(Boletim da ANA - Edição 66 - Jan 2018)
Campanha
Ana: Você faz parte da RENAP, o que faz essa rede e como as pessoas e organizações
podem acionar?
Luana
Marley: A Rede Nacional de Advogadas e Advogados
Populares – RENAP, é uma rede que articula advogadas e advogados de direitos
humanos que atuam para e com os movimentos sociais, grupos e comunidades que
vivenciam as violações sistemáticas de direitos humanos. Nossa atuação se
baseia no que chamamos de Assessoria Jurídica Popular, que consiste no trabalho
desenvolvido por advogadas/os populares, estudantes, educadores/as, militantes
dos direitos humanos em geral, entre outros/as. Assim, temos o objetivo de
viabilizar um diálogo sobre os principais problemas enfrentados pela população
para a realização de direitos fundamentais para uma vida com dignidade, seja
por meio dos mecanismos oficiais, institucionais, jurídicos, e x t r a j u r í
d i c o s , p o l í t i c o s e d a conscientização. É uma prática jurídica insurgente
desenvolvida principalmente no Brasil, nas décadas de 1960 até hoje. A RENAP já
existe há 22 anos, iniciando na atuação por direito à terra e território, no seio
das lutas por reforma agrária e hoje em dia tem ampliado a sua atuação com
temas estruturantes como o enfrentamento ao racismo, ao machismo, à LGBTfobia e
ao capitalismo.
C.
Ana: O Brasil é signatário da declaração dos Direitos Humanos, nesse sentido o
poder judiciário brasileiro considera esses direitos para as causas que julga,
ou ainda é preciso lembrar juízes e promotores do que o brasil é signatário?
L.
M.: Infelizmente, a todo tempo, precisamos lembrar
ao sistema de justiça sobre a declaração dos Direitos Humanos e inclusive sobre
a própria Constituição. Enfrentamos ainda, inúmeras decisões, e atuações do Ministério
Público, que desconsideram a dignidade humana, os direitos fundamentais, mas
não só isso, se utilizam das normas para uma aplicação da lei de acordo com as
suas conveniências, interesses e olhares moralistas, conservadores,
LGBTfóbicos, machistas e racistas. O que é de extrema gravidade! Não à toa que
inúmeras famílias- comunidades, juntamente com crianças, idosos e mulheres grávidas-
são removidas e despejadas de suas casas, vivenciando a violência do Estado.
Não é à toa que o Brasil está entre os três países que mais encarceram no
mundo, onde a maioria é composta por pessoas negras e pobres. As mulheres são
severamente e duplamente punidas pela sistema de justiça, quando cometem alguma
infração penal ou crime. E quando são vítimas, por exemplo em casos de estupros,
também são colocadas como culpadas por terem vivenciado este crime contra a sua
dignidade sexual.
C.
Ana: Por que tantas defensoras e defensores que lutam junto com os trabalhadores,
o povo pobre, preto das periferias, com a mulheres e LGBTS, são alvos
da repressão e assassinatos?
L.
M.: O conhecimento e a emancipação tem na
expressão das consciências e nas vozes que denunciam os instrumentos de luta
contra aqueles que detém o poder econômico e político à custa do massacre da
população negra, pobre, LGBT, das mulheres, jovens, crianças, adolescentes. Por
isso que, como temos os argumentos de justiça e as resistências, e SIM,
denunciamos, com o objetivo de transformação social, a forma medíocre e violenta
para manutenção do poder deles – que querem manter o machismo, o racismo, a
LGBTfobia, a propriedade privada e o lucro – é a perseguição, a criminalização
dos movimentos sociais e populares, até o assassinato de defensoras e
defensores de direitos humanos, afim de calar suas vozes que denunciam...suas
lutas. É assim que agem os ruralistas, os senhores do agronegócio, parte do
aparato policial, os especuladores imobiliarios. Estes anos de 2016 e 2017 bateram
recordes de assassinatos de defensores e d e f e n s o r a s d e d i r e i t o
s h u m a n o s . Assassinatos, torturas e perseguições, como os que tem
ocorrido com indígenas, quilombolas, feministas, ativistas pelos direitos de
crianças e adolescentes, ativistas LGBT, bem como p e s q u i s a d o r e s e p
e s q u i s a d o r a s d e Universidade Públicas. Aqueles e aquelas defensores
e defensoras que perderam suas vidas estão mais presentes do que nunca nas nossas
lutas, seja onde for!
C.
Ana: Como podemos avançar nas lutas sociais sem necessariamente entrar no terreno
do judicialização?
L.
M.: Na realidade, tenho dito que temos que avançar
por caminhos para além das institucionalidades,
uma vez que vivemos momentos e contornos políticos que se assemelham
a ditadura civil-militar de 1964, não só pelos discursos, mas pelas legislações
autoritárias que mascaradas pelas ideologias facistas, promovem formas
políticas e materiais de manutenção do poder que tem como consequência mortes
físicas, psicológicas e simbólicas daqueles/as que para eles são corpos
inferiores (que não importam). Falo de um projeto neoliberal e conservador! O executivo,
legislativo e com o aval do judiciário contribuem e promovem estes contornos.
Interessa a eles - falo “eles” porque sua maioria é de homens a serviço de e
para homens brancos, ricos e 'cristãos'- a manutenção deste sistema político
que coloniza, que é racista e machista, que ataca a Democracia, os direitos
sociais, como os trabalhistas e, agora, a previdência. Ora, não é á toa que são
estes que defendem a escravidão, o recolhimento da mulher ao âmbito privado (politica
da bela, recatada e do lar), não é à toa que eles (sobretudo, os
fundamentalistas religiosos) inventam um termo chamado “ideologia
de gênero”, como forma de confundir a população para que não se avancem as
discussões de gênero e de diversidade sexual. O que isso quer dizer? É que
estes fanáticos, através de mitos e mentiras, tem promovido o ódio as mulheres
e LGBT, tentando barrar temas importantes como o combate à violência contra as
mulheres e a garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Por isso que as RUAS ainda são os nossos
espaços, é a nossa arena pública e de luta na busca por justiça e igualdade.
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