domingo, 25 de agosto de 2019

A rua pode ser espaço de conquistas?[1]


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Sabrina Durigon Marques 


A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz
Alucinados
Meninos ficando azuis
E desencarnando
Lá no Brejo da Cruz
Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil
Uns vendem fumo
Tem uns que viram Jesus!
Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem
Brejo da Cruz – Chico Buarque



Nesta semana ocorreram diversas atividades de resistência realizadas pela população em situação de rua. O dia19 de agosto foi escolhido como o Dia Nacional da População em Situação de Rua em razão do massacre ocorrido na Praça da Sé, em São Paulo, há quinze anos, que vitimou 15 pessoas que lá dormiam, deixando 7 mortos e 8 feridos.

Até o momento não houve responsabilização pelos crimes. Apesar da investigação ter identificado alguns responsáveis, apenas dois foram presos, mas por terem sido condenados pela morte da única testemunha que havia, Priscila, que também estava em situação de rua.

A morte é fato sempre presente na vida da população de rua. Seja a morte física, seja a morte social, nas palavras de Padre Júlio Lancellotti, a mistanásia, à qual sempre é submetida a população de rua.


O Diagnóstico. Um dos argumentos utilizados como obstáculo à elaboração de políticas públicas para a população em situação de rua é a dificuldade em se realizar um diagnóstico, identificar quem e quantas são essas pessoas, uma vez que o IBGE não dispõe de tal metodologia. Apontam dificuldade para encontrar as pessoas, além da restrição orçamentária do Instituto. De acordo com última pesquisa divulgada pelo IPEA em 2016, o Brasil tem mais de 100 mil pessoas em situação de rua.
Estudo feito pelo antigo Ministério do Desenvolvimento Social[2] estimou em 2009 que apenas 47% delas estejam inscritas no Cadastro Único e dessas, somente 11% recebam algum benefício, como aposentadoria, bolsa família, BPC, entre outros.

No Distrito Federal, não há dados precisos sobre o quantitativo da população em situação de rua, mas sabe-se que pelo menos 3 mil pessoas já passaram por algum atendimento, de acordo com dados da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social e Direitos Humanos – Sedestmidh, isso significa que o numero total é maior que esse.


Causas e Dificuldades. As causas que levam as pessoas a tal situação podem ser diversas, como problemas de relacionamentos e até rupturas familiares, doenças mentais, dependência química, desemprego entre outros.
Nas ruas a violência sofrida é cotidiana, retirada de cobertores, jatos de água fria pela manhã para limpeza das calçadas, spray de pimenta, e a sempre presente invisibilidade.
Essa violência, que perpassa pela ausência total de alteridade e compreensão do outro como pessoa dotada de dignidade humana, contribui para a ruptura de laços sociais e para a ausência de autoestima, dificultando tal mudança de status. Vislumbrar-se como sujeito de direitos possuidor de potência transformadora é combustível necessário para que as pessoas se coloquem em movimento.


Trabalho e moradia são centrais. As políticas públicas de moradia e emprego devem abarcar a população em situação de rua, precisam ser elaboradas com e para essas pessoas. As políticas não podem se limitar a apartar esse grupo, com medidas penais e assistenciais, mas devem trabalhar com elas e para elas.

O ex-prefeito de São Paulo, João Doria, na contramão desse pressuposto, durante a Operação Cidade Linda envelopou viadutos em que a população de rua morava para “protege-los”, e, como consequência, impedia que fossem vistos por quem passava pelas ruas e calçadas, a fim de que a cidade de São Paulo merecesse seu título de beleza.



Foto: Kleber Ribeiro/Arquivo pessoal e Will Soares/G1



A Política Nacional para População em Situação de Rua, estabelecida pelo Decreto n. 7.053, de 2009, traz em seu artigo 1º a importância da moradia para essa população enquanto que o artigo 7º prevê como objetivo da Política assegurar o acesso amplo à moradia. O artigo 8º, por sua vez, prevê a necessidade de articulação com programas de moradia popular promovidos pelos Governos Federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal.
A Relatoria Especial da ONU para moradia adequada[3] propõe enfoque tridimensional para esta questão: i) a ausência de moradia reflete carência absoluta do aspecto material de uma habitação enquanto local seguro; ii) a situação de rua como forma de discriminação sistêmica que reconhece que a privação de lar dá lugar à identidade social de grupo estigmatizado; iii) esses grupos são compostos por titulares de direitos resilientes na luta pela sobrevivência. Assim, como compreensão única dos sistemas que negam seus direitos, devem ser reconhecidos como agentes da transformação social para a realização do direito à moradia. Nos dizeres do professor José Geraldo de Souza Júnior, sujeitos aptos a “servir a um projeto de organização e de ampliação da capacidade popular de auto exercitar a sua participação como agente determinante ativo e soberano no encaminhamento de seus interesses e na direção de seu próprio destino.”[4]
Dentre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, traçados pela ONU, o ODS 11 trata de “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”, enquanto a meta 11.1 prevê o compromisso de “Até 2030, garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos e urbanizar as favelas”.
No âmbito nacional é fundamental que se monitore como as gestões vêm trilhando caminhos para atingir tal meta.

Muitas políticas tratam a moradia para esse grupo como proposta transitória, e não como local permanente de segurança e conforto, como estabelecem os requisitos do Direito à Moradia adequada. Ousar pensar e criar pode contribuir para essa política. Portugal inovou com a Casa Primeiro de Lisboa, programa que garante moradia individual e permanente, com casas distribuídas pela cidade, evitando a guetização desse grupo, além do estímulo ao trabalho, e da possibilidade de contribuição com 30% de sua renda para pagamento da locação.

Conforme pesquisa realizada em 2015 pela UNB, 90% dos moradores de rua do Distrito Federal exercem atividades remuneradas, mesmo que informal, como vigiar carros ou coletar material reciclável. Tal dado é importante para mitigar os efeitos da estigmatização, do qual essa população é vítima.  O GDF publicou, em 2018, a lei n. 6.128, que reserva um percentual mínimo de vagas de trabalho em serviços e obras públicas para pessoas em situação de rua.

Brasília passa nesse momento por um debate sobre a destinação do Setor Comercial Sul, um dos locais onde a população de rua se concentra. Somado a isso, lá já ocorrem algumas iniciativas de geração de emprego local para esse grupo. É então uma boa oportunidade para pensar políticas de trabalho e moradia com e para essa população. Que não deixemos passar.


Sabrina Durigon Marques é professora universitária, mestra em Direito do Estado pela PUC/SP, conselheira regional do IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e coorganizadora do Volume IX da Coleção Direito Achado na Rua – Introdução Crítica ao Direito Urbanístico.



[1] Texto escrito como base para palestra realizada na Comissão de Direitos Humanos da OAB-DF, representando o Grupo Direito Achado na Rua.
[2] Rua. Aprendendo a Contar. Ministério do Desenvolvimento Social. Disponível em: <https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/Rua_aprendendo_a_contar.pdf> acesso em 23 de agosto de 2019.

[3] Organização das Nações Unidas. Relatório da Relatora Especial sobre moradia adequada como componente do direito a um padrão de vida adequado à não discriminação nesse contexto. Dis[ponível em <https://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2016/11/Relat%C3%B3rio_Popula%C3%A7%C3%A3o-em-situa%C3%A7%C3%A3o-de-rua.pdf>, acesso em 23 de agosto de 2019.
[4] SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Fundamentação teórica do Direito de Moradia. Revista  Direito e Avesso, Brasília, ano 1, n. 2, 1982.

2 comentários:

  1. A População em Situação de Rua é um problema estrutural que vem se perpetuando à décadas. A divida do Estado com essas pessoas é histórica. São invisibilizadas e vistas como "mendigos de ninguém". Faz-se necessário trazer esse debate com urgência, uma vez que as políticas públicas para esse segmento não atendem a todos os que delas necessecitam.

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  2. Olá Que trabalho milagroso de grande Amiso, eu sou Jose Nuno, minha esposa me deixou porque tenho câncer no corpo, então enviei um email para o Dr.Amiso e explico tudo para ele, ele cura a doença e devolve minha esposa de volta para mim , eu também disse ao meu amigo Ferrao, que sua esposa está se divorciando em três dias, ele também entrou em contato com o Dr.Amiso, espera e vê sua esposa ligar para o advogado 2 dias antes do terceiro dia de assinar o documento de divórcio e disse que ela é Para não se divorciar do marido novamente, ele deve parar e pesquisar todos os documentos sobre a questão do divórcio, acredite: agora eles estão vivendo felizes como nunca antes. caso você esteja passando por um problema conjugal, entre em contato com Dr.Amiso pelo herbalisthome01@gmail.com

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