sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Resultado da avaliação trienal da pós-graduação em Direito da UnB

Caros e caras colegas,

            Me associo a todas as manifestações de legítimo regozijo em face do resultado da avaliação trienal que reclassificou o nosso Programa. Me dirijo especialmente aos professores, servidores e membros discentes  que se desdobraram para a organização, coleta e seletividade dos dados pertinentes à análise de desempenho mas, especialmente aos que lograram formular os balizamentos que tornam possível iluminar o horizonte interpretativo desses indicadores pondo em evidência os valores que melhor representam o projeto de nossa pós-graduação em Direito.
            Dirijo-me também aos esforços acumulados desde 1975 quando o Programa foi criado e, ainda que em conjuntura de baixa intensidade quanto ao relêvo da pós-graduação universitária brasileira, se fizeram úteis para dar continuidade institucional e epistemológica a um programa que ganhou relevância na UnB e no País. Cumprimento, neste aspecto, os antigos coordenadores (eu próprio já tive a honra de exercer essa dignificante atribuição, além de  ter sido aluno a começar pelo Mestrado no qual fui admitido em 1978). Esse registro recupera uma fase quase heróica, ou ao menos, romântica, não apenas em cada Programa, mas na própria construção da áera temática na CAPES e no CNPq, se bem me lembro, ao tempo em que participei de ambos os Comitês, quando ainda era reduzida a disponibilidade de doutores para constituí-los.
            Por isso acho relevante recuperar esses esforços, preservando o fio de continuidade demarcado por eventos que eu não hesitaria de denominar fundacionais, não obstante os seus limites se vistos em perspectiva e sem comparações que os depreciem em crítica retrospectiva. Assim, por exemplo, a Revista Notícia do Direito Brasileiro, criada em 1970, com rara permanência temporal apesas de descontinuidades. Ela, ainda assim, recebeu elogios qualificados, entre outros, de René David, um dos mais destacados comparatistas europeus, mestre em Paris de nossa antiga coordenadora Ana Maria Vilella. A criação da Revista Estudos de Direito Público, financiada pela Faculdade, mas reservada à produção dos alunos do Programa, outra iniciativa exemplar que, imagino, deva ser contemplada no planejamento atual de atenção à manifestação intelectual dos discentes. Para mim foi também marcante a institucionalização do Seminário Permanente e Metodológico de Implantação de Linhas de Pesquisa, uma experiência inédita e que considero singular para abrir a transição para o momento atual de nossa pós-graduação. A primeira ação de inter-institucionalidade, realizada com a UNIGRAN em Dourados, teve o valor de experimentação é verdade, mas com resultados positivamente aferíveis, pelo legado – fomento de docentes para a região e fortalecimento do compromisso de responsabilidade social da FD com o sistema regional – além da produção discente que, no conjunto, oferece um dos maiores catálogos editoriais da área de Direito, mesmo considerando que na origem se tratava de dissertações de Mestrado.
            Por isso considero que ao lado do júbilo, mantenhamos “os pés no chão” como propõe Juliano, porque se abre uma nova fase com muitas exigências, necessidade de engajamento e compromisso acadêmico. Notadamente, no que se constitui a inteligência para confrontar os desafios da nova conjuntura.
            Felizmente, temos agora, massa crítica, com as cautelas a que faz referência o Juliano e uma infraestrutura revigorada, dentro dos limites do investimento público. Lembro que, quando Reitor, cumpri o compromisso de contrapartida da expansão destinando o prédio próprio e exclusivo para a FD (à época coloquei a alternativa de nova edificação, tendo sido preferida a manutenção do edifício simbólico da Colina ou “Olimpo” como preferiram e assim destinei prédios novos para os antigos condôminos da antiga FA: administração, ciências contábeis, relações internacionais e ciências políticas, deixando licitada a reforma e modernização do Joaquim Nabuco). Nesse novo desenho, já é notável a redistribuição espacial à pós-graduação.
            Acho que a análise oferecida por Juliano leva a um novo protocolo de futuro. Sinto orgulho de você Juliano, com a alta expressão de prudência e reflexão já acumuladas em sua juventude. Tenho a esperança que o seu exemplo contagie e que nas proposições que venham a ser discutidas, pensando esse futuro, algo do que procurei imprimir como Reitor aos fundamentos e que vejo, se refletem nos resultados da avaliação trienal da pós-graduação da UnB (2010-2012), que se reconhece, avançou. Refiro-me à disposição de não se deixar aprisionar em enquadramentos formais produtivistas de avaliação e não se deixar relegar a condicionamentos de atrelamento secundário a padrões internacionais ditados por centros que fulminam a nossa riqueza autônoma de criação de conhecimento, seguindo o espírito de lealdade sugerido por Darcy Ribeiro para nos caracterizar como uma universidade necessária que sonhei tornar-se também emancipatória.
            Um pouco dessa disposição procurei lançar numa de minhas cartas semanais dirigidas aos docentes da UnB em 2012. Reproduzo seu teor, a seguir, em vermelho:
           
Caríssimo(a)s colegas,
Quero iniciar uma discussão que considero fundamental para determinar o sentido e o alcance do conhecimento que realizamos na universidade. Em cartas subseqüentes continuarei a desdobrar o assunto.
Desde o final dos anos 1990, a educação de nível superior brasileira agregou uma nova lógica ao seu desempenho: a valorização da atividade docente e de pesquisa pela aferição de publicações científicas em periódicos qualificados. Esta estratégia de gerenciamento da produção visava originalmente estimular o desenvolvimento científico e colocar o Brasil no mesmo patamar internacional de indexação da atividade científica. Sua aplicação indistinta a todas as áreas de conhecimento e uma apropriação excessivamente quantitativista contudo, têm apresentado efeitos preocupantes para a autonomia dos pesquisadores e para a identidade das instituições a que se vinculam.
Atrelados a um regime individualista, professoras e professores, pesquisadores de nível superior, tem suas estratégias de investimento do tempo de trabalho orientadas para a produção em massa de pequenos bits de informação – cabe lembrar, por exemplo, o quanto os livros são desvalorizados em relação aos periódicos, chegando a pontuar apenas um décimo destes. Não discuto aqui a anunciada inflação da Sociedade do Conhecimento que essa superprodução de informação tende a provocar. Antes, nossa atenção deve se voltar para a maneira como se conformam a este modelo as agendas de pesquisa e inovação e as suas consequências para a manutenção diária da instituição universitária.
Não se trata de hostilizar indicadores que parecem ter alcançado uma disposição de consenso, no sentido paradigmático a que alude Thomas Kuhn. Mas é uma ilusão crer que esta estratégia poderá de fato emancipar o Brasil como produtor de ciência no mundo globalizado. Seguir as metas estrangeiras apenas garante que o país nunca abandone sua condição periférica no cenário internacional. Não há espaço para a criatividade enquanto a palavra de ordem seja adequação. Mais do que isso, sermos consumidores deste formato de saber alóctone significa negligenciar o saber local. E muito mais ainda, renunciar à possibilidade, lembra Boaventura de Sousa Santos (The European University at Crossroads, conferência proferida na Universidade de Bolonha em 16/09/2010), de contribuir para construção de uma universidade que ao invés de formar conformistas competentes se disponha a formar rebeldes competentes que saibam considerar o conhecimento um bem público e não uma commodity.
Com agências de financiamento externo, ainda que público, impondo critérios gerais e unificadores, sob a justificativa de democratizar, por um tipo de desvio meritocrático, a avaliação da pesquisa de nível superior no Brasil, as universidades do país, em lugar de caminharem para ficar ombro a ombro, afastam-se. Tampouco as comunidades universitárias, individualmente, sinalizam uma integração em equipes. Pelo contrário, os docentes perdem o vínculo com seus departamentos, com seus colegas e, fundamentalmente, com seus alunos. O ensino de graduação e a extensão tornam-se, cada vez mais, espaços relegados a segundo plano nos interesses de professoras e professores, que vivem uma competição pautada em padrões idealizados que não abandonam um ilusório horizonte: afastam-se novamente, sempre que nos aproximamos. A meta ambicionada passa a ser colecionar citações ou preencher, desesperadamente, o currículo Lattes, esquecendo-nos da lição prudente do notável cientista que designa a principal plataforma de currículos do país: "a ciência deve ser universal, sem dúvida. Porém, nós não devemos acreditar incondicionalmente nisto".
Um abraço, José Geraldo

           Ao fim e ao cabo, é um alento perceber que, mesmo na Europa, já se busca a construção de rankings de ensino superior voltados para atender à diversidade de formas que uma instituição pode assumir e a pluralidade de interesses que orientam a avaliação sobre a qualidade do ensino superior  de modo a buscar uma aproximação não-quantitativa e a estabelecer como um de seus critérios centrais o impacto social local promovido pelas instituições em benefício do povo. O que preside esses esforços é não apenas a formação de estudantes para o mercado de trabalho para trazer retornos econômicos positivos para a sociedade mas também considerar o conteúdo das pesquisas promovidas pelas instituições de modo a ligá-lo  à realidade local e à promoção do bem-estar comum. Entre os outros critérios constam: o grau de internacionalização da instituição, pesquisa e transferência de conhecimento, e qualidade de ensino, com grande destaque para a prática docente.
            Temos sim, tarefas pela frente, mas muito a celebrar. Parabens a todos e todas.

            José Geraldo

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