sexta-feira, 3 de novembro de 2023

 

Povos Indígenas no Brasil 2017/2022

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

Povos Indígenas no Brasil 2017/2022. Autor: RICARDO, Fany Pantaleoni (Ed.), KLEIN, Tatiane (Ed.); SANTOS, Tiago Moreira dos (Ed.). São Paulo: Editora: Instituto Socioambiental, 2023, 828 p.

 

                                               

 

https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/isa-lanca-povos-indigenas-no-brasil-2017-2022-retrato-da-luta-indigena#:~:text=vida%20%7C%20Instituto%20Socioambiental-,ISA%20lan%C3%A7a%20’Povos%20Ind%C3%ADgenas%20no%20Brasil%202017%2D2022’%2C,da%20luta%20ind%C3%ADgena%20pela%20vida&text=S%C3%A3o%20mais%20de%20266%20povos,a%20sul%20do%20territ%C3%B3rio%20nacional.

 

            Recebi de minha colega, também ex-aluna, cuja dissertação de mestrado orientei, Renata Carolina Corrêa Vieira (sobre sua Dissertação – Renata Carolina Corrêa Vieira. Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores e Familiares: A Disputa pelo Direito no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN). Brasília: CEAM-PPGDH (Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania), 2021, 169 f. – ver a recensão que fiz em Lido para Você: https://estadodedireito.com.br/povos-indigenas-povos-e-comunidades-tradicionais-e-agricultores-e-familiares-a-disputa-pelo-direito-no-conselho-de-gestao-do-patrimonio-genetico-cgen/ , incluindo a gravação da sessão de defesa, com a participação de Boaventura de Sousa Santos e Raquel Yrigoyen Fajardo examinadores estrangeiros), o magnífico exemplar, quase livro-de-arte, dessa obra enciclopédica.

A própria Renata, assessora jurídica do ISA, com atuação no Alto e Médio Rio Negro, noroeste amazônico, com base em São Gabriel da Cachoeira, encontrei artigos sobre Consulta Prévia, em co-autoria com Renato Martelli Soares – “Protocolo de Consulta e Fortalecimento do Movimento Indígena no Rio Negro”; com Marcio Santilli, Marivelton Barrosos e Renata Aparecida Alves – “Requerimentos de Lavra Garimpeira Loteiam Até o Rio Negro”; mais uma vez, com Renato Martelli Soares – “A Base da Foirn: Associações Indígenas e seus Atuais Desafios”.

            Da página do ISA retiro informações sobre essa décima terceira edição da série Povos Indígenas no Brasil, referente ao período de 2017 a 2022:  

Ela traz uma visão geral sobre 266 povos indígenas que vivem no Brasil, falantes de cerca de 160 línguas. O volume atual compreende um dos mais conturbados da história indígena pós-redemocratização e destaca, na capa, a liderança Watatakalu Yawalapiti, do Território Indígena do Xingu (MT), lembrando o protagonismo das mulheres indígenas na defesa dos direitos indígenas ante os retrocessos. Inclui um caderno especial de 32 páginas com imagens de destaques.

São mais de 266 povos, uma população que ultrapassa 1,5 milhão de pessoas, falantes de mais de 160 línguas e que vivem em 731 Terras Indígenas, de norte a sul do território nacional. Números que oferecem apenas uma pista da riqueza, da beleza e da diversidade dos povos deste país, e que mostram para as próximas gerações a força do Brasil indígena.

É no livro “Povos Indígenas no Brasil 2017-2022”, publicado pelo Instituto Socioambiental (ISA), que essa força se confirma. Em suas mais de 700 páginas, a publicação mostra que o Brasil indígena é uma história contemporânea que continua emergente, sendo vivida, escrita e recriada cotidianamente. A publicação traz informações completas sobre os povos indígenas que vivem no território brasileiro. Em 2022, a série completou 42 anos de existência e o novo volume cobre o período entre 2017 e 2022.

Acentuando motivações a página ilustra também o campo sobre Indígenas no mapa do Brasil, para destacar que

Colocar os povos indígenas no mapa e na linha histórica do Brasil foi o objetivo da criação da série “Povos Indígenas no Brasil”.

(CEDI), organização que deu origem ao ISA, a publicação nasceu dando visibilidade para a dizimação de diversos povos indígenas e a devastação de seus territórios, que na época era pouco conhecida, até mesmo pelos especialistas.

O CEDI, então, passou a entrar em contato com pessoas que tinham relações diretas com as comunidades indígenas e reuniu uma extensa rede de colaboradores para contribuir para o monitoramento e a visibilidade da luta dos povos indígenas.

o passar do tempo essa rede foi crescendo, agregando indígenas, incorporando mais pesquisadores, médicos, jornalistas, fotógrafos e outros especialistas que se uniram ao esforço de fornecer informações fundamentadas e atualizadas sobre os povos indígenas e seus territórios.

Os artigos que compõem o livro abordam temas como políticas e associações indígenas, legislação, territórios indígenas, gestão, manejo e proteção territorial e ambiental, pressões e ameaças impostas pelo avanço de grandes projetos de infraestrutura, desenvolvimento econômico e político, educação, saúde pública, cultura e patrimônio.

O livro sai num momento importante. O do debate sobre os procedimentos para assegurar o reconhecimento dos direitos originários dos povos indígenas, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal que rechaçou a tese ruralista (latifúndio e agro-negócio) do exdrúxulo marco temporal. Repristinada pelo Senado, o tema ainda incomoda, mas tende à rejeição cabal, acumulando-se razões para fundamentar essa rejeição. A propósito, a minha coluna Lido para Você (As Teses Jurídicas em disputa no STF sobre Terras Indígenas .01 de setembro de 2021 | Redação Jornal Estado de Direito (https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/Justica-e-o-marco-Temporal-de-1988-(final).pdf); https://bit.ly/tesesmarcotemporal), em síntese que foi tema de minha recensão: https://estadodedireito.com.br/as-teses-juridicas-em-disputa-no-stf-sobre-terras-indigenas/ .

 

 

A publicação em si, é dividida em duas partes. A primeira contêm seis capítulos com temas como línguas e demografia, legislação, demarcação e proteção das Terras Indígenas, política indigenista, protagonismo indígena e projetos de desenvolvimento. Na Apresentação, os organizadores, nesta parte, colocam como destaque, “o balanço negativo da política de demarcações no período e, também, um detalhamento do maior ataque da história aos direitos indígenas. A situação de vulnerabilidade dos povos indígenas à covid-19 e a inação do Governo Federal frente à pandemia são abordados”. Outro ponto de relevo nesta primeira parte “é a voz dos povos indígenas, na seção ‘Palavras Indígenas’, que apresenta depoimentos de lideranças indígenas sobre o tema Território e Pandemia”.

Na segunda parte, “os contextos regionais são desenhados por especialistas indígenas e não indígenas, com destaques para acontecimentos relevantes no período nas regiões”.

Há muitos encartes, gráficos, fotos, ilustrações, muitos em colorido, com a relevância de registros de lutas de resistência, movimentos, não só políticos mas também estéticos, além de notícias sobre violências e ações de resistência.

O livro lança expectativas marcadas por sinais de esperança, a começar pela instalação de um governo atento ao social e ao popular, com materializações importantes como a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a designação de indígenas para a direção não só do Ministério, mas da FUNAI (agora designada Fundação Nacional dos Povos Indígenas) além de outros órgãos importantes para a gestão autêntica dessas políticas.  

Um forte sinal de esperança é a vitória da tese de que os direitos indígenas, originários, pré-estatais, não podem sofrer restrições ou reduções ainda que legais. Conforme matéria publicada na página do Àwúre, (um projeto conjunto do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) -https://www.awure.com.br/lula-veta-trecho-sobre-marco-temporal-mas-sanciona-novas-regras-para-demarcacoes-indigenas/, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou, nessa sexta-feira (20/10), trecho de um projeto de lei que estabelecia a promulgação da Constituição, em outubro de 1988, como marco temporal para demarcação de terras indígenas. O anúncio foi feito pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

Segundo a matéria, “Lula, no entanto, sancionou trechos da proposta, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro, que definem regras das demarcações. Segundo o ministro, entre os trechos vetados, estão os que previam a possibilidade de cultivo de produtos transgênicos e de atividade garimpeira em terras indígenas. Também foi vetado, segundo o integrante do governo, um ponto que possibilitaria a construção de rodovias em áreas indígenas”.

Os povos indígenas, por suas organizações, tinham a expectativa de veto total. Aliás, o Ministério Público Federal também havia promovido entendimento nesse sentido. O Ministério Público Federal (MPF) defendia o veto integral ao projeto. A nota, elaborada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ªCCR) do MPF, defende que a aplicação da tese do marco temporal não pode ser feita por meio de lei ordinária. A 6ªCCR também alegava que a aplicação da tese restringe garantidos aos indígenas em cláusulas pétreas da Constituição e, por isso, não poderiam ser alterados nem mesmo por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr2/2023/marco-temporal-mpf-defende-veto-a-projeto-de-lei-aprovado-pelo-congresso-nacional.

Muitos de nós. Eu próprio, em minha coluna O Direito Achado na Rua publicada no Jornal Brasil Popular, somei com essa posição. No meu argumento, escrevi (https://www.brasilpopular.com/45819-2/), “Quem luta por superar as desigualdades profundas do experimento capitalista-colonial, e a exigência política para vencer o abismo que esse experimento cria na forma de exclusão e de opressão, não deve ter dúvida do lado a tomar. O Presidente Lula, em fidelidade a seu discurso e da prática que ele traduz, não deve ter dúvida de seu lado político na História, para conduzir sua promessa de uma governança que enfrente a miséria, a pobreza e a fome e não se renda às injunções que afrontam a Constituição para criar obstáculos à reforma agrária e querer subtrair dos povos indígenas originários seu direito próprio e o reconhecimento desse direito a seus territórios e a seu modo de existir e de preservar seus usos e tradições sociais e culturais. O Presidente não deve ter dúvida e, se tiver, deve ficar ao lado dos pobres e dos povos indígenas. Deve vetar esse projeto emulativo de cizânia no plano institucional e extremamente perverso no plano político, em tudo antagônico ao conteúdo ético de sua proposta programática”.

A posição do Presidente pelo veto parcial, mantendo aspectos procedimentais do projeto do Senado, parece orientar-se para uma posição que sinaliza o desejo de arrefecer possíveis tensões entre os poderes. No essencial, o veto responde aos interesses dos povos indígenas. Segundo a matéria de Àwúre, o Presidente “tomou a decisão após se reunir, na residência oficial do Palácio da Alvorada, com os ministros Padilha, Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas)”.

 Para marcar os 35 anos da Constituição Federal, o Ministério dos Povos Indígenas promoveu no dia 9 de outubro um seminário nacional para destacar e discutir a importância da constitucionalização dos direitos indígenas na carta promulgada sob grande participação popular após a redemocratização do país em outubro de 1988 e da construção de uma constituição pluriétnica, que reconhece o direito à diferença.

No entendimento da organização, “A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a contar com a participação efetiva dos povos indígenas. À época, várias lideranças e caciques ficaram acampados em Brasília promovendo debates e articulações para apresentar propostas ao textos que estabeleceu pontos importantes relativo aos povos indígenas como o direito originário às terras que tradicionalmente ocupam, o direito à diversidade étnica e cultural, previstos no art. 231, e ainda o direito ao pleno exercício de sua capacidade processual para defesa de seus interesses, no art. 232. Os dois artigos alteraram a relação entre os povos indígenas e o Estado, rompendo com a lógica tutelar que considerava os indígenas incapazes para vida civil e para o exercício de seus direitos e os reconhecendo como sujeitos plenos de direito, inaugurando assim, um estado pluriétnico”.

A primeira mesa do seminário, coordenada pela presidenta da Funai Joenia Wapichana, reunirá os advogados José Geraldo de Sousa Junior, Paulo Pankararu, Fernanda Kaingang, e Paulo Machado Guimarães para discutirem as perspectivas de construção e uma Constituição Pluriétnica.

A segunda mesa, sob coordenação do Secretário Executivo do MPI, Eloy Terena, debateu a Constitucionalização do Direito dos Povos Indígenas na CF/88, com o jurista Conrado Hubner, e as advogadas Melina Fachin e Samara Pataxó.

A rica discussão pode ser revista em Seminário Nacional Povos Indígenas e Direito Originário: 35 anos da Constituição Federal – Parte 1 (https://www.youtube.com/watch?v=a9PCnsmrZPA&t=1273s); e Parte 2 (https://www.youtube.com/watch?v=obSJ1wWQxOE&t=1134s).

Nesse seminário foi muito importante retomar temas que têm sido conteúdo de muitas discussões a partir de posicionamentos de estudiosos indígenas mas de aliados de sua causa legítima. Encontro no Seminário Eloy Terena, atual secretário-executivo do Ministério, um desses interpretes de sabida autenticidade. No livro ele trata do tema da ADPF 709 no STF e o Enfrentamento da Pandemia. Sobre esse tema, não só Eloy, cuja leitura sobre os direitos indígenas é das mais atualizadas (reporto-me a sua tese de doutoramento: Luiz Henrique Eloy Amado (Eloy Terena). O Campo Social do Direito e a Teoria do Direito Indigenista. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2022, de cuja banca participei, tendo publicado minha arguição em minha coluna de resenhas: https://estadodedireito.com.br/o-campo-social-do-direito-e-a-teoria-do-direito-indigenista/).

Eloy também já publicara no volume 10 de O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade, um agudo ensaio – O Direito que Nasce da Aldeia, configurando a condição cogente dessa juridicidade precedente e sobredeterminante (cf. em https://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-volume-10-introducao-critica-ao-direito-como-liberdade/). Mas, em outras publicações sobre o marcador O Direito Achado na Rua, essas questões haviam sido lançadas para fundamentar um ponto-de-vista que ganha adensamento. Assim, em SOUSA Junior, José Geraldo de et al (orgs). O Direito Achado na Rua. Questões emergentes, revisitações e travessias. Coleção Direito Vivo nº 5. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021, o artigo: O Constitucionalismo Achado na Rua, os Sujeitos Coletivos Instituintes de Direito e o Caso da APIB na ADPF nº 709, trabalho em co-autoria de Marconi Moura de Lima Burum, Mauro Almeida Noleto, Priscila Kavamura Guimarães de Moura e Renan Sales de Meira; e também, de Marivelton Barroso Baré e Renata Carolina Corrêa Vieira, o ensaio O Protagonismo Indígena na Defesa da Vida: a pandemia da Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira, publicado em SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; RAMPIN, Talita Tatiana Dias; AMARAL, Alberto Carvalho (orgs.). Direitos Humanos & Covid-19. Respostas Sociais à Pandemia, vol. 2. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2022.

Em minha participação no Seminário promovido pelo Ministério dos Povos Indígenas, sobre os 35 anos da Constituição Federal de 1988, terçando argumentos que depois recoloquei em outro debate, desta feita dividindo a cena com Ailton Krenak (https://www.youtube.com/watch?v=twZYJIe7vDs&t=24s – Ponto de Vista – 35 Anos da Constituição Federal – Direitos Indígenas – 19/10/23, em programa especial produzido pela TV Câmara, que distinguem enunciados das lutas urgentes dos povos indígenas, derivados de seus direitos pré-estatais: a autodemarcação, a retomada, a desintrusão, o protocolo autônomo de consulta e consentimento.

São demandas que abrem alertas de preocupação. Basta ver a nota lançada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns (https://www.ihu.unisinos.br/633615-sobre-as-pressoes-para-a-desintrusao-de-invasores-da-terra-indigena-apyterewa), denunciando que “desde o seu reconhecimento pelo Estado brasileiro, sempre houve forte campanha de estímulo à invasão e ao consequente loteamento da terra. Os invasores recorrem à artimanha de “fatos consumados” para impedir o direito fundamental dos povos indígenas ao usufruto exclusivo de suas terras tradicionalmente ocupadas, demarcadas e regularizadas conforme o artigo 231, § 1º da Constituição”. A nota se dirige à urgência de desintrusão da terra indígena apyterewa, mas pode se aplicar a todas as situações contidas nessa urgência.

São estratégias que, no livro, com muita convicção designam o alcance insurgente das lutas dos povos indígenas, para as quais chamo a atenção, para que sejam lidas em matérias, artigos, entrevistas e palavras indígenas que dão atualidade à obra, entre outras manifestações que logo procurei examinar: É a Hora de Ouvir: Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento, de Biviany Rojas Garzón e Luíz Donisete Benzi Grupioni; Retomar e Fortalecer a Funai, de Fernando Vianna (Fedola), Luana Almeida e Mitia Antunha; Protocolo de Consulta e Fortalecimento do Movimento Indígena no Rio Negro, de Renata Carolina Corrêa Vieira e Renato Martelli Soares; Comunidades Indígenas Engajam-se na Autodemarcação,  de José Cândido Ferreira, Patrícia Carvalho Rosa e João Bento Ramos; “Autodemarcação é Ato Político. É a Nossa Forma de Dizer que essa Terra é Nossa”, Entrevista concedida à equipe de edição; Desintrusão da TI Pankararu (PE) e Covid-19 no Real Parque (SP), de Arianne Rayis Lovo; A Autodemarcação do Povo Nawa, de Fábio Pontes e Alexandre Noronha; Povo Pataxó Retoma Territórios Tradicionais, de Tiago Miotto; Território Insurgente – o Uso da Terra nas Retomadas Terena, de Carolina Perini de Almeida e Gilberto Azanha; O Conselho do Povo Terena como Instância de Consolidação das Retomadas, box; Os Avá Guarani e as Retomadas pela Terra e pela Vida, de Rafael Nakamura e Júlia Navarra.

Não integra a publicação mas se constitui uma leitura necessária, o artigo de Eloy Terena e Roberta Amanajás – “O Direito Constitucional à Retomada de Terras Indígenas Originárias”. Este texto está lançado em obra coordenada pela FIAN Brasil e pelo Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua (O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas: enunciados jurídicos / Organização Valéria Torres Amaral Burity, Antonio Escrivão Filho, Roberta Amanajás Monteiro, José Geraldo de Sousa Junior. 1ª edição. Brasília: FIAN Brasília; O Direito Achado na Rua, 2020). Para os autores, “as retomadas dos territórios tradicionais podem ser entendidas como atos de resistência em defesa dos direitos humanos” e por essa via, inseridos constitucionalmente e convencionalmente ao direito dos povos indígenas ao “Território tradicional, do Direito à Identidade Cultural e da inadequação ou omissão de políticas públicas articuladas e específicas”.

Encontro nesses textos, a força daquela disposição que procurei levar para com ela aferir o alcance insurgente e constituinte que encontrei na dissertação de Luís de Camões Lima Boaventura. Autodemarcação Territorial Indígena: uma análise da via acionada pelos Munduruku face o abandono das demarcações. Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília – UnB, 2023, quando a examinei (https://estadodedireito.com.br/luis-de-camoes-lima-boaventura-autodemarcacao-territorial-indigena-uma-analise-da-via-acionada-pelos-munduruku-face-o-abandono-das-demarcacoes/).

Embora reconheço a procedência do mal-estar de Camões sobre os principais registros notadamente do STF relativamente ao reconhecimento da legitimidade das pretensões indígenas, principalmente tendo como paradigma a incidência decisória na demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Entretanto, vejo que a sua leitura comporta a possibilidade de “alternativas subversivas indígenas” para “emancipar coletivos historicamente oprimidos”. E gosto de pensar que há confiança política e epistemológica no referencial teórico e prático de O Direito Achado na Rua, para realizar essas alternativas, assentadas nas posições de “povos que sabem e decidem resistir”, qual tamanduá, tal como metaforicamente aludem os Munduruku, na 1ª carta de autodemarcação de seu território.

Elas encontram ressonância global em leituras que procuram sustentar a representação política de povos indígenas para a sua autonomia e para conduzir demandas indígenas para a descolonização do estado. Esse foi o enfoque de minha contribuição para o dossiê que Raquel Yrigoyen Fajardo preparou quando assessorou em seu país, o Perú, engolfado numa crise de governança, pensando os interesses legítimos dos povos orginários (Dosier Perú. Crisis de Representación Política y Demandas Indígenas para la Descolonización del Estado. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad (IIDS). (2023). Lima, junio 2023). A respeito, em minha Coluna Lido para Você (https://estadodedireito.com.br/crisis-de-representacion-politica-y-demandas-indigenas-para-la-descolonizacion-del-estado/), pontos de minha consideração que pretendeu inserir essas demandas no âmbito constitucional que as deve abrigar:

Logo de caracterizar a Exclusão Histórica dos Povos e as Demandas para uma Assembleia Constituinte Plurinacional, o Dossiê, em pormenor, expõe as Graves Violações de Direitos Humanos e as Demandas para Cessar o Genocídio de Povos Indígenas. E logo as Propostas e Demandas de Participação Política de Povos Indígenas e Afroperuanos no Estado. O Dossiê se completa com uma Infografías: Cronologia dos Fatos e Referências Bibliográficas que documentam a narrativa e as Conclusões do Documento.

Sem hierarquizar as participações, detenho-me nas anotações que procedem de Raquel Yrigoyen Fajardo, com quem aprendi a aferir as mais eloquentes experiências constitucionais na América Latina, incluindo o Canadá, me valendo de seu modelo de classificação dos sistemas constitucionais latino-americanos. Ela alude a um primeiro ciclo caracterizado como “constitucionalismo multicultural” (Canadá, 1982), (Guatemala, 1985), (Nicarágua 1987) e (Brasil, 1988). O segundo ciclo referente ao “constitucionalismo pluricultural” (Colômbia, 1991), (México e Paraguai, 1992), (Peru, 1993), Bolívia e Argentina, 1994), (Equador, 1996 e 1998) e (Venezuela, 1999). E o terceiro ciclo, finalmente, é reconhecido pelo alcance de um “constitucionalismo plurinacional”, a partir das inovadoras Constituições do (Equador, 2008) e (Bolívia, 2009), nas quais, diz Raquel, já se trata de um ciclo pluricultural, plurinacional e ecológico, nas quais “se pluraliza a definição de direitos, a democracia e a composição dos órgãos públicos e as formas de exercício do poder”.

Raquel Yrigoyen, que já inscrevera em sua concepção a tese de um constitucionalismo plurinacional, tem avançado fortemente, desde seu diálogo com as cosmogonias e cosmovisões dos povos ancestrais, em direção a um constitucionalismo ecológico ou eco-constitucionalismo, sem contudo abdicar de suas teses originais sobre o pluralismo jurídico.

 É assim, portanto, na direção dessa referência a um constitucional aberto a posições que reconheçam o alcance do social que o realiza que se pode compreender a decisão do Ministro Fachin  para repensar a dimensão política da função judicial  e reconhecer que “são os sujeitos coletivos que conferem sentido à soberania popular”, e que, afirmam uma ‘participação política da comunidade [indígena]’ expressão dessa subjetividade coletiva que se faz titular de direitos em perspectiva inter-sistêmica, juridicamente plural”, conforme seu voto no TSE (segundo semestre de 2022), por ocasião do julgamento do Recurso Especial Eleitoral (Processo Número: 0600136-96.2020.6.17.0055 – Pesqueira – Pernambuco.

Também na relatoria do julgamento sobre o marco temporal, em completar o seu entendimento, agora valendo-se de consideração sobre “a dimensão política da função judicial, apontada por Antônio Escrivão Filho e José Geraldo Souza Junior (Para um debate teórico-conceitual e político sobre os direitos humanos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016)” para, não só afastar  “o mito de neutralidade e buscando processos de democratização da justiça a partir, inclusive, da sua reorientação aproximada da realidade brasileira”, mas para afirmar, nesse passo, que “são os sujeitos coletivos que conferem sentido à soberania popular”, e que, afirmam uma “participação política da comunidade [indígena]” expressão dessa subjetividade coletiva que se faz titular de direitos em perspectiva inter-sistêmica, juridicamente plural.

Sobre essa consideração remeto ao meu artigo Constituição Federal, 35 Anos: Ainda uma Disputa por Posições Interpretativas, publicado em FACHIN, Luiz Edson; BARROSO, Luís Roberto; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (Coordenadores). A Constituição da Democracia em seus 35 Anos. Belo Horizonte: Fórum, 2023. Entretanto, penso, que a obra publicada pelo ISA, com a autenticidade que remarca todas as contribuições e elementos nela reunidos, se constitui verdadeira plataforma para sustentar as melhores e mais bem posicionadas interpretações para realizar as promessas da Constituição, notadamente na questão indígena.

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

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