelos seus usos, como se colocando à disposição para participar e apoiar os esforços morais, éticos e políticos de todas as pessoas de boa vontade para dirigir estas tecnologias de forma adequada.”
Entre as muitas e contundentes manifestações de diferentes quadrantes americanos (Sul, Centro e Norte), tocou-me pela força sensível as exposições das juízas brasileiras Ananda Tostes Isoni (Brasília) e Gabriela Lenz de Lacerda (Porto Alegre), articuladoras e dirigentes do capítulo brasileiro do COPAJU. Carregadas do esperançar francisco-freireano elas falaram de esperança ativa, não a esperança sentada que assiste passiva o descarte e a desumanização. Propositivas e imaginativas, elas deram respostas consistentes aos desafios que o tema do Seminário coloca, sabendo extrair do chamamento do Papa Francisco a noção de “algor-ética” para trazer, com exemplos suleadores, e a partir do mundo do trabalho, a dignidade jurídica da luta emancipatória por justiça e por direitos. Marcante trazer Nego Bispo para articular o esperançar com o confluir, ser mais sem deixar de ser subjetivamente. E tomar as alternativas que encantam o ambiente judicial para advertir, que entre nós, que ser contra-hegemônico é um modo de ser necessariamente contracolonial, como sustentam o próprio Nego Bispo e com ele Ailton Krenak. Com elas tomei conhecimento do uso inteligente e solidário da Inteligência Artificial e de eticidade algorítmica, como a que se estabelece com o programa “contrate quem luta” do MST, no Brasil.
Em todas as manifestações elevamos os corações em fervorosa oração pela recuperação do Papa Francisco, solidários com seu sofrimento, mas com a fé inabalável de que sua grande força espiritual e discernimento, mais do que nunca, são necessários para abrir caminhos que orientem nossas ações rumo à edificação do mundo e ao caminho da transcendência. E para ele serão transmitidos, em carta, esses votos solidários e uma síntese das discussões para as quais ele, a todos e a todas, convocou.
(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)
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