domingo, 18 de outubro de 2015

20 Anos de Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares!

“É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida!”[1]

Érika Lula de Medeiros, advogada popular, potiguar, mestranda em direitos humanos e cidadania na UnB.
Brasília/outubro de 2015

            20 anos de Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares! Falar de RENAP é falar de luta, de resistência, de encontros e de encontrar-se, de escolher como e com quem caminhar. É falar de reconhecer: direitos, sujeitos, companheiras e companheiros, injustiças, possibilidades, brilhos nos olhos e compromisso. É compreender o sistema de justiça como campo de batalha a ser disputado todos os dias. É nos compreendermos como sujeitos coletivos de advocacia popular, por entendermos que sozinhas andamos bem, mas com as outras andamos melhor. É saber-nos acessório das lutas, cujos protagonistas são as lutadoras e lutadores do campo, dos quilombos, das ocupações urbanas e rurais, das comunidades indígenas.
            Nosso instrumento é o direito, mas nosso horizonte é bem mais amplo, é a justiça. Não deve ser à toa que a justiça é substantivo assim, no feminino. E aí que falar de Renap, para mim, é falar também do encontro com as advogadas populares que resistem e lutam Brasil afora.
            Como em qualquer esfera da vida, na advocacia popular o patriarcado também tenta impor sua violência. Se a atuação da advocacia popular já é difícil por sua dimensão política de estar ao lado dos movimentos sociais e lutas populares, ser advogada popular é enfrentar desafios ainda maiores. Acompanhar um/a militante em processo de criminalização à delegacia, lidar com a polícia em mediações de ocupações, fazer uma sustentação oral em processos de conflitos estruturais de nossas desigualdades, é ter como interlocutores não “apenas” as classes dominantes , mas também o patriarcado nos encarando com seu machismo. É sentir no trato, nos olhares, nas ironias, e às vezes até na pele, essa opressão estruturante.
            Mas quero aproveitar esse momento histórico de 20 anos da Rede para falar para além da opressão machista: quero celebrar a resistência das advogadas populares, resgatando dois momentos recentes já históricos. O primeiro no meu primeiro encontro da Renap, quando ainda estudante de graduação, tive a oportunidade de presenciar, na plenária final do Encontro nacional de Fortaleza, em 2011, um grupo de mulheres advogadas, se reivindicando como coletivo Marietta Baderna de advocacia popular, dando voz aos desafios de ser mulher advogada popular, de ser mulher na advocacia militante. Ali, advogadas populares das cinco regiões do país deram eco aos anseios de igualdade de gênero nos nossos espaços. Não cabe menos do que isso na nossa Rede que luta por emancipação todos os dias.
            O segundo no Encontro nacional de Natal, em 2014, quando conquistamos, pela primeira vez na história da Rede, uma mesa, com a plenária cheia, para debatermos gênero na nossa atuação. Foram ricas discussões que nos provocaram a enxergar como essa dimensão é transversal a nossos desafios: das formas de tortura, passando por questões de criminalização e da nossa relação com o sistema de justiça, as questões de gênero perpassam a totalidade de nossos temas. Importante não perdemos de vista a perspectiva histórica da construção desse momento, que passou por diversas articulações com outras redes como CLADEM e Católicas pelo direito de decidir, que se somaram com oficinas debatendo gênero em outros Encontros, e com os movimentos com quem atuamos.
            Aliás, como sempre, aprendemos com os movimentos: o VI Congresso Nacional do MST, ocorrido em fevereiro de 2014, em Brasília, teve como um dos momentos históricos a conquista de uma das mesas do Congresso, num estádio com quase 20 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais de todo o Brasil, debatendo a dimensão da luta pela reforma agrária popular articulada com a luta das mulheres. Só depois tivemos a nossa primeira mesa com essa mesma preocupação de dar visibilidade a questões de gênero.
            Poderia mencionar outros tantos momentos marcantes, como a fala da companheira Inez Pinheiro, egressa da primeira turma de direito para assentadas e assentados da reforma agrária do Pronera, a Turma Evandro Lins e Silva, no Encontro nacional em Viamão, no Rio Grande do Sul, em 2013. Inesquecível a lembrança da emoção e força de Inez compartilhando suas vivências como advogada popular mulher, negra e do povo, e os desafios dessas dimensões à sua atuação na advocacia. Ou lembrar dos aprendizados com Marília Lomanto, da Bahia, com as Marianas Criolas, do Rio, com Lenir, de Rondônia, com as Natálias, minhas conterrâneas potiguares, com Dani Félix, de Santa Catarina, com as Margaridas de Minas Gerais, com as Lucianas, Ramos e Pivato, hoje no Cerrado, e com tantas outras companheiras espalhadas por todo o país.
            A palavra convence, mas o exemplo arrasta. Que sigamos sendo inspiradas, fortalecidas e arrastadas pela resistência das advogadas populares nas trincheiras da luta por justiça em todo o Brasil. Viva a Renap! Viva as advogadas populares! Sigamos avançando na construção de outro mundo sem opressões de classe, de raça, de gênero ou de qualquer tipo!


[1]“Maria,Maria”, composição de Milton Nascimento.

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