segunda-feira, 11 de setembro de 2023

 

DISCURSO PATRONO –DA TURMA DE FORMANDAS E FORMANDOS NO 1º SEMESTRE DE 2023

FACULDADE DE DIREITO – UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Professor Antonio Sergio Escrivão Filho

 

ILUSTRÍSSIMA SENHORA DIRETORA DA FACULDADE DE DIREITO – PROF. DANIELA MARQUES

ILUSTRISSIMA COORDENADORA DO CURSO – PROF. FERNANDA LAGE

ILUSTRISSIMA COLEGA PRATRONESSE – PROF. GABRIELA NEVES DELGADO

ILUSTRISSIMOS PROFESSOR E PROFESSORA HOMENAGEADOS – PROF. MENELICK DE CARVALHO NETO E PROF. RENATA DUTRA

ILUSTRES FAMILIARES, AMIGAS E AMIGOS,

ILUSTRES, QUERIDAS E QUERIDOS FORMANDOS

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É com o coração mais vasto que o mundo, pleno de sentimentos e sentidos recolhidos e em alguma medida compartilhados com vocês em sala de aula, que lhes devolvo neste momento algumas palavras para que enfim possamos seguir os caminhos e perseguir os projetos de vida e de sociedade que inspiram a cada uma e cada um de nós.

Talvez como diria o poeta pernambucano, na noite de hoje, ao dar o primeiro passo despedindo-se aqui de Athos Bulcão, o mundo terá saído do lugar. Serão poucos os momentos na vida em que isso ocorrerá de maneira tão intensa e até literal.

O protocolo é de colação (de grau), mas o momento é de intensos deslocamentos dos sentidos, do papel, da importância e do ato potência que vocês passam a representar nas suas próprias vidas; nas vidas daquelas e daqueles que amam e por quem são amados; e ao mesmo tempo, como não haveria de ser diferente, na vida da nossa sociedade.

A partir daqui, ou melhor, partindo daqui, deste tempo-espaço de celebração de uma conquista que é indistintamente individual e coletiva, nada fica para trás. O instante que era futuro ao entrar por aquela porta já se realizou. O horizonte do Direito, avistado ao ingressar na Universidade de Brasília, continua lá, à mesma distância, mas agora vocês lançam para ele uma mirada como quem o conhece. E são poucos, é bem verdade. O que só faz aumentar a potência individual, e a responsabilidade social, com as quais vocês continuarão a caminhar a partir daqui. A partir de então.

Então vocês me convidaram, e assim convocaram, provocaram algumas reflexões que aparecem no horizonte do Direito neste tempo de homens partidos. Nosso tempo como no poema de Drummond.

Desde o ingresso até este momento de partida, muitos se partiram. Mundos se partiram. Durante aquele longo que agora já é breve período de graduação vocês vivenciaram com a sociedade brasileira e internacional eventos historicamente emblemáticos, e dramáticos. A sociedade foi intensamente impactada, e por via de consequência, o Direito.

Como diria Roberto Lyra Filho, um dos expoentes desta eminente Faculdade, o direito é processo, dentro do processo social. E como processo, ele está em constante vir-a-ser. Vocês também estão.

Aquela mirada para o horizonte no ingresso da Faculdade de Direito vos fez chegar até aqui. Verdadeiro momento constituinte, que recolhe uma intensa experiência revolucionária nos modos de ser e de viver de cada uma e cada um de vocês.

Verdadeiro momento constituinte que partindo desta revolução em suas vidas, se projeta agora para o futuro, com novas perspectivas de ser e se encontrar consigo mesmo, com a sociedade e com o direito. Por isso me permitam avançar dizendo o seguinte.

A escolha que vocês fizeram pelo Direito constitui agora em vocês um poder, que carrega consigo uma mesma e exata medida de responsabilidade. Ao sair por aquela porta e se despedir da graduação em Direito, vocês estarão autorizadas e autorizados pela sociedade para, constituindo um grupo bastante seleto, e finalmente diverso, exercer uma profissão jurídica, e praticar o Direito.

Neste ano em que a política de ações afirmativas completa 10 anos no Brasil, inaugurada e alavancada pela Universidade de Brasília, sabemos já que esta diversidade se projeta no horizonte como um dos elementos de maior impacto na realidade do direito. Tardou, mas o horizonte agora é, ao menos, avistado. Ainda temos muito que caminhar. Caminhar na universidade, caminhar na rua.

Como diria o poeta Cassiano Ricardo, a rua onde cada um de nós é um pouco mais dos outros do que si mesmo. A rua da transformação social, onde mora o acontecimento.

Ao sair por aquela porta, a rua, a universidade e o sistema de justiça vos esperam.

“Cê vai, ocê fique, você nunca volte!” Ao colocar estas palavras na boca da mulher que vê o seu marido partir rumo à terceira margem do rio, Guimarães Rosa sugere com impressionante síntese poética que a partida possui algo de existencial. “Cê vai”, mas para onde? “Ocê fique”, mas se decida. “Você nunca volte”, pois a partir de agora já é outro, e ao retornar, marcado pelas tuas escolhas, talvez eu já não lhe reconheça mais.

A pergunta é difícil, mas, para onde pretendem ir, com o Direito?

Ao sair por aquela porta, vocês estarão autorizados ao exercício de uma profissão jurídica. É verdade que outras esfinges ainda lhes desafiarão neste percurso, mas ao menos sabemos que o primeiro passo foi dado, e para vocês, o mundo do Direito lá fora saiu do lugar.

Estão autorizadas e autorizados a intensificar seus passos na prática do Direito. Autorizada, é aquela pessoa dotada de autoridade. Autoridade, é um atributo daquela ou daquele que exerce um poder.

A pergunta é difícil, mas para onde pretendem ir com este poder?

A propósito, parece oportuno lembrar das nossas conversas em sala de aula. Estabelecer limites para o exercício da autoridade, e materializar o poder de dizer o que ela já não pode fazer, são características genéticas e também cotidianas dos direitos humanos.

Então vou encerrar, a partir desta relação entre o direito como fator de limitação ao exercício do poder da autoridade.

Manejar o direito com prudência, com atenção aos limites ético-jurídicos que a noção de dignidade humana venha nos informar. A todo momento. Agora e agora de novo. Na conformação de contratos internacionais, ou na promoção de causas sociais. No exercício da jurisdição, na sua assessoria, ou na materialização do direito de petição. Na mobilização pública da máquina judicial, ou na defesa individual.

Mas o nosso tempo também me mobiliza a falar de outros limites.

Em tempos de internet, trabalho digital, mundo virtual, as demandas chegam por diferentes canais, e são expiradas por todos os poros. É tempo de respeito, e cuidado. Com o outro, e com o Eu.

A sociedade digital vem forjando formas de trabalho que há muito já desafiaram os limites do espaço e do tempo. O cansaço físico deu lugar ao esgotamento psíquico e mental. Por algum motivo perdemos a capacidade de delimitar e distinguir o que é trabalho, o que é descanso, o que é importante, o que é necessário. O que tem valor, o que tem amor, o que é lazer, o que é prazer.

Então eu peço que tenham cuidado, e respeito. Pelos outros, e por vocês. Sabemos que na sociedade digital perdemos a capacidade de nos despertar para o risco de ser cada dia mais motivado e exigente, com os outros e com nós mesmos. Não se trata somente de excesso, mas um excesso de positividade.

Então estudem, ambicionem, trabalhem, definam e alcancem as suas metas. Mas tenham cuidado. Cuidado e respeito. Com os outros, e consigo mesmo. Não queremos que como o jardineiro do Senhor Keuner, vocês almejem com afinco atribuir ao arbusto uma forma de esfera, mas ao finalmente se deparar com a esfera, já não tenham mais um arbusto para desfrutar.

Então é hora de partir. Repartir. Compartir.

Compartilhei com vocês a sala de aula, e agora compartilhamos todo o mundo fora dela! Sejam bem vindos!

O Direito se avizinha no horizonte. Não é mais o mesmo. Não é mais aquele, mas cheio de expectativas vos espera.

E eu tenho confiança de que ele estará agora em boas mãos.

Parabéns a todas e todos, e muito obrigado!

 

 

 

 

 

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