Diego Nepomuceno Nardi
Há alguns meses atrás, quando
enviei o primeiro e-mail relatando minhas experiências ao Prof. José Geraldo,
havia mencionado que os primeiros dias por aqui haviam sido marcados por uma
ausência, um sentimento de incompletude.
E eles assim continuam. Ausência de abraços, de manifestações políticas
abertas; ausência de Universidade ocupada e viva; ausência de extensão e de
espaços construídos horizontalmente; falta de relações interpessoais que se
abrem na intimidade aos amigxs; falta da casa cheia, da cumplicidade que vai
para além do cuidadosamente programado e dos espaços
muito bem delimitados.
Nos primeiros dois meses, a
reação que tive ao não familiar foi o isolamento. Um desconforto profundo e uma
tentativa persistente de recriá-lo, sem dar espaço para as possibilidades de
deixar-se afetar que se abrem diante de mim.
Nas aflições de não encontrar um lugar para pertencer, para dar vazão aos anseios de prosseguir debatendo, atuando e levantando pautas como gênero, emancipação, extensão, política estudantil, sempre me voltava (e ainda me volto) às amigas e amigos que se fazem presente, ainda que a dois oceanos de distância. Numa dessas conversas, caiu em minhas mãos um texto do Da Matta, “O Ofício do Etnólogo, ou como Ter Anthropological Blues”. Há coisas ali com as quais não há como concordar, porém, a evocação feita em tom profético (e que me foi um caminho para trilhar) diz: para descobrir é preciso relacionar-se. Criticando o ofício do antropólogo, Da Matta tenta evidenciar a forma como os sentimentos e as emoções se insinuam no trabalho de campo.
Apesar de não estar assumindo o
papel de um antropólogo em minha aproximação com o exótico que é, para mim, a
sociedade japonesa, essa marginalização, que se manifesta em sentimento de
segregação, é indispensável ao estranhamento. E faz um tempo que, ao invés de
tentar suprimir o estranhamento e buscar, unilateralmente, construir
explicações para o não familiar, tenho me esforçado em relacionar-me. Uma
relação baseada no confronto entre minha subjetividade e aquelas que hoje me
circundam, entre o familiar e o exótico, o confronto que, como conclui Da
Matta, desloca nossa própria subjetividade. E desde o primeiro momento que aqui
cheguei, minha subjetividade está sendo deslocada. Nesse deslocamento
relaciono-me intensamente com minha própria cultura: talvez por isso, mais do
que nunca, tenho pensado sobre questões que remetem ao meu lugar no mundo
(Brasileiro? Latino Americano?). Nunca antes contestei tanto minha própria
realidade, lançando dúvidas e questionamentos sobre situações que, até pouco
tempo, não problematizava.
Esse deslocamento tem a
possibilidade de me levar não a entender por inteiro as relações e regras
hierárquicas que marcam a sociedade
japonesa, mas a estabelecer um diálogo, e - recolocando em contexto diverso a
frase de Da Matta – “permitir dialogar com as formas hierárquicas que convivem
conosco”, afinal “o homem não se enxerga sozinho. (...) ele precisa do outro
como seu espelho e seu guia”.
Desde então, aos poucos, tenho
conseguido o companheirismo e confiança daqueles que não apenas se propõem a
construir esse diálogo, mas me levam e me guiam por caminhos que, inicialmente,
não estavam abertos. Talvez, o que eu esteja tentando é, justamente, sem cair
nas armadilhas de um relativismo ou universalismo infecundos, assumir as
possibilidades de um diálogo intercultural baseado em uma hermenêutica
diatópica: perceber que os topoi de
minha cultura são tão incompletos quanto ela mesma, e contribuir, dentro de
minhas possibilidades, para que aquelxs que se propõe a construir esse diálogo
ampliem a consciência sobre a incompletude que também atinge suas próprias
culturas.
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