quarta-feira, 5 de novembro de 2025

 

Lido para Você: Entre Versos e Lutas. O Direito Achado na Poesia e nas Vozes de Jovens Poetas que Fazem Parte do Sarau da Quarta, em Ceilândia, DF

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito, nesta edição, com Elisa Meirelles Reis*

Entre Versos e Lutas. O Direito Achado na Poesia e nas Vozes de Jovens Poetas que Fazem Parte do Sarau da Quarta, em Ceilândia, DF. Dissertação de Mestrado, defendida e aprovada no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania. UnB/Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, 2025, 105 fls.

Em uma das semanas mais tristes da história recente brasileira, em que mais de 100 pessoas, incluindo muitos jovens, foram mortos violentamente pela polícia do Rio de Janeiro, uma dissertação defendida no PPGDH colocou em destaque o grito das juventudes periféricas por Direitos Humanos. A dissertação, de autoria de Elisa Meirelles Reis, e sob minha orientação, trouxe à tona O Direito Achado na Poesia e nas Vozes de Jovens Poetas que participam do Sarau da Quarta, em Ceilândia, DF. Trata-se de um Sarau de poesia organizado, semanalmente, por jovens poetas e poetisas periféricos, dentro do espaço Cultural Cio das Artes, no Setor P-Norte, em Ceilândia.

Na banca, estavam a Profa. Dra. Adriana Andrade Miranda, que em março defendeu o doutorado também no PPDGH, sobre as mulheres coralinas; o prof. Dr. Menelick de Carvalho Netto; e o prof. Dr. Breitner Luiz Tavares, nascido em Ceilândia e hoje professor da UnB campus Ceilândia.

Elisa e eu decidimos escrever juntos este texto, incluindo aqui os slides utilizados na apresentação da dissertação. Em cada slide, é possível conhecer melhor o Sarau da Quarta por meio de fotos, a grande maioria delas de autoria de Vitor Miguel Mendes, um dos jovens que organiza o Sarau e foi entrevistado para a pesquisa. Eis aqui o resumo, juntamente com uma foto do palco do Sarau:

Como embasamento teórico, a pesquisa trouxe:

Com relação à metodologia, surgiu uma dúvida interessante durante a banca, que trazemos aqui. A dissertação foi escrita seguindo uma estrutura de pesquisa proposta em 1990, em tese apresentada durante a XIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Belo Horizonte (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Movimento Social – Emergência de Novos Sujeitos: O Sujeito Coletivo de Direito. Anais, Brasília: Conselho Federal da OAB, 1990, p. 307-315) e depois, de modo mais sistematizado, no texto “O Direito Achado na Rua: concepção e prática”, publicado no volume 1 da Série O Direito Achado na Rua. No texto, era colocado que “o sentido que orienta o trabalho político e teórico de O Direito Achado na Rua consiste em compreender e refletir sobre a atuação jurídica dos novos sujeitos sociais e, com base na análise das experiências populares de criação de direito:

  1. Determinar o espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciam Direitos;

  2. Definir a natureza jurídica do sujeito coletivo capaz de elaborar um projeto político de transformação social e elaborar a sua representação teórica como Sujeito Coletivo de Direito;

  3. Enquadrar os dados derivados destas práticas sociais criadoras de Direitos e estabelecer novas categorias jurídicas para estruturar as relações solidárias de uma sociedade alternativa em que sejam superadas condições de espoliação e de opressão do homem pelo homem e na qual o Direito possa realizar-se como projeto de uma legítima organização social da liberdade”. (Sousa Júnior, 1993)

Na defesa da Dissertação, no debate que se deu com a Banca, Elisa diz se lembrar de o professor José Geraldo ter abordado esses três pontos – a rua, o sujeito e os achados – chamando-os de “mediadores de ingresso no real”. Ela acreditou ser esse um termo e uma estrutura comum às pesquisas no campo de ODNAR. Baseou, então, sua dissertação nesses três mediadores, estruturando os capítulos de forma a analisar o espaço político do Cio das Artes, em Ceilândia, onde acontece Sarau da Quarta; o Sarau em si, enquanto Sujeito Coletivo de Direito; e os achados que ele traz, por meio das poesias, para o debate acadêmico sobre Direitos Humanos.

Sabendo serem esses os três objetivos que norteariam a dissertação, ela foi desenvolvida usando como método a Pesquisa Ação-Participativa, proposta pelo colombiano Falls Borda (2007). Ao longo de todo o texto, além das vozes de jovens poetas e poetisas, e das vozes teóricas, foram trazidas as poesias em si, reproduzidas na íntegra, como fonte também de diálogo.

Seguindo a proposta de Borda de uma pesquisa sentipensante, que une coração e cabeça e busca romper com as hierarquias entre pesquisadora e pesquisados, a dissertação buscou ampliar e dar destaque à voz dos poetas e poetisas que fazem parte do Sarau da Quarta. Para tanto, foram realizados 2 anos de observação participante do Sarau, com muitas conversas e trocas com os participantes; foi feita uma análise de uma antologia poética publicada pelo Sarau; e foram realizadas 5 entrevistas individuais com o criador do Espaço Cultural Cio das Artes e quatro jovens poetas que organizam o Sarau da Quarta:

A partir dessas entrevistas, análises e observações, os resultados da dissertação foram divididos em três capítulos, seguindo aquela estrutura de pesquisa proposta por José Geraldo em 1993.

Começando pelo primeiro mediador: o espaço político no qual se desenvolvem práticas que enunciam direitos. A dissertação apresentou o território de Ceilândia, com seus desafios e também suas lutas; o Espaço Cultural Cio das Artes; e o Sarau da Quarta.

      

A partir daí, a dissertação entrou no segundo mediador de ingresso no real, analisando o Sarau da Quarta enquanto um novíssimo Sujeito Coletivo de Direito, mostrando que existe uma conexão possível entre o Sujeito Coletivo de Direito e os novíssimos movimentos sociais, como os coletivos. Neste sentido, o Sarau da Quarta traz todas as características que o legitimam como Sujeito Coletivo de Direito, ao mesmo tempo em que se caracterizam como um novíssimo movimento social, muito menos oficializado, estruturado e perene.

    

Por fim, a dissertação trouxe “O Direito Achado na Poesia”, apresentando as contribuições que jovens poetas e poetisas trazem ao debate teórico sobre Direitos Humanos. Para tanto, foi analisado o livro “Sarau da Quarta: Antologia Poética”, lançado em 2024, reunindo escritos de 45 poetas e poetisas periféricos que passaram pelos palcos do Sarau em seus dois primeiros anos.

Foram escolhidas 11 poesias do livro, que dialogam com quatro conceitos operacionais fundamentais ao debate acadêmico sobre Direitos Humanos: raça, gênero, classe e O Direito Achado na Rua. A partir daí, as poesias foram colocadas em diálogo com esses conceitos, mostrando que o que se discute no Sarau da Quarta também faz parte da construção teórica, da formação dos jovens e do debate sobre Direitos Humanos.

           

A dissertação termina mostrando a força do Direito Achado na Poesia, como já bem colocava Roberto Lyra Filho, ao que cada poeta apresenta, por meio da poesia, um dos inúmeros retratos possíveis de um determinado momento histórico, trazendo a fala de um grupo ao qual pertence (Lyra Filho, 1972).

E a banca terminou com um vídeo, apresentado por Elisa, do momento em que ela entregou a dissertação ao criador do Espaço Cultural Cio das Artes. Essa foi uma prática adotada pela pesquisadora, de não só abrir espaço para que jovens poetas e poetisas falassem por meio da pesquisa, mas também entregar o texto antes a eles, para que pudessem ler e opinar sobre os resultados.

Entre Versos e Lutas. O Direito Achado na Poesia e nas Vozes de Jovens Poetas que Fazem Parte do Sarau da Quarta, em Ceilândia, DF. Dissertação de Mestrado, o instigante trabalho acadêmico elaborado por Elisa Reis, que não poderia deixar de assinar a sua própria recensão da obra acadêmica que elaborou, é uma expressão destacada de apropriação do real pelo discurso literário.

A resenha colima um rico catálogo de estudos mediados pelo artístico, o literário e o poético, distribuídos circunstancialmente pelos espaços da Coluna Lido para Você. Com tal intensidade e relevo que mereceram da Editora do próprio Jornal Estado de Direito, um incentivo para que fosse publicado em edição específica, um primeiro conjunto de textos referidos ao Direito, ao Cinema e à Literatura (José Geraldo de Sousa Junior. Lido para Você: Direito, Cinema e Literatura – São Paulo : Editora Dialética, 2023. 168 p. (https://loja.editoradialetica.com/humanidades/lido-para-voce-direito-cinema-e-literatura), conforme melhor indicado em https://estadodedireito.com.br/lido-para-voce-direito-cinema-e-literatura/.

São leituras que desvendam no discurso artístico o intuir que não precisa fundamentar, explicar, disponibilizando-se, como se tem, exemplarmente, em Entre Versos e Lutas. É um modo de conhecer que revela o real, e o expõe em compreensão direta e sem mediações. Conforme lembra o grande acadêmico de Coimbra Eduardo Lourenço (Mitologia da Saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999), a arte, o teatro, o cinema, muito expressivamente a literatura, a música, a poesia, não são um delírio, mas a apropriação do real por meio de uma outra linguagem.

*Coluna assinada com Elisa Meirelles Reis, autora da Dissertação que é seu objeto de recensão

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