terça-feira, 19 de junho de 2018

Racismo nos jogos jurídicos = racismo jurídico na vida: um retrato do Sistema de Justiça




 Matéria publicada no site Brasil de Fato, em 19/06/2018 - Coluna Política & Direito.


                                                                                                                  Gladstone Leonel Jr[1]




- “Ela é cotista e sempre quer que eu banque, mas eu só vou pagar se gozar”

- “Foi lavadeira, já foi faxineira, hoje a cotista ganha vida com michê (puta).”

- “Eu não tenho medo do MP, (...) se a Federal quer me prender, o Gilmar Mendes vai soltar.”

- “Macaca, Macaca....”

- “Olha o meu rosto, você acha mesmo que eu vou ser presa?”

Esse tipo de discriminação, talvez não fosse novidade para os negros desse país, mas havia algo diferente. Essas foram falas e trechos de músicas entoadas pela torcida da PUC-Rio, nos jogos jurídicos de 2018, que aconteceram em Petrópolis, região serrana do Estado do Rio.

O racismo naquele ambiente era como um recado dado, pois em um espaço de confraternização universitária, não caberia o negro. Os seguidos anos das políticas de ações afirmativas nas universidades surtiam uma ojeriza às pessoas que não conviviam em espaços que não fossem de subordinação desse sujeito negro. O nojo que possuíam já não poderia se limitar às fofocas de corredores deveria ser explícita para que aquele sujeito voltasse a entender o seu lugar e, definitivamente para uma casta jurídica herdeira de “catedráticos” inomináveis, não era aquele.

No caso em questão, os cânticos e xingamentos não foram simplesmente direcionados às outras instituições universitárias federais e estaduais, como se nota na descrição, o alvo preferencial dos “senhores” da nova geração é a mulher negra.  No show de horrores e de bestialização de “alguns juristas em (de)formação”, não faltaram agressões, desde a imitação de macacos diante de atletas da UERJ, ou o arremesso de cascas de banana e xingamentos racistas contra uma atleta de handebol da UFF. 

Mas, o problema seria a PUC-Rio? Basta puni-la que a questão caminharia para uma resolução adequada? Certamente, não é um problema limitado à PUC-Rio, mas uma estrutura acadêmica, institucional e social que opta por manter-se distante do povo, forjando uma casta privilegiada de detentores de um saber/poder manifestada pelo Direito.   

Esse ainda é um retrato cru e bisonho da essência do Sistema de Justiça no Brasil.

Alguns dados que apontam esse racismo estruturante saltam aos olhos:

- no Poder Judiciário, apenas 15% dos servidores e magistrados são pardos ou pretos, segundo censo realizado em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça.

- Nos escritórios, essa proporção é ainda mais desigual: menos de 1% dos cargos dos mais de mil escritórios que compõem o Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (CESA) são preenchidos por sócios, advogados ou estagiários negros, de acordo com estimativa da entidade[1].

Se por um lado, aos negros não cabe dirigir o Sistema de Justiça, sem dúvida são sujeitos fundamentais para o funcionamento perverso dessa engrenagem.

- Segundo o Infopen, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, 64% dos presos no sistema penitenciário nacional são negros.

Quem esquecerá do caso de Janaína Aparecida Aquino, negra e em situação de rua em Mococa (SP), submetida a uma cirurgia de laqueadura tubária contrária a sua vontade?

Quanto às Janaínas do Brasil, o Ministério Público sob as bênçãos do Judiciário ordena a sua não reprodução! Já o aparato da segurança pública mantém a empreitada de extermínio da, já crescida, juventude pobre e negra. A crueldade do sistema de justiça e segurança pública no Brasil perante os negros traz uma mescla de controle racial, social e higienização!

Conforme lembrava, o recentemente falecido Anibal Quijano, esses elementos contribuem para o funcionamento de um Sistema de Justiça amparado pela colonialidade do poder. Visto que, as decisões provenientes do Poder Judiciário não enfrentam o controle do trabalho pelo capital e com orientação do mercado, além de legitimarem uma dominação decorrente de uma pretensa inferioridade identitário-racial. Assim, “funciona” a Justiça no Brasil!  

Diante desse quadro dantesco, a esperança se avoluma, quando os grupos e coletivos negros das universidades, cada vez mais numerosos, inclusive nas faculdades de direito, se juntam e dão o basta. É como se dissessem: - A resistência chegou à Universidade, “seu doutor”!  Cochilou, o cachimbo cai.

Que ao invés dos juristas, aprendamos também com o sambista Ney Lopes, que os direitos humanos se garantem lutando em vários frontes. Em "Nosso nome, resistência", o recado de Ney é dado:

"Palmares, Balaios, Malês, Alfaiates, fugas, guerrilhas, combates
Mão na cara, dedo em riste
pagodes, fundos de quintal, candomblés, jongos, blocos, afoxés
Assim também se resiste".


[1] Pós-Doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília (UnB), Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF).
[2] https://www.jota.info/advocacia/menos-de-1-dos-advogados-de-escritorios-sao-negros-23112017


Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2018/06/19/jogos-juridicos-e-racismo-o-raio-x-do-lugar-do-negro-no-sistema-de-justica-do-brasil/

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