quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

 

A Importância e a urgência de o Brasil ter Protagonismo no Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

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Está na mesa do Presidente da República para avaliação, já com candidaturas escrutinadas pelos ministros dos Direitos Humanos, da Advocacia Geral da União e das Relações Exteriores (MRE), nomes para serem indicados a uma das vagas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que estarão em disputa na próxima Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Mais que nunca se faz necessária a qualificação da representação do Brasil na CIDH, não só pela densidade da agenda complexa e incidente em vários campos que afetam o país, violência, passando pelos sistemas de garantia de direitos de povos originários e tradicionais, situação carcerária, liberdade de expressão e de consciência, até alcançar o campo crítico da educação e de garantia da liberdade de ensino e de cátedra; mas com alcance sistêmico, desde que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), tem como objetivo promover e proteger os direitos humanos nas Américas.

A CIDH foi criada em 1959 e tem sua sede em Washington, D.C. Seu escopo é amplo e abrange várias áreas, incluindo: 1. Promoção dos direitos humanos: A CIDH promove a conscientização e o respeito pelos direitos humanos nas Américas, por meio de campanhas de educação, treinamento e cooperação com governos e organizações não governamentais; 2. Proteção dos direitos humanos: A CIDH recebe e investiga denúncias de violações de direitos humanos, e pode emitir recomendações aos governos para que tomem medidas para prevenir ou reparar essas violações; 3. Supervisão da situação dos direitos humanos: A CIDH realiza visitas in loco a países membros da OEA para avaliar a situação dos direitos humanos e fazer recomendações para melhorar a proteção desses direitos; 4. Assessoria aos Estados: A CIDH fornece assessoria técnica e jurídica aos Estados membros da OEA para ajudá-los a implementar as normas e padrões internacionais de direitos humanos.

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos, apoiado na CIDH como um de seus pilares e na Corte Interamericana de Direitos Humanos, é um espaço estratégico, tanto no plano teórico de atualização dos fundamentos e princípios do direitos humanos para sua implementação regional por mediação convencional (equivalente ao plano interno constitucional), quanto empírico, na incidência de julgamentos vinculantes que se internalizam do direito nacional e na jurisdição nacionais e nas diretrizes cogentes formuladas pela Comissão (CIDH).

A CIDH, que aqui trato, dispõe de importantes meios para realizar seu trabalho, incluindo: o Relatório Anual sobre a Situação dos Direitos Humanos nas Américas; as Relatorias Especiais sobre temas específicos, como a liberdade de expressão ou os direitos das mulheres; as Visitas In Loco a países membros da OEA; as Audiências Públicas para receber denúncias e testemunhos de vítimas de violações de direitos humanos.

Fiz referências a várias dessas incidências no contexto de temas originados do Brasil que foram objeto de uma ou de algumas dessas formas de atuação da CIDH no país, aqui neste espaço do Jornal Brasil Popular: https://brasilpopular.com/autoanistia-uma-violencia-inconstitucional-e-inconvencionaldo-delinquente-a-fim-gerar-sua-impunidade/, sobre prevenir tentativas extravagantes de se esconder à responsabilização em situações de violações a direitos humanos e de atentados às instituições democráticas. Também em https://adunb.org/conteudo/1885/povos-indigenas-peruanos-e-o-bem-viver-uma-proposta-de-pacto-para-renaturalizar-os-direitos-humanos, que escrevi com Renata Carolina Corrêa Vieira, para por em causa manifestação da CIDH, segundo a qual “la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) adoptó su Resolución 47/2019, mediante la cual otorgó medidas cautelares en favor de los miembros de la comunidad Guyraroká del Pueblo Indígena Guarani Kaiowá. Los solicitantes alegaron que las personas beneficiarias se encontrarían en una situación de riesgo al ser objeto de una serie de amenazas, hostigamientos y hechos de violencia presuntamente por parte de terratenientes en el marco de una controversia sobre la propiedad de la tierra”.

Em resumo, a CIDH é um órgão fundamental para a promoção e proteção dos direitos humanos nas Américas, e seu trabalho é essencial para garantir que os governos e as instituições respeitem e protejam os direitos humanos de todos os indivíduos. E nesse sentido a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tem acompanhado de perto a situação dos direitos humanos no Brasil, com várias visitas e relatórios publicados nos últimos anos.

Em 2018, a CIDH realizou uma visita ao Brasil para avaliar a situação dos direitos humanos no país. O relatório resultante dessa visita, publicado em 2021, destacou preocupações sobre a violência policial, a situação dos povos indígenas e a discriminação contra grupos vulneráveis.

Além disso, a CIDH também tem emitido relatórios temáticos sobre questões específicas, como os direitos dos povos indígenas e afrodescendentes, as condições de vida das pessoas privadas de liberdade e a situação dos defensores de direitos humanos. Recentemente, a CIDH publicou um relatório sobre a implementação do seu Plano Estratégico 2023-2027, que inclui informações sobre as atividades realizadas no Brasil. Em termos de visitas de missões, a CIDH realizou uma visita ao Brasil em 2023, como parte de sua missão de acompanhamento da situação dos direitos humanos no país.

É importante notar que a CIDH também tem trabalhado em estreita colaboração com o governo brasileiro e a sociedade civil para promover a proteção e a promoção dos direitos humanos no país.

Certamente, entre os nomes colocados à avaliação do Presidente da República, todos e todas devem caber no desenho de um perfil ao mesmo tempo acadêmico apto à compreensão paradigmática de temas e de pressupostos epistemológicos compreensivos. Institucionalmente experientes para operar o trânsito entre políticas glocais, simultaneamente locais e globais, nos seus estandares e protocolos (pense-se nos protocolos em construção nos países das regiões para mediar projetos de desenvolvimento que devam ser submetidos a consultas livres, informadas e autônomas, quando se trate de expectativas de caráter econômico em face de direitos de povos originários, tradicionais ou tribais (Convenção 169 da OIT). Internacionalmente reconhecidos para o diálogo intersistêmico entre pretensões de alta densidade política, sensíveis aos níveis correntes de dissensos inclusive ideológicos.

Um outro exemplo, desse incremento sensível de riscos e ameaças vem em seguida a posse do novo presidente dos Estados Unidos. Entre os anúncios de medidas, uma nota que toca diretamente à agenda de cuidados da CIDH está na situação repristinatória de um marcartismo, que é denunciado em matéria de Jamil Chade, Colunista do UOL, em Nova York, 27/01/2025: “A perseguição agora também atinge professores, pesquisadores e cientistas de todas as áreas”.

Transcrevo da matéria: “Declaradamente defensor da liberdade de expressão, o governo de Donald Trump impôs uma ampla censura sobre órgãos de ciência e seus pesquisadores, além de ter criado exigências no setor de artes e instaurado um sistema pelo qual funcionários públicos são forçados a delatar colegas. O UOL obteve acesso a emails entre funcionários e documentos internos de agências e órgãos federais que revelam o clima de pressão e ameaças desde a semana passada. Em um deles, fica estabelecido que todas as viagens de pesquisadores estão canceladas até segunda ordem. Os cientistas estão proibidos de participar de seminários e conferências, até que haja uma revisão completa do setor. ‘Todas as futuras viagens estão sendo suspensas de forma indefinida’, alerta um email interno do NIH (National Institute of Child Health and Human Development), uma das maiores agências federais do governo americano. A mensagem indica ainda que quem estava indo viajar e necessitava fazer uma conexão deveria interromper o trajeto e voltar para os centros de pesquisa”.

Ainda na matéria de Jamil Chade, aludindo a outra instrução, ele afirma que “os pesquisadores foram instruídos a delatar colegas caso haja uma tentativa de manter programas de diversidade. Trump desmontou esses programas, com profundo impacto para o acesso de minorias. O presidente, porém, insiste que os EUA “voltaram a ser um país com base no mérito”.

Curioso que esse tema seja reposto a partir de um lugar inesperado que vem sendo espaço para a defesa de “liberdade de expressão”, quando se trate de desinibir a atuação agressiva de interesses econômicos de ditos de livre mercado. Por esta razão o tema se torna ainda mais sensível do que já o era, quando ativou a atuação preocupada da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (confira em https://brasilpopular.com/principios-interamericanos-sobre-a-liberdade-academica/ ; ver também https://brasilpopular.com/ameaca-a-liberdade-de-ensino-e-a-autonomia-universitaria/ ), que aprovou Princípios Interamericanos sobre a Liberdade Acadêmica, para prevenir “a constatação da ameaça crescente, no continente, de agressões, mobilizações e atitudes contra a autonomia universitária e a liberdade de ensino, sobre a desinstitucionalização e a desconstitucionalização desses fundamentos, caros aos enunciados dos direitos convencionais internacionais, assim como da própria ONU”(https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Principios_Libertad_Academica.pdf).

Por isso estou me referindo à situação dos direitos humanos na região que se tornou mais complexa e desafiadora, tendo em vista as articulações transnacionais tensionando espectro desses antagonismos, na economia, na política e nos valores, acicatados pelas consequências sensíveis relativamente a temas como imigração, trabalho, tolerância, segurança, direitos.

Uma candidatura brasileira surge na percepção de que o Brasil, juntamente com os países com mais protagonismo na região – Colômbia, México, Canadá – não pode estar ausente do sistema nesse contexto uma candidatura assim. Mais que nunca a indicação para essa função reveste de importância histórica do sistema para o Brasil, das ameaças atuais aos direitos humanos no hemisfério.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

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