Por Prof. José Geraldo de Sousa Junior
Reitor da Universidade de Brasília (UnB)
Reitor da Universidade de Brasília (UnB)
Em artigo neste mesmo espaço (novembro-dezembro de 2009), discorri sobre o tema da institucionalização em universidades de turmas especiais em cursos superiores, no caso, curso se direito para assentados da reforma agrária. Estes projetos que tinham sido objeto de grande interesse pela sua novidade e por seu potencial de inclusão social para segmentos historicamente alijados da educação superior, acabaram por receber fortes objeções, apesar das expectativas solidárias que cercaram a sua criação.
Além das críticas ideológicas manifestadas pelos adversários da reforma agrária, uma inesperada resistência de alguns órgãos do Ministério Público, tanto os estaduais quanto o federal, trouxe à baila uma restrição de peso, com a alegação de violação ao princípio constitucional da isonomia. O Ministério Público Federal em Goiás, por exemplo, por meio de Ação Civil Pública protocolada em junho de 2009, chegou a obter sentença declarando a ilegalidade de convênio estabelecido entre o INCRA e a Universidade Federal de Goiás e a conseqüente extinção de curso aberto à turma especial de Direito, para assentados e filhos de pequenos agricultores. A Universidade e o INCRA recorreram da decisão e o recurso aguarda julgamento no Tribunal Regional Federal.
Mas eis que agora, importante decisão acaba de ser prolatada em Recurso Especial (n. 1.179.115 – RS (2010\0020403-6), em acórdão unânime, da lavra do Ministro Herman Benjamin, apreciando apelo da Universidade Federal de Pelotas e do INCRA contra, mais uma vez, o Ministério Público Federal, para reconhecer que é pertinente à autonomia universitária exercitar a mais ampla liberdade para a criação de cursos, inclusive por meio de convênios, e contribuir, assim, para a inclusão social de grupos vulneráveis.
Com cabal percepção de que “a causa envolve questão ligada ao acesso ao ensino universitário restrito a determinado grupo da sociedade (os chamados ‘sem-terra’)”, o acórdão fixa o entendimento de que a questão de fundo enfrentada na causa diz respeito ao controle social de Políticas Públicas, ao sentido e extensão da autonomia universitária, bem como à legalidade de políticas afirmativas no campo educacional, com o objetivo de superar desigualdades sociais.
Para o relator, “a autonomia universitária é uma das conquistas científico-jurídico-políticas da sociedade contemporânea e, por isso, deve ser prestigiada pelo Judiciário”. De acordo com ele, da “universidade se espera não só que ofereça educação escolar convencional, mas também que contribua para o avanço científico-tecnológico do País e seja partícipe do esforço nacional de eliminação ou mitigação, até por políticas afirmativas, das desigualdades que, infelizmente, ainda separam e contrapõem brasileiros”.
Rejeitando o uso rasteiro do princípio da isonomia e sua apropriação meramente retórica que tendem a esvaziar o seu alcance finalístico, o Ministro Benjamin lembra, no caso, que “políticas afirmativas, quando endereçadas a combater genuínas situações fáticas incompatíveis com os fundamentos e princípios do Estado Social, ou a estes dar consistência e eficácia, em nada lembram privilégios, nem com eles se confundem, pois em vez de funcionarem por exclusão de sujeitos de direitos, estampam nos seus objetivos e método a marca da valorização da inclusão, sobretudo daqueles aos quais se negam os benefícios mais elementares do patrimônio material e intelectual da Nação”.
Trata-se, como se pode ver, de uma decisão paradigmática, que recupera para o Judiciário a sua função concretizadora dos princípios e dos valores inscritos na Constituição, para que estes não se tornem, como adverte Boaventura de Sousa Santos, promessas vazias. Com efeito, pontua o Ministro Benjamin, “Sob o nome e invocação do princípio da igualdade, praticam-se ou justificam-se algumas das piores discriminações, ao transformá-lo em biombo retórico e elegante para enevoar ou disfarçar comportamentos e práticas que negam aos sujeitos vulneráveis direitos básicos outorgados a todos pela Constituição e pelas leis. Em verdade, dessa fonte não jorra o princípio da igualdade, mas uma certa contra-igualdade, que nada tem de nobre, pois referenda, pela omissão que prega e espera de administradores e juízes, a perpetuação de vantagens pessoais, originadas de atributos individuais, hereditários ou de casta, associados à riqueza, conhecimento, origem, raça, religião, estado, profissão ou filiação partidária”.
Enfim, a decisão fortalece o entendimento de que a autonomia universitária pode e deve contribuir para incluir e para emancipar, pois esta é a verdadeira função da Universidade. Convênios como o firmado entre o INCRA e a Ufpel, ou entre a autarquia e a Ufgo, visam, exatamente, a realizar os princípios da igualdade de condições de ensino, do pluralismo de idéias, do respeito à liberdade, do apreço à tolerância, da gestão democrática do ensino e da vinculação entre educação, trabalho e práticas sociais e que ao Judiciário, cabe sim fortalecer a execução de Políticas Públicas que busquem reduzir desigualdades sociais, nas cidades e no campo.
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