sábado, 31 de janeiro de 2015

Entrevista Zygmunt Bauman: “É possível que já estejamos em plena revolução”

Entrevista Zygmunt Bauman: “É possível que já estejamos em plena revolução” O sociólogo polônes Zygmunt Bauman, em entrevista à MGMagazine traduzida para o português e publicada pelo site Fronteiras do Pensamento, fala, aos 89 anos, sobre o mundo atual e como entende os efeitos da modernidade sobre as pessoas. “As consequências são a austeridade, o aumento do desemprego e, sobretudo, a devastação emocional e mental de muitos jovens que entram agora no mercado de trabalho e sentem que não são bem-vindos, que não podem adicionar nada ao bem-estar da sociedade, porque são uma carga”, diz. MGMagazine: O senhor imaginou que poderia se tornar uma estrela midiática em nível global? Zygmunt Bauman: Certamente não. Mas não sou uma estrela. Quando eu morrer, o que provavelmente acontecerá logo, com certeza morrerei como uma pessoa insatisfeita, que não alcançou seu objetivo. MGMagazine: Por quê? Zygmunt Bauman: Porque tratei de transmitir certas ideias durante toda a minha vida, que tem sido muito longa. E quando olho pra trás, existe toda uma montanha cinza de esperanças e expectativas que morreram ao nascer ou faleceram muito jovens. Não tenho nada para me gabar. Tento juntar palavras para dizer às pessoas quais são os problemas, de onde eles vêm, onde se escondem, como encontrar ajuda para resolvê-los se for possível. Mas são palavras. E não nego que são poderosas, porque a nossa realidade, o que nós pensamos que é o mundo, esta sala, nossa vida, nossas lembranças, são palavras. Mas, apesar de ter vivido tantos anos, não consegui resolver o problema de transformar as palavras em carne. Hoje, existe uma enorme quantidade de pessoas que querem a transformação, que têm ideias de como tornar o mundo melhor não somente para eles, mas também para os outros, mais hospitaleiro. Mas na sociedade contemporânea, na qual somos mais livres do que nunca, ao mesmo tempo somos também mais impotentes do que em qualquer outro momento da história. Todos sentimos a desagradável experiência de ser incapazes de mudar qualquer coisa. Somos um conjunto de indivíduos com boas intenções, mas entre as intenções e os projetos e a realidade tem muita distância. Todos sofremos agora mais do que em qualquer outro momento pela falta total de agentes, de instituições coletivas capazes de atuar efetivamente. MGMagazine: O que mudou? Zygmunt Bauman: Quando eu era jovem, todos os meus contemporâneos, de esquerda, direita ou centro, coincidiam em um ponto: se chegamos ao governo ou fazemos uma revolução, sabemos o que fazer e como fazer através do poder do Estado. Agora, ninguém acredita que o governo pode fazer algo. Os governos são vistos como instituições que nunca cumprem suas promessas. É um grave problema. Porque significa que, embora saibamos como criar uma sociedade mais humana – e no momento abandonamos a esperança de poder projetá-la–, a grande pergunta, para a qual não tenho resposta, é quem vai transformá-la em realidade. MGMagazine: Viver em um mundo líquido, o que isso significa exatamente? Zygmunt Bauman: Modernidade significa modernização obsessiva, viciante, compulsiva. Modernização significa não aceitar as coisas como elas são, e sim transformá-las em algo que consideramos que é melhor. Modernizamos tudo. Você pega as suas regulações, seus objetos, e trata de modernizá-los. Não duram muito tempo. Isso é o mundo líquido. Nada tem uma forma definida que dure muito tempo. Deve-se dizer que fundir o que é sólido, transformá-lo em líquido e moldá-lo de novo era uma preocupação da modernidade desde o princípio, mas o objetivo era outro. Arbitrariamente, mas acredito que de forma útil, situo o início da modernidade no ano de 1.775 no terremoto de Lisboa, seguido de um incêndio que destruiu o que restava e em seguida um tsunami que levou consigo tudo para o mar. MGMagazine: Por que nesse terremoto? Zygmunt Bauman: Foi uma catástrofe, não só material, mas também intelectual. As pessoas pensavam, até então, que Deus tinha criado tudo, que tinha criado a natureza e disposto leis. Mas, de repente, veem que a natureza é cega, indiferente, hostil com os humanos. Não se pode confiar nela. O mundo tem que estar sob direção humana. Substituir o que existe pelo que se pode projetar. Assim, Rousseau, Voltaire ou Holbach viram que o antigo regime não funcionava e decidiram que tinham de fundi-lo e refazê-lo de novo no molde da racionalidade. A diferença em relação ao mundo de hoje é que não o faziam porque não gostavam do que era sólido, e sim, pelo contrário, porque acreditavam que o regime que existia não era suficientemente sólido. Queriam construir algo resistente para sempre que substituísse o oxidado. Era a época da modernidade sólida. A época das grandes fábricas empregando milhares de trabalhadores em enormes edifícios de tijolos, fortalezas que iam durar tanto quanto as catedrais góticas. No entanto, a história decidiu um caminho muito diferente. MGMagazine: Tornou-se líquida? Zygmunt Bauman: Sim. Hoje a maior preocupação da nossa vida social e individual é como prevenir que as coisas sejam fixas, que sejam tão sólidas que não possam mudar o futuro. Não acreditamos que existam soluções definitivas, e não é só isso: não gostamos delas. Por exemplo: a crise que muitos homens têm ao fazer 40 anos. Ficam paralisados pelo medo de que as coisas já não sejam como antes. E o que mais lhes dá medo é ter uma identidade aferrada a eles. Uma imagem que não se pode tirar. Estamos acostumados com um tempo veloz, certos de que as coisas não vão durar muito, de que vão aparecer novas oportunidades que vão desvalorizar as existentes. E isso acontece em todos os aspectos da vida. Há duas semanas, as pessoas faziam filas durante a noite pelo iPhone 5 e agora mesmo estão fazendo pelo 6. Posso garantir que em dois anos aparecerá o 7 e milhões de iPhones 6 serão jogados no lixo. E isso dos objetos materiais funciona da mesma forma com as relações pessoais e com a própria relação que temos conosco mesmos, como nos avaliamos, que imagem temos de nossa pessoa, que ambição permitimos que nos guie. Tudo muda de um momento a outro, somos conscientes de que somos transformáveis e, portanto, temos medo de fixar qualquer coisa para sempre. Provavelmente, seu governo, como o do Reino Unido, convoca seus cidadãos a serem flexíveis. MGMagazine: Sim, convoca. Zygmunt Bauman: O que significa ser flexível? Significa que você não está comprometido com nada para sempre, mas sim pronto para mudar a sintonia, a mente, em qualquer momento no qual seja requisitado. Isso cria uma situação líquida. Como um líquido em um copo, no qual o mais leve empurrão muda a forma da água. E isso está em todos os lugares. MGMagazine: Quais o senhor acredita que são os efeitos desta nova situação nas pessoas? Zygmunt Bauman: Há alguns anos, os jovens iam trabalhar para a Ford ou a Fiat como aprendizes e podiam acabar ficando ali pelos próximos 40 anos se não se embebedavam ou morriam antes. Hoje, os jovens que não perderam a ambição depois de ter amargas experiências de trabalho sonham em ir ao Vale do Silício. É a meca das ambições de todo homem jovem, a ponta da lança da inovação, do progresso. Você sabe qual é a média de um trabalhador de uma empresa do Vale do Silício? Oito meses. O sociólogo Richard Sennet calculou, há uns anos, que o trabalhador médio mudaria de empresa onze vezes durante a sua vida. Hoje, essa quantidade é inclusive maior. As gerações que emergem das universidades em grandes quantidades estão ainda buscando emprego. E se encontram, não tem nada a ver com suas habilidades e expectativas. Estão empregados em trabalhos precários, temporários, sem segurança, sem carreira. Então, a principal maneira pela qual nos conectamos com o mundo, que é a nossa profissão, nosso trabalho, é fluida, líquida. Estamos conectados apenas pela água. E não se pode estar conectado por isso, ocorrem inundações, fugas… MGMagazine: Por isso você diz que passamos do proletariado ao precariado? Zygmunt Bauman: Há não muito tempo o precariado era a condição de vagabundos, sem-teto, mendigos. Agora, marca a natureza da vida de pessoas que há 50 anos estavam bem instaladas. Pessoas de classe média. Com exceção do 1% que está acima de tudo, ninguém pode se sentir seguro hoje. Todos podem perder as conquistas alcançadas durante sua vida sem aviso prévio. Não faz tantos anos, seis, o crédito e os bancos entraram em colapso e as pessoas começaram a ser despejadas de suas casas e seus trabalhos. Antes disso, os otimistas falavam de orgia de consumo, as pessoas pensavam que podiam gastar dinheiro que não tinham porque as coisas seriam cada vez melhores, assim como seus rendimentos, mas tudo isso desabou. As consequências são hoje os cortes, a austeridade, o alto nível de desemprego e, sobretudo, a devastação emocional e mental de muitos jovens que entram agora no mercado de trabalho e sentem que não são bem-vindos, que não podem acrescentar nada ao bem-estar da sociedade, que são um peso. MGMagazine: Aumenta o que o senhor chama de vidas desperdiçadas. Zygmunt Bauman: Cada vez há mais. Mas é que, além disso, as pessoas que têm emprego experimentam a forte sensação de que existem altas possibilidades de que também virem resíduos. E, mesmo conhecendo a ameaça, são incapazes de preveni-la. É uma combinação de ignorância e impotência. Não sabem o que vai acontecer, mas nem mesmo sabendo seriam capazes de preveni-lo. Ser o resto, um resíduo, é uma condição ainda de uma minoria. No entanto, impacta não somente os empobrecidos, mas também setores cada vez maiores das classes médias, que são a base de nossas sociedades democráticas modernas. Estão atribuladas. bauman2Zygmunt Bauman fotografado por Carlos González Armesto MGMagazine: As classes médias vão desaparecer? Zygmunt Bauman: Estamos em um interregno. A palavra foi usada pela primeira vez na história da Roma Antiga. O primeiro rei lendário foi Rômulo, que reinou por 38 anos. Essa era a expectativa de vida das pessoas, então, quando ele morreu, pouca gente lembrava do mundo sem ele. As pessoas estavam confusas. O que fazer? Rômulo lhes dizia o que fazer. E se houvesse outro, ninguém sabia o que ele lhes pediria. Gramsci atualizou a ideia de interregno para definir uma situação na qual as antigas formas de fazer as coisas já não funcionam, mas as formas de resolver os problemas de uma nova maneira efetiva ainda não existem ou não as conhecemos. E nós estamos assim. Os governos vivem presos entre duas pressões impossíveis de reconciliar: a do eleitorado e a dos mercados. Eles têm medo de que, se não agem como as bolsas e o capital móvel querem, as bolsas quebrarão e o dinheiro irá a outro país. Não se trata apenas de que possa haver corrupção e estupidez entre os nossos políticos, mas sim que essas situações os deixam impotentes. E, por isso, as pessoas buscam desesperadamente novas formas de fazer política. MGMagazine: Como os indignados? Zygmunt Bauman: É um bom exemplo. Se o governo não cumpre, vamos à praça pública. Mas é uma boa tentativa que não traz muito resultado. Estamos tentando. Tentando criar alternativas praticáveis para atender às necessidades coletivas. O interregno por definição é transitório. Eu acredito que não viverei para ver o novo arranjo, mas sua vida estará repleta de buscas por essas alternativas. Porque este período de suspensão, no qual muitas coisas vão mal e temos poucas ideias para resolvê-las, não é eternamente concebível. MGMagazine: Será que já não estamos líquidos demais? Zygmunt Bauman: As mudanças vêm e vão. Muita gente está hoje convencida de que já existem alternativas, mas que são invisíveis porque ainda estão muito dispersas. Jeremy Rifkin fala da utilidade pública colaborativa. Benjamin Barber publicou o livro Se os prefeitos governassem o mundo, no qual diz que os estados estão acabados, que foram uma boa ferramenta para a separação, a independência e a autonomia, mas que em nossos tempos de interdependência devem ser substituídos. Que as instituições locais são capazes de enfrentar os problemas muito melhor, têm a dimensão adequada para ver e experimentar sua coletividade como uma totalidade. Podem levar adiante lutas muito mais efetivas para melhorar as escolas, a saúde, o emprego, a paisagem. Pede um tipo de Parlamento mundial de prefeitos das grandes cidades. Um Parlamento onde as pessoas falem e compartilhem experiências que são altamente parecidas. E as mudanças podem já estar aqui. Minha tese, quando eu estudava, foi sobre os movimentos operários na Grã Bretanha. Pesquisei nos arquivos do século XIX e nos jornais. Para minha surpresa, descobri que até 1875 não se mencionava que estava acontecendo uma revolução industrial, havia apenas informações dispersas. Que alguém tinha construído uma fábrica, que o teto de uma fábrica desabou… Para nós, é óbvio que estavam no coração de uma revolução, para eles, não. É possível que, quando você for entrevistar alguém dentro de 20 anos, essa pessoa lhe diga: “Quando você entrevistou o Bauman em Leeds, vocês estavam no meio de uma revolução e o senhor perguntava a ele sobre mudanças”.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo: Una Reflexión difícil

Por Boaventura de Sousa Santos Traducción de José Luis Exeni Rodríguez El repugnante crimen cometido contra los periodistas y dibujantes del semanario Charlie Hebdo hace muy difícil un análisis sereno de lo que está implicado en este acto bárbaro, de su contexto y precedentes, así como de su impacto y repercusiones futuras. Sin embargo, este análisis es urgente, bajo pena de continuar avivando un fuego que mañana puede alcanzar a las escuelas de nuestros hijos, nuestras casas, nuestras instituciones y nuestras conciencias. Ahí están algunas pistas para tal análisis. La lucha contra el terrorismo, la tortura y la democracia No se pueden establecer nexos directos entre la tragedia de Charlie Hebdo y la lucha contra el terrorismo que los EUA y sus aliados están ejecutando desde el 11 de septiembre de 2001. Pero es sabido que la extrema agresividad de Occidente ha causado la muerte de muchos millares de civiles inocentes (casi todos musulmanes) y ha sometido a niveles de tortura de una violencia increíble a jóvenes musulmanes contra los cuales las sospechas son meramente especulativas, como consta en el reciente informe presentado al Congreso norteamericano. Y también es sabido que muchos jóvenes islámicos radicales declaran que su radicalización nació de la revuelta contra tanta violencia impune. Ante esto debemos meditar si el camino para frenar la espiral de violencia es continuar con las mismas políticas que la han alimentado como ahora es demasiado patente. La respuesta francesa al ataque muestra que la normalidad constitucional democrática está suspendida y que un estado de sitio no declarado está en vigor, que los criminales de este tipo, en lugar de ser apresados y juzgados, deben ser abatidos, que este hecho no representa aparentemente ninguna contradicción con los valores occidentales. Entramos en un clima de guerra civil de baja intensidad. ¿Quién gana con ella en Europa? Ciertamente no los partidos de izquierda como Podemos en España o Syriza en Grecia. La libertad de expresión Es un bien precioso pero tiene límites, y la verdad es que la abrumadora mayoría de ellos son impuestos por aquellos que defienden la libertad sin límites siempre y cuando sea "su" libertad. Ejemplos de límites son inmensos: si en Inglaterra un manifestante dice que David Cameron tiene sangre en las manos, puede ir preso; en Francia, las mujeres islámicas no pueden usar el hiyab; el 2008, el dibujante Maurice Siné fue despedido de Charlie Hebdo por haber escrito una crónica supuestamente antisemita. Esto significa que los límites existen, pero son diferentes para diferentes grupos de interés. Por ejemplo, en América Latina, los grandes medios, controlados por familias oligárquicas y por el gran capital, son los que más claman por la libertad de expresión sin límites para insultar a los gobiernos progresistas y ocultar todo lo bueno que estos gobiernos han hecho por el bienestar de los más pobres. Aparentemente, Charlie Hebdo no reconocía límites para insultar a los musulmanes, incluso cuando muchos de sus dibujos fueran propaganda racista y alimentasen la onda islamofóbica y antiinmigrante que avasalla a Francia y a Europa en general. Además de muchos dibujos con el Profeta en poses pornográficas, uno de ellos, bien aprovechado por la extrema derecha, mostraba un conjunto de mujeres musulmanas embarazadas, presentadas como esclavas sexuales de Boko Haram que, apuntando a sus barrigas, pedían que no les fuese retirado el apoyo social a la gravidez. De un golpe se estigmatizaba el Islam, a las mujeres y al Estado de bienestar social. Obviamente que, a lo largo de los años, la mayor comunidad islámica de Europa se fue sintiendo ofendida por esta línea editorial, pero fue igualmente inmediato su repudio por este crimen bárbaro. Debemos, pues, reflexionar sobre las contradicciones y asimetrías en la vida vivida de los valores que creemos son universales. La tolerancia y los "valores occidentales" El contexto en que ocurrió el crimen es dominado por dos corrientes de opinión, ninguna de ellas favorable a la construcción de una Europa inclusiva e intercultural. Las más radical es frontalmente islamofóbica y antiinmigrante. Es la línea dura de la extrema derecha en toda Europa y de la derecha cuando se ve amenazada por elecciones próximas (el caso de Antonis Samarás en Grecia). Para esta corriente, los enemigos de la civilización europea están entre "nosotros", nos odian, tienen nuestros pasaportes; y esta situación solo se resuelve liberándonos de ellos. La pulsión antiinmigrante es evidente. La otra corriente es la de la tolerancia. Estas poblaciones son muy distintas de nosotros, son una carga, pero tenemos que "aguantarlas", hasta porque son útiles; empero, solo debemos hacerlo si ellas son moderadas y asimilan nuestros valores. ¿Pero qué son los "valores occidentales"? Luego de muchos siglos de atrocidades cometidas en nombre de estos valores dentro y fuera de Europa –de la violencia colonial a las dos guerras mundiales--, se exige algún cuidado y mucha reflexión sobre lo que son esos valores y por qué razón, según los contextos, ora se afirman unos ora se afirman otros. Por ejemplo, nadie pone hoy en duda el valor de la libertad, pero lo mismo no puede decirse de los valores de la igualdad y de la fraternidad. Fueron estos dos valores los que fundaron el Estado social de bienestar que dominó la Europa democrática después de la segunda guerra mundial. Sin embargo, en los últimos años, la protección social, que garantizaba niveles más altos de integración social, comenzó a ser puesta en causa por los políticos conservadores y hoy es concebida como un lujo inaccesible para los partidos del llamado "arco de gobernabilidad". La crisis social causada por la erosión de la protección social y por el aumento del desempleo entre jóvenes, ¿no será leña en el fuego del radicalismo por parte de los jóvenes que, más allá del desempleo, sufren la discriminación étnico-religiosa? El choque de fanatismos, no de civilizaciones. No estamos ante un choque de civilizaciones, incluso porque la cristiana tiene las mismas raíces que la islámica. Estamos ante un choque de fanatismos, aunque algunos de ellos no aparezcan como tales por sernos próximos. La historia muestra cómo muchos de los fanatismos y sus choques estuvieron relacionados con intereses económicos y políticos que, en realidad, nunca beneficiaron a los que más sufrieron con tales fanatismos. En Europa y sus áreas de influencia es el caso de las cruzadas, de la Inquisición, de la evangelización de las poblaciones colonizadas, de las guerras religiosas y de Irlanda del Norte. Fuera de Europa, una religión tan pacífica como el budismo legitimó la masacre de muchos millares de miembros de la minoría tamil de Sri Lanka; del mismo modo, los fundamentalistas hindús masacraron a las poblaciones musulmanas de Guyarat en 2003 y el eventual mayor acceso al poder que han conquistado recientemente con la victoria del Presidente Modi hace prever lo peor. Es también en nombre de la religión que Israel continúa imponiendo la limpieza étnica de Palestina y que el llamado Emirato Islámico masacra poblaciones musulmanas en Siria y en Irak. ¿La defensa de la laicidad sin límites en una Europa intercultural, donde muchas poblaciones no se reconocen como tales, será después de todo una forma de extremismo? ¿Los diferentes extremismos se oponen o se articulan? ¿Cuáles son las relaciones entre los yihadistas y los servicios secretos occidentales? ¿Por qué los yihadistas del Emirato Islámico, que ahora son terroristas, eran “combatientes de la libertad” cuando luchaban contra Kadhafi y contra Assad? ¿Cómo se explica que el Emirato Islámico sea financiado por Arabia Saudita, Catar, Kuwait y Turquía, todos aliados de Occidente? Una cosa es cierta, por lo menos en la última década: la gran mayoría de las víctimas de todos los fanatismos (incluyendo el islámico) son poblaciones musulmanas no fanáticas. El valor de la vida La repugnancia total e incondicional que los europeos sienten ante estas muertes debe hacernos pensar por qué razón no sienten la misma repulsa ante un número igual o mucho mayor de muertes inocentes como resultado de conflictos que, en el fondo, ¿tal vez tengan algo que ver con la tragedia de Charlie Hebdo? En el mismo día, 37 jóvenes fueron muertos en Yemen en un atentado con bomba. El verano pasado, la invasión israelita causó la muerte de dos mil palestinos, de los cuales cerca de 1.500 eran civiles y 500 niños. En México, desde el año 2000 fueron asesinados 102 periodistas por defender la libertad de expresión y, en noviembre de 2014, 43 jóvenes fueron asesinados en Ayotzinapa. Ciertamente que la diferencia en la reacción no puede estar basada en la idea de que la vida de europeos blancos, de cultura cristiana, vale más que la vida de europeos de otros colores o de no europeos de culturas basadas en otras religiones o regiones. ¿Será entonces porque estos últimos están más lejos de los europeos y estos los conocen menos? ¿Acaso el mandato cristiano de amar al prójimo permite tales distinciones? ¿Será porque los grandes medios y los líderes políticos de Occidente trivializan el sufrimiento causado a esos otros, cuando no los demonizan al punto de hacernos pensar que ellos no merecen otra cosa? Publicado 15 hours ago por E. D. H Cuba

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Política e terror na França contemporânea

Cristiano Paixão & José Otávio Guimarães O atentado (7/1/2015) em Paris contra o Charlie Hebdo apresenta-se como evento único. Não apenas por sua violência perturbadora, mas sobretudo pelos efeitos que pode produzir. Algumas reações, logo após o ataque, merecem destaque. Revelam modos de uma sociedade estar no tempo: relações entre tradição e contemporaneidade, entre passado, presente e futuro. Como era de se esperar, quase toda a classe política francesa, apoiando-se nos valores democráticos da tradição republicana, condenou o morticínio. Uma observação mais atenta desses pronunciamentos revela, contudo, que escondem claros cálculos políticos. Integrantes da oposição, tanto de centro-direita como da direita radical (representada pela Frente Nacional), falam em “guerra total contra o terror”, postulam “medidas de exceção”, pedem que se recrudesça um direito penal leniente ou dizem que o atentado poderá “liberar o discurso” em relação ao “fundamentalismo islâmico”. Elegendo um inimigo ao mesmo tempo visível e indeterminado, esses atores políticos recorrem à batida estratégia de ativação do medo. Nada de novo nessa atitude. Já no século XVII, sob o argumento da generalização do horror causado pelas guerras civis de religião, construiu-se o argumento da necessidade de um Estado absoluto. Ao mesmo tempo, algo diferente parece ter ocorrido. Em várias cidades francesas, houve manifestações espontâneas de solidariedade e defesa da democracia. Os principais jornais estimam em 100.000 o número de pessoas nas ruas e praças do país. Em Paris, na Praça da República, reuniram-se cerca de 20.000. A dinâmica dessas manifestações revelou-se bem diferente do tradicional modelo de protesto. Não havia lideranças em destaque. Ainda que houvesse muitos estudantes, o público era diversificado, distribuído em várias faixas etárias. Ouviam-se diferentes idiomas, mas nada de microfone, palanque ou carro de som. Os manifestantes se apropriaram da estátua que simboliza a República Francesa, no centro da praça, e nela projetaram mensagens de apoio e homenagem ao Charlie Hebdo, cantando palavras de ordem improvisadas, compartilhadas pelo restante do público. Canetas eram erguidas, velas acesas e pequenos cartazes exibidos: a luz contra a obscuridade. Num desses cartazes, reivindicava-se a nomeação de Cabu, um dos cartunistas mortos, para o Panteão. Nenhum símbolo de partido político foi notado. Fotos eram tiradas e logo compartilhadas nas redes sociais. Verificam-se, nas reações ao atentado, diferentes atitudes. De um lado, demandas de mais repressão, de medidas punitivas e uma declaração de guerra. De outro, setores da sociedade civil se organizam e ocupam a Praça da República para defender o ideário do que representa aquele território simbólico. Essa dicotomia fica explicitada quando Marine Le Pen, da Frente Nacional, justifica a necessidade de um “debate” sobre o “fundamentalismo islâmico” por força do “medo” que ele instalaria na sociedade francesa. Em perspectiva contrária, uma das palavras de ordem repetida nas manifestações era: “não temos medo”! A dicotomia, entretanto, parece por vezes se dissolver na convivência plástica de elementos diferentes, uma das características do tempo opaco e incerto da nossa contemporaneidade. Por exemplo, os mesmos conglomerados de mídia que dão voz aos pedidos de “medidas de exceção” exaltam, por meio de fotos e textos, a reação das ruas e praças. Os fundamentalismos em ascensão das últimas décadas expressam uma mistura de arcaico e moderno. Eles alimentam e justificam sua reinvindicação identitária com a recusa da homogeneização globalizante do Ocidente, que seria responsável por boa parte das mazelas do presente. Entretanto, nesse movimento, não reabrem o futuro fechado pela crise do progresso, voltam-se para tradições inventadas. Já começam a surgir paralelos entre o atentado ao Charlie Hebdo e aquele do 11 de setembro. Manchetes afirmam que a França nunca mais será a mesma. Também em relação a isso não há consenso: como podemos perceber neste século, nossas democracias podem “normalizar” o terrorismo, adotando seus métodos e criando uma estrutura operacional e institucional para justificar uma guerra contra o terror. Entre política tradicional e manifestações espontâneas, entre a defesa de valores e a afirmação da liberdade, símbolos entram em disputa. O futuro ainda não se mostra nessas lutas. Se ele não aparece agora, quando virá? E como? Cristiano Paixão Professor da Faculdade de Direito da UnB. Está em estágio pós-doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) José Otávio Guimarães Professor do Departamento de História da UnB. Doutor em História pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) Os autores são líderes do grupo de pesquisa “Direito e História: políticas de memória e justiça de transição” (UnB-CNPq) Este texto foi originalmente publicado no Blog Carta Maior

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

APOIO AO PAPA FRANCISCO CONTRA SEUS DETRATORES (OU UM EVANGELHO A PARTIR DO SUL)

Apoio ao papa Francisco contra seus detratores LEONARDO BOFF 31 de Dezembro de 2014 às 06:14 Esperava uma maior inteligência de fé e mais abertura de Vittorio Messori, não obstante seus méritos de católico, fiel a um modelo clássico de Igreja (originalmente publicado na Carta Maior) Está se articulando em várias partes do mundo, mas principalmente na Itália entre cardeais e pessoas da Cúria mas tambem entre grupos leigos conservadores uma dura resistência e demolição da figura do Papa Francisco. Escondendo-se atrás de um escritor leigo famoso, convertido, Vittorio Messori, mostram seu mal-estar. Assim que com tristeza li um artigo de Vittorio Messori, no Corriere della Sera de Milão com o titulo:”As opções de Francisco: dúvidas sobre a virada do Papa Francisco”(24/12-2014). Esperou a véspera do Natal para atingir mais profundamente o Papa. O que lhe critica é especilmente a sua “imprevisibilidade que continua perturbando a tranquilidade do católico médio”. Ele admira a perspectiva linear “do amado Joseph Ratzinger”. E sob palavras piedosas instila insidiosamente muito veneno. E o faz, como confessa, em nome de muitos que não têm coragem de expor-se. Quero propor um contraponto às dúvidas de Messori. Este não percebe os novos sinais dos tempos trazidos por Francisco de Roma. Ademais demonstra três insuficiências: duas de natureza teológica e uma de interpretação da relevância da Igreja do Terceiro Mundo. Ele se escandalizou com a “imprevisibilidade” deste Pastor “que continua perturbando a tranquilidade do católico médio”. Há de se perguntar pela qualidade da fé deste “católico médio” que sente dificuldade de entender um pastor que tem “odor de ovelhas” e anuncia “a alegria do evengelho”. São geralmente católicos culturais, habituados à figura faraônica de um Papa com todos os símbolos do poder dos imperadores romanos pagãos. Agora comparece um Papa “franciscano”que confere centralidade aos pobres, não “veste Prada”, critica corajosamente o sistema econômico que produz tantos pobres no mudo, que abre a Igreja a todos os seres humanos sem julgá-los, mas acolhendo-os no espírito que ele chamou de “revolução da ternura”, falando aos bispos latinoamericanos. Há um notável vazio no pensamento de Messori. Estas são as duas insuficiências teológicas: a quase ausência do Espírito Santo e o cristomonismo. Quer dizer: só Cristo conta. Não há proriamente um lugar para o Espírito Santo. Tudo na Igreja se resolve unicamente com Cristo, coisa que não corresponde ao que ensinou Jesus. Por que digo isso? Porque o que ele deplora na ação pastoral do Papa é a “imprevisibilidade”. Ora, esta é a caracterítisca do Espírito no dizer de São João:”Ele sopra onde quer e lhe ouves voz mas não sabes de onde vem nem para onde vai”(3,8). Sua natureza é a irrupção imprevista. Messori é refém de uma visão linear, própria de seu “amado Joseph Ratzinger” e de outros Papas anteriores. Ora, importa reconhecer que foi exatamente esta visão linear que transformou a Igreja numa fortaleza, incapaz de comprender a complexidade do mundo moderno, isolada no meio das demais Igrejas e caminhos espirituais, sem dialogar e aprender dos outros, também iluminados pelo Espírito Santo. Seria blasfemar contra o Espírito imaginar que os outros somente pensaram erros. Por isso é sumamente importante uma Igreja aberta, como o quer o Papa Francisco, para perceber as irrupções imprevistas do Espíprito na história. Não sem razão alguns teólogos o chamam a “fantasia de Deus”, em razão de sua criatividade e novidade para a história e a Igreja. Sem o Espírito Santo a Igreja se tornaria uma instituição pesada, e sem criatividade. No fundo, teria pouco a dizer ao mundo a não ser doutrinas sobre doutrinas, sem levar a um encontro vivo com Cristo e sem suscitar esperança e alegria de viver. Significa um dom do Espírito o fato de que este Papa tenha vindo fora da velha e cansada cristandade européia. Não se apresenta como refinado teólogo, mas como um zeloso Pastor que realiza o mandato de Jesus a Pedro:”confirma os irmãos e as irmãs na fé”(Lc 22,31). Carrega consigo a esperiência das Igrejas do Terceiro mundo, particularmente, da América Latina. Esta é outra insuficiência de Messori: o de não ter dimensionado o fato de que hoje por hoje, o Cristianismo é uma religião do Terceiro Mundo, como tantas vezes o tem enfatizado o teólogo alemão J. B. Metz. Na Europa os católicos não chegam a 25%, enquant que no Terceiro Mundo alcançam quase 73% e na América Latina cerca de 49%. Por que não acolher a novidade que se deriva destas Igrejas já que não são mais Igrejas-espelho das velhas Igrejas européias, mas Igrejas-fonte com seus mártires, confessores e teólogos? Podemos imaginar que num futuro não muito distante a sede do primado não continue mais em Roma com a Cúria, com todas as contradições recentemente denunciadas com coragem pelo Papa Francisco com palavras somente ouvidas da boca de Lutero e no meu livro Igreja: carisma e poder (1984), que lido na ótica de hoje é antes um livro inocente que crítico. Faria sentido que a sede primacial estivesse lá onde se encontra a maioria dos católicos que está na América Latina, Africa e Ásia. Seguramente seria um sinal inequívoco da verdadeira catolicidade da Igreja dentro da nova fase globalizada da humanidade. Esperava, sinceramente, uma maior inteligência de fé e mais abertura de Vittorio Messori, não obstante seus méritos de católico, fiel a um modelo clássico de Igreja e de notório escritor. Este Papa trouxe esperança e ar fresco para tantos católicos e a outros cristãos que se orgulham dele. Não percamos esse dom do Espírito por causa de análises antes negativas que positivas e que não reforçam a “alegria do evangelho” para todos. (*) Leonardo Boff escreveu Francisco de Assis e Francisco de Roma, Mar de Idéias, Rio, 2014.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Boaventura: “A democracia à beira do caos”

Boaventura: “A democracia à beira do caos” – 23 de dezembro de 2014 141223-Boa Ao lançar dois livros na Espanha, sociólogo saúda movimento-partido Podemos e afirma: só refundação da esquerda poderá afastar riscos latentes de fascismo Por Steven Navarrete Cardona, no El Espectador, de Bogotá | Tradução André Langer, no IHU Online Há alguns dias, Boaventura de Sousa Santos, pesquisador e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal) visitou a Espanha para o lançamento de dois livros chaves para entender a complexidade da realidade social contemporânea no mundo e no continente europeu: “A democracia à beira do caos” (Siglo del Hombre) e “Democracia, direitos humanos e desenvolvimento” (Dejusticia). Nenhum dos dois está em português. El Espectador falou com ele sobre seus trabalhos, a crise europeia e os problemas enfrentados pela América Latina. Eis a entrevista Fale-nos sobre o seu livro “A democracia à beira do caos”… É uma tentativa de teorizar a crise da democracia no continente que se auto-denomina como o continente que inventou o ideal da democracia e o concretizou historicamente com mais consistência. A crise resulta em boa medida da contaminação da política democrática pelo neoliberalismo econômico que se traduz na crítica do Estado Social, na perda de direitos sociais e na privatização das políticas de saúde, educação e segurança social. Preocupa-me sobremaneira esta perda dos direitos fundamentais. Desde as origens da democracia na época moderna houve uma tensão entre os valores democráticos e a lógica de acumulação do capitalismo. Depois da Segunda Guerra Europeia, o determinante foi a disputa entre capitalismo e comunismo. Graças ao temor do avanço do comunismo nos países capitalistas, o poder capitalista fez concessões aos trabalhadores (os direitos trabalhistas e, em geral, os direitos econômicos e sociais) e permitiu a tributação progressiva (taxas de tributação mais altas para os mais ricos). E o que mudou este cenário? Com o desaparecimento do grande inimigo comunista no final da década de 1980 desapareceram também as concessões deste capitalismo com rosto humano. E o campo político e a socialização, assim como a participação no mesmo foi muito complexa, sobretudo para os cidadãos, porque neste cenário de desconcerto perderam seu espaço de participação política e de deliberação democrática. A Europa está saindo da crise com os ajustes estruturais? Neste momento não vemos uma saída muito clara, além de que temos outras tensões internas. Continuamos dominados por governos conservadores. A União Europeia e a Comissão Europeia seguem dominadas por uma lógica neoliberal. O domínio alemão na política econômica segue sendo hegemônico e de corte neoliberal, por isso segue a austeridade. Os partidos socialistas que poderiam ser uma alternativa não o são, como o evidencia a renúncia de três ministros na França, motivadas pelas decisões de François Hollande, que quer continuar com os cortes financeiros e a política de austeridade. Há ainda movimentos à esquerda dos partidos socialistas que estão apontando algumas soluções: Syriza na Grécia, Podemos na Espanha, Bloco de Esquerda em Portugal. Mas nenhum deles (exceto o Syriza) pode ter aspirações a ser governo. Mas não há uma alternativa e esperança política diante deste panorama sombrio? Uma alternativa surgiu na mobilização política que começou com os Indignados na Espanha. O problema que alguns movimentos sociais enfrentam atualmente é que muitos são bons em protestar, mas encontram dificuldades para a prática política e por isso tiveram uma interrupção. Na Espanha, conseguiram converter-se em um novo partido, o Podemos, e que está tendo sucesso eleitoral e está obrigando o PSOE, um dos partidos que mais foi à direita no passado, a se reformular. O que está acontecendo com a esquerda europeia e especificamente em um país como Portugal? Em Portugal, há alguns partidos pequenos que estão tentando entrar em uma nova alternativa de esquerda. É o que descrevo no meu livro no último capítulo intitulado “Onze cartas às esquerdas”. Em geral, penso que as esquerdas têm que se refundar para se libertarem dos dogmatismos originários e das lutas fratricidas ao longo de décadas, que deixaram profundas feridas. A marca do divisionismo e do dogmatismo é profunda. Pelas notícias que chegam da Europa, sabemos que a Grécia necessita de um resgate social e econômico urgente… Se a União Europeia fosse uma aliança política e econômica, como estávamos convencidos, não existiria uma dívida “grega”, mas europeia e como tal seria assumida. A dívida grega era muito pequena no conjunto europeu; bastava que a dívida grega fosse assumida como dívida europeia e as taxas de juros teriam sido muitíssimo menores, mas a Alemanha decidiu rechaçar esta proposta para proteger seus bancos. O novo nacionalismo europeu nasceu nesse momento. O que você assinala é muito grave. Perdeu-se o sentido com o qual se queria formar a União Europeia… Estamos diante do surgimento de velhos nacionalismos no interior das diversas regiões da Europa, que remontam ao século XV e contrapõem o Norte e o Sul. Deixam à vista como países seguem olhando a outros com preconceitos colonialistas, por exemplo, concebendo que os espanhóis ou os portugueses são preguiçosos, faltos de compromisso, coisas deste tipo. Com a União Europeia já havia mudado um pouco, mas esta comunhão entrou em colapso. Não existem fatos que nos digam o contrário. Além disso, existe uma grande desconfiança em relação ao fortalecimento do nacionalismo alemão, que já causou duas guerras europeias, embora neste caso não se trata de um poder militar, mas de um poder econômico. Alguns propõem a eliminação da União Europeia. O que pensa disso? Sociólogos muito conhecidos como Wolfgang Streeck dizem que a melhor coisa seria eliminar a União Europeia, porque as soluções políticas que se tinha anteriormente para resolver a crise, entre eles a gestão política da moeda ou do Banco Central são inacessíveis dentro dela. Temos uma crise econômica neoliberal crítica, mas não temos os instrumentos para resolvê-la. É uma situação de Catch-22, sem saída, complexa e depressiva. Há várias propostas, algumas mais radicais que outras: sair do euro sem sair da União Europeia; eliminar os dois. Todo este cenário se complexifica com a ascensão de partidos nacionalistas e neofascistas. Por que estão surgindo partidos com ideologias que se acreditava não mais existirem no campo ideológico? Este tema é muito preocupante, sobretudo na França. Como exemplo temos A Frente Nacional, que se constitui em uma narrativa preocupante e permanente que vem de muitas décadas atrás, e se enraizou. O nazismo e o fascismo foram experiências que duraram muitos anos e que ficaram no imaginário social europeu. Na realidade, não desapareceram porque não se fizeram muitas das coisas necessárias para acabar com elas definitivamente. Como se manifestam estas narrativas não manifestas, mas latentes na vida política da Europa? Por exemplo, uma das coisas às quais nunca se faz referência é que a Alemanha não pagou a sua dívida à Grécia pela ocupação e destruição na Segunda Guerra Europeia, mas atualmente cobrou a dívida da Grécia, o que constitui uma injustiça histórica tremenda. Bastava que tivesse pago a sua dívida para que a Grécia pudesse seguir em frente, e dali surge todo esse imaginário social de hostilidade, de “soberanismo” e nacionalismo de direita, recalco, “muito perigoso”, que conduziu a um derramamento de sangue sem precedentes no mundo, convertendo a Europa no continente mais violento do mundo. Nunca morreram tantas pessoas em guerra como na Europa no século XX. Calcula-se que o saldo da Segunda Guerra Europeia (não é mundial) é de 60 milhões a 85 milhões de pessoas. Por que diz que não são mundiais? São guerras europeias, não mundiais. Enquanto a Europa dominava o mundo ela havia difundido esta narrativa. Evidentemente, houve teatros de operações na África e na Ásia. A Europa é um continente muito violento. A ideia dos valores europeus é muito recente e surge após tanto sangue derramado desde as guerras religiosas dos séculos XVI-XVII, depois dos Estados modernos seculares. Está claro que a União Europeia como organismo produtor de coesão fracassou. Que entidade propõe para substituí-la? Sou a favor de uma “União Europeia dos Povos” com uma igualdade democrática tanto econômica como política, onde primem a solidariedade e a reciprocidade, que pensávamos que já estavam consolidadas, mas a crise da Grécia se encarregou de nos mostrar que não é assim. Para a Alemanha foi muito fácil dizer: “isto não tem nada a ver com a Europa, é um problema grego”. Então, amanhã será um problema português, depois de amanha será um problema espanhol, e com esta atitude destruiu todas as possibilidades de dar uma resposta rápida, de dar uma resposta a uma crise que não era tão grave. Portugal não tinha um problema econômico tão complexo como o que se vivencia agora. Foi realmente o jogo da especulação e a resposta tardia que agravou tudo. Alguns, tanto à direita como à esquerda, voltam a defender o velho nacionalismo europeu, mas, em geral, na Europa o nacionalismo foi conservador, autoritário e xenofóbico. TEXTO-MEIO A xenofobia está crescendo, e quem em muitos casos leva a pior na crise são os imigrantes… A Europa tem uma dívida histórica com os países onde exerceu um jugo colonial, e deveria ser saldada, convertendo-se em um cenário de acolhida da diferença, o que poderia iniciar com a elaboração de uma nova política migratória, em uma verdadeira aposta “intercultural”, não “multicultural”, uma vez que enquanto a primeira faz referência à estreita relação, interação e integração das culturas, a segunda faz menção a uma vaga tolerância da diferença sem nenhum tipo de interesse pela cultura do outro. Para sair da crise, alguns analistas propõem o retorno à moeda nacional de cada país. Na realidade, isto tem alguma viabilidade? A saída do Euro é um debate muito candente que alguns vieram colocando sobre a mesa. Mesmo assim, qualquer saída que não seja organizada e minimamente negociada resultará em grande sacrifício para as famílias. Uma solução poderá ser vista medianamente dentro de três a quatro anos, mas a curto prazo será dolorosa, e com apostas como estas, onde o teu dinheiro nacional vai valer cinco vezes menos que o euro, e algumas dívidas estão denominadas em euro e o teu dinheiro em moeda nacional, nesse caso seriam soluções de ruptura, na minha opinião. E o surgimento de uma solução lenta? Esta solução vai germinar, na minha opinião, dependendo de duas condições: do surgimento de um agente político de esquerda capaz de mudar o rumo, e a outra pode ser quando a crise chegar à Alemanha e à França. A crise está chegando a alguns países nórdicos, como podemos ver com o que está acontecendo com a Nokia na Finlândia. O crescimento econômico da Alemanha e da França é quase nulo. Então, você afirma que a crise dará um giro quando bater às portas da Alemanha? Exato. E fará repensar as coisas. Existe um império financeiro dentro da Europa que se posicionou de uma maneira muito sutil e que será muito difícil desalojar. Mas, por outro lado, quando houver uma crise na Alemanha, as coisas não serão muito boas para a Europa. Como exemplo temos as crises financeiras que vimos nos anos anteriores à era Hitler. De modo que sou um otimista trágico, como sempre digo, e vejo as dificuldades mas me recuso a não ver alternativas a este status quo que acaba em uma lógica de produção de desigualdades, de expulsão e perseguição do campesinato em todos os continentes. O problema da Europa é um problema em miniatura do problema global que atravessamos e que os povos de outros continentes já sofreram. O que faz então que a América Latina não esteja passando por uma crise tão severa como a que a Europa enfrenta? Porque tem os recursos naturais que são uma injeção na sua economia. O boom dos recursos naturais é o motor do atual crescimento. Nesse sentido, que papel exerce a América Latina no cenário mundial hoje? Penso que tinha um papel muito importante em trazer uma alternativa para o desenvolvimento capitalista, nas mãos das forças populares, como o evidenciou o Fórum Social Mundial. Não é por coincidência que este é criado em 2001. Evidentemente, na época a Venezuela já se havia consolidado, mas vão surgir governos populares no Brasil,Bolívia, Argentina e Chile; acontecerá o mesmo no Uruguai e no Paraguai. Tudo isso resultará na consolidação da emergência de movimentos sociais e populares que produziram realmente uma alternativa “pós-neoliberal”. Todos estes governos progressistas se declaram “pós-neoliberais” e por isso começaram a fazer política com justiça social, uma redistribuição social. Este é o único continente em que será possível falar de socialismo do século XXI. Não faz sentido falar de socialismo na África ou na Ásia. E a alternativa “pós-neoliberal” se mantém até hoje? Nesta segunda década estes governos continuam declarando-se pós-neoliberais e têm alguma razão, mas não toda a razão. Por que poderíamos chamá-los pós-neoliberais? Bom, em parte porque o Estado controla muito mais a economia, é um interventor na mesma. Além disso, nacionalizaram-se muitas empresas no caso da Bolívia ou do Equador. Ou seja, existe um ativismo estatal mais forte que vai contra o neoliberalismo e é por isso que o neoliberalismo internacional não perdoa estes governos e quer destruí-los. Agora, qual é a forma de operar destes países? Bom, são “pós-neoliberais” internamente para conseguir alguma medida de redistribuição social, mas não questionam o neoliberalismo internacional, o capitalismo financeiro nem as regras do livre comércio e jogam com as regras destes tratados. O modelo de desenvolvimento é neoliberal. Você tocou um tema central em qualquer agenda política. Que possibilidade jogou então a disponibilidade de recursos naturais na consolidação destes governos progressistas? O capitalismo financeiro foi determinante na exploração sem precedentes dos recursos naturais. Ele está administrando todo este modelo de desenvolvimento neoextrativista, que chamamos assim por sua intensidade. Existe um retrocesso em tudo o que resultava chamativo por ser uma alternativa, por exemplo, as políticas de autodeterminação dos povos indígenas na Bolívia (que é a maior parte da população) ou no Equador. Na segunda década vamos enfrentar a destruição de um parque natural nacional como o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), na Bolívia, e o Parque Yasuní, no Equador, com uma estrada e uma exploração petroleira, respectivamente. É de maneira que todas estas conquistas constitucionais, que foram fortes nas décadas passadas na Bolívia, no Equador e no Brasil, se perderam, porque o capitalismo internacional os obriga a cair no neoextrativismo completamente obsessivo. Para construir estas megaconstruções é preciso deslocar os indígenas e camponeses; não há alternativa sob essa lógica. Esses governos ficaram sem alternativas e por isso são ambíguos, são cada vez mais neoliberais e menos “pós-neoliberais”. É um dilema muito complexo, porque muitos analistas argumentam que não há forma de se livrar dos empréstimos internacionais, mas crescendo economicamente, fazendo uso de seus próprios recursos naturais. Evidentemente, isto tem custos ambientais e sociais terríveis… A exploração dos recursos foi para obter uma maior redistribuição no interior dos países fazendo uso do mesmo modelo de desenvolvimento, o que fez com que não houvesse uma transição a um novo modelo. Todas as melhorias são muito importantes e é preciso acolhê-las. Estes governos aproveitaram isso, mas não houve uma reconversão e diversificação industrial. Pelo contrário, o que se pode constatar é o estabelecimento do setor primário, ‘a reprimarização das economias’, o que resulta em algo equivocado, assim como no Brasil, que tem grande potencial industrial. Então, a natureza é o principal recurso econômico da América Latina na atualidade? O que move a economia nos países latino-americanos são os recursos naturais. É por isso que há mais de 5.000 projetos para a Amazônia que vão destruir, obviamente, seus ecossistemas. Tudo isso implica na destruição de um modelo político que se pensava alternativo e em seus inícios era muito confiável. Existe uma alternativa de conciliar uma organização produtiva sustentável, que favoreça as populações dos países e cuide do meio-ambiente? Não temos outra opção, tem que existir. Devemos pensar uma forma de produção alternativa ao extrativismo, que está destruindo a América Latina e o mundo. Seus ciclos arrasam a fertilidade da terra levando-a ao limite. Muitas regiões já estão desertificadas porque não suportam tamanho saque. É a primeira vez na história que o capitalismo enfrenta os limites da natureza. Passamos da contradição entre capital e trabalho à contradição entre capital e natureza, o que se demonstra no aquecimento global e nos desastres climáticos e na escassez de água. Por outro lado, devemos revalorizar todas as economias anticapitalistas que existem no mundo, as economias camponesas, indígenas e solidárias que buscam uma de reciprocidade e de respeito com a natureza. O que o cidadão comum poder fazer para enfrentar a crise e salvaguardar a natureza? O cidadão comum sente-se menor diante das lógicas de poder que o ultrapassam. O poder é tão forte que não você não se imagina como individualmente pode fazer algo contra ele. Existem dois níveis nos quais podemos pensar uma alternativa: por um lado, não há emancipação sem autotransformação. Na sua vida você tem que dar, de alguma maneira, testemunho de uma alternativa, por menor que seja, na família, em casa, na escola, no local de trabalho, testemunho de democracia e de consciência ambiental, porque atualmente o poder está nas mãos de antidemocratas. Individualmente, pode fazer muito pouco pela realidade à qual está sujeito. O que devemos fazer é repensar novamente a política, participar ativamente da formulação de políticas não somente em nível municipal, mas em nível nacional. Na América Latina foram feitas algumas apostas interessantes, como os orçamentos participativos, conselhos nacionais setoriais de saúde e educação, onde a sociedade civil realmente organizada participava na elaboração de políticas públicas. E você, como contribui para a mudança social? Nunca serei um intelectual de vanguarda, mas de retaguarda. Para fazer teoria de vanguarda e fazer parte da mesma é preciso separar-se da sociedade que você quer dirigir. O intelectual de retaguarda, pelo contrário, vai com os movimentos sociais, caminhando ao mesmo tempo e se deixa surpreender pela criatividade social, busca dar conta do que está acontecendo, mas ao mesmo tempo ecoando onde a criatividade vai surgindo, trabalhando com os movimentos sociais, de camponeses, de indígenas, de mulheres. Na Universidade Popular dos Movimentos Sociais realizamos diversas oficinas e onde buscamos a aproximação dos espaços e que aconteça o que chamo de ecologia de saberes, onde se combina o saber científico com o saber popular. Estamos discutindo um mundo novo, mas sempre levando em conta os novos fatores que surgem na sociedade, o que chamei de sociologia das emergências. É esse sentido que estamos trabalhando.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Como Letícia Santos, filha de ex-agricultores sem terra, chegou à faculdade

publicado em 20 de dezembro de 2014 às 16:33, Blog Viomundo por Patrick Mariano, especial para o Viomundo Um amigo me enviou um texto sobre o livro de Jorge Amado A morte e a morte a Quincas Berro D’água. Pediu que publicasse em meu blog Más caras?. Nunca tive muitas pretensões com o blog, sempre foi mais para meu desassossego e crônicas de cotidiano. Mas, gostei muito da sensibilidade da resenha do livro e perguntei quem era o autor ou autora. Descobri que a autora se chama Letícia Santos. É de uma pequena localidade chamada Adustina, no nordeste baiano. Tem 21 anos e é filha de ex-trabalhadores rurais sem terra, hoje assentados da reforma agrária e estudante de Direito da turma Elizabeth Teixeira da Universidade Estadual de Feira de Santana. Junto com outros filhos de trabalhadores rurais, conseguiu chegar ao ensino superior através do PRONERA, programa do Ministério da Educação/Ministério do Desenvolvimento Agrário (MEC/MDA) que busca ampliar o acesso ao ensino superior à população que vive no meio rural. O analfabetismo ainda assombra o meio rural brasileiro. Entre as pessoas de 15 anos ou mais, atinge 23,5%. É quase 5,5 vezes superior ao verificado na zona urbana: 4,3%. Um estudo do Observatório da Equidade alerta que se o “Brasil Rural” fosse um país, teria o 4º pior desempenho entre os países da América Latina e Caribe, melhor apenas que Haiti (45,2%), Nicarágua (31,9%) e Guatemala (28,2%). Resolvi, diante disso, entrevistá-la para o Viomundo a fim de que pudesse falar sobre literatura, lutas, dificuldades no acesso ao conhecimento e um pouco sobre a trajetória de sua vida. A entrevista foi feita através de um chat. Viomundo — Letícia, qual o significado da literatura para você, estudante de Direito e com uma trajetória familiar de luta pelo direito à terra? Letícia Santos – Eu vejo na literatura um caminho a se percorrer. É uma porta que se abre à uma viagem intensa e fantástica. Por isso, é na literatura que eu consigo sentir a magia de uma bela obra literária. Não tenho o hábito de ler tanta literatura, mas cada vez que leio me sinto totalmente envolvida e percebo o quanto me faz bem. A melhor parte de tudo isso é se reconhecer dentro dos personagens e entender como a fantasia literária está ligada à vida real. Viomundo — Jorge Amado escreveu com magia e retratou como poucos o povo baiano, sua simplicidade e as cores da Bahia. Como estudante de Direito você vê a literatura como necessária para o jurista conhecer melhor o mundo em que está metido? Letícia Santos – Claro, não só o jurista. Todos devem aprender a entender melhor o mundo em que estamos e a literatura é um bom caminho para isso porque nos permite entender como os elementos culturais e como as regras sociais que as pessoas estabelecem estão descritas no nosso dia-a-dia. Viomundo – Como foi sua chegada na Faculdade de Direito? Você sempre sonhou em fazer o curso? Conte um pouco da sua trajetória. Letícia Santos – Eu nunca pensei em fazer Direito. Eu costumo dizer que eu não escolhi o Direito, o Direito me escolheu. Em um certo dia, meu pai chegou em casa com a notícia desse vestibular para beneficiários da reforma agraria. Era meu último ano no ensino médio, e resolvi me inscrever. Não tinha nada a perder, até porque mesmo que eu fosse reprovada, já seria uma grande experiência e no fim de tudo isso, felizmente, passei no vestibular. Viomundo – Quais as maiores dificuldades que você encontrou para chegar ao ensino superior? Letícia Santos –Uma das maiores dificuldades foi o medo, pois tudo aquilo era muito novo pra mim. Sair de casa, para uma cidade distante, ficar longe da família, era tão estranho pra mim que cheguei a pensar em desistir, mas hoje agradeço por não ter desistido, e por ter aprendido tanto. Viomundo – Seus pais puderam estudar? Letícia Santos –Eles não completaram o ensino fundamental. Viomundo – Quantas pessoas da sua família têm curso superior? Você vê a academia brasileira distante da realidade dos trabalhadores rurais? Letícia Santos – Eu sou uma das primeiras a fazer um curso superior. A academia aparece como algo distante da realidade dos trabalhadores e hoje se percebe que o saber acadêmico impera sobre o saber popular, e isso faz com que exista uma contradição entre essas duas realidades. Viomundo – Quais seus planos para o futuro? O Direito pode ser um instrumento da transformação social? Letícia Santos – Eu pretendo aproveitar essa oportunidade que a vida me deu porque acredito que o mundo pode ser melhor. O Direito é um instrumento de luta. Viomundo –Você concorda com a frase de José Martí de que só o conhecimento liberta? Letícia Santos –O conhecimento liberta, mas nem sempre o conhecimento é libertador. Viomundo –Depende como é empregado, é isso? Letícia Santos –Depende do sistema. Hoje estamos à mercê de um sistema opressor, que não tem nenhum intuito de que o povo tenha acesso ao conhecimento e de que ele possa se apoderar desse conhecimento. Viomundo – Qual o recado que você gostaria de deixar para milhares de filhos e filhas de acampados da reforma agrária que sonham em um dia ter a terra, mas também romper as cercas do ensino superior no Brasil? Letícia Santos – Para todos aqueles que acreditam num mundo menos egoísta e mais humano, digo que não parem de lutar, nós podemos romper todas as cercas que nos prendem. Patrick Mariano é doutorando em Direito, Justiça e Cidadania no século XXI na Universidade de Coimbra, Portugal. Mestre em direito, estado e Constituição pela Universidade de Brasília, integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares-RENAP, do coletivo Diálogos Lyrianos da UnB e autor do livro 11 Retratos por 20 Contos.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Direitos Humanos Constituintes e Processos de Luta (David Sanchez Rubio concede entrevista ao PPGDH)

Por ocasião de sua passagem por Brasília, na UnB, onde participou de Banca de Mestrado no Programa de Mestrado em Direitos Humanos e Cidadania, no CEAM/NEP (Banca de Isis Táboas),o Professor David Sánchez Rubio da Universidade de Sevilha concedeu a seguinte ENTREVISTA a Professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa, Coordenadora do PPGDH: 1. Diante das inúmeras violações dos direitos humanos no mundo hoje, quais são os principais desafios para efetivá-los? La verdad es que es difícil contestar de manera resumida sobre un tema tan complejo. Pienso que tanto a nivel de cultura jurídica en nuestro contexto de sociedades occidentales de capitalismo central y de capitalismo dependiente, como a nivel de cultura popular, general y global, no existe una sensibilidad por derechos humanos y uno de los desafíos es potenciar una cultura y una conciencia que realmente los sientan y los apliquen. Otro problema aparece con respecto al concepto, la idea y el modo como se entiende la práctica de los derechos humanos, que normalmente suele desarrollarse en unos esquemas muy reducidos e insuficientes. Por ello, para enfrentar el principal desafío de los derechos humanos, que se centra en la separación y en el abismo que hay entre lo que se dice y lo que se hace, entre la teoría y la práctica de los mismos y que afecta a una mayoría de la población mundial que vive en condiciones de pobreza y exclusiones diversas, hay que trabajar en esos dos planos: a) el de la sensibilización y la educación; b) y en el plano epistemológico que expresa una práctica y que refleja una idea o concepto excesivamente normativista, formal, estatalista, burocrático, delegativo, instituido y post-violatorio de los derechos humanos. Generalmente, cuando se habla de derechos humanos se suele acudir a una idea de los mismos basada en las normas jurídicas, en las instituciones con el estado a la cabeza y en ciertos valores que le dan fundamento (como la dignidad, la libertad, la igualdad y la solidaridad) y que están o bien cimentados en la misma condición humana o bien reflejados en sus producciones normativas e institucionales. Derechos humanos son aquellos derechos reconocidos tanto en el ámbito internacional como nacional, por las constituciones, normas fundamentales, cartas magnas, tratados y declaraciones basadas en valores e interpretadas por una casta de especialistas. Sin ser estas dimensiones negativas y teniendo todas ellas muchas consecuencias positivas, porque son instancias que legitiman un conjunto de luchas sociales cuyas reivindicaciones se objetivan, no obstante cuando se absolutizan como únicos elementos de los derechos humanos, acaban por potenciar una cultura burocrática, funcionarial y normativista que reduce y encorseta su fuerza constituyente, ya que nuestros derechos, desde la totalización de esas dimensiones, únicamente se garantizan cuando una norma los positiviza y cuando un cuerpo de funcionarios pertenecientes al estado, los hace operativos entre reflexiones doctrinales de apoyo, dándoles curso a través de garantías concretizadas por medio de políticas públicas y sentencias judiciales. Desde esta óptica instituida de los derechos humanos, se delega íntegramente en determinados especialistas, técnicos e intérpretes la capacidad de saber si estamos o no estamos protegidos cuando se nos viola nuestra dignidad, nuestra libertad o nuestras condiciones de vida y, además, tendemos a reducir su efectividad solo cuando un tribunal posee la sensibilidad interpretativa de garantizarlos. Asimismo, tenemos la sensación de que la existencia de un derecho humano se manifiesta y aparece, en el instante en el que es violado o vulnerado, hecho que permite la apertura de los procedimientos desarrollados en los circuitos de la administración de justicia. Frente a ello, se hace necesario percibir y potenciar otros elementos que son muy importantes para enfrentar las desigualdades estructurales y asimétricas que ese concepto simplificado de derechos humanos no sabe, no puede o no quiere enfrentar y, también para reducir la separación y el hiato entre la teoría y la práctica que se expresa en términos de inefectividad. Algunos de esos otros elementos de derechos humanos que hay que acentuar, sin rechazar los anteriores, pasan por luchas sociales colectivas e individuales, en forma de procesos de resistencia de movimientos sociales por espacios de libertad y de una vida digna de ser vivida y acciones cotidianas de reivindicación, por sociabilidades y relaciones de reconocimiento de la dignidad en todas las esferas de lo social que sepan convocar y articular, tomando conciencia de la dimensión pre-violatoria de los derechos humanos y que dependen de nuestras acciones concretas diarias con las que unos a otros nos tratamos como sujetos y no como objetos, desde dinámicas de reconocimiento mutuo, horizontales y no verticales y jerárquicas bajo el patrón de superiores/inferiores. En cierta forma se trata de articular una praxis de derechos humanos relacional, instituyente, socio-material, compleja que debe afectar a todas las esferas donde existen relaciones humanas. La ciudadanía debe evitar delegar solo en el estado la capacidad de establecer sistemas de garantías para hacerlos efectivos y debe percibir que las garantías y el reconocimiento de los mismos dependen de cada ser humano. 2. Como avalia a situação atual dos direitos humanos na Europa, especialmente na Espanha? Europa logró mucho en el reconocimiento de los derechos con los estados constitucionales y de bienestar bajo el referente del estado social. Actualmente, con la fuerte crisis económica, se está retrocediendo en esas conquistas por la equivocada dependencia que existe con respecto al modelo de mercado financiero y neoliberal, insensible a las condiciones dignas de existencia que los derechos sociales proporcionan. También es cierto que los estados de bienestar fueron posibles gracias al empobrecimiento que Europa y Estados Unidos provocaban, por esa cultura colonizadora tan presente en su historia, en muchos países del Sur o del mal llamado Tercer Mundo, al aplicar un modelo de desarrollo y progreso basado en el subdesarrollo, la explotación y la generación de desigualdad en otras áreas geográficas. No nos dimos cuenta que para poder disfrutar de derechos como la salud, la vivienda, la educación, etc., aplicamos una manera de entender la producción económica que nos beneficiaba, mientras perjudicaba simultáneamente a otros países que exportaban sus productos bajo la soberanía del capital, precarizando las condiciones de vida de sus ciudadanos. Por eso es importante saber escuchar y aprender de otras latitudes en ese sentido crítico y contra hegemónico que ofrece y propone formas más solidaria de disfrutar de los derechos, pero ese es otro tema que no voy a desarrollar ahora. Países como España, Portugal y Grecia en un nivel extremo, pero también países como Alemania y Francia, están sufriendo un ataque muy fuerte sobre los derechos laborales bajo un contexto de desestabilidad, incertidumbre y movilidad por razones de mercado en el mundo del trabajo. También los procesos de privatización afectan a derechos relacionados con la vivienda, la salud, la educación, desde una cultura que tiene como referente, no al ser humano concreto y particular, sino al dinero y la obtención del máximo beneficio a partir de un paradigma de competitividad agresivo de ganadores y perdedores. España está enfrentando la crisis atacando a la gente que está más necesitada y carente con respecto a esos derechos, aplicando políticas que benefician a quienes son los verdaderos responsables del derrumbe económicos, como los bancos y las entidades políticas y financieras que participaron del boom especulativo inmobiliario. Pese a los avances en materia de género, a nivel normativo, mucho queda por hacer en materia de violencia contra mujeres, homofobia contra gay y lesbianas, xenofobia contra inmigrantes, etc. En estos casos se demuestra nuestra hipocresía y bipolaridad endémica de resignificar y modular el discurso de la universalidad de los derechos humanos según interesa. España es un ejemplo de cómo en Occidente hay una fluidez en hablar en términos de reconocimientos e inclusiones abstractas, pero bajo un suelo o un piso formado por exclusiones concretas, continuas y sistemáticas. Por otra parte, que la ciudadanía sepa movilizarse y expresarse sin miedos impidiendo los desahucios o cuestionando el modo de hacer política tradicional, con el ejemplo no único, de Podemos, el nuevo partido con bases populares que pone en jaque a los partidos acomodados de siempre como el Partido Popular y el PSOE que se alejaron de la ciudadanía, son aire fresco que, con los pies en el suelo y sin triunfalismos, dan cierta esperanza como instancia limitante de los poderes económicos y los países fuertes del capitalismo europeo. 3. Quais os horizontes dos direitos humanos na América Latina? La verdad es que, desde mi punto de vista, ya de por sí el horizonte no es muy halagüeño, es desesperanzador, sobre todo porque son muchas las personas que desde hace mucho tiempo sufren discriminaciones, exclusiones y marginaciones de todo tipo. La esperanza y el optimismo que puede vislumbrarse proceden, como siempre, de la capacidad de movilización y luchas de aquellos movimientos sociales (indígenas, afrodescendientes como quilombolas, movimientos campesinos, luchas de mujeres, movimientos por la tierra o por una vivienda, etc.), que reivindican espacios de dignidad y mayor participación democrática en lo étnico, lo sexual y genérico, lo cultural, socio-material y ambiental, etc., en complemento siempre precario y conflictivo con partidos políticos y gobiernos que manifiestan una sensibilidad y una conciencia social por las víctimas producidas por el sistema capitalista-patriarcal y colonial. Pese al contexto adverso e incierto, son interesantes los acontecimientos que se expresan en el llamado nuevo constitucionalismo latinoamericano con Bolivia y Ecuador a la cabeza, junto al zapatismo mexicano pese a las dificultades, entre otros muchos ejemplos. América Latina con sus diversas tonalidades y colores es ejemplo desde hace tiempo de la pluralidad y la riqueza humana en términos de liberación frente a los excesos de los poderes económicos depredadores, patriarcales y racistas que afectan a la especie humana como un todo, a cada colectivo humano y a cada ser humano individual y particular, junto a la naturaleza. Solo la permanencia de esa lucha incansable, permanente y continua abre el horizonte de que otro mundo es posible. También creo que resulta fundamental que se hagan fructíferos los intentos ya propuestos por Simón Bolívar y José Martí de generar una unidad entre todos los países y pueblos latinoamericanos para hacerse fuerte sabiendo sacar provecho a su bagaje multicultural y humanista, claro está, buscando otros modelos de desarrollo económicos basados en una racionalidad económica y una ética reproductiva que apuesta por la vida de toda la humanidad y la naturaleza. Son muchos quienes ignoran esa propuesta del pasado calificándola de chavista o populista, desconociendo su fuerza emancipadora y llena de matices. 4. Tendo em vista as experiências de diferentes movimentos sociais que lutam por direitos, as quais se combinam com diversas formas de violação de direitos humanos no campo e na cidade, como o sr. avalia as perspectivas futuras dos direitos humanos Brasil? Brasil, con sus particularidades y diferencias, creo que tiene situaciones parecidas a las que están sucediendo en el resto de América Latina. Los conflictos relacionados con la tierra, identitarios de indígenas y quilombos, por una moradía o vivienda digna, los problemas generados por la mega-minería y la mega-industria, etc., son comunes. A ello se añade los múltiples casos de corrupción de la clase política, de especulación empresarial y bancaria, la violencia protectora de un concepto de propiedad privada avariciosa y codiciosa, etc. Cuando al principio mencionaba esa manera simplista de ver derechos humanos al confiar solo en el estado la capacidad de garantizarlos y hacerlos efectivos, no percibimos el hecho de que en América Latina, ningún estado está libre de sospecha en relación a la impunidad, el ejercicio de la violencia policial y/o militar, la connivencia con los poderes económicos, etc. No hay estado que de confianza y que sea ejemplo de sensibilidad por derechos humanos. Asimismo, la tragedia y el daño provocados por el narcotráfico en países como México, Colombia y Perú, también se dan en Brasil. En todas esas sociedades participan instancias estatales y de la sociedad civil dentro de un sistema capitalista que lo tolera porque forma parte de su lógica suntuaria y crematística. A ello se suman los secuestros, el tráfico de personas, principalmente de mujeres por razones sexuales, formas análogas a la esclavitud, la explotación infantil, la prostitución principalmente forzada. Todos estos actos que denigran al ser humano están a la orden del día y, desde mi punto de vista, expresan anormalidades que tienen su fuente o caldo de cultivo en comportamientos previos más normalizados que se basan en una cultura que clasifica la realidad en superiores e inferiores en todos los órdenes de lo racial, sexual, de género, de clase y socio-material, etario, religioso, etc. Por eso creo que la fuerza instituyente de los movimientos sociales y populares que en Brasil y el resto de América cuestionan este modelo de desarrollo desigual, que apuestan por una cultura más participativa y democrática en instancias estatales y no estatales bajo el paradigma de la demodiversidad en tanto posibilidad participativa de empoderamiento social a partir de transferencias de poder reales que elevan la autoestima popular. Una cultura participativa y democrática que potencia el respeto por la naturaleza y el reconocimiento de la alteridad, que convoca sociabilidades humanas de solidaridades, respetos mutuos, que potencia lo común en lo local y lo global, que potencian el reconocimiento de la diversidad y la diferencia sexual y de género, racial y cultural, etc., son fundamentales para enfrentar un sistema de nos lleva a la extinción del la especie humana y del planeta, y en el que muchos son los colectivos que están siendo sacrificados, despreciados, ignorados y/o asesinados. 5. O sr. poderia apresentar uma síntese das suas ideias sobre os direitos instituintes e os processos de luta? Intentaré no extenderme demasiado pese a que entraré con más detalle en mi respuesta. Con ese modo simplificado y estrecho de entender derechos humanos que expliqué anteriormente, se nos enseña una idea tan restringida y tan reducida que, al final, acaba por desempoderarnos a todos los seres humanos, quitándonos nuestra dimensión constituyente, individual y colectiva, nuestra cualidad soberana de significar y re-significar la realidad, porque con esa concepción oficializada y extendida que limita derechos humanos a instancias teóricas, normativas, burocráticas e institucionalizadas y a circuitos judiciales, se establece un efecto expropiatorio y de secuestro tanto de la capacidad de lucha constituyente popular como de la acción social y cotidiana. Es decir, no se nos reconoce realmente en nuestra capacidad de dotar de carácter a nuestras propias producciones culturales, políticas, étnicas, sexuales-libidinales, económicas y jurídicas con autonomía, responsabilidad y autoestima en todos aquellos espacios y lugares sociales en los que se forjan las mismas relaciones humanas, como son el mundo del trabajo, de la producción y el mercado, las esferas doméstica, comunitarias y de la ciudadanía. Por esta razón, se hace necesario señalar algunas pistas para articular y defender una concepción mucho más compleja, relacional, socio-histórica y holística que priorice el componente constituyente y no solo constituido de los derechos humano: 1) tanto las propias prácticas humanas, que son la base sobre la que realmente se hacen y se deshacen, construyen y destruyen derechos y sobre las cuales se inspiran y elaboran las teorías; 2) como la propia dimensión creativa e instituyente de los seres humanos plurales y diferenciados, quienes son los verdaderos sujetos y actores protagonistas. En nuestro imaginario, por lo general los derechos humanos aparecen como instancias instituidas, separadas de sus procesos socio-históricos de constitución y significación. Las garantías para hacerlos efectivos se reducen a lo jurídico-estatal, bien a través de políticas públicas o por medio de sentencias judiciales y se piensa que el derecho estatal es la única instancia salvadora de la insociabilidad humana. Se deslegitima así la capacidad de la sociedad civil para implementar un sistema de garantías no único, sino plural que, dentro o fuera del marco legal, protege y defiende derechos históricamente conquistados pero debilitados por diversas circunstancias y también nuevos derechos que el orden político y económico no los quieren reconocer por la amenaza que suponen para el orden de poder establecido. A ello se suma el recorte de la capacidad soberana popular por medio de un concepto también restrictivo de democracia, que queda reducida a representación partidista y elección en las urnas bajo la base de una abisal separación entre los gobernantes que mandan y los gobernados que se limitan a obedecer. Una de las causas de que esto suceda se debe al imaginario de despolitización que se ha construido en torno a los derechos humanos y que implica un debilitamiento y una anulación del ejercicio autónomo del poder por parte del pueblo y/o la sociedad civil. Para ello, un recurso crucial utilizado ha sido el modo de concebir el poder en una sola expresión. Tradicionalmente es definido como la capacidad de dominio de una persona sobre otra, siendo el resultado de una relación de mandato y obediencia. Ya implica potencialmente un trato o relación desigual, manipulada y por imposición, en donde una de las partes es superior a la otra, quien se subordina y hasta es sometida. Este ha sido el modo como Occidente se ha expandido por el mundo, colonizándolo y apropiándose de él. No obstante, autores como los argentinos Alejandro Médici y Enrique Dussel contraponen a este concepto de poder, al que denomina estratégico, con otra noción de poder más liberador y generador de autoestima, entendido como la capacidad de las personas para actuar concertadamente para hacer cosas de modo cooperativo y conjuntamente, en base a un consenso previamente obtenido. Se trataría de una noción de poder compartido, sin jerarquías discriminantes y no basadas en el par superior/inferior. El ser humano, en su capacidad de significar y resignificar mundos plurales, cimentaría como fundamento de este modo constituyente de crear realidades, en la voluntad de vivir, según el sentido dicho por Enrique Dussel, reinterpretando a Spinoza. Un poder desde el que podemos alimentarnos, disfrutar de un hogar y vestirnos dignamente y garantizando la vida de cada ser humano particular, con nombres y apellidos, proporciona los medios para la satisfacción de las necesidades que permiten la producción, reproducción, mantenimiento y desarrollo de la vida humana concreta mediada culturalmente. Desde el punto de vista político, sería por antonomasia el pueblo el sujeto primero y último del poder, siendo el verdadero soberano con autoridad propia. En él, tendría una posición de protagonismo central el bloque social de los oprimidos, en tanto que subjetividades subalternativizadas que critican hacia la transformación del orden social e institucional existente, que formula sus reclamos en forma de nuevos derechos, que expresan su voluntad crítica de convivencia desde el consenso contrahegemónico. A un nivel más antropológico, podría hablarse de la cualidad instituyente y creadora de los seres humanos para transformarse a sí mismos y a los entornos en el que se desarrollan. En este sentido, Joaquín Herrera Flores alude a la capacidad humana genérica de reaccionar culturalmente frente al mundo, de reaccionar frente a sus entornos relacionales, en un permanente, continuo e inacabado proceso de creatividad y significación, con sus consecuencias tanto positivas como negativas. En términos de dignidad humana, sería «el despliegue de la potencialidad humana para construir los medios y las condiciones necesarios que posibiliten la capacidad humana genérica de hacer y des-hacer mundos». El poder constituyente, en términos no solo constitucionales y de teoría política, sino aplicados a los derechos humanos, sería la capacidad creativa plural y diferenciada, la cualidad individual y colectiva de las personas concretas de enfrentar el mundo, reaccionando frente a sus entornos relacionales tanto para lo bueno como para lo malo. Por ello hay que distinguir entre un poder constituyente emancipador, liberador y popular y un poder constituyente oligárquico, dominador y excluyente. Para lo que nos interesa, el poder popular en tanto poder originario e instituyente, en la tradición de la teoría política y como promesa incumplida de la modernidad, se muestra como el fundamento y legitimidad de las instituciones y los sistemas de organización de una sociedad calificada de democrática. El conjunto de sujetos individuales libres que en red y con vínculos intersubjetivos dentro de una comunidad, se aúnan consensualmente como poder constituyente que construye realidades desde la materialidad de la vida posibilitada, establece las bases del constitucionalismo democrático moderno y de los estados constitucionales de derecho. El poder del pueblo y para el pueblo es su máxima expresión, entendido como instancia originaria y fundadora del orden político. Pero a lo largo de la historia, de manera sistemática y, principalmente, una vez asentadas las revoluciones burguesas que originaron la primera etapa del constitucionalismo, quedó sometido a un proyecto de control no solo, como dice Toni Negri, de la ciencia jurídica, sino a un nivel más estructural por medio de los poderes oligárquicos que, por tradición, han tenido un miedo y un recelo ancestral hacia lo popular, casi siempre adjetivado despectivamente como la chusma o la masa inmadura, salvaje y peligrosa. A lo largo del tiempo se han ido desarrollando sucesivas políticas de limitación, recorte, parcelación y debilitamiento. El derecho y la representación política han sido dos de los principales instrumentos para amansar y domar su fuerza creativa y transformadora de los entornos relacionales. La dimensión delegativa e instituida del poder gubernativo y político, termina robando y expropiando el poder soberano de las mayorías populares, que pierden en protagonismo directo de significar y dotar de carácter a sus propias producciones, de hacer y des-hacer mundos. El pueblo, base de legitimidad de la arquitectura política, desaparece en el instante que es internalizado como una parte más de la constitución, es decir, como poder constituido. Las consecuencias son claras: la constitución, en vez de ser un proceso abierto a una comunidad ampliada y plural de intérpretes que abarca a toda la ciudadanía, se cierra como un coto privado de operadores jurídicos y la doctrina constitucional, encriptándola, en palabras del colombiano Ricardo Sanín, con un lenguaje tecno-legal que se convierte en indescifrable y también al poder que lo sustenta. Este efecto limitante y de blindaje de los seres humanos en tanto sujetos soberanos, se proyecta sobre los derechos humanos, que, tal como hemos dicho, pierden su carácter político y pasan a ser instancias técnicas y burocráticas. Al juridificarse, se despolitizan, desvinculándolos de las luchas sociales que resisten los procesos que agreden el impulso vital instituyente de reacción cultural y de existencia plural y diferenciada. Cuando la lucha política por los derechos debería estar presente en todas las instancias tanto jurídicas, como socio-económicas y existenciales, se la filtra, regula, contiene y limita con las camisas de fuerza de las normas y los procedimientos jurídico-estatales, que imposibilitan las trasferencias de poder que el pueblo y cada ser humano precisa para crear y recrear mundos desde sus propias particularidades y diferencias. La trampa de estos juegos malabares de desempoderamiento popular, radica en diluir al poder constituyente popular convirtiéndolo en solo una capacidad originaria o subordinándolo a un poder constituido delegativo, estratégico, burocrático y técnico. Se termina normalizando y naturalizando la idea de que así, toda dimensión constituyente que en el origen es legitimadora, pasa a ser legitimada por las instancias institucionales que lo controlan. Se oculta con ello, la cooptación que de lo instituido realiza ese otro poder constituyente oligárquico, estratégico, fetichizado y excluyente, que es el que realmente se apropia y controla el proceso de construcción de la realidad desde parámetros economicistas, mercantiles, patriarcales, coloniales y racistas, y bajo la engañosa noción de individuos emprendedores y competitivos. En definitiva, se despolitizan los derechos humanos juridificándolos en procedimientos interpretados por técnicos y especialistas, eliminando, con ello, la dimensión combativa, liberadora y de lucha instituyente popular, propia de los movimientos sociales que ejercen el poder soberano de la lucha por los derechos frente a entornos de dominación, explotación y discriminación. Por ello, es falsa y mentirosa la idea de que existe un poder instituido, de derecho, constitucional y democrático desvinculado de amenazas, controles y hegemonías de poder. A costa de eliminar la dimensión constituyente popular y de la sociedad civil que afecta e influye sobre lo instituido, quien ejerce un sistemático control es el otro poder constituyente, el oligárquico, que se mantiene en su versión dominadora e imperial por medio de los intereses y las acciones hegemónicas y alienantes del capital patriarcal. Los protagonistas del mundo de los negocios, las empresas multinacionales, los grandes bancos, el FMI, la OMC, el BM y aquellas grandes potencias o estados más fuertes del capitalismo tanto central, como periférico, con sus respectivas clases ricas nacionales, son los poderes constituyentes oligárquicos que poseen el control y la autoridad del poder instituido, plasmado en los estados constitucionales de derecho. Absolutizan sus intereses por medio de derechos como la propiedad privada, la libertad de contratos y el libre comercio. La estrategia es utilizar el derecho estatal y la legalidad cuando conviene en unos casos, y en otros es preferible vulnerarlo, creando normatividades paralelas. De ahí la importancia que tiene exigir, reivindicar y recuperar el papel protagonista del poder constituyente popular y de unos derechos humanos instituyentes que compensan las carencias, las omisiones y las agresiones del poder constituido normativo y estatal blindado y enclaustrado oligárquicamente. La fuerza de los derechos humanos en eficacia y reconocimiento garantizado se incrementará cuando el poder constituyente popular y democrático, que también puede decantarse a la creación de espacios de dominación y destructores de dignidades, se complemente con los derechos humanos instituidos, que concretizan las luchas instituyentes y emancipadoras populares y que permiten a todo ser humano ser tratado como sujeto actuante e instituyente y no como objeto manipulable, victimizado y prescindible. Desde esta dimensión instituyente y como proceso de lucha, los derechos humanos con su dimensión política, socio-histórica, procesual, dinámica, conflictiva, reversible y compleja, nos permitirá de manera sinestésica espabilarnos de la anestesia en la que estamos sumergidos, con la que los cinco o los seis sentidos actúan simultáneamente las veinticuatro horas del día y en todo lugar. Son prácticas que se desarrollan diariamente, en todo tiempo y en todo lugar y no se reducen a una única dimensión normativa, filosófica o institucional, ni tampoco a un único momento histórico que les da un origen. Derechos humanos guardan más relación con lo que hacemos en nuestras relaciones con nuestros semejantes de manera individual y colectiva, ya sea bajo lógicas o dinámicas de emancipación o de dominación, que con lo que nos dicen determinados especialistas lo que son (aunque también repercute en nuestro imaginario y en nuestra sensibilidad sobre derechos humanos). Lo instituido está siempre afectado por lo instituyente tanto popular como oligárquico o poliárquico. Y debe ser el primer poder desde un prisma emancipador, el que debe primar. Todo esto tiene mucha relación con los derechos humanos militantes que desde hace años ya señalara Roberto Lyra Filho y desarrollara José Geraldo de Sousa Jr., junto a esa capacidad de la sociedad de producir derechos de manera liberadora.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Feminismos em Coimbra (Cartas do Mondego)

(...) Mulher na democracia
Não é biombo de sala
 (...)Vencida numa fornalha
Não há bandeira sem luta
Não há luta sem batalha”
Música “Teresa Torga”, Zeca Afonso.

“(...)Tinha a mania de pôr as cores a condizer
No meu entender, rosa com vermelho não podia ser
Uma noctívaga que não dormia a sesta
E, de manhã, sempre quis menos conversa
Uma covinha só de um lado da bochecha
Adormecia com o pai e a mesma canção do Zeca
"Dorme, meu menino, a estrela-d'alva"
Era sempre mais Mafalda do que Susaninha
Ai de quem dissesse mal do Sérgio Godinho!”
Música “Vayorken”, Capicua

O feminismo grita nas paredes e nas ruas de Coimbra. São diversas as manifestações em graffiti stencil, algumas chamando a atenção para o número de mortes de mulheres em Portugal, outras defendendo a autonomia das mulheres e o próprio feminismo.


Essas frases se repetiram em diversas ações sobre a temática ocorridas em novembro. Houve oficina no CES tratando de literatura feminina africana e os discursos acerca da poligamia e outra tratando de discursos sobre masculinidades pelas novas mídias, além de uma Conferência no dia 25 de novembro para debater a violência contra as mulheres.
Ainda, a 1ª Semana da Consciência Negra do CES teve uma mesa de abertura fantástica composta apenas por mulheres negras debatendo o feminismo e o racismo, trocando experiências entre Portugal e Brasil.
Mesa 1a Semana da Consciência Negra do CES – 19/11/14
Vigília em memória das mulheres assassinadas em Portugal - 02/11/14
Para além das atividades acadêmicas, ocorreram atividades convocadas por entidades locais como uma reunião aberta do partido “MAS” para discutir o que é o feminismo; uma vigília promovida pelo Movimento Nós, Mulheres; e convocada por diversas entidades, como a UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), nas escadarias monumentais da Universidade para lembrar o assassinato de mais de trinta mulheres só este ano em Portugal.
Logo no meu primeiro mês aqui a questão da violência doméstica já se mostrou como uma
problemática também portuguesa. Em outubro, em Coimbra, um homem assassinou sua mulher, uma filha e deixando outra filha ferida.
Isso significa que a violência contra a mulher é de fato um problema mundial. Em 1999, a OMS já constatava, em um estudo com 35 países, que entre 10% e 52% das mulheres já haviam sido agredidas fisicamente pelo parceiro em algum momento de suas vidas (http://www.compromissoeatitude.org.br/alguns-numeros-sobre-aviolencia-contra-as-mulheres-no-mundo/).
E as notícias vindas do Brasil não são nada alentadoras. Em 2014, o país caiu de 62ª para 71ª posição de igualdade de gênero no mundo. Segundo o Mapa da Violência (2012) até o ano de 1996 as taxas de homicídio de mulheres eram de 4,6 homicídios para cada 100 mil mulheres não sofrendo alterações mesmo após da Lei Maria da Penha, demonstrando que temos muito ainda que avançar em termos de políticas públicas especificas para este problema.
Bandeja da cantina da Universidade de Coimbra com campanha contra o abuso sexual de mulheres
Teatro da Oprimida - Ato 25/11/14
Por isso a importância da data 25 de novembro como dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher. Este dia em Coimbra não passou em branco. Durante quatro dias participei de um curso de Teatro da Oprimida com a Judite da Marcha Mundial de Mulheres e um grupo de mais ou menos oito pessoas. Foram dias intensos de desmecanização dos nossos corpos e busca por novas formas de expressão de nossas lutas por libertação. Desse curso, tiramos um teatro Imagem que apresentamos no dia 25 de novembro na Praça 8 de maio, no centro comercial de Coimbra, associada a um ato manifesto.

Não pude deixar, claro, de lembrar em todo o momento das Promotoras Legais Populares do Distrito Federal que formou a sua 10ª turma no dia 29 de novembro. Como pude expressar virtualmente para esta turma, estar aqui, participando destas experiências, me faz perceber que no mundo todo há mulheres sofrendo violência, mas há também mulheres resistindo e lutando. E compor a luta pelo seu enfrentamento pode até ser difícil, mas também muito prazeroso. E o prazer está, em especial, no afeto e na alegria de descobrir por todo canto novas companheiras.


Coimbra, 01 de dezembro de 2014,


Lívia Gimenes Dias da Fonseca