sábado, 3 de maio de 2025

 

CONJUNTURA NACIONAL: Desafios e Esperanças

Grupo de Análise de Conjuntura da CNBB – Padre Thierry Linard[1]

                     30 de abril 2025

 

Ele, porém, disse-lhes:

 “Não vos assusteis! Buscais Jesus, o nazareno, o crucificado? Ele ressuscitou! Não está aqui!” 

(Mc 16, 6)

 

NOTA PRÉVIA

 

A construção de uma análise de conjuntura do porte da que segue envolve um trabalho cooperativo e um grande esforço em prol de atualizar, até o último instante do fechamento do texto, os principais acontecimentos, desafios e esperanças que se cristalizam na data em que a assinamos. Infelizmente, o último dia 21 de abril tomou-nos de assalto e obrigou-nos a dividir as alegrias da Páscoa com o sentimento de orfandade. É justamente essa a palavra que melhor designa o que sentimos, como Grupo de Análise de Conjuntura, ao tomarmos conhecimento do falecimento do querido Papa Francisco. Ao longo de seu pontificado, seu empenho por um mundo digno e justo ao alcance de todos tornou-se uma marca conhecida no interno, mas, sobretudo, no externo da Igreja. Não custou, por isso, até que se tornasse para nós uma espécie de referencial e farol, fortalecendo a luta cotidiana da qual também tomamos parte, reacendendo a nossa esperança e nos confirmando na fé. Resta-nos o seu legado, iluminado pela "alegria do Evangelho", repleto de temas urgentes e essenciais para a manutenção da nossa condição de seres abertos a uma totalidade, ao Espírito de Deus que age em nós, mas, especialmente, por nós.

Não se pode falar em Francisco senão como referencial ético, espiritual e profético num mundo marcado por tantas crises. Apesar disso, porém, permanece em nossa memória a serenidade daquele que sempre confiou que nada estava perdido, mas, ao contrário, que tudo poderia ser transformado pela nossa ação coletiva e pelo amor que irradiamos. O pregador da paz inquieta, aquela mesma que deve incomodar os discípulos de Jesus para que o cinismo não reine sobre a face da terra. O contraponto, justo e necessário, amigo dos pobres, dos doentes e excluídos, das crianças e dos migrantes, dos fragilizados pela exploração exacerbada do capital, como se o poder econômico fosse capaz de dizer a última palavra. Poucos pontificados, como o seu, permitiram-nos ler o mundo a partir de suas intervenções. Encíclicas, discursos, palavras trocadas, mas nunca apenas palavras. Gestos revestidos de significado crítico, embora sempre sem ressentimento. Livre, no melhor sentido da palavra, para partilhar, para falar fraternalmente aos seus irmãos, postos, cada um singularmente, sempre no centro de toda a sua atenção.

O Papa Francisco nos ajudou a olhar o mundo desde as suas periferias, materiais e existenciais, e não desde os centros de poder. A pensar uma ação pastoral focada em cada pessoa, especialmente nos que padecem e são cotidianamente sacrificados pelo juízo do lucro. Ajudou-nos a compreender o cenário contemporâneo, a imoralidade da desigualdade social, estimulando-nos a pensar formas alternativas do bem viver, em que a cultura do consumo fosse substituída pela solidariedade e a fraternidade universal. Frentes em que não se poderá avançar sem que tomemos consciência do compromisso que toca a cada um de nós: a promoção da paz que supera toda forma de domínio e guerra, a defesa da ecologia integral e da sustentabilidade de nossa Casa Comum, a condenação do armamentismo, o estímulo ao diálogo intercultural e inter-religioso, a valorização dos povos originários, a abertura a uma Igreja sinodal, em que as vocações não se sobrepõem, mas se configuram cada vez mais à lógica do corpo, em que há muitos membros, mas um só espírito, o espírito da unidade.

O pregador cosmopolita que, à revelia disso, nunca deixou de ser um padre de bairro, de manter os seus e os nossos pés fincados na realidade em que vivemos: o local em sintonia com o global. Poucos intérpretes foram capazes de tamanha sensibilidade, pelo que aqui apresentamos esse registro também em forma de homenagem. Ao mesmo tempo em que sentimos a consumação de sua Páscoa, estamos certos de sua presença inspiradora, agora a olhar-nos da feliz eternidade. A fé que professamos não tem espaço para a morte, de modo que também o nosso sentimento inicial de orfandade deve florescer em nova esperança, aquela que, conforme as palavras do apóstolo Paulo, nunca engana, nem faz enganar (cf. Rm 5,5). A responsabilidade de Francisco também é a nossa. E a história, apesar de tudo, ainda está em aberto e por ser feita.

A lição maior dentre todos os seus ensinamentos, em documentos, em gestos, é a combinação entre contemplação e ação missionária, como método para discernir no enredamento das questões difíceis que a conjuntura nos desafia a analisar. Uma contemplação na ação, realizando as suas encíclicas e exortações em proposições sobre o que se pode construir a partir do agora, em conjunto, em comunidade, como povo de Deus, numa renovada louva-ação, como cânticos do irmão Sol de sua metáfora poética.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Esse texto foi construído no tempo litúrgico da Quaresma e da Semana Santa de 2025. Ao tentar entender os elementos da conjuntura, dentre tantos cenários, em diálogo permanente e a partir das nossas realidades, estivemos submetidos ao temor e ao tremor da certeza da Ressurreição[2].

A nossa realidade não é simples! Estamos diante de uma etapa da história com muitas complexidades e incertezas que estão conectadas em uma grande rede. Assim, qualquer movimento em um dos campos interfere em todos os outros. Neste contexto, são oferecidos vários pontos de vista sobre os fatos. E, ao mesmo tempo, há a necessidade de se evitar os pontos cegos, que são tão característicos de leituras apressadas. É por isso que, ao analisar a vida de nossos povos, é importante tentar um olhar que compreenda os processos “macro”, as razões subjacentes, as mudanças profundas, o que já denominamos em nossas análises de “causas estruturais”.

Das muitas mudanças que enfrentamos na América Latina, ao lado da política, a de natureza cultural é talvez a mais intensa. Ela nasce e se expande principalmente no mundo da consciência e dos valores, nos estilos de vida, nas relações entre as pessoas, e principalmente, nas famílias[3].

Precisamos, portanto, fazer um esforço de compreensão com todas as consequências dessas mudanças e com os pés na realidade. O realismo, portanto, não é o resultado de um autor, de uma escola de pensamento ou de uma autoridade. É o mundo no mundo e a partir dele! E agindo como Igreja, pois como disse o Papa Bento XVI, é nesta realidade que vamos testemunhar “segundo o Evangelho, com palavras e obras, aqui e agora a soberania do amor de Deus. Como indivíduos e como comunidade da Igreja, ... a simplicidade dum grande amor que, no mundo, é simultaneamente a coisa mais fácil e a mais difícil, porque requer nada mais nada menos que o doar-se a si mesmo”[4].

Da mesma forma, nada é mais oportuno para o testemunho ante ao pensamento social e político contemporâneo do que a insistência implacável do Papa Francisco em enfatizar a importância de que “a realidade deve ter primazia sobre a ideia”[5].

O que o Papa Bento XVI pretendia e o que o Papa Francisco está apontando atualmente é a recuperação do realismo através da expansão do horizonte da razão de forma tão ampla, tão irrestrita, que não censuramos a priori nenhum elemento ou nenhum fator. Somente quando a razão e o coração estão abertos à totalidade dos fatores da realidade, a pessoa pode ser surpreendida novamente, ou seja, pode recuperar a capacidade de admiração e criatividade necessária para inovar e, assim, evitar a recaída em velhas soluções que mostraram sua falta de resposta no passado.

O Papa Francisco, quando faz esta frase forte (“a realidade deve ter primazia sobre a ideia”), não despreza conceitos e teorias. Seu chamado para despertar não é um convite sutil para cair nas armadilhas do irracionalismo. O que ele faz é indicar que todo conceito deve ser nutrido pela realidade e deve servi-la. Conceitos não são ídolos, são ícones. A diferença entre um ídolo e um ícone é que o primeiro se refere a si mesmo, busca que nossa razão e nosso afeto lhe prestem homenagem e devoção. Os ícones, por outro lado, nos transportam para uma realidade que é sempre maior do que eles mesmos. O ícone nos abre para aquilo que transborda e supera. O ícone nos educa a reconhecer que a vocação de nossa razão frágil e de nosso afeto mais frágil é a diaconia, é o serviço, e não o privilégio.

Assim, os conceitos não são absolutos a serem adorados, mas meios humildes de tentar entender o que acontece no mundo real. Por isso, nossas grandes ideias políticas não são chamadas a ser um objeto de adoração[6]. Toda vez que uma ideologia, um partido ou um governante eleva suas teorias acima da realidade, o desastre começa. O racionalismo utilitarista ou irracionalismo tem seu correlato político em governos autoritários: uma ideia autorreferencial facilmente se transforma em uma vontade de poder autolegitimada. Se as ideias são "direita" ou "esquerda" pouco importa. O problema de fundo ainda é o mesmo: a violenta supressão da realidade, especialmente dos mais pobres, frágeis e indefesos[7].

Para oferecer alguns elementos diante desta atual quadra histórica, optamos por retomar os aspectos da conjuntura internacional que foram apresentados em março de 2025, no texto oferecido ao Conselho Permanente da CNBB. A sua maior caraterística foi apresentar o tempo de incertezas, mudanças, turbulências e tensões das relações internacionais, que somente aumentaram neste último abril. Produzimos um olhar voltado à América Latina, certos de que sempre há uma realidade regional que estabelece um duplo polo entre o regional e o mundial.

Após esta retomada dos temas internacionais, fizemos um esforço para compreender a conjuntura brasileira. A primeira parte foi usar uma das chaves de leitura acerca da realidade que temos exercitado nos anos em que a equipe de Análise de Conjuntura da CNBB tem produzido textos: a cruel desigualdade brasileira. Consolidamos um panorama geral para depois oferecer dados que nos fazem tão desiguais enquanto sociedade.

Em um segundo momento, como elemento preponderante para entender a conjuntura, há um mergulho nos temas da economia, partindo de nossos últimos anos para avaliar o comportamento recente da atividade produtiva por meio da análise dos principais setores. Outro olhar se dá sobre o mercado de trabalho brasileiro, pois a “grande questão é o trabalho”[8]. “O trabalho humano é uma chave, provavelmente a chave essencial de toda a questão social”[9].

Diante das guerras comerciais que assolam o mundo, neste ano, apresentamos a relação entre a economia brasileira e o setor externo, debatemos os reflexos da inflação na vida do país, e discutimos o conjunto de políticas públicas ante o quadro econômico.

Como não poderia deixar de ser, no acúmulo de debates sobre a ecologia, debatemos os principais aspectos da questão ambiental, em um ano, por exemplo, de realização da COP30 no Brasil, em especial na Amazônia.

Somente após a apresentação de um panorama mais geral é que adentramos na conjuntura política. Da democracia para os poderes da República, destacamos os principais temas do governo federal, do Congresso Nacional e do Judiciário, especialmente do STF. Com base nesses pontos mais específicos, optamos por destacar o que chamamos de “temas centrais”, que são alguns elementos de destaque, dentre eles a cristalização da divisão político-ideológica na sociedade brasileira, com uma relação especial com o tema da religião, além de apresentar uma relação entre a violência que acomete todo o país e o uso do “armamentismo” como estratégia política.

Noutra abordagem, a partir dos direitos humanos, suscitamos como eles se apresentam ante ao contexto de divisão social.

A próxima etapa, já perto de uma conclusão, dar-se-á no difícil exercício de refletir sobre quais são os principais rumos que a política, as relações sociais, nossa cultura e nossa economia, tudo junto e imbricado, pode avançar, sem perder de vista quais são as estratégias de superação e as nossas bandeiras históricas de compromisso, enquanto Igreja, com o país.        

Muitos têm uma visão negativa da política. O Papa Francisco já nos alertou:

 

Atualmente muitos possuem uma má noção da política, e não se pode ignorar que frequentemente, por trás deste facto, estão os erros, a corrupção e a ineficiência de alguns políticos. A isto vêm juntar-se as estratégias que visam enfraquecê-la, substituí-la pela economia ou dominá-la por alguma ideologia. E, contudo, poderá o mundo funcionar sem política? Poderá encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política?[10]

 

É por meio da política que são solucionados os problemas humanos e dos países. “Reconhecer todo o ser humano como um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que integre a todos não são meras utopias”[11]. Este ato de reconhecimento é uma das formas essenciais de caridade. Exige a “decisão e a capacidade de encontrar os percursos eficazes, que assegurem a sua real possibilidade. Todo e qualquer esforço nesta linha torna-se um exercício alto da caridade”[12].

Somente dessa forma é que vamos ampliar os esforços de debater a complexa realidade em que as nossas democracias estão inseridas. O objetivo é tentar compreender um pouco mais onde serão indicados os caminhos da esperança. Pois, ainda mais nesses tempos, somos “Peregrinos de Esperança”.

 

2 DO MUNDO PARA NOSSA REGIÃO

 

Ainda na Análise de Conjuntura que foi oferecida à 115ª Reunião do Conselho Permanente da CNBB, em 18 de março de 2025, intitulada de “UMA CONJUNTURA INTERNACIONAL: continuidades e rupturas em um mundo de incertezas”, destacamos o quadro das relações internacionais. Ali, a partir da percepção de que estamos em uma “mudança de época” e não de uma simples “época de mudanças”, apresentamos o conceito de “policrise”, em conjunto com o Papa Francisco, que ainda em 3 de março, ressaltou essa conjuntura, ao dirigir uma mensagem aos participantes da Assembleia Geral da Pontifícia Academia para a Vida, que tem como tema: “Fim do mundo? Crises, responsabilidades e esperanças”. No texto, o Pontífice destacou a necessidade de uma profunda reflexão sobre a atual “policrise”, que envolve desafios como guerras, mudanças climáticas, crises energéticas, pandemias, fluxos migratórios e inovações tecnológicas, e ressaltou que essa convergência de crises demanda uma revisão das concepções humanas sobre o mundo e uma escuta atenta do conhecimento científico[13]. 

Destacamos, na ocasião, a disputa do poder global[14], com forte ênfase no papel dos Estados Unidos. Assim, oferecemos uma breve análise de como se chegou até o atual quadro internacional, com muita força de um setor da política e da economia, da cultura e das relações mundiais, em que a incerteza se fez constante.

A história econômica e social dos EUA, em grande parte do século XX, foi marcada pelo objetivo de se garantir o Estado do bem-estar social e com isso estabelecer um “modo de vida americano” que fosse referência para os demais países do mundo em contraposição as propostas do socialismo da então URSS. Para tanto, os EUA desenvolveram grandes políticas como o New Deal[15] e a Grande Sociedade[16]. Essas reformas enfrentaram reações conservadoras ao longo da história, que buscaram um maior alinhamento dos governos com os interesses dos negócios privados. Essa reação é o fio condutor para o recente “Projeto 2025”, da Heritage Foundation, que parece nortear a segunda administração Trump[17]. O projeto visa mudanças drásticas antes das eleições de meio de mandato em 2026, com um plano ambicioso para o desmantelamento de políticas de proteção social, diminuição drástica do Estado, proteção e incentivo a economia nacional. É uma tentativa de parte da elite econômica estadunidense de fazer frente a nova realidade em que a China se destaca e ganha importância na geopolítica global.

Após a análise de março, o mês de abril de 2025 trouxe ainda mais turbulências nos países em todo o globo. As medidas protecionistas de Donald Trump, especialmente as tarifas sobre importações, com suas idas e vindas, marcaram o início de uma guerra comercial com várias nações, incluindo a China, caracterizada pela imposição de tarifas e barreiras comerciais, resultando em um conflito econômico que poderá ter impactos duradouros na economia global. As reações desses países tem sido a indicação de que adotarão medidas de reciprocidade em termos tarifários. Essas ações e reações refletem a complexidade da situação entre os Estados Unidos e a comunidade internacional, marcada por tensões políticas e econômicas que continuam a evoluir.

Nessa tensão geopolítica, a América Latina e o Caribe adquiriram importância inegável devido ao rápido e sustentado avanço comercial, financeiro, tecnológico e de infraestrutura da China na região. Em 2024, as transações comerciais entre os dois lados atingiram US$ 518,465 bilhões, com a expectativa de que possam atingir US$ 700 bilhões até 2035. Os 147 projetos de propriedade chinesa na região andina desenvolvidos entre 2000 e 2023, avaliados em US$ 46 bilhões, estão espalhados pela Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Hoje, 21 países da América Latina e do Caribe (de 33) aderiram formalmente à Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), e outros, como Colômbia e Brasil, têm acordos parciais com esse mecanismo. Para este último país, a China é seu principal parceiro comercial — destino de 29,8% de suas exportações —, o que ganhou novo impulso com a assinatura de 34 acordos bilaterais em 2024[18].

 A abordagem de Trump para competir com a China, em uma região onde os Estados Unidos se encontram em desvantagem diante do enorme fluxo de investimentos e oportunidades comerciais oferecidas por seu rival, é arrogantemente simplista, baseada mais na ameaça de danos do que em incentivos positivos. Ironicamente, a guerra comercial desencadeada por Trump está estimulando a demanda chinesa por produtos agrícolas da região. Além disso, em termos de agenda global, as orientações defendidas por Pequim em favor do multilateralismo, da paz, da não intervenção, da cooperação para o desenvolvimento e do combate às mudanças climáticas estão alinhadas com pilares importantes da política externa da América Latina e do Caribe[19].

Vamos olhar de forma mais detalhada e a partir da economia a nossa região.

 

2.1 Impactos na América Latina

 

Nos últimos três anos, pós-pandemia, a América Latina enfrentou desafios econômicos significativos, refletidos em diversos indicadores macroeconômicos e sociais. O Produto Interno Bruto (PIB) da região manteve um crescimento modesto. Em 2023, o PIB cresceu 2,2%, com projeções de 1,9% para 2024 e 2,3% para 2025. Essas taxas indicam uma desaceleração em relação a 2022 (Cepal[20]). A capacidade ociosa das economias da região explica o crescimento de 2022. A descontinuidade no ritmo de crescimento tem relação com a inflação e as taxas de juros.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), as estimativas de crescimento das economias emergentes para 2024 e 2025 são de 4,2%, bem acima das expectativas para a América Latina. Para Cepal, as economias da região continuarão este ano e no próximo presas em uma armadilha de baixa capacidade de crescimento, com taxas de crescimento que permanecerão baixas e com uma dinâmica de crescimento que depende do consumo privado, e menos do investimento[21].

Conforme o relatório da Cepal (Balanço Preliminar), entre as principais políticas para enfrentar a armadilha de baixa capacidade de crescimento está a mobilização de recursos financeiros. Internamente, é necessário o fortalecimento das finanças públicas.

Para aumentar o quadro de preocupações, uma das questões de maior preocupação para a região é política externa dos Estados Unidos sob o comando de Donald Trump. Ele pretende aplicar uma sobretaxa a todos os bens importados dos países da região. Para a economia brasileira, embora as tarifas de Trump tenham se concentrado mais intensamente no México, o Brasil também está entre as economias da região que enfrentam tarifas elevadas dos EUA (10% em geral).

O setor automotivo no México terá grande impacto, por outro lado. As tarifas de 25% sobre veículos importados, anunciadas para vigorar a partir de 2 de abril, afetam diretamente o México, que exportou 2,5 milhões de veículos para os Estados Unidos em 2024. A presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, busca uma negociação para excluir o país dessas tarifas, argumentando que o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) deveria protegê-los dessas medidas. A economia mexicana enfrenta uma recessão iminente, com o PIB encolhendo 0,6% no quarto trimestre de 2024 e 0,2% em janeiro de 2025.

As tarifas impostas pelos Estados Unidos a partir de 2025 têm desafiado as economias da região, levando a esforços diplomáticos e ajustes de políticas internas para mitigar seus impactos adversos. O abandono do multilateralismo e o desrespeito ao direito internacional da política externa de Trump aumentam as assimetrias de poder entre os Estados Unidos e os países da América Latina e do Caribe, ao mesmo tempo que multiplicam as fontes de incerteza em escala global e regional.

A indiferença do segundo governo Trump em relação às organizações internacionais contribui para o esgotamento do multilateralismo regional. No entanto, a conjuntura pode contribuir para fomentar reações coordenadas e ações coletivas com certas margens de relativa autonomia. Assim, no recente processo de troca do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), uma certa falta de interesse dos Estados Unidos em apoiar mais firmemente a candidatura do Chanceler paraguaio Rubén Ramírez Lezcano abriu caminho para uma ação concertada de um pequeno grupo de países (Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai, em consulta com o México). A solução, que consistiu na aclamação do candidato surinamês, Albert Ramdin, e na retirada do candidato paraguaio, evitou que diferenças internas se tornassem visíveis e foi aceitável para Trump.

 

3 A CONJUNTURA BRASILEIRA

 

O Brasil tem desafios estruturais e conjunturais. Muitos avaliam que nossas caraterísticas se organizam a partir de uma lógica cruel em que nossas desigualdades, de um lado, e de outro, a concentração de poderes nas mãos de poucos fazem com que nossas tragédias perdurem. Nossas desigualdades são “operadas dentro de um quadro organizacional que transcende as vontades e as intenções dos indivíduos, orbitando os circuitos do poder que transformaram o Brasil em um dos países mais violentos e desiguais do planeta”[22]. O Brasil é conhecido por sua alta concentração de renda, onde o 1% mais rico da população detinha 28,3% da renda total (2023[23]), tornando-o um dos países mais desiguais do mundo[24].

O ano de 2025, que já está no seu segundo trimestre, trouxe consigo velhas e novas realidades. Continuamos com os fenômenos relacionados à emergência climática, com eventos extremos e impactos na saúde, na economia e no meio ambiente.

Concluímos o ano de 2024 com altos índices de desmatamento e queimadas, principalmente na Amazônia e no Cerrado. Mas o ano de 2025 tende a ter os seus problemas socioambientais, como as secas prolongadas (no Piauí, por exemplo, no começo de abril eram 129 municípios em situação de emergência pela estiagem severa de cerca de nove meses), as chuvas intensas que causaram enchentes e deslizamentos de terra, e ondas de calor mais frequentes.

Tudo isto causa impactos na saúde, com doenças relacionadas ao calor, como desidratação e insolação, doenças respiratórias, como asma e bronquite e outras transmitidas por vetores, como dengue, zika e malária, além dos transtornos de saúde mental. Presente em todo o país, o ano de 2025 pode ser o pior da epidemia de dengue no Brasil. Só em janeiro foram registrados mais de 170 mil casos da doença, com 38 mortes confirmadas. O Ministério da Saúde disponibilizou vacinas para as crianças entre 10 e 14 anos de idade. Como não há imunizantes para toda a população, o combate à doença exigirá outros esforços, principalmente a eliminação de focos do mosquito Aedes Aegypti.

Além disto, os impactos na economia por conta dos extremos climáticos, com perdas econômicas, trouxeram mais escassez de alimentos e má nutrição, quadro piorado pelas desigualdades sociais, e pela vulnerabilidade social e ambiental de grupos historicamente excluídos.

A criminalidade continua impactando o cidadão. Conforme recente pesquisa do Datafolha (01/04-03/04/2025), mais da metade da população brasileira (58%) afirma que a criminalidade aumentou na sua cidade nos últimos 12 meses. A avaliação de piora na segurança é predominante entre homens e mulheres, jovens e idosos, nas várias faixas de renda e com preferências partidárias diferentes. Veja-se o gráfico:


Gráfico 1 – Percepção da população sobre a criminalidade

 

Nos últimos 12 meses a criminalidade aumentou, não mudou ou diminuiu na sua cidade?


Fonte: Pesquisa Datafolha feita com 3.054 entrevistados em 172 municípios brasileiros, entre os dias 1 a 3 de abril; margem de erro de 2 p.p[25]. 2%, em roxo, não responderam.

 

Se formos buscar as informações mais sistematizadas, por exemplo, com o “Atlas da Violência”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com os dados de violência no Brasil de 2024[26], há um sentimento muito grande de insegurança pública, medo nas cidades e no país, com áreas urbanas e rurais totalmente submetidas à violência.

No caso dos homicídios, os números não param de nos espantar: são cerca de 20 homicídios a cada cem mil habitantes, em média entre 2010 e 2020. Um elemento que certamente tem pressionado para cima as taxas de homicídio diz respeito à expansão das facções criminais, sobretudo a partir da década de 2000, envolvidas em escaramuças pelo controle do varejo de drogas nas maiores cidades, e depois nas médias e pequenas cidades, num processo de interiorização. A partir da década de 2010, a disputa mais aguerrida por territórios e pelo controle do corredor internacional de narcotráfico, no Norte e Nordeste, entre as duas maiores facções do país e seus aliados regionais fez estourar uma guerra intensa nos anos de 2016 e 2017. Nesse período, o número de mortes aumentou sobretudo nos municípios que cortam a região do Alto do Juruá, no Acre, e avançam por toda a rota do Solimões, chegando até as capitais nordestinas, quando a cocaína procedente da Bolívia e Peru é exportada para outros continentes.

Se formos analisar pelo recorte de gênero, tudo indica que estão mantidos os números que indicam um crescimento da violência contra as mulheres no país. Os registros de violência doméstica, sexual e/ou outras violências pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que desempenham um papel fundamental na compreensão da violência contra as mulheres no Brasil, conforme o “Relatório anual socioeconômico da mulher: RASEAM”[27], e com dados até 2023, indicam que naquele ano foram registradas 302.856 notificações de violência doméstica, sexual e outras formas de violência contra mulheres, um aumento significativo em relação aos 216.024 casos de 2022[28].

Há ainda outros recortes possíveis quando o tema é a violência. Seguindo a tendência já apresentada acerca do primeiro semestre, o ano de 2024 foi marcado por uma redução no total de violências registradas (de 1.720 para 1.528 ocorrências), bem como no número de vítimas da violência (de 1.480 para 1.163 pessoas), lembrando que uma pessoa, ou um grupo de pessoas, podem sofrer mais de um tipo de violência durante uma ação que atente contra sua integridade física. Mesmo com a queda no número de Assassinatos (de 31 para 13), a Ameaça de Morte foi a violência que mais acometeu pessoas em contexto de conflitos no campo em 2024, com um aumento de 24% em relação a 2023. Ao todo, foram 272 ocorrências de ameaça de morte, resultando em aproximadamente 18% do total de ocorrências de violência contra a pessoa. Além disso, o ano de 2024 representa o maior número de ameaças de morte registradas pela CPT nos últimos 10 anos.

Dentre as principais vítimas das ameaças de morte, estão Camponeses de fundo e fecho de pasto (61 vítimas), Indígenas (55), Quilombolas (44), Posseiros (36), Assentados (34) e Sem terra (17). Já entre os agentes causadores das ameaças, estão Fazendeiros (66), Grileiros (18) e Empresários (12 registros). De acordo com os registros, os maiores registros de pessoas ameaçadas estão nos estados da Bahia, Pará, Maranhão e Rondônia.

As outras violências que mais atingiram as populações do campo foram a intimidação (223) e a tentativa de assassinato (103), seguidos de contaminação por minério e criminalização, todas com aumento em relaçao a 2023. Sobre as violências de Intimidação, em relação ao ano anterior, quando foram registrados 193 casos, houve um aumento de 16% do total. As principais vítimas desta violência foram os assentados (52 vítimas), seguidos por atingidos por barragem (32) e quilombolas (30).

A Tentativa de Assassinato foi a terceira maior forma de violência praticada contra os povos do campo em 2024. As 103 ocorrências equivalem a 7% do total de ocorrências de violência contra a pessoa. Apesar de parecer um percentual baixo, é preciso salientar que houve um aumento de 43% do total de tentativas de assassinato em relação à 2023, quando haviam sido registrados 72 casos. Sobre as vítimas de ocorrências de tentativa de assassinato, 79% são indígenas, e destes, mais da metade (52%) são indígenas de Mato Grosso do Sul.

Outras ocorrências de violências que atentam contra a dignidade, a liberdade de ir e vir e a própria vida dos povos e das comunidades do campo também tiveram destaque, como Criminalização (160 ocorrências), Ferimento (123), Agressão (94), Detenção (75) e Prisão (67).

De forma geral, os estados que mais registraram vítimas de violência contra a pessoa em 2024 foram Pará, Mato Grosso do Sul e Rondônia[29].

            No caso dos povos indígenas, os dados de 2023, que persistem em 2024, as disputas em torno dos direitos indígenas refletiram-se num cenário de continuidade das violências e violações contra os povos originários e seus territórios em 2023. Se os primeiros anos do governo federal sob foram marcados pela retomada de ações de fiscalização e repressão às invasões em alguns territórios indígenas, os desafios da demarcação de terras e as ações de proteção e assistência às comunidades permaneceram insuficientes. O ambiente institucional de ataque aos direitos indígenas repercutiu, nas diversas regiões do país, na continuidade das invasões, conflitos e ações violentas contra comunidades e pela manutenção de altos índices de assassinatos, suicídios e mortalidade na infância entre estes povos. Os últimos dados são do relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2023”, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (CIMI)[30]. Para complicar, a questão do ‘marco temporal”, com a Lei 14.701/2023, aumentou a crise, a partir da atuação do Poder Legislativo, que agiu em clara contraposição ao Supremo Tribunal Federal (STF) – em 27 de setembro de 2023, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365. O STF, depois de anos de tramitação, concluiu o julgamento deste caso de repercussão geral que discutia a demarcação de terras indígenas com uma decisão favorável aos povos originários[31].

É a partir desse contexto que apresentamos alguns destaques sobre nossa realidade, utilizando dados consolidados nos últimos anos sobre as desigualdades, a economia e os desafios da política. 

 

3.1 Desigualdades brasileiras

 

A forma como as oscilações e tendências da conjuntura socioeconômica do país e do resto do mundo impactam a vida das pessoas difere significativamente de acordo com as oportunidades e privilégios que cada um possui na estrutura social do país em que vive. Sabemos que o problema da desigualdade social brasileira é histórico-estrutural e crônico. É importante contemplar esse tema diante dos enormes desafios, mesmo que os indicadores disponíveis não tenham a mesma frequência de atualização das demais informações conjunturais.

Para apresentar o cenário mais recente das múltiplas dimensões da desigualdade social brasileira, utilizaremos fontes oficiais, especialmente dados do IBGE, o relatório “Um retrato das desigualdades no Brasil hoje[32]” de 2024 produzido pelo Observatório Brasileiro das Desigualdade.

 

3.1.1 Como anda a desigualdade social brasileira?

 

Antes de analisarmos os dados sobre as diferentes formas de desigualdade social, é importante considerar a composição e as características gerais dos mais de 203 milhões de brasileiros, conforme o censo demográfico de 2022[33]. Os resultados indicaram que a maioria da população, aproximadamente 56%, se identificou como não branca, e as mulheres representam 51,4% da população. Dos brasileiros, 87,40% vivem em áreas urbanas, e em termos educacionais, 83,2% não possuem ensino superior completo.

Vale ressaltar que, segundo o IBGE[34], a população parda superou a população branca pela primeira vez desde 1872. Além disso, as pessoas que se declaram pardas, pretas e indígenas tiveram crescimento populacional no último censo e são a maioria em grande parte do território nacional, como ilustrado no Mapa 1. Diante do fato de que os grupos que se autodeclaram não brancos são os mais impactados pelas desigualdades sociais, nossa análise começará com o enfoque na dimensão de cor/raça, destacando os temas que mais afetam negativamente as populações de pretos, pardos e indígenas.

Além do recorte de cor/raça, também vamos considerar os aspectos espaciais e de gênero das desigualdades sociais brasileiras. Entre as várias dimensões em que as desigualdades se manifestam, este texto abordará desigualdades em renda do trabalho, educação, participação política, saúde e acesso a serviços básicos como saneamento, coleta de lixo e internet. Apesar de pequenas oscilações em direção a uma sociedade mais justa, o cenário ainda revela uma sociedade profundamente desigual.

 

Mapa 1 – Distribuição geográfica da cor e raça predominante da população brasileira.

 


Fonte: IBGE, 2022[35]

 

Para entender a importância de iniciar a análise a partir da dimensão de cor/raça, podemos considerar os resultados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Cidades Sustentáveis[36]. Esta pesquisa indagou uma amostra estatisticamente significativa de brasileiros sobre a percepção de diferenças de tratamento entre pessoas negras (pretas e pardas) e brancas em diversos ambientes e espaços. Conforme ilustrado na Figura 1, a desigualdade racial no Brasil não é apenas um dado estatístico a ser explorado na próxima seção; ela é também uma realidade vivida e sentida cotidianamente pelas pessoas.

 

Figura 1 – Percepção dos brasileiros sobre as diferenças de tratamento em diferentes espaços.


Fonte: Cidades Sustentáveis, 2024[37].

 

3.1.2 Dados que nos fazem socialmente tão desiguais

 

No mesmo ano que foi realizado o censo que constatou esse predomínio de pessoas não brancas no país, o Observatório das Desigualdades[38], utilizando os dados da PNAD contínua de 2022 revelou que as desigualdades raciais e de gênero persistem e são expressivas no mercado de trabalho e se refletem na renda das pessoas.

Em média, os brasileiros negros (pretos e pardos) ganham apenas 69,2% dos não negros (brancos e amarelos). A diferença é ainda maior em contextos como as regiões metropolitanas de Salvador, onde o rendimento dos negros é, em média, de apenas 42,7% daquele dos não negros; de São Paulo (52,9%) e do Rio de Janeiro (54,5%). Os efeitos são ainda maiores quando combinados os atributos de sexo e cor ou raça. Isso fica evidente quando notamos que, no Brasil de 2022, as mulheres negras ganham em média apenas 42,3% do rendimento do homem não negro. Em três das quatro regiões metropolitanas do Sudeste essa situação é ainda mais grave: na região metropolitana na Grande Vitória (ES), as mulheres negras ganham, em média, um terço (33,9%) do que ganham os homens; na de São Paulo, 38,8 %; e, na de Belo Horizonte, 41,9%. Trata-se de um panorama persistente, em que pese o aumento na escolaridade da mulher negra[39].

Em decorrência disso, de acordo com dados do CEDRA[40], mais de 60% dos negros viviam com renda de até um salário enquanto entre 2012 e 2023, o percentual de brancos vivendo nessa faixa de renda caiu para menos de 40%. A pesquisa apontou ainda que, a renda média nos domicílios com negros era menos da metade da renda dos domicílios sem negros e que “entre 2012 e 2023, as pessoas negras em situação de extrema pobreza (que viviam com até R$ 209 por mês) passaram de 70,5% para 73,5% – em média, três em cada quatro negros estavam nessa faixa”[41].  

Na mesma direção da desigualdade de rendimento, o mercado de trabalho é desfavorável às pessoas não brancas também no que se refere a desocupação. Enquanto a taxa média no país era de 9,6%, entre os homens não negros era de apenas 6,3%, e, entre mulheres negras, era de 14%.  Essa maior taxa de desocupação entre as mulheres negras pode ser reflexo da desigualdade existente na oferta de serviços públicos, como por exemplo, vagas em creches para que as mães possam deixar os filhos e, assim, exercerem atividades melhor remuneradas no mercado de trabalho[42]. Com base nos dados do censo escolar, o observatório das desigualdades mostra que a cobertura de creches abarca apenas 41% das crianças no Brasil.

As diferenças regionais são acentuadas: enquanto no Sudeste a cobertura chega a 49,1%, na região Norte é de apenas 19,7%. Entre as unidades da federação (UFs), os piores resultados estão no Amapá, com 11%, e no Amazonas, com 14,9%. Além disso, chama atenção o fato de que, em 274 municípios, mais de 90% das crianças não tenham vagas nas creches[43].

A desigualdade educacional no Brasil vai além do acesso à creche, afetando significativamente os níveis de ensino médio e superior para a população não branca. No ensino médio, por exemplo, a taxa média de frequência entre jovens de 15 a 17 anos é de 71,3%, enquanto para jovens negros essa taxa cai para apenas 64,3%. O relatório do Observatório das Desigualdades destaca que em várias unidades federativas do Nordeste e do Norte, a taxa líquida entre jovens negros se aproxima de 50%, indicando que cerca de metade desses jovens está fora das instituições escolares. Essa alta taxa de evasão e abandono pode ter várias causas, incluindo a necessidade de refletir sobre o que está sendo oferecido a esses jovens nas escolas.

Com o intuito de contribuir para a compreensão dessa desigualdade, o Instituto CEDRA realizou um estudo que estabeleceu duas categorias: escolas predominantemente brancas, com 60% ou mais de alunos autodeclarados brancos, e escolas predominantemente negras, com 60% ou mais de alunos autodeclarados negros. A partir dessas categorias, foram selecionadas informações sobre condições estruturais dos ambientes escolares que impactam diretamente a aprendizagem dos alunos, influenciando positivamente ou negativamente suas trajetórias. O instituto criou uma figura ilustrativa para destacar essa desigualdade na infraestrutura escolar.

        

 

Figura 2 – Aspectos de Infraestrutura Escolar e Desigualdade

Fonte: CEDRA, 2021[44].

 

Essas desvantagens na educação básica se refletem entre os jovens de 18 a 24 anos. Nessa faixa etária, a taxa de frequência no ensino superior é de 20,01%. No entanto, ao analisar essa desigualdade por raça, constata-se que apenas 14,8% das pessoas negras alcançam o ensino superior, em contraste com 28,2% da população não negra. Essa disparidade se torna ainda mais evidente quando observamos o recorte regional. No Nordeste, apenas 11,3% dos jovens negros ingressam no ensino superior, enquanto nas regiões Sul e Sudeste o percentual é três vezes maior em comparação com jovens negros. De maneira geral, a desigualdade geográfica no acesso ao ensino superior pode ser visualizada no mapa seguinte.

 

Mapa 2 – Desigualdade geográfica no acesso ao ensino superior


Fonte: IBGE, 2022[45].

 

Com a desigualdade de acesso e desigualdade na qualidade educacional, o país possuí uma expressiva desigualdade na distribuição da quantidade de anos de estudo médio da população dos municípios brasileiros. Enquanto as regiões sul e sudeste já superaram a média de 10 anos de educação na maioria dos municípios, nas regiões norte e nordeste a escolaridade média da população ainda não superou o equivalente ao ensino fundamental completo.

 

Mapa 3 – Número médio de anos de estudo por município


Fonte: IBGE, 2022[46].

 

Na área da saúde, o cenário das desigualdades sociais também é evidente. Um estudo do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais, utilizando dados da PNAD, revelou que, embora a população negra seja maioria no país, essa vantagem se inverte na faixa etária acima dos 60 anos. Isso indica que as pessoas negras têm uma expectativa de vida menor comparada à população branca, reflexo de várias desvantagens anteriores, como a alta taxa de óbitos por causas evitáveis. Em 2021, no Brasil, a taxa de óbitos por causas evitáveis entre pessoas de 5 a 74 anos era de 30,6%. Entre os homens negros, essa taxa subia para 41,6%, enquanto entre mulheres não negras era de 20,9%[47]. 

Além disso, o acesso a serviços básicos, como saneamento e coleta de lixo, é crucial nas condições de saúde e moradia e reflete a desigualdade social no Brasil. Apenas cerca de 55% da população tem cobertura de esgotamento sanitário. A oferta desse serviço é muito desigual, com as regiões Norte e Nordeste tendo apenas 13,2% e 29,45% de cobertura, respectivamente. O Mapa 4 ilustra a desigualdade na distribuição do acesso a esse serviço essencial.

 

Mapa 4 - Desigualdade na distribuição do acesso à saúde.


Fonte: IBGE, 2022[48].

 

Já a cobertura da coleta de lixo é de 89,9% com estados como o Maranhão, Rondônia e Piauí apresentando taxas médias de cobertura inferiores com percentuais de 71,8%, 73,4% e 74,5%, respectivamente.

 

Mapa 5 – Cobertura da coleta de lixo


Fonte: IBGE, 2022[49].

 

O uso de internet dentro dos domicílios também ainda apresenta uma distribuição desigual no território nacional, conforme o Mapa 6.

 

 Mapa 6 – Uso de internet


Fonte: IBGE, 2022[50].

 

Em termos de representação política, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral[51], nas eleições municipais de 2024 a desigualdade na representatividade teve uma ligeira queda. Entre os prefeitos eleitos, houve uma queda de 3% (3.634) entre os autodeclarados brancos, enquanto o número de indígenas cresceu levemente, 12% (9), e os pretos aumentaram 14% (128).  Entre os vice-prefeitos, os eleitos de cor preta também apresentaram um crescimento expressivo de 38% (250), o maior aumento em comparação a outros grupos étnicos.  Entre vereadores, eleitos de cor preta e indígenas registraram os maiores crescimentos, com 11% (3.984) e 31% (240), respectivamente[52].

Embora muitas análises incluam a população indígena junto com a população preta e parda, é importante destacar a distribuição espacial e os desafios específicos enfrentados por este grupo. De acordo com os dados do último censo, houve um aumento no número de pessoas que se identificam como indígenas, elevando o percentual para 0,87% da população brasileira. Como ilustrado no mapa a seguir, os municípios com população predominantemente indígena estão principalmente concentrados no Norte do país. No entanto, há também municípios em outras regiões com percentuais significativos de população indígena. Esta informação é crucial, pois, assim como as populações preta e parda, a população indígena também enfrenta a desigualdade estrutural presente no país.

 

Gráfico 7 – Municípios com população predominantemente indígena


Fonte: IBGE, 2022.

 

De acordo com o observatório das desigualdades da fundação João Pinheiro:

 

A população indígena pode se encontrar em áreas rurais ou urbanas. Assim como em territórios delimitados como indígenas ou não. Sob essa ótica, em 2022, a maioria da população indígena, cerca de 53,97% (914.746 pessoas), vivia em áreas urbanas, enquanto 46,03% (780.090 pessoas) residiam em áreas rurais. Esse cenário representa uma mudança significativa em relação a 2010, quando 36,22% (324.834 pessoas) dos indígenas habitavam áreas urbanas e 63,78% (572.083 pessoas) estavam em áreas rurais. Nesse período, a população indígena em áreas urbanas registrou um crescimento expressivo de 181,6%, com um acréscimo de 589.912 pessoas[53].

 

O Observatório das Desigualdades também destaca que a pirâmide etária da população indígena brasileira, apresenta particularidades quando comparada à população total do país mostrando que “a população indígena é significativamente mais jovem em comparação com a média nacional, refletindo a vulnerabilidade histórica e social a que esses povos estão submetidos”[54].  

Entre os indígenas, 56,10% têm menos de 30 anos, enquanto no restante da população esse percentual é de apenas 42,07%. A idade média dos indígenas é de 25 anos, em contraste com os 35 anos da média nacional. Essa predominância da juventude é ainda mais evidente entre aqueles que vivem em Terras Indígenas, onde a idade média cai para apenas 19 anos, comparada a 30 anos entre os que residem fora dessas áreas. Com isso, pode-se inferir que esse perfil demográfico está diretamente ligado a fatores como menor expectativa de vida, dificuldades no acesso às políticas públicas, além dos impactos da marginalização e da perda de seus territórios tradicionais.

Sob essa ótica, o acesso limitado a serviços essenciais, como saúde e saneamento, contribui para altas taxas de mortalidade e uma expectativa de vida reduzida em relação à média nacional. Nas Terras Indígenas, a falta de infraestrutura adequada, incluindo água potável, estradas e assistência médica, é agravada pela atuação de grileiros e outros agentes econômicos que intensificam os conflitos pela posse da terra e exploração dos recursos naturais. Essas condições impactam diretamente a estrutura etária da população, dificultando a longevidade e resultando em uma predominância de indígenas jovens.

Outro fator a ser levado em consideração é a diferença na idade mediana entre indígenas que vivem em áreas urbanas e aqueles que residem em áreas rurais. Em 2022, a idade mediana da população indígena urbana e fora das Terras Indígenas era de 32 anos. Por outro lado, os indígenas que viviam em áreas rurais e dentro das Terras Indígenas apresentavam uma idade mediana de apenas 18 anos. Essa discrepância evidencia não apenas as diferenças no acesso a políticas e serviços entre os dois grupos, mas também os desafios enfrentados pelas comunidades em manter condições dignas em territórios rurais, onde problemas relacionados à infraestrutura impactam na qualidade de vida da população.

Com um foco específico na população indígena não “aldeada”, um estudo baseado em dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/IBGE) de 2019, conduzido por pesquisadoras da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), revelou que 60% dessa população tem pelo menos uma doença crônica. Além disso, conforme ilustrado na figura abaixo, 75,7% dos indígenas não aldeados vivem com uma renda de até 1 salário mínimo, e 86,6% têm, no máximo, o ensino médio incompleto. Apenas 13,4% deles conseguiram ingressar no ensino superior. Esses dados evidenciam as condições socioeconômicas e de saúde desafiadoras enfrentadas por essa população.

 

Figura 3 – caracterização sociodemográfica da população indígena



Um outro aspecto que demonstra a desigualdade social no Brasil é a questão do gênero. As mulheres representam 51,2% da população brasileira, de acordo com dados do terceiro trimestre de 2024 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[55].

Ainda assim, a desigualdade de gênero é um problema estrutural que se manifesta em várias dimensões da vida social, econômica, política e cultural, refletindo em discriminação, violência, acesso limitado a recursos econômicos e disparidades em participação política, salários, emprego, educação e saúde.

Ao longo das últimas décadas, de acordo com o relatório, foram desenvolvidas políticas para reduzir essas desigualdades, como a criação da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, serviço que recebe denúncias de violações contra as mulheres, encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos.

Ao esquematizar as políticas públicas, um relatório do Tribunal de Contas da União - TCU (“Revisão de Políticas Públicas para Equidade de Gênero e Direitos das Mulheres”)[56] possibilitou também o mapeamento dos principais problemas enfrentados pelas mulheres no Brasil:

 

·         violência (física, sexual, psicológica, doméstica, institucional, feminicídio);

·      deficiência no registro e na gestão de dados relativos à violência contra a mulher;

·         falta de garantia de ações de saúde específicas;

·         desigualdade na educação, em áreas dominadas por homens;

·         desigualdade no mercado de trabalho e na autonomia econômica;

·         baixa ocupação nos espaços de poder;

·         baixo percentual de municípios com organismos de políticas para mulheres.  

 

3.2 Economia: uma conjuntura desafiadora

 

3.2.1 De onde estamos vindo

 

Assim como vem ocorrendo na maioria dos países, a economia brasileira, em 2024 e neste início de 2025, manteve o ritmo de expansão observado após o grande impacto negativo provocado pela pandemia da Covid-19, iniciada em março de 2020, tendo crescido 3,4% em 2024. A recuperação econômica da pandemia, iniciada já em 2021, vem ocorrendo a uma taxa de crescimento anual, sempre superior a 3% ao ano, patamar muito superior ao observado nos anos anteriores, quando, por exemplo, no período de 2014 a 2019, apresentou uma queda média anual de 0,65%. No entanto, apesar de o crescimento atual ser mais semelhante ao ocorrido no início deste século, ele ainda é insuficiente para se equiparar aos melhores momentos de desempenho da economia brasileira e permitir a superação de muitos problemas estruturais que precisam ser enfrentados pelo país.

 

Tabela 1 – Taxas anuais de crescimento do PIB brasileiro, 2020 a 2024


Segundo o Banco Central, o nível de atividade da economia, em janeiro de 2025, encontrava-se acima do observado no último semestre de 2024, tendo neste ano se situado 3,48% acima do ano anterior[57]. Com isto se percebe que a economia brasileira mantém neste início  de ano o ritmo de crescimento apresentado no ano anterior, o que segundo interpretação dos participantes do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central – e apropriado sem questionamento pela mídia –  justifica a elevação da taxa básica de juros da economia, pois este crescimento estaria pressionando os preços para cima e impedindo o controle da inflação dentro da meta pré-estabelecida. Ou seja, em vez de enxergar este crescimento como algo desejável para a sociedade brasileira, o definem como algo prejudicial, que deve ser combatido e controlado.

Como já mencionado, esse crescimento da economia brasileira em 2024 foi acompanhado de um aumento do emprego e do rendimento dos trabalhadores. Apesar de ainda elevada, pois ainda são mais de 7,2 milhões de pessoas desocupadas no país, a taxa de desemprego finalizou o ano em 6,2% da população economicamente ativa (PEA), abaixo da ocorrida no final do ano anterior, de 7,4%. Também com desempenho alentador, o rendimento médio real do trabalhador cresceu 4,3% no ano, fazendo com que a massa salarial tenha se elevado em 7,4% em 2024. No início de 2025, a tendência favorável de desempenho do mercado de trabalho se manteve, pois apesar do aumento sazonal da taxa de desemprego em janeiro (6,5%), o rendimento médio cresceu no mês, a ponto de a massa salarial ter caído apenas 0,3%, sem reverter a tendência de alta do mercado de trabalho[58]. Ainda segundo os analistas da inflação no país, este desempenho do mercado de trabalho deve continuar a pressionar a alta de preços, justificando, segundo eles, a necessidade de ampliar a taxa de juros, de forma a contrair os gastos permitidos por estas rendas mais altas. Segundo os analistas do mercado de trabalho, as taxas de juros crescentes que devem continuar a serem praticadas no país poderão provocar certa retração no nível de atividade econômica e ampliação do desemprego ao longo do ano.

A inflação, apesar de ter se mantido em 2024 em um nível semelhante ao observado no ano anterior, evidenciou no segundo semestre uma trajetória ascendente, mas não explosiva, com continuidade nos dois primeiros meses de 2025. Por sinalizar uma possível taxa de inflação, para o encerramento de 2025, superior à meta estabelecida, isso vem sendo argumento para a manutenção da política de expansão da taxa de juros básica do país. Considerando que as maiores pressões sobre a inflação se concentram em alimentos, educação e preços monitorados, dificilmente a manutenção da política de taxa de juros elevada será eficaz no controle da inflação, exceto se mantida por tempo longo, a ponto de provocar forte retração da economia e do mercado de trabalho.

Se em 2024 o setor exportador auxiliou na expansão do PIB brasileiro, especialmente para segmentos específicos, com preços internacionais ascendentes, o cenário esperado para 2025 é mais conturbado, especialmente após as medidas e intenções anunciadas pelo novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump em relação à adoção de medidas protecionistas de sua economia no comércio internacional. Uma vez que os EUA são um dos principais participantes deste comércio, suas decisões têm forte impacto na economia mundial, podendo conduzir, com seu maior protecionismo, retração da dinâmica produtiva mundial. As exportações brasileiras em 2024, em dólares, ficaram um pouco abaixo do volume negociado no ano anterior, com queda de 0,78%. A China continuou a ser o principal comprador de produtos do país, apesar de ter sua participação no comércio reduzido de 31% para 28%. Os países da União Europeia e os EUA permaneceram em segundo e terceiro lugar, com manutenção de sua participação (14% e 12%, respectivamente). Em decorrência de uma dinâmica maior da economia brasileira no mercado interno, as importações cresceram 9,7% no ano, tendo os três parceiros comerciais acima, como os maiores fornecedores. No entanto, se observa aumento da participação chinesa nas importações brasileiras, passando de 22% em 2023 para 25% em 2024. No cômputo geral, o comércio internacional do país apesar de ter gerado um superávit significativo em 2024, caiu 25% em relação ao ano anterior. Neste início de 2025, as tendências observadas em 2024 se mantiveram, com retração de 3,6% das exportações nos dois primeiros meses do ano, em relação a igual período do ano anterior e expansão de 19,6% das importações, tendo o superávit comercial reduzido em 82,9%. No que se refere à participação dos principais parceiros comerciais, a China reduziu sua presença para 23% no total das exportações brasileiras e aumentou para 31% sua participação nas importações do país. Esta mudança na composição do comércio Brasil-China parece refletir uma provável retração do nível de atividade da economia chinesa a um patamar de crescimento menor[59]. As perspectivas do comércio exterior brasileiro para 2025 ainda não estão definidas, face à incerteza reinante no cenário da economia mundial, após as orientações dadas por Trump neste início de mandato[60]. 

 

3.2.2 O comportamento recente da atividade produtiva setorial

 

O crescimento de 3,4% em 2024 do PIB brasileiro, diferentemente do que vinha ocorrendo, com poucas exceções, desde o início dos anos 1990, foi impulsionado pelo crescimento de 3,75% da indústria de transformação, com destaque para a indústria de bens de capital (+9,1%) e de bens duráveis de consumo (+10,6%). Segundo a análise do setor, o bom desempenho da indústria de transformação se deve à recuperação do emprego e da renda no país, além da própria tendência da indústria em investir em automatização e expansão para manter sua competitividade, fazendo com que a formação bruta de capital fixo tenha se elevado em 7,29% no ano. Estes elementos permitiram ampliar a utilização da capacidade produtiva instalada – a qual ainda opera acima do seu nível histórico de ociosidade –, bem como a sua modernização[61]. No entanto, observa-se um recuo no desempenho do setor a partir de novembro de 2024 até fevereiro de 2025. Esta retração está associada à elevação da Selic e, em decorrência, das taxas de juros do país, o que, além de inibirem o consumo, impedem novos investimentos privados que visem ao aumento do parque produtivo e à sua modernização. A manutenção da taxa de juros em patamar elevado deverá conduzir a uma redução substancial do crescimento do setor[62], apesar de ele ainda dispor de um mercado externo favorável para a exportação de bens de capital.

Após os fortes crescimentos da construção civil em 2021 e 2022, em 2024 o setor se recuperou da retração ocorrida no ano anterior, crescendo 4,33%. No início de 2025 o setor já vem apresentando uma redução do seu nível de atividade, levando a Câmara Brasileira da Indústria da Construção a prever um crescimento mais baixo para este ano. Esta expectativa menos otimista decorre de: a) taxas de juros mais altas, o que apesar de não afetar os investimentos já contratados, devem inibir novos investimentos privados e concessões, assim como dificultar o acesso a crédito para empréstimos e financiamentos para o setor; b) menor dinâmica esperada do cenário econômico mundial, com consequente menor crescimento do PIB brasileiro; c) escassez de mão de obra para o setor, especialmente a qualificada; e d) possibilidade de aumento nos custos com mão de obra e insumos que impactariam negativamente os elevados custos existentes no setor. Por outro lado, a possibilidade de ainda se prever crescimento do setor ele deverá ser protagonizado, segundo a entidade, pela manutenção do programa habitacional governamental “Minha Casa, Minha Vida”[63].

Como já vem ocorrendo há alguns anos, o desempenho do setor de serviços vem comandando a evolução do PIB brasileiro, tendo crescido 3,67% em 2024. No início de 2025 o nível de atividade do setor se situou abaixo do observado no ano anterior, apesar de ainda sinalizar crescimento, mesmo que mais moderado. A manutenção de taxas de juros em um contexto de permanência de taxas de inflação elevadas amplia o custo do setor para os consumidores, o que parece estar indicar uma possível retração se suas intenções de consumo, impactando negativamente o setor. Segundo a S&P Global, em fevereiro de 2025, as contratações no setor de serviços foram as maiores dos últimos nove meses, apesar de esse crescimento refletir um otimismo moderado em seu histórico, pois se mantém em nível aquém do observado em maio de 2024[64]. A redução da dinâmica do setor de serviços esperada para 2025 deverá reduzir a participação do setor de 64% para 56% do PIB, devido especialmente aos custos dos produtos oferecidos pelo setor aos seus clientes, seja pelos preços elevados ou pela alta taxa de juros praticada no país. Apesar de menos expressivos, o crescimento das atividades do comércio, do transporte e do segmento financeiro, ainda deve comandar a expansão do setor[65].

Por sua vez, o setor agropecuário apresenta grande potencial para ser o segmento mais dinâmico da economia brasileira em 2025. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), projeta-se um crescimento de 5% para o PIB do agronegócio, devido à safra recorde de grãos prevista, ao crescimento esperado para a indústria de insumos e da agroindústria exportadora. A queda de 3,21% do PIB do setor agropecuário em 2024 deve ser relativizada, pois ocorreu após crescimento de 16,3% em 2023, consistindo no setor que mais atrasou sua recuperação após a pandemia da Covid-19. Fatores climáticos extremos explicam grande parte da retração do setor em 2024. As estimativas governamentais para o crescimento do setor em 2025 sinalizam expansão de 6,0%. Se a redução do nível de atividade da economia brasileira prevista para 2025 deve diminuir a absorção da produção do setor pelo mercado interno, há grandes potenciais para expansão das exportações de seus produtos e contribuir para redução das suas importações[66]. No entanto, a redução do nível de atividade da economia chinesa e a política de proteção ao produtor norte americano, anunciada pelo presidente Trump no início deste ano, podem limitar significativamente o desempenho do comércio exterior do setor.

 

3.2.3 O comportamento do mercado de trabalho

 

O mercado de trabalho sempre foi um desafio para o Brasil, dada a relevância da oferta de força de trabalho em um país dos mais populosos do mundo, donde a importância histórica do desemprego, do subemprego e da relativamente baixa remuneração de grande parcela dos trabalhadores.

Em paralelo a esta herança, o mercado de trabalho vem mudando muito nas últimas décadas, tanto no ambiente mundial como no nacional. É que vivemos um momento de mudanças profundas na forma de operar da economia. Destacam-se duas: (i) a riqueza tendeu a ser gerada com muito mais força na esfera financeira da economia, o que origina dificuldades para a criação de ocupação das pessoas na esfera de produção material, justo aonde se concentram as oportunidades de ocupação produtiva; (ii) vive-se momento onde mudanças estruturais de grande profundidade na organização da economia, que tem “rodado” a taxas modestas de crescimento do PIB na maioria dos países, inclusive o Brasil. E navega nas águas de uma revolução dos padrões técnicos de produção, resultante de inovações tecnológicas disruptivas.

Nesse ambiente desafiador para os trabalhadores e empreendedores de pequeno porte, se realizam transformações profundas na demanda por trabalho, em regimes de contratação, nos vínculos empregatícios, nas jornadas de trabalho... Tudo isso, coloca em questão direitos trabalhistas conquistados com muita luta e redefine o funcionamento do mercado de trabalho.

O Brasil vem experimentando estas mudanças e enfrenta novos desafios a serem tratados em médio e longo prazos. Os anos de pandemia agravaram este quadro, mas a recuperação de movimentos antes relevantes está em marcha.  Olhando o curto prazo, observa-se que, em 2024, o mercado de trabalho brasileiro seguiu experimentando as transformações em curso mundo a fora, aqui destacadas, ao mesmo tempo em que buscou recuperar seu dinamismo.

E conseguiu, com destaque para o desempenho do emprego formal, mesmo em paralelo ao avanço dos microempreendedores individuais – MEI, da informalidade e dos impactos preocupantes nos rendimentos das famílias. Estudo recente de Nelson Marconi demonstra tais marcas no mercado de trabalho do Brasil[67].

Verifica-se, em 2024, duas tendências muito positivas no mercado e trabalho brasileiro: (i) um aumento de empregos com carteira assinada e (ii) uma queda relevante na taxa de desemprego. O saldo de empregos com carteira assinada cresceu 16,5% em 2024, em relação a 2023, taxa muito elevada. Em paralelo, registrou um saldo positivo de 1,7 milhão de vagas formais de trabalho, segundo a Relação Anual de Informações Sociais - RAIS. 

Estimativas feitas pelo IPEA com base na PNAD Contínua/IBGE – confirmam que, em dezembro de 2024, o mercado de trabalho brasileiro manteve trajetória bastante favorável, com aumento da população ocupada (PO) e dos rendimentos reais dos ocupados, garantindo, desta forma, a manutenção do desemprego em níveis baixos. Em paralelo, experimentou-se um forte crescimento da massa salarial.

Em dezembro de 2024, a População Ocupada no país somava 103,8 milhões de pessoas, avançando 2,6% na comparação com o mesmo período de 2023. O crescimento da ocupação estimula novos entrantes no mercado de trabalho, tanto que a força de trabalho brasileira avançou 1,4% em 2024 (passou de 109,0 milhões, em dezembro de 2023, para 110,5 milhões, em dezembro de 2024).

Ainda de acordo com os dados da PNAD Contínua/IBGE, a taxa de participação (TP) no mercado de trabalho brasileiro chegou a 62,5% em dezembro de 2024, o que representa 0,4 ponto percentual (p.p.) maior que a observada no mesmo período de 2023. Nesse contexto, caracterizado por uma expansão da ocupação em ritmo superior ao apresentado pela força de trabalho, a taxa de desocupação registrou queda significativa desde março, recuando de 7,9%, para 6,2% em final de 2024. Veja-se a seguinte tabela:

 

Tabela 2

Brasil: taxa de desocupação trimestral e variação real da massa de renda do trabalho acumulada em 12 meses, das pessoas de 14 anos ou mais de idade (valores em %) - dezembro/2023 a dezembro/2024

 
 

 

Fonte: PNAD Contínua/IBGE, 2024. 

 


 

 


No que se refere ao mercado de trabalho formal (pessoas com carteira assinada), o estoque de empregos, em 2024, chegou a 47,2 milhões de empregados, apresentando crescimento de 3,72% em relação a dez/2023, segundo o Novo CAGED/MTE.

Vale salientar que todos os setores da atividade econômica registraram crescimento do número de postos formais, em 2024, liderados pelo segmento de artes, cultura, esportes e recreação (aumento de 9,5%). Por sua vez, indústria de transformação (segmento que mais emprega no país, com 8, 1 milhões de postos ocupados) mostrou crescimento de 3,6% em 2024, e o comercio varejista (segundo maior empregador formal, com 7,3 milhões de ocupados) experimentou crescimento de 2,7% em 2024. 

Diante de tal comportamento da ocupação, a massa salarial (descontada a inflação) também apresentou resultado real positivo em 2024, crescendo 9,2% em relação ao ano anterior e atingindo R$ 322,6 bilhões. 

O rendimento real habitual dos trabalhadores brasileiros foi de cerca de R$ 3.225 por mês, um aumento de 3,7% em relação a 2023. Mesmo diante destes bons resultados, a informalidade ainda é muito alta. Segundo a Pnad Contínua/IBGE, em dezembro de 2024, a taxa de informalidade era de 38,6%, o que representava cerca de 40 milhões de pessoas atuando como trabalhadores informais. Em relação a 2023, o contingente de trabalhadores informais aumentou em 935 mil pessoas, uma elevação de 2,4%, em 2024. 

No que se refere aos cortes de raça e gênero, estudos do DIEESE vem destacando que a desigualdade permanece sendo marcante no mercado de trabalho brasileiro. Estudos do DIEESE, com base em dados do 3º trimestre de 2024 da Pnad Contínua/IBGE, revelam que o Brasil contava com 91,2 milhões mulheres com 14 anos ou mais, das quais 48,1 milhões faziam parte da força de trabalho.  Deste total 3,7 milhões estavam desocupadas e 1,7 milhões desalentadas (desistiram de procurar emprego).

Além disso, elas ganham menos que os homens: o rendimento real médio das mulheres, em 2024, era 78% do recebido pelos homens, sendo que 37% das mulheres ocupadas ganham apenas um salário-mínimo (contra 27% dos homens).

No que se refere à raça, pesquisas realizadas pelo Núcleo de Estudos Raciais do Ministério do Trabalho em Emprego apontam que o salário médio de um trabalhador negro era 42% menor que o de trabalhadores brancos, em 2024. Entre as mulheres, a diferença era de 40%.

As mulheres negras continuam, em 2024, concentradas nas ocupações na base da pirâmide, principalmente, em serviços domésticos, de limpeza e serviços de alimentação (RAIS).  

As heranças estruturais do mercado de trabalho brasileiro se expressam na conjuntura e os dados do mercado de trabalho para 2024 atestam tal realidade[68].

 

3.2.4 O setor externo

 

Os preços das commodities em geral, vêm caindo desde janeiro de 2023. Após dois anos seguidos de queda, 8,6% em 2023 e 3,8% em 2024, em fevereiro de 2025 ficaram 4,1% abaixo do nível negociado no mesmo mês do ano anterior. Após o recorde de alta em março de 2023, os preços das commodities alimentícias vêm caindo constantemente, apresentando queda de 7,9% em 2024, após queda de 6,2% no ano anterior. No entanto, o preço médio praticado em fevereiro de 2025 situa-se acima da média observada nos últimos 14 anos. Já as commodities minerais tiveram seus preços aumentado em 1,6% em 2024, após queda de 6,4% em 2023, mas vindo de queda contínua desde o final de 2021. O nível de preços, em fevereiro de 2025, encontra-se no patamar médio praticado desde dezembro de 2010. Os preços dos combustíveis, em queda desde janeiro de 2023, caíram 3,8% em 2024 e 5,3% em fevereiro de 2025, quando comparado com igual mês de 2024[69].

O grande aumento ocorrido no comércio exterior brasileiro a partir de 2022, seja no valor das exportações ou das importações, se deveu fundamentalmente à forte alta dos preços praticados no mercado internacional no ano de 2022, enquanto nos dois anos subsequentes a manutenção ou mesmo aumento do valor do comércio foi possível devido à forte expansão do volume físico negociado.

O desempenho das exportações brasileiras depende sobremaneira do setor agroindustrial, já que ele foi responsável por 49% do total exportado pelo país[70]. Os principais produtos exportados pelo país em 2024 foram o complexo soja; combustíveis; carnes; açúcar e álcool; cereais; madeira, papel e celulose; e café.

China, os países da União Europeia e Estados Unidos, são, na ordem, os principais parceiros comerciais brasileiros, respondendo por 28%, 14% e 12% do total exportado pelo país, respectivamente. Entretanto, desde o final de 2023 vem se observando redução significativa da participação chinesa (que atingiu sua maior participação em dezembro de 2023, respondendo por 31% do total) e um pequeno aumento da participação da União Europeia e norte americana, tendo elas sido de 23%, 15% e 13%, respectivamente em fevereiro de 2025[71]. A retração da participação da China nas exportações brasileiras parece estar associada a uma queda no seu crescimento econômico nos últimos meses decorrente da redução dos investimentos estrangeiros no país e da crise observada no setor imobiliário.

De modo geral, as medidas protecionistas anunciadas pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após tomar posse no final de janeiro de 2025, estabelecendo aumentos de tarifas para alguns produtos importados pelo país, mas com a sinalização de esses aumentos podem se estender a outros produtos ou mesmo a reavaliação de tarifas recíprocas entre o país e seus parceiros comerciais, estabelecendo uma equiparação das tarifas praticadas para determinados produtos comercializados bilateralmente, vêm provocando deterioração das expectativas de desempenho da economia mundial em 2025. Tais medidas parcialmente já eram aguardadas, pois reeditam práticas e intenções verificadas em seu governo anterior. No entanto, a intensidade com que vêm sendo indicadas tem criado um contexto de incerteza no cenário econômico internacional, conforme relatamos em nosso texto de análise de conjuntura à CNBB em março de 2025. As perspectivas ainda são bastante incertas e, por enquanto, parecem afetar mais diretamente setores específicos das economias, exceto para as dos dois países fronteiriços – Canadá e México – e a China, os principais parceiros comerciais dos Estados Unidos e com os quais mantém há anos déficits crônicos nas relações comerciais. A despeito de ter anunciado tarifas gerais de 25% sobre todos os produtos importados pelos EUA dos dois países fronteiriços, logo após sua posse, no final de janeiro de 2025, elas foram temporariamente adiadas por um mês e posteriormente por mais um outro mês. Aguarda-se sua efetivação a partir do início de abril, mas fica a impressão da possibilidade de nova prorrogação, na medida em que logo após o anúncio do adiamento, isentou, temporariamente, as importações pela indústria automobilística provenientes destes dois países e no dia seguinte, anunciou a retirada de todas as tarifas sobre produtos que se enquadram no acordo de livre comércio entre os Estados Unidos, o México e o Canadá[72].

Após o anúncio de uma tarifa geral de 10% sobre quase todos os produtos importados pelos EUA provenientes da China, no início de fevereiro, a elevou para 20% no início de março. Em retaliação, a China impôs uma tarifa de 15% sobre uma grande variedade de produtos por ela importados dos EUA, especialmente alimentos. Além disso, bloqueou 15 empresas norte americanas de comprarem produtos chineses sem autorização especial e impediu outras 10 empresas dos EUA de fazerem negócios com a China. As tarifas praticadas atualmente pelos EUA para produtos chineses estão, em média, em 39%, bastante acima dos 3% que vigoravam no início do primeiro governo Trump. De qualquer forma, apesar da recente escalada na guerra comercial entre EUA e China, ambos os lados indicaram que podem estar abertos a um acordo[73].

Em relação ao Brasil, que mantém um comércio exterior com os EUA tradicionalmente deficitário, acumulando um déficit comercial superior a US$ 41 bilhões nos últimos dez anos, os efeitos da guerra tarifária anunciada pelo governo Trump deverão ser observados setorialmente, especificamente naqueles cujos produtos sejam tarifados, como por exemplo a tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio, a ser aplicado a toda importação, independentemente da sua origem, em vigor desde 12 de março.

Embora as exportações brasileiras de alumínio para os EUA sejam muito pequenas, a participação deste país nas exportações de aço e ferro do Brasil é imensa, sendo o destino de quase 48% do total exportado desses produtos. Sendo o segundo maior exportador de aço aos EUA, atrás apenas do Canadá, o setor no Brasil tenderá a ser muito afetado pela imposição de tarifas[74]. As dificuldades a serem enfrentadas pela indústria siderúrgica brasileira não deverão trazer forte impacto sobre o mercado de trabalho, uma vez se tratar de um segmento produtivo intensivo em capital e com pouco emprego de mão de obra.

O maior risco para a economia brasileira em relação à posição protecionista dos EUA no comércio internacional está associado aos possíveis desdobramentos negativos de uma guerra tarifária sobre os níveis de preços internacionais e sobre o nível de atividade da economia mundial, podendo potencialmente provocar aumentos da inflação em todo os países e ao mesmo tempo retração do crescimento econômico. Neste cenário, o desempenho do comércio exterior brasileiro tenderá a ser muito prejudicado, podendo afetar seriamente o crescimento da economia do país em 2025. De qualquer forma, ainda é muito cedo para se dispor de um cenário confiável para a economia mundial em 2025, uma vez que muitas das medidas protecionistas possam ser amenizadas por futuros acordos entre os EUA e os demais países, mais diretamente afetados.

 

3.2.5 A inflação

 

De acordo com os dados apresentados pelo IBGE, o IPCA do mês de fevereiro variou em 1,31%. A grande vilã do orçamento familiar em fevereiro foi o reajuste das tarifas de energia elétrica que aumentaram16,8% com relação ao mês anterior.[75] Esse percentual, embora elevado, já era esperado, uma vez que foi calculado tendo como base as tarifas do mês de janeiro, que haviam sido reduzidas em 14,21% em função do Bônus de Itaipu, desconto que foi concedido naquele mês a aproximadamente 78 milhões de consumidores (residenciais e pequenos comércios). Nesses termos, como não reflete uma pressão efetiva nos preços em função dos custos no setor e considerando que a expectativa é de manutenção da “bandeira verde” nas tarifas, esse fator não deve impactar a inflação dos próximos meses.

Por outro lado, a grande preocupação no que diz respeito à inflação, e nas condições de vida da população, reside na elevação do preço dos alimentos. A questão estrutural está nos problemas decorrentes das mudanças climáticas, que têm provocado secas prolongadas em algumas regiões e chuvas intensas e enchentes em outras regiões, afetando negativamente a produtividade e produção agrícola e provocando a elevação nos preços dos alimentos.

De acordo com o IBGE[76], dentre os produtos agrícolas, o café tem liderado a alta de preços. Secas prolongadas, geadas e chuvas tardias prejudicaram a safra no Brasil, que teve em 2024 a pior seca dos últimos 70 anos, e, também, em outros países produtores, resultando em uma queda na oferta mundial do produto. Esses fatores, associados ao crescimento da demanda interna, decorrente do aumento dos salários e da redução do desemprego[77], levaram o preço do café a subir mais de 50% nos últimos 12 meses.

Os preços dos ovos[78] também frequentaram os noticiários. As altas temperaturas registradas no início do ano afetaram a produtividade das galinhas poedeiras, reduzindo a oferta de ovos no mercado. Além disso, aumento da demanda interna por conta da elevação da renda dos brasileiros[79] e do efeito sazonal da Quaresma, quando muitos consumidores reduzem o consumo de carne vermelha, aumentando a procura por ovos como alternativa proteica, contribuíram para a elevação dos preços neste período. Outro fator que merece destaque é a gripe aviária, embora o país não tenha tido surtos recentes da doença. A sua expansão nos EUA[80] e a morte de milhões de galinhas poedeiras aumentaram os preços do produto no mercado estadunidense estimulando a exportação de ovos do Brasil, o que resultou em uma diminuição da oferta interna e no aumento dos preços.

Outro fator que pesou para a elevação dos preços dos alimentos foi a desvalorização do real ocorrida nos primeiros meses do ano, uma vez que muitos desses preços tem como referência os preços internacionais e, portanto, além do aquecimento da demanda refletem, também, os impactos da variação cambial.

Na tentativa de reverter a tendência, o Governo Federal zerou a alíquota para importação de diversos tipos de alimentos visando ampliar a oferta interna e, com isto, reduzir os preços. Além dessa medida, a recente valorização do real e expectativa de uma safra recorde[81] em 2025, com estimativa de crescimento de 9,4% com relação ao ano passado, também devem contribuir para estabilizar os preços e conter a escalada inflacionária.

Mas, em que pese a natureza das principais causas da inflação brasileira, que não serão neutralizadas com o aumento das taxas de juros, o Banco Central continuou sua política de elevação da taxa básica. O aumento de 1,0% na taxa SELIC, que atinge o patamar de 14,25% ao ano - o que coloca o Brasil entre os 4 países com as maiores taxas de juros do mundo, atrás apenas de Turquia, Argentina e Rússia[82] - pode provocar um novo aumento nos custos dos produtos brasileiros, principalmente nos setores mais dependentes de crédito, trazendo uma nova pressão sobre os preços.

É importante mencionar que essa elevação de 1% na taxa SELIC implicará em um aumento dos gastos do Governo em R$ 55 bilhões/ano[83],  valor este muito superior aos cortes anunciados no orçamento federal e, consequentemente, nas políticas públicas, visando atingir os objetivos preconizados no arcabouço fiscal.

 

3.2.6 As políticas públicas

 

O grande destaque desse primeiro trimestre de 2025 é o Projeto de Lei nº 1.087/2025, que foi apresentado pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados em 18 de março e que está em tramitação naquela casa. O projeto prevê elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda para aqueles com rendimentos mensais de até R$ 5.000, o que deve beneficiar aproximadamente 10 milhões de contribuintes que passarão a ser isentos do imposto[84]. Se a esse contingente somarmos os contribuintes já beneficiados pelas mudanças feitas pelo Governo Federal em 2023 e 2024, serão 20 milhões de pessoas que deixam de pagar Imposto de Renda desde o início da atual gestão.

Além disso, o projeto prevê uma redução gradual do imposto devido para contribuintes que recebem entre R$ 5.000 até R$ 7.000 mensais, conhecida como "escadinha", que visa evitar uma transição abrupta na carga tributária medida que deve beneficiar mais uma parcela expressiva dos trabalhadores formais no país.

Para compensar essa isenção que deve custar R$ 25,8 bilhões por ano, o projeto prevê o aumento da alíquota para aqueles com rendimento superior à R$ 50.000 por mês, que hoje que hoje pagam, em média, apenas 2,54% de Imposto de Renda, alíquotas que cresceriam de forma escalonada até atingir o teto de 10%, para aqueles que ganham mais de R$ 100.000 mensais. Essa elevação das alíquotas deve afetar aproximadamente 141 mil contribuintes. Mas, como acontece com qualquer medida que visa a redistribuição da renda, espera-se caloroso debate no Congresso Nacional.

 

3.3 A questão ambiental em 2025

 

Tudo está interligado. “Tudo está em relação”, “tudo é coligado”, “tudo está conectado”: este é o refrão que atravessa a Laudato Si’[85]. Por isso que sobre qualquer tema, o olhar começa a partir do planeta, e não apenas da região em que estamos ou do Brasil.

O mundo ainda assiste o presidente americano, Donald Trump, demonstrar a que veio quando o assunto é meio ambiente. O impacto não é só local, no entanto. A influência que seus posicionamentos terão no âmbito internacional pode ser tão ou mais perigosa ao meio ambiente. Sua intenção de “perfurar, baby, perfurar” legitima outros discursos na mesma linha e motiva investimentos de médio e longo prazo na extração de fósseis e em políticas nacionalistas que não estão alinhadas à urgência climática. E o crescimento do nacionalismo, não só nos Estados Unidos, e o acirramento de conflitos armados, colocam em perigo a diplomacia climática e ambiental internacional. A “guerra mundial em capítulos”, expressão do Papa Francisco[86], afeta a casa Comum.

Há grandes desafios. Em 2025, as Nações Unidas (ONU) realizarão a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC), que acontece entre 9 e 13 de junho em Nice, França. Esta é a terceira vez que a ONU realiza uma conferência das partes voltada para os oceanos – as anteriores foram em 2017 e 2022. O tema do evento é “Acelerar a ação e mobilizar todos os atores para conservar e usar o oceano de forma sustentável” e a expectativa é que, ao final, seja publicado o “Plano de Ação do Oceano de Nice”, uma declaração orientada para a ação e acordada intergovernamentalmente. Também se espera que os países apresentem seus compromissos voluntários para a proteção dos oceanos.

Neste ano, a ONU retomará as discussões sobre o Tratado Global sobre Plásticos, depois que as negociações realizadas em Busan, Coreia do Sul, no final de 2024, falharam em chegar a um consenso. Previsto para acontecer no primeiro semestre de 2025 – mas ainda sem data definida – a nova rodada de negociações busca superar impasses, especialmente no que diz respeito à implementação de restrições à produção e eliminação gradual de plásticos problemáticos, como os de uso único. Espera-se também, nesta nova rodada, que haja consenso sobre o banimento de certos produtos químicos perigosos à saúde humana e ao meio ambiente e que a discussão sobre mecanismos globais de financiamento para ações contra poluição plástica avance.

A estimativa da ONU é que cerca de 7 bilhões das 9,2 bilhões de toneladas de plásticos produzidas entre 1950 e 2017 tenham se tornado resíduos plásticos, que acabaram em aterros sanitários e lixões. A cada minuto, o equivalente a um caminhão de lixo de plástico é jogado no oceano.

Mas é no Brasil que a questão do planeta, o universo da Criação e das relações socioambientais terá um momento único. É o ano de Campanha da Fraternidade da CNBB com o tema central: “Fraternidade e Ecologia Integral” e o lema “Deus viu que tudo era muito bom”. É o ano em que se realizará 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA).

Como chegamos em 2025 com os temas ambientais? Ainda com poucos avanços e muitos desafios. Apenas para um tema, vejamos a questão das queimadas. Terminamos 2024, com dados graves em relação às queimadas. Mais de 30,8 milhões de hectares foram queimados no Brasil entre janeiro e dezembro de 2024, uma área maior que todo o território da Itália. É o que apresentam os dados da plataforma Monitor do Fogo, do MapBiomas[87].

Esse total representa um aumento de 79% em relação ao ano de 2023, ou um crescimento de 13,6 milhões de hectares, sendo a maior área queimada registrada desde 2019 pelo Monitor do Fogo. Três em cada quatro hectares queimados (73%) foram de vegetação nativa, principalmente em formações florestais, que totalizaram 25% da área queimada no país. Entre as áreas de uso agropecuário, as pastagens se destacaram, com 6,7 milhões de hectares queimados entre janeiro e dezembro do ano passado.

Esse aumento das áreas queimadas no Brasil está associado aos efeitos acumulados de um longo período seco que afetou grande parte do país, associado ao fenômeno “El Niño” entre 2023 e 2024, classificado como de intensidade moderada a forte. Com a baixa umidade, a vegetação ficou mais suscetível ao fogo.

A Amazônia foi o bioma mais afetado. Os 17,9 milhões de hectares queimados ao longo de 2024, correspondem a mais da metade (58%) de toda a área queimada no Brasil no ano passado, e é a maior área queimada dos últimos seis anos no bioma. É uma extensão maior do que o total que foi queimado em todo o país em 2023. A formação florestal foi a classe de vegetação nativa que mais queimou na Amazônia: cerca de 6,8 milhões de hectares, superando a área queimada da classe de pastagem, que foi de 5,8 milhões de hectares.

No Cerrado, 9,7 milhões de hectares foram queimados entre janeiro e dezembro de 2024, sendo que 85% (ou 8,2 milhões de hectares) ocorreram em áreas de vegetação nativa, onde houve um aumento de 47% em relação à média dos últimos 6 anos. Já o Pantanal, que teve o ápice da área queimada em agosto (648.796 hectares), teve 1,9 milhão de hectares afetados pelo fogo entre janeiro e dezembro de 2024. Esse número representa um aumento de 64% em relação à média dos últimos 6 anos, sendo que 2024 só não superou a área queimada em 2020, quando o fogo atingiu 2,3 milhões de hectares. A seca extrema de 2024, semelhante à de 2020, deixou o bioma Pantanal mais vulnerável à incidência e propagação dos focos de fogo.

Na Mata Atlântica, 1 milhão hectares foram queimados entre janeiro e dezembro, sendo que 70% da área afetada está localizada em áreas agropecuárias. A área queimada em 2024 foi maior do que a soma da área queimada entre os anos de 2019 a 2023 para o bioma. Apesar do fogo acontecer majoritariamente em áreas antrópicas, esses eventos acabam atingindo as áreas naturais. Cerca de 26% da área queimada no último ano ocorreu em áreas de campo alagado, formação florestal e formação campestre. Mais de 80% da área queimada na Mata Atlântica em 2024 aconteceu entre os meses de agosto e setembro, reflexo dos incêndios que atingiram principalmente os plantios de cana-de-açúcar no estado de São Paulo.

No Pampa, a área queimada em 2024 foi de 3,4 mil hectares, sendo o menor valor dos últimos seis anos. Houve redução também na Caatinga, onde 330 mil hectares foram queimados entre janeiro e dezembro de 2024 – uma diminuição de 47% em relação ao mesmo período de 2023. A maior parte (81,8%) das queimadas esteve concentrada em formações savânicas.

O Pará foi o estado que mais queimou no ano passado, com 7,3 milhões de hectares ou 24% do total nacional. Em seguida vêm Mato Grosso e Tocantins, com 6,8 milhões e 2,7 milhões de hectares, respectivamente. Juntos, esses três estados responderam por mais da metade (55%) da área queimada em todo o ano passado. Entre os municípios, São Félix do Xingu (PA) e Corumbá (MS) registraram as maiores áreas queimadas em 2024, com 1,47 milhão de hectares e 841 mil hectares queimados, respectivamente. Destacamos no gráfico:

 

Gráfico 2 – Fogo em 2024 no Brasil




Mas os problemas são complicados diante dos sinais do governo federal. O projeto do governo de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, na área conhecida como Margem Equatorial, tem se tornado cada vez mais claro, e a pressão nos corredores em Brasília, cada vez maior. De um lado, o Ministério de Minas e Energia, e a Petrobras não poupam esforços em defender a exploração; de outro, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e o Ibama tentam ao máximo garantir que o projeto tenha salvaguardas ambientais.

A equação é equilibrar interesses econômicos e ambientais. É difícil estabelecer um “meio termo” sobre como a exploração deve ser feita, para que os dois lados sejam atendidos. O fato é que parte do governo tem um interesse claro em aumentar a exploração de petróleo no país, seja na Margem Equatorial ou em outros locais. Um exemplo disso é o número de blocos de extração na oferta permanente – o principal modelo de licitação de áreas para exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil: 47 na foz do Amazonas (AP e PA) e 34 na Bacia de Pelotas (SC). Na atual quadra, com o agravamento da crise climática e a urgência da transição energética, continuar insistindo na exploração de combustíveis fósseis é um contrassenso.

Outro campo de muitas dificuldades é o Congresso Nacional. Várias das pautas antiambientais que passaram pela Câmara nos últimos anos foram barradas no Senado e estão paradas por lá. Entre elas, estão: o projeto de lei que afrouxa o licenciamento ambiental no Brasil, o que flexibiliza a regularização fundiária e facilita a grilagem, o que libera o asfaltamento da BR-319, o que muda – para pior – as regras do Fundo Amazônia, o que delega ao Congresso a competência para a demarcação de terras indígenas, além dos temas relacionados ao Marco Temporal, e o que altera o Código de Mineração, entre outros.

Pelo Congresso, também devem passar outros temas de grande relevância ambiental, como o novo texto da Política Nacional de Mudança do Clima, e as normas relacionadas à Política Pró-Minerais Estratégicos.

Até o fim do ano, há outras agendas para se alcançar a realização de uma COP30 capaz de enfrentar os grandes e profundos problemas. Uma nova versão do Plano Clima deve ser apresentada pelo governo ainda em 2025. O plano definirá as ações a serem tomadas pelo Brasil para reduzir as emissões de gases estufa e para se adaptar aos impactos da mudança no clima. Também é esperada para este ano a publicação dos planos setoriais, onde as ações, os custos e os meios de implementação das estratégias do Plano Clima serão detalhados. Estão previstos sete planos setoriais para mitigação e 16 para o tema da adaptação. São neles que as metas climáticas adotadas pelo Brasil serão alocadas.

A 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente, de 6 a 9 de maio de 2025, após um processo participativo (municipal e estadual), promoverá um amplo diálogo sobre a temática da emergência climática. Ainda em agosto, em Bogotá, na Colômbia, realiza-se a cúpula dos presidentes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), cujo tema central é a questão climática a partir de um olhar regional (pan-amazônico).

Mas o grande processo de 2025 é a expectativa com relação à COP30 no Brasil (Belém). A 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), será realizada de 10 a 21 de novembro. O evento reunirá líderes mundiais (que estarão reunidos antes, nos dias 6 e 7 de novembro), cientistas, ativistas e representantes de diversos setores para discutir e buscar soluções para um dos maiores desafios da humanidade: as mudanças climáticas! Mas o centro serão as negociações para atingir a meta do Acordo de Paris e limitar a 1,5°C o aquecimento do planeta. O serviço climático da União Europeia confirmou que, pela primeira vez na história das medições, as temperaturas atingiram esse limite ao longo de um ano inteiro (2024). Nesse contexto, a COP anterior (COP29, em Baku, Azerbaijão) foi um importante marco e trouxe um vislumbre de esperança para a pauta climática, mas seus resultados ficaram muito aquém do necessário.

O encontro de Baku ficou marcado pela timidez dos acordos em relação ao financiamento e à mitigação das mudanças climáticas. Agora o Brasil tem o desafio de resolver esta questão melhor. A organização da conferência de Belém representa um desafio para o país, que ficou com a missão de retomar o sistema multilateral climático, enfraquecido por acordos pouco ousados. O tamanho da COP de Belém será a soma dos compromissos que fomos capazes de tecer nos últimos 30 anos. O que está posto, o equilíbrio da vida na terra.

Com a escala dos desafios climáticos, cresce o protagonismo das cidades e estados, que têm a capacidade de implementar políticas que considerem as especificidades de cada região e os desafios concretos enfrentados pelas populações. No momento em que negacionistas climáticos voltam ao poder, surge uma janela de oportunidade para que entes subnacionais se apropriem da pauta e assumam a responsabilidade de liderar ações concretas. Se o cenário global mostra sinais de retrocesso, as autoridades estaduais e municipais podem (e devem) ter um papel relevante.

Governos locais também têm uma capacidade única de mobilizar a sociedade e criar parcerias que fortalecem a resiliência das cidades e comunidades. Ao definir metas claras, promover ações mais práticas e se integrar a redes internacionais de comprometimento climático, eles podem se consolidar como protagonistas na solução de um dos maiores desafios do nosso tempo. No caso do Brasil, a liderança de Marina Silva frente às iniciativas federais pode também encabeçar ações locais.

O futuro da nossa Casa Comum depende da habilidade de todos agirem com determinação e coragem, de forma que as promessas se traduzam em mudanças reais e significativas. Como na metáfora da família, onde a ação de cada indivíduo tem impacto direto sobre o ambiente coletivo, os compromissos dos países, estados e municípios em relação ao planeta devem ser articulados para que sejam efetivos.

Como anfitrião da próxima conferência, o Brasil deve liderar o processo de reconstrução do diálogo climático. A nosso favor, uma longa história na diplomacia ambiental, lideranças comprometidas e um grande potencial energético, de riquezas naturais e biodiversidade. Esse fórum de diálogo nos lembra que a responsabilidade compartilhada é o caminho para um futuro possível no planeta. O tempo está se esgotando para nós, e a COP 30 precisa ser mais do que um evento simbólico.

 

3.4 A democracia brasileira em 2025

 

Este período de 2025, trouxe consigo turbulências e manutenção dos principais conflitos da política brasileira. Com o aumento das dificuldades em apresentar melhores soluções para os problemas da população, o governo de frente ampla eleito sob o comando de Lula, conseguiu estabilizar seus índices de popularidade.

Após subir de 34% para 41% entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, a taxa de avaliação negativa do governo do presidente Lula recuou em abril, para 38%. A avaliação positiva avançou, por sua vez, em relação a fevereiro deste ano, de 24% para 29%, mas permanece abaixo do registrado em dezembro (35%). Há ainda 32% que avaliam o governo como regular (eram 32% em fevereiro e 29% em dezembro), e 1% não opinou. 

A avaliação negativa do governo atual está entre as piores de seus mandatos, abaixo somente do dado de fevereiro de 2025. O mesmo acontece com o índice dos que consideram o governo ótimo ou bom, que está no mesmo patamar de pesquisas realizadas em outubro e dezembro de 2005 (28% em ambas). Até fevereiro deste ano, esses eram os índices mais baixos de avaliação positiva de Lula.  

O índice dos que avaliam o governo positivamente é mais alto entre nas faixas etárias mais avançadas (36% entre quem tem 45 anos ou mais) e mais baixa entre jovens de 16 a 24 anos (16%) e de 25 a 34 anos (24%). Entre quem tem escolaridade fundamental, 40% consideram a gestão de Lula ótima ou boa, ante 21% no segmento de escolaridade média e 31% na parcela que estudou até o ensino superior. Na região Nordeste, 38% avaliam o governo de forma positiva, índice superior ao registrado nas regiões Sudeste (25%), Sul (26%) e Norte/Centro-Oeste (25%). Entre evangélicos, 19% veem o atual governo como ótimo ou bom, em contraste com os 49% que o avaliam como ruim ou péssimo. Entre católicos esses índices ficam em 34% e 34%, respectivamente. 

A recuperação parcial da avaliação positiva do governo entre fevereiro e abril, de cinco pontos na média, foi mais intensa no segmento com escolaridade superior (de 18% para 31%, voltando ao patamar de dezembro, que era de 28%), e entre aqueles com renda familiar mensal superior a 2 salários mínimos (de 17% para 26% na faixa de 2 a 5 salários, de 18% para 31% na faixa de 5 a 10 salários, e de 18% para 31% na faixa superior a 10 salários). Entre os mais pobres, com renda mensal familiar de até 2 salários, porém, houve oscilação de apenas um ponto (de 29% para 30%), após recuo significativo entre dezembro e fevereiro (de 44% para 29%). Ou seja, o único segmento de renda em que governo não recuperou o patamar de avaliação positiva de dezembro de 2024 foi justamente aquele em que se saía melhor, com avaliação positiva média de 43% até então.

O trabalho de Lula como presidente tem a aprovação de 48% dos brasileiros, no mesmo patamar dos que o desaprovam (49%), e há 3% sem opinião sobre o assunto. Entre os homens, a desaprovação (53%) é mais alta que a aprovação (44%), e o oposto ocorre entre as mulheres (52% de aprovação, 44% de desaprovação). Na parcela dos mais jovens, 54% desaprovam o trabalho do petista, e 41% aprovam. Na faixa de 25 a 34 anos esses índices ficam em 52% e 44%, respectivamente, e na faixa de 35 a 44 anos, em 52% e 45%. No segmento de 45 a 59 anos, a aprovação (53%) supera numericamente a reprovação (45%), e o mesmo acontece entre os mais velhos, com 60 anos ou mais (55% e 43%, respectivamente). 

Entre os menos escolarizados, a maioria (60%) aprova o trabalho de Lula, e 36% desaprovam. No estrato de escolaridade média, a situação se inverte, e 54% desaprovam, ante 42% que aprovam. Entre quem tem escolaridade superior há um empate entre a aprovação (47%) e a desaprovação (51%). Na parcela com renda com renda mensal familiar de até 2 salários, 50% aprovam a atuação do atual presidente, e 46% reprovam. Na faixa seguinte, com renda de 2 a 5 salários, a reprovação é de 52%, e a aprovação, de 46%, e entre quem tem renda familiar entre 5 e 10 salários a reprovação é de 51%, ante 47% que aprovam. Na fatia dos mais ricos, com renda familiar superior a 10 salários, 57% desaprovam o desempenho do presidente, ante 42% que aprovam. 

No Nordeste, a aprovação é majoritária (61%), e a reprovação fica em 36%. No Sul, 55% reprovam o trabalho do petista, e 41% aprovam, e no Sudeste os índices são similares (53% e 44%, respectivamente). No conjunto das regiões Norte e Centro-Oeste, 50% reprovam a atuação de Lula como presidente, e 46% aprovam. Entre evangélicos, 60% reprovam a gestão atual, ante 37% que aprovam. Entre católicos esses índices são de 44% e 53%, respectivamente. 

O cruzamento das taxas de aprovação e reprovação pela avaliação com as escalas de positivo, regular e negativo mostra que, entre aqueles que consideram o governo ótimo ou bom, 98% o aprovam, e entre quem o tem como ruim ou péssimo, 98% o desaprovam. Na parcela que considera a gestão atual regular, cerca de um terço da população adulta do país, a maioria (60%) aprova o trabalho de Lula, e 32% desaprovam, com 8% sem opinião. 

Em um balanço desde o início do atual governo, 28% dizem que sua vida melhorou após a posse de Lula, no mesmo nível dos que dizem que a vida piorou (29%). Para 42%, a vida permaneceu igual, e 1% não opinou. Em março de 2024, a maioria (56%) declarava não ter havido mudança na vida após a posse do petista, 20% apontavam para uma piora, e 25%, para uma melhora.

Daqui para frente, conforme o gráfico abaixo, 35% dos entrevistados avaliam que Lula fará um governo ótimo ou bom, no mesmo patamar dos que preveem um governo ruim ou péssimo (35%). Entre eles, há 28% que avaliam que o petista terá um desempenho regular, e 2% não opinaram. Em dezembro do ano passado, os otimistas com o governo eram 38%, e os pessimistas, 34%. A taxa de expectativa positiva com a administração do petista era ainda mais alta (50%) em março de 2023, após o início do terceiro mandato, época em que 21% avaliavam que ele faria um governo ruim ou péssimo.


Gráfico 3 – Daqui para a frente



 

Considerando as áreas de responsabilidade do governo federal, a saúde é apontada espontaneamente por 22% como o principal problema do país atualmente, índice similar ao registrado em dezembro do ano passado (21%). A economia, incluindo inflação e preço dos alimentos, é citada também por 22% como principal problema nacional, em alta na comparação com dezembro de 2024 (12%) e dezembro de 2023 (8%). Na sequência aparecem as menções a criminalidade/segurança (11%, ante 12% no final do ano passado) e educação (9%, e era 8%). Também são citados como principais problemas do país a corrupção (7%, estável), o desemprego (5%, e era 8%), a fome/miséria/pobreza (4%, e era 7%), a desigualdade social (2%, e era 4%) e a má administração (2%, estável), entre outros tópicos com percentual mais baixo[88].

Um dos grandes desafios que este quadro de popularidade estimula é uma antecipação da corrida eleitoral de 2026. Há um sentimento de descontentamento geral com a política no Brasil. Em pesquisas qualitativas[89], por exemplo, ou em opiniões de muitos, reconhece-se “um descontentamento palpável e, em muitos casos, até um notável desprezo pela política e pelos políticos”[90].

Ao lado deste quadro, há uma organização da oposição à Lula, muitos próximos do núcleo político do ex-presidente Jair Bolsonaro, que avaliam que ele poderá concorrer às eleições de 2026, mesmo que ainda esteja inelegível[91]. A pauta do momento é a tentativa de aprovação de uma anistia pelo Congresso Nacional[92]. Apesar de seus defensores exporem os argumentos de que as iniciativas são para tentar reduzir as penas dos que estiveram na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro, o que se tem, após a análise das proposições legislativas, é que elas carregam disposições que beneficiariam o membros do alto escalão do governo passado que estiveram, muito provavelmente, conforme as investigações em curso pelo Ministério Público Federal (Procuradoria-Geral da República) e sob o escrutínio do STF, envolvidos em tramas golpistas, ora objeto de ações penais., perante o Supremo Tribunal Federal.

Mais do que isso, são projetos que possuem disposições de constrangimento ao Poder Judiciário, relativas, inclusive, a fatos não relacionados com às manifestações de janeiro de 2023 e à tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. São projetos que, ainda, recairiam sobre a ordem e autoridade da Justiça Eleitoral e cassariam decisões que determinam a inelegibilidade de qualquer condenado por ilícitos relacionados à disputa nas urnas.

Outro cenário, que importa para avaliar o quadro da nossa democracia, são os mais recentes ataques à lei da Ficha Limpa. Há projetos em curso na Câmara dos deputados e no Senado Federal que desfiguram os principais mecanismos de proteção da Lei da Ficha Limpa, beneficiando especialmente aqueles condenados por crimes graves, cujas inelegibilidades poderão ser reduzidas ou mesmo anuladas antes do cumprimento total das penas. Além disso, a proposta visa isentar de responsabilidade aqueles que, mesmo derrotados nas urnas, tenham praticado graves abusos de poder político e econômico, o que enfraquece o combate às práticas corruptas que comprometem a democracia brasileira.

São decisões políticas que exigem amplo debate e participação de todos os eleitores. Não é possível que uma das únicas leis de iniciativa popular de nosso país seja alterada sem um diálogo com todos os setores da sociedade e do país. A Conferência Nacional dos Bispos Brasil-CNBB, uma das instituições que contribuiu com a mobilização em torno da lei da Ficha Limpa, apresentou Notas e está dialogando com todos, pedindo que as autoridades reflitam cuidadosamente sobre as consequências dessas propostas. A sociedade civil brasileira, que construiu e apoia a Lei da Ficha Limpa, como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, também acompanha atentamente esse debate e espera que tais proposições sejam rejeitadas, em respeito à vontade popular e à integridade das nossas instituições democráticas e que prevaleça o compromisso com a ética e a justiça, valores fundamentais para a construção de um Brasil mais justo e solidário.

Outro tema em disputa, com muitas idas e vindas, é sobre a captura, pelo Congresso Nacional, de parcelas significativas em forma de emendas parlamentares. Além de uma série de investigações sob o uso irregular das emendas, muitas no STF, o total previsto para emendas parlamentares no Orçamento de 2025 chega a R$ 52 bilhões, uma alta em relação a 2024, quando a cifra foi de R$ 49,2 bilhões. Há 10 anos, em 2014, esse valor era de R$ 6,1 bilhões.

É a partir dessas disputas e da realidade que se impõe um modelo muito próprio da democracia brasileira. Para Arend Lijphart, as democracias contemporâneas podem ser comparadas a partir de dois modelos básicos, o “majoritário” e o “consensual”[93]. O “consensual” tende a dispersar o poder pelo grau extremado de negociações para se tomar decisões. Utilizando essa classificação, o quadro político brasileiro neste século é “ultraconsensual”. De um lado, o poder executivo federal é resultado de uma maioria eleitoral. Nos outros centros de poder, como o Congresso Nacional (também eleito), no Judiciário e demais órgãos de controle, nos estados e nos municípios, na imprensa, nas redes sociais e no debate social, as corporações e suas tradições, o mercado e seus interesses, há produzem uma permanente tentativa de capturar o Estado e o poder. Estes atores estratégicos controlam recursos de poder específicos que podem variar desde o poder de influenciar as ideias, como propagar informações e tomar decisões que desacreditem as autoridades eleitas, até o limite de paralisar as instituições, desestabilizar a política e criar uma agitação social. Há, assim, permanente luta entre a governabilidade e a falta dela.

Da mesma forma, as relações autoritárias convivem com as relações democráticas. E a resistência da democracia brasileira aos ataques autoritários se dá por meio das instituições, que funcionam como limite e espaço de contenção, com todas as dificuldades de um quadro em que há tensões cada vez mais frequentes.

Nos últimos 35 anos, isto exigiu a busca do consenso extremado – o que denominados de “ultraconsenso”. Faz parte da história da democracia brasileira a busca por uma estabilidade política. Contudo, o Brasil dispõe de um dos sistemas políticos que mais dispersa poder, no quadro dos regimes democráticos contemporâneos. Nessa quadra, em que os desafios são acelerados e arriscados, com uma sociedade cada vez mais complexa, as soluções ainda são tão superficiais quanto incompletas.

Diante dos muitos cenários, vamos avaliar alguns aspectos no duplo estrutural-conjuntural sobre os três poderes da república.

 

3.4.1 Os poderes da República

 

Diante deste quadro da democracia brasileira em 2025, alguns temas podem ser avaliados com relação aos três poderes da República.

 

3.4.1.1 PODER EXECUTIVO

 

O poder executivo e o governo brasileiro têm enfrentado um cenário político desafiador, marcado por tensões institucionais e dinâmicas que dificultam a governança e complicam a governabilidade. No Brasil, como em muitas democracias ocidentais, as profundas divisões ideológicas nas sociedades se concretizam na esfera política por meio de blocos de poder instáveis. Partidos políticos ganham as eleições para o executivo e perdem nas casas legislativas e vice-versa.  Poucos são os lugares onde grupos políticos chegam ao poder com sólido apoio eleitoral e maioria nos legislativos.

Esse processo ganha complexidade quando um dos lados se assenta em ideias fundamentalistas e prática discursos de ódio que pregam o extermínio do opositor. Ideias autoritárias, com forte componente de totalitarismo, são impermeáveis ao debate democrático. Esse quadro também tem sido uma tendência nas democracias ocidentais nas últimas décadas. Portanto, a construção de blocos de poder legítimos, com apoio hegemônico na sociedade para suas propostas, tem se tornado um importante desafio para os governos. Recentemente, nosso país que tem uma história de regimes autoritários e/ou ditatoriais, vivenciou uma tentativa de golpe de Estado para implantação de um regime autoritário que poderia ter posto fim a um período de mais de 40 anos de democracia.

Tais elementos estruturais e conjunturais estão presentes na realidade política brasileira. Temos um governo que conseguiu avanços na reorganização do Estado, principalmente nas áreas da saúde, da educação e do combate a fome e a pobreza, no crescimento da economia, geração de empregos e no processo de reindustrialização, e que, no entanto, muitas vezes ´´patina´´ na construção de soluções para os problemas estruturais. A fragilidade do desenvolvimento sustentável brasileiro tem como componente a forte divisão social e política. A seguir, passamos a identificar alguns importantes aspectos explicativos da nossa conjuntura política:

 

a)          a necessidade e dificuldades de se constituir frentes politicas amplas para garantir a governabilidade: a formação de um governo de frente ampla é uma estratégia comum em sistemas políticos com forte fragmentação de partidos, como o brasileiro. Assim, essa configuração busca unir forças políticas diversas para garantir a governabilidade, mas frequentemente resulta em tensões internas. Há uma diversidade ideológica dos partidos que compõem a coalizão e isso pode gerar conflitos sobre prioridades e estratégias, dificultando a implementação de políticas públicas coesas. Além disso, a falta de um projeto político claro e unificador pode enfraquecer a coesão interna, tornando o governo vulnerável a crises e instabilidades.

 

b)          a ausência de uma maioria parlamentar consolidada é um dos principais entraves à governabilidade no Brasil: o presidencialismo brasileiro exige que o Executivo negocie constantemente com o Congresso para aprovar projetos de lei e medidas importantes. Essa dependência de negociações pode levar a concessões que diluem a eficácia das políticas propostas, cria um ambiente de instabilidade, onde o governo precisa lidar com pressões constantes de diferentes setores políticos, e acaba por aprofundar a imagem de que os governantes estão impedidos de concluir os seus programas de governo.

 

c)           o controle orçamentário compartilhado entre o Congresso e o Executivo:  esta característica do modelo brasileiro frequentemente gera tensões no sistema político. As emendas parlamentares, especialmente as de relator, permitem que o Congresso controle uma parcela significativa do orçamento, limitando a autonomia do Executivo na execução de suas prioridades. Essa fragmentação orçamentária não apenas dificulta a implementação de políticas públicas de longo prazo, mas também favorece práticas clientelistas, onde recursos são alocados com base em interesses políticos específicos, em vez de necessidades nacionais;

 

d)          a composição dos ministérios: utilizada como ferramenta para construir alianças políticas e garantir apoio no Congresso, tal estratégia perde eficácia quando não resulta em uma maioria parlamentar efetiva, principalmente pelo fato dos recursos econômicos orçamentários poderem ser alcançados pelos grupos políticos por meio das ações parlamentares;

 

e)           a antecipação do debate eleitoral: fator que contribui para a instabilidade política, pois a forte divisão política, intensificada pelas redes sociais, molda o debate público e influencia diretamente as estratégias políticas. Nesse cenário, o foco é desviado das questões estruturais e dificulta a implementação de políticas de longo prazo, à medida que partidos e líderes políticos começam a se posicionar para as próximas eleições. É um ambiente de confronto que também aumenta as tensões entre o Executivo e o Legislativo, dificultando ainda mais a governabilidade.

 

Esses desafios interligados exigem do governo uma habilidade política excepcional para equilibrar interesses divergentes, construir consensos e garantir a governabilidade.

 

3.4.1.2 PODER LEGISLATIVO

 

O Congresso Nacional iniciou o ano com mudanças na mesa diretora das duas casas legislativas, que de alguma forma refletem a atual composição partidária e a aglutinação de forças políticas reunidas no chamado “Centrão”, com menor influência do Palácio do Planalto neste processo. No cenário atual estamos distantes do período em que prevalecia o “presidencialismo de coalizão”, no qual o governo federal contava com ampla e estável base de sustentação política no parlamento brasileiro, e tinha forte ascendência na definição da agenda e nos resultados das votações realizadas[94].

Vamos inicialmente analisar a composição partidária atual da Câmara dos Deputados. É preciso chamar atenção deste aspecto por duas razões principais. Apesar do desgaste dos partidos políticos no mundo contemporâneo e no Brasil, estas organizações são imprescindíveis no processo eleitoral e de renovação de lideranças, na institucionalização do sistema partidário e na representação da sociedade no Poder Legislativo. Além disso, a dinâmica no interior do Congresso Nacional continua assentada na atuação dos partidos políticos, no tamanho de suas bancadas e na capacidade de negociação.

Na Tabela 3 observa-se que 20 partidos políticos possuem representação, o que confirma a permanência do quadro de fragmentação que se instalou no país com a redemocratização. Adotando o critério da literatura internacional de ter pelo menos 5% do total de cadeiras[95], pode-se dizer que as maiores bancadas são do PL, PT, União Brasil, PP, PSD, MDB e Republicanos. Estamos vivendo um processo de reconfiguração do sistema partidário nacional, que se acelerou a partir das eleições nacionais de 2018 com ampliação do espaço ocupado pela direita e ultradireita[96]. Outrora tínhamos uma disputa recorrente entre PT e o PSDB na eleição presidencial, como aconteceu no período de 1994 a 2014. Também havia um grande protagonismo do então PMDB, atual MDB, no Congresso Nacional. O quadro se modificou bastante, dos três partidos que foram uma espécie de pilares na retomada da democracia, apenas o PT conseguiu manter-se competitivo na disputa pela presidência da República e com destaque no parlamento brasileiro. Mas mesmo no caso do partido do presidente Lula, muitos defendem a necessidade de estimular o surgimento de novas lideranças políticas, afinadas com o mundo das redes sociais e da cidadania digital.    

O número expressivo de 92 deputados federais que integram o PL, na prática sucedâneo do PSL de 2018, mostra a ressonância do discurso populista do ex-presidente Bolsonaro e a emergência de novos atores sociais na cena política (agronegócio, evangélicos, forças de segurança pública e militares)[97]. O avanço do União Brasil, PP e Republicanos confirma a redefinição do multipartidarismo nacional, com consequências no âmbito do próprio Congresso Nacional. 

 

Tabela 3 – Composição Partidária na Câmara dos Deputados – 2025

 

Partido Político

 

 

Número de Deputados Federais

 

PL

92

PT

67

União Brasil (União)

59

PP

50

 PSD

44

MDB

44

Republicanos

44

PDT

18

PSB

15

Podemos (Pode)

14

PSDB

13

PSOL

13

PCdoB

08

Avante

07

Solidariedade

06

PV

05

PRD

05

NOVO

04

CIDADANIA

04

REDE

01

Total

513

Fonte: Câmara dos Deputados[98].

 

As agremiações políticas no campo da esquerda e centro-esquerda (PT, PCdoB, PV, PSB, PDT, PSOL e REDE) possuem, no início de 2025, 127 deputados federais, aproximadamente 25% do total. A oposição mais sistemática, formada pelo PL e NOVO, é formada por 96 parlamentares, algo perto de 19% dos representantes da Câmara dos Deputados. Os dois lados precisam, portanto, do apoio do chamado “Centrão” nas votações que acontecem nas comissões permanentes e no plenário do Congresso Nacional.       

Uma questão se apresenta neste momento: quais partidos políticos integram o “Centrão” no Congresso Nacional? Dois bons levantamentos recentes convergem para as seguintes siglas: PP, Republicanos, PL, MDB, União Brasil, PRD, Podemos e PSD[99] (Tesla & Bolognesi, 2024; Estadão, 2024). Excluindo o PL que está incluído na oposição, tomando como base as estatísticas da Tabela 3, pode-se dizer que a bancada atual do “Centrão” seria composta por 260 deputados federais, o que significa aproximadamente 51% do total. Não é o momento de analisar a coesão do bloco de forças políticas reunidas no “Centrão”. O personalismo no processo eleitoral também se faz presente no Congresso Nacional. Nem sempre parlamentares seguem a orientação da liderança partidária ou do próprio partido. Apesar disso, o “Centrão” tem conseguido mostrar unidade, aspecto fundamental nas negociações com o governo federal, nas votações da dinâmica legislativa e na eleição da mesa diretora. Isso assegura ao bloco partidário lugar de destaque na garantia da governabilidade, aspecto que não pode ser negligenciado na cena política brasileira.        

Hugo Motta (Republicanos-PB) foi eleito recentemente presidente da Câmara dos Deputados para o biênio 2025-2027, em primeiro turno, com um total de 444 votos[100]. Terá oportunidade de suceder o deputado federal Arthur Lira (PP/AL), presidente da casa legislativa em dois biênios (2021-2023 e 2023-2025), e um dos principais líderes do “Centrão”. É a primeira vez que o Republicanos ocupa o principal cargo da mesa diretora. Trata-se de um partido político recente, que foi fundado em 2005 e ganhou o nome definitivo em 2019[101]. Mais uma evidência da reconfiguração do sistema partidário em curso.  

Motta, com 35 anos, é o deputado mais jovem a se eleger presidente da Câmara dos Deputados no período republicano. Entretanto, ele conhece bem a dinâmica legislativa, já que se encontra no seu quarto mandato de deputado federal, tendo sido eleito inicialmente nas eleições nacionais de 2010. Seria prematuro avaliar a atuação de Motta à frente da Câmara dos Deputados. Entretanto, no discurso de posse, no dia 01/02/2025, Motta defendeu seu compromisso com a democracia, relembrando as palavras de repúdio do deputado Ulisses Guimarães à ditadura militar, por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988. Também defendeu o fortalecimento do Congresso Nacional, o “fim das relações incestuosas entre Executivo e Legislativo” que havia no passado, e a independência entre os poderes da República[102].

Tudo indica que dará continuidade à condução da casa legislativa feita pelo seu antecessor, dialogando com o Governo Lula, mas sem alinhamento automático com os seus interesses governamentais. Além disso, não se furtará em defender a execução das emendas parlamentares previstas no Orçamento da União, buscando dialogar com o Supremo Tribunal Federal, mas sem ceder neste aspecto central que assegurou amplo apoio na sua recente eleição[103].

Muitas matérias relevantes deverão ser discutidas ao longo do ano na Câmara dos Deputados. Entre elas, destacam-se a regulamentação da Reforma Tributária, a discussão do Projeto de Lei que assegura isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R% 5 mil reais/mês, o debate sobre o Plano Nacional da Educação, a reforma da lei da Ficha Limpa, e a definição das normas que orientarão as eleições nacionais em 2026[104]. Para não falar da proposta dos deputados da base bolsonarista, que defendem a anistia dos envolvidos nos acontecimentos antidemocráticos do dia 08 de janeiro de 2023. O ano promete muita polêmica e irá garantir muita visibilidade ao presidente Hugo Motta.  

O Senado Federal, por sua vez, também passa por mudanças na mesa diretora. Embora seja uma casa de natureza mais federativa, e por isto mesmo de representação dos interesses dos estados, está envolvida na disputa política que tomou conta do país a partir das eleições nacionais de 2018. Talvez as articulações do Centrão tenham aqui menos intensidade do que aquelas que ocorrem na Câmara dos Deputados. Entretanto, as principais matérias que nascem no plenário vizinho têm que passar pelo Senado, o que termina contaminando, de alguma forma, o debate que irá se desenvolver nesta casa. 

Como mostra a Tabela 4, a composição atual do Senado Federal também traz a marca da fragmentação partidária, mas em menor grau do que aquele apresentado na Câmara dos Deputados. Entre os 12 partidos políticos representados, destacam-se o PSD, PL, MDB, PT, União Brasil e PP, com as maiores bancadas. As bancadas do PSD e PL cresceram nas duas últimas eleições nacionais (2018 e 2022). O MDB (antigo PMDB) permanece como uma força de expressão política, mantendo uma tradição que acompanha o partido desde a redemocratização. Entre 1985 e 2021, o MDB elegeu 17 vezes o presidente do Senado Federal[105]. O PT possui 09 senadores, com mais da metade da bancada concentrada na região Nordeste (Bahia, Sergipe, Pernambuco e Ceará). O destaque negativo fica para o PSDB, que conta atualmente com 03 senadores, nenhum deles do estado de São Paulo, sua base regional histórica. Lembrando que durante o Governo Fernando Henrique o PSDB tinha uma bancada de 09 senadores[106].    

 

Tabela 4 – Composição Partidária no Senado Federal - 2025

 

Partido Político

 

 

Número de Senadores

 

PSD

15

PL

14

MDB

11

PT

09

União Brasil (União)

07

PP

06

PSB

04

Republicanos

04

Podemos (Pode)

04

PSDB

03

PDT

03

NOVO

01

Total

81

Fonte: Senado Federal[107].

 

As agremiações do campo da centro-esquerda (PT, PSB e PDT) possuem 16 senadores, aproximadamente 20% do total. A oposição ao Governo Lula encontra-se representada no PL e no NOVO, com um total de 15 senadores, o que significa quase 19% do conjunto. Nos dois casos, campo progressista e da direita, os números não são inexpressivos, mas estão longe de formar maioria simples em votação importante. O Centrão sem incluir o PL (PP, Republicanos, PRD, MDB, União, Podemos e PSD) reúne 47 parlamentares, o equivalente a 58% dos parlamentares. Como conclusão, pode-se dizer que a base de sustentação do governo federal na casa legislativa é muito dependente dos partidos que integram o Centrão, exigindo habilidade política e negociação permanente por parte da Ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, deputada federal Gleise Hoffmann (PT/PR), e demais integrantes do Governo Lula. 

O senador Davi Alcolumbre (União/AP) foi eleito no início de fevereiro passado presidente do Senado Federal para o biênio 2025-2027, em primeiro turno, com um total de 73 votos. Será o sucessor de Rodrigo Pacheco (PSD/MG)[108]. O União Brasil, embora seja quinta força entre os partidos políticos representados, ocupa pela segunda vez o cargo no período recente, já que o mesmo senador havia sido eleito para o biênio 2019-2021. O partido é resultado da fusão do Democratas e do PSL ocorrida em 2022[109]. Neste caso, trata-se uma agremiação política com história mais longeva, já que o Democratas surgiu quando o antigo PFL mudou de nome em 2007. O PSL, por sua vez, foi fundado em 1994.   

Também é cedo para avaliar o comportamento do novo presidente do Senado Federal. Mas suas primeiras manifestações, como no discurso de posse no dia 01/02/2025, Alcolumbre disse o seguinte: "É nesse contexto que o Congresso Nacional deverá ser porta-voz do sentimento dos brasileiros que nos colocaram aqui. Pensar e agir no sentido de facilitar a vida do cidadão, dando mais oportunidades, mais liberdades, mais sonhos. Por vezes, isso nos exigirá um posicionamento corajoso perante o governo, o Judiciário, a mídia ou o mercado. Nem sempre agradaremos a todos"[110]. Tudo indica, portanto, que defende o fortalecimento do Congresso Nacional frente aos demais poderes da República, sem compromisso inevitável com os interesses do Governo Lula. Assumindo, portanto, uma posição semelhante àquela do novo presidente da Câmara dos Deputados. 

Por outro lado, emite sinais de que sua atuação não será conduzida pela oposição. Exemplo disso, é sua resistência a pautar a anistia dos envolvidos nos acontecimentos antidemocráticos do dia 08/01, como querem os aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro no Congresso Nacional[111]. Da mesma forma, Alcolumbre coloca-se contra a ideia do Senado Federal levar adiante eventuais propostas de impeachment de Ministros do STF. Tema por demais delicado, e que poderia causar uma crise institucional e provocar divisão e paralisia decisória na casa legislativa.

 

3.4.1.3 PODER JUDICIÁRIO

 

O tema da Justiça e do Poder Judiciário já havia sido demarcado nas referências de análises de conjuntura anteriores, com marcadores retirados da teologia prática e desde uma perspectiva político-pastoral. Em março de 2024, com a preocupação de confrontar desafios à paz num país com múltiplas formas de violência, este foi exatamente o tema da Análise oferecida ao Conselho Permanente da CNBB[112].

A recuperação desta precedência é feita aqui para balizar o percurso hermenêutico desse tema complexo, pondo-se em relevo três pilares para ancorar esse percurso. O primeiro para indicar o acervo de uma reflexão que já nutria preocupações que convocavam o discernimento do episcopado brasileiro. Assim, a organização e realização em Brasília (2, 3 e 4 de agosto de 1996), sob os auspícios da CNBB, do Seminário “Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a Reforma do Judiciário”. O encontro cuidou de uma questão relevante para o desenvolvimento da democracia no país:

 

[...] o divórcio crescente entre o sistema judiciário e a demanda de prestação jurisdicional das camadas populares, com o objetivo de fornecer elementos de reflexão sobre a realidade da justiça brasileira, e buscar contribuições visando a reforma do judiciário à luz de critérios éticos e tendo em vista a experiência dos participantes, sem, contudo, esquecer uma abordagem prospectiva da questão mais ampla da relação entre a justiça e o judiciário brasileiro[113].

 

O Seminário foi realizado a partir de uma situação concreta: a desconfiança generalizada acerca dos fundamentos que organizam a sociedade e os valores que estruturam as bases éticas das instituições levando a contradições entre o direito oficialmente instituído e formalmente vigente e a normatividade emergente das relações sociais, gerando questionamentos sobre os pressupostos da cultura legalista de formação dos operadores do direito e sobre os fundamentos relativos ao papel e à função social sobretudo dos magistrados[114].

Questões, segundo pilar, que guardam pertinência com aquela filosofia do agir humano, de que fala o padre Henrique Cláudio de Lima Vaz, S.J., no texto com que abriu o Seminário, transcrito aliás, na Análise de março de 2024, já referida:

 

No momento em que os temas ‘ética e política’ ou o ‘direito de todos e a justiça de todos’ tornam-se temas de sensação nos meios de comunicação de massa, e em que o problema do exercício eficaz da administração da justiça deixa o recinto austero dos tribunais para tornar-se problema social das ruas e dos campos, convém voltar nossa atenção e nossa reflexão para a tarefa primordial da educação ética que é a verdadeira educação para a liberdade. O mundo ético não é uma dádiva da natureza. É uma dura conquista da civilização. Como também tem sido uma conquista longa e difícil o estabelecimento e a vigência do Estado democrático do Direito.[115]

 

O terceiro pilar se assenta na mobilização que o Papa Francisco vem fazendo para recuperar a Justiça e os Juízes para a condição mais fraterna e mais equânime sensível às exigências reparadoras das desigualdades e de reconhecimento da necessidade de satisfação às condições de dignidade do humano.

Com efeito, o Papa Francisco vem enfatizando a importância de juízes e juízas para um mister que contribua para superar desigualdades, conter perdas de direitos e assegurar a dignidade da existência. De modo muito direto, porque dirigindo-se a juízes e juízas em encontro remoto com juristas das Américas e da África – “Primeiro Encontro virtual dos Comitês para os Direitos Sociais da África e da América” – ele exortou: “uma sentença justa é uma poesia que repara, redime e nutre” [116].

No entanto, o Papa aponta para a sutileza atual do neocolonialismo constituído como um crime e um obstáculo à paz. Na reflexão do Pontífice, embora no século XXI não se possa mais falar, tecnicamente, de países “colonizados”, do ponto de vista geográfico, nos aspectos econômicos e ideológicos, o colonialismo mudou em suas formas, métodos e justificativas. O que também preocupa o Papa Francisco é o colonialismo ideológico, que tende a uniformizar tudo, sufocando a ligação natural dos povos aos seus valores, desenraizando tradições, história e vínculos religiosos. Esta é uma mentalidade que não tolera diferenças e se concentra apenas no presente e nos direitos individuais, descuidando dos deveres com os mais fracos e frágeis[117].

Assim que, sob os fundamentos da convocação do Papa, está se instituindo em vários países da Íbero-América, capítulos do “Comitê Pan-Americano de Juízes e Juízas para os direitos sociais e Doutrina Franciscana – Copaju”, voltados para a atuação judicante:

 

Vocês juízes, em cada decisão, em cada sentença, estão diante da feliz oportunidade de fazer poesia: uma poesia que cure as feridas dos pobres, que integre o planeta, que proteja a Mãe Terra e todos os seus descendentes. Uma poesia que repara, redime e nutre. Não renunciem a esta oportunidade. Assumam a graça a que têm direito, com determinação e coragem. Estejam cientes de que tudo o que contribuírem com sua retidão e compromisso é muito importante.

 

As exortações do Papa Francisco nessa questão, não se traduzem como uma afronta à tese abstrata da separação dos poderes, como a formulou Montesquieu. O Papa não é o primeiro a se dar conta de um parti pris embutido na formulação do autor do “Espírito das Leis”. Louis Althusser relativamente ao Judiciário, como aparece em “O Espírito das Leis (1748), no Livro XI, Capítulo 6, não deixava de expressar a visão (o parti pris) do estadista sobre a necessidade de divisão entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário para evitar o abuso de poder. Longe da designação que “os juízes da nação não são, pois, mais que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor", para que se constitua “um poder invisível e nulo, embora independente, mas nunca ativo como os outros poderes, não mais que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor". Para Althusser, a posição de Montesquieu refere-se à sua condição de classe e ao viés ideológico subjacente à sua teoria. Apesar de defender a separação dos poderes como um mecanismo para evitar o despotismo, sua proposta não era neutra, mas refletia os interesses da burguesia emergente. O objetivo era garantir um equilíbrio entre a monarquia e a aristocracia, mantendo o Judiciário como um poder separado, mas sem verdadeira autonomia política. A separação dos poderes não significa igualdade entre eles, pois o Legislativo e o Executivo ainda mantêm um papel dominante. Ao se exercitar por "juízes naturais" e não por instâncias políticas, a Justiça termina por favorece uma elite jurídica e aristocrática. Não beneficia toda a sociedade, mas sim consolida um modelo de Estado que equilibre os interesses da monarquia e da burguesia, evitando tanto o absolutismo quanto a revolução popular[118].

É verdade, pois, na sequência do reposicionamento institucional da estrutura de poderes que foram estabelecidos com a modernidade e com a ideologia liberal, que o equilíbrio entre eles passou a ser uma mediação da política, uma disputa entre os fatores reais de poder que formam a sociedade, um intento de captura, um esforço de cooptação, junto com o próprio ethos corporativo que muitas vezes prevalece na sua configuração.

Basta ver, quando da criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela Emenda Constitucional nº 45/2004, a resistência de diversas entidades ligadas ao Judiciário[119]. Ao final, em 2005, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3367, movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que questionava a criação do CNJ. O STF negou o pedido, reconhecendo a constitucionalidade do CNJ, entendendo que o órgão não retirava a autonomia do Judiciário, mas apenas estabelecia um controle administrativo e disciplinar para garantir mais transparência e eficiência.

Definitivamente instalado e passando a atuar na fiscalização e normatização administrativa do Judiciário brasileiro, o Conselho nunca chegou a estabelecer o horizonte de democratização plena como reivindicam sobretudo os Movimentos Sociais, ou a superar a permanência de práticas corporativas e até de privilégios sempre suscitados, de boa ou de má fé. Com indisfarçável motivação ora de captura, ora de cooptação, mas também de expansão de sua mobilização para abrir-se às grandes transformações que possam permitir ao país ultrapassar as condições coloniais e neocoloniais que o prendem ao atraso econômico, social e político.

A frase "A justiça é como as serpentes: só morde os pés descalços", frequentemente atribuída a Eduardo Galeano quando se referira ao arcebispo salvadorenho Óscar Arnulfo Romero Galdámez, assassinado em 1980, talvez não tenha sido expressamente dita por ele, embora ele a tenha podido utilizar como metáfora em seus escritos ou discursos, posto que muito comumente lhe é atribuída, para denunciar uma forma comum de aliança do sistema de justiça com os poderosos política e economicamente considerados.

Em seu livro, fruto de uma tese de doutorado[120], Luciana Zaffalon revela um contexto de renovado interesse pelas relações entre direito e política e o faz como resposta às necessidades de maior esclarecimento para o debate público a partir de um ângulo incomum. Em vez de focalizar a judicialização da política, a autora lança luz sobre a dinâmica política interna das instituições do sistema de Justiça paulista - Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública - que a leva a assumir determinados interesses de grupos e classes sociais em detrimento de outros. Ela caracteriza a relação entre esses dois poderes a partir de uma análise histórica, política e institucional, examinando como, em determinados contextos, o Poder Executivo e o Poder Judiciário estabelecem uma relação de cooperação ou conivência, que pode resultar em decisões que beneficiam interesses comuns ou reforçam a estabilidade política em detrimento de princípios como a independência dos poderes e a imparcialidade judicial. Sua análise é forte em como a relação entre Executivo e Judiciário foi moldada ao longo da história do Brasil, especialmente em períodos de crise política ou transição democrática. E ela destaca momentos em que o Judiciário atuou de forma a legitimar ações do Executivo, como durante regimes autoritários ou em situações de instabilidade política.

Ainda de acordo com os estudos[121], discute-se criticamente sobre o custo do Judiciário brasileiro em comparação internacional. O Brasil gasta aproximadamente 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) com o Judiciário, enquanto países como a Alemanha destinam apenas 0,32%. Além disso, o Brasil possui cerca de 8,2 juízes por 100 mil habitantes, em contraste com os 24,7 da Alemanha”. As análises[122] caminham na direção de constar que esse alto custo não se traduz em maior eficiência ou acesso à Justiça para a população. O sistema é marcado por uma atuação elitista e corporativista, com decisões que frequentemente favorecem interesses específicos em detrimento de uma democratização mais ampla da sociedade. O alto custo do judiciário no Brasil, com elementos fortes para ilustrar essa incidência[123], demostram que há um grave problema, conforme o gráfico abaixo:

 

Gráfico 4 – Despesas do Poder Judiciário

 


Todavia, ainda atualmente mantidas mesmo em fontes oficiais, a considerar o Relatório “Justiça em Números” de 2024. De fato, esses dados permanecem ainda em 2024, conforme Relatório “Justiça em Números”, divulgado em 28/5/2024 pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O relatório mostra, ainda, que o Poder Judiciário custou em 2023 R$ 132,8 bilhões, que equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ou 2,38% dos gastos da União, Estados, Distrito Federal e municípios[124].

Para um desenho ampliado da distribuição orçamentária para a Justiça no orçamento nacional, remete-se ao resumo executivo preparado pelo Justa para mapear essa situação[125]. O alto custo da Justiça no Brasil não se traduz em maior eficiência ou acesso à Justiça para a população. O sistema é marcado por uma atuação elitista e corporativista, com decisões que frequentemente favorecem interesses específicos em detrimento de uma democratização mais ampla da sociedade.

É nessa linha de interpelação que se localiza, por exemplo, outros estúdios[126]. Pesquisa analisa o fenômeno de encontro entre o movimento social e a função judicial no Brasil, analisando a experiência do movimento camponês a partir da década de 1980, com foco empírico (primário e secundário) e bibliográfico nos conflitos fundiários e no MST, observando a sua capacidade de reivindicação e mobilização constitutiva (criação) e instituinte (efetivação) de direitos. Neste cenário, observa-se um fenômeno de expansão política da sociedade brasileira, e com ela uma dialética de expansão política do direito, no bojo da ativação social dos direitos fundamentais. De modo complementar, neste período observa-se ainda a densificação das funções de controle judicial sobre a sociedade e os entes estatais, o que, por via de consequência, proporciona uma potencial transferência da deliberação de assuntos de elevada intensidade política para a arena judicial – como a relação “Estado-sociedade” inscrita nos direitos fundamentais- culminando, enfim, no fenômeno identificado pela noção de expansão política da justiça. Identifica-se, assim, que a análise da mobilização social do direito realizada pelo movimento camponês, e o respectivo padrão de enfrentamento judicial com proprietários, tanto pode ser melhor analisada sob o enfoque da expansão política da justiça, como fornece elementos para a própria compreensão do fenômeno da expansão judicial no Brasil, a partir do regime de enunciado democrático.

Esse é o mesmo cenário, embora alargado em alcance histórico e político, que as análises sobre o Supremo Tribunal Federal em face dos direitos humanos. É de se reconhecer a política como o campo constitutivo (de criação) e instituinte (de efetivação) de direitos, a partir do que antigos e novos movimentos sociais, urbanos e rurais, comunitários e eclesiais, locais e nacionais, de gênero e étnico-raciais entram em cena, primeiro deslocando o lócus da ação política dos espaços institucionais para achá-la na rua, espaço público por excelência, depois, ocupando também os espaços institucionais para então disputar a participação no próprio processo constituinte de 1987-88.

Assim que, se não parece possível afirmar a existência de um regime democrático sem direitos fundamentalmente referidos à cidadania – ou seja, às garantias de dignidade, bem estar social e participação ativa na vida política da sociedade – não soaria lógico conceber um regime de direitos sem identificar que, por detrás da sua conquista, traduzida em reconhecimento jurídico-institucional, estão os sujeitos que irromperam a história, superando violências, exploração e opressões cotidianas para, a cada novo momento, a cada nova emergência em luta social, afirmar novos direitos. Certamente, a primeira via é de adoção mais óbvia em um primeiro momento, mas, à medida que avança a neoliberalização da justiça, ela pode tornar-se efetivamente estéril. Os argumentos, provavelmente, serão esvaziados por uma lógica outra de argumentação jurídica[127].

Essa forma de abordar a racionalidade da atuação do Judiciário pede muita cautela quando as críticas se colocam em espaços de locução nem sempre acessíveis a um debate de posicionamento. Há uma insistente crítica ao Judiciário baseada em três fundamentos principais: liberalismo institucional, racionalidade econômica e defesa do devido processo legal.

No tema desta Análise chama a atenção a série de reportagens da FSP sobre a “casta judiciária brasileira e seus privilégios”[128], sugerindo anomalias institucionais que até podem ter procedência, mas que não respondem a críticas que percebem essas abordagens como tentativa deliberada de confundir e atacar o funcionalismo público, desconsiderando as diferenças entre as carreiras e os reais desafios enfrentados pelos servidores, com o intuito de defender um modelo de liberalismo institucional e econômico, além de se opor em consonância com o pensamento que representa, ao que caracteriza, o que seja contra esse pensamento, como ativismo judicial, redução de transparência e risco para a previsibilidade das normas, defendendo nesse aspecto, limites para o poder dos juízes.

O fato é que esse ativismo, também chamado de garantismo, se desenvolveu como expectativa das demandas por direitos e por participação política prometida pela Constituição de 1988, como expressão do projeto de sociedade desenhada pelo protagonismo emancipatório e democratizante que venceu o autoritarismo instalado no Brasil em 1964 e nunca totalmente superado. Uma expressão forte desse processo, com incidência no judicial, é a tensão que se abre entre formas de participação política e de distribuição equitativa da riqueza, numa mediação cada vez mais reivindicada do sistema judiciário e de justiça.

Da perspectiva dos movimentos sociais, nos quais se instalam os principais protagonismos por participação democrática e por mais equitativa distribuição da riqueza socialmente produzida, essa mobilização por mais forte atuação do Judiciário já havia sido constatada pelos organismos de articulação dos sistemas de acesso à justiça.

Assim, o verdadeiro pano de fundo dessa tensão, conforme o Papa Francisco já identificara, convocando os juízes para se engajarem com a justiça social, é a disputa entre neoliberalização e democratização da Justiça, a sua capacidade de atribuir dignidade e bem viver ou de assegurar a estabilidade dos negócios mesmo à custa de “mercadorização” da existência.

No neoliberalismo os estudos correntes têm constado o objetivo, reclamado ao Judiciário, de colocar a possibilidade teórica de se compreender a decisão judicial a partir do conceito de estado de exceção. Assim, explora a teoria da “derrotabilidade” das regras jurídicas e o tema da guarda da Constituição, correlacionando-os ao conceito de estado de exceção.

Entretanto, esse aporte teórico é organizado para aplicação sobre elementos discursivos de um conjunto de casos, levantados em sua maioria em julgados do Supremo Tribunal Federal, para estabelecer, ao final, que há um processo de neoliberalização da justiça no Brasil, marcado especialmente por um modo governamental de subjetivação e de normalização, por uma “concorrencialização” da vida, por uma intervenção ambiental sobre uma população, por uma “factualização” dos problemas jurídicos, por uma alternância estratégica entre regra e exceção e por uma alteração morfológica do discurso jurídico.

Ao cabo, colocar em causa, que a racionalidade não é só reivindicar a modernidade de um sistema, inclusive de acesso à justiça, mas um repensar e reorientar a própria concepção de justiça para a qual ter acesso, o que modifica muito a percepção sobre modernidade e governabilidade. E isso não pode ocorrer sem que se abra o tema, não só aos sujeitos econômicos no mundo dos negócios, mas à participação popular porque as reformas do judiciário em curso atingem o núcleo central, funcional, organizativo do sistema de justiça como estrutura de poder, mas não o abre à participação social democrática. O tipo de acesso à justiça que tem sido debatido é ainda o “acesso a um sistema de justiça patrimonialista, sexista, patriarcalista, que criminaliza os movimentos sociais”. Uma reforma do judiciário de raiz precisa ser construída com a participação dos movimentos sociais, e, neste sentido, requer abrir espaços de articulação das grandes pautas que envolvem a democratização da justiça[129].

Não é extravagante constatar uma tendência neoliberalizante no sistema judicial, em especial na sua cúpula e chegar a considerar o próprio Supremo Tribunal Federal um tribunal neoliberal, no que toca a avaliação do processo econômico e sobretudo trabalhista, com sério risco de destituir do normativo o próprio Direito do Trabalho[130]. É a própria identificação de “outra agenda objeto de diversas influências internacionais”, muitas conferidas nos protocolos de financiamento dos Sistemas de Justiça pelo Banco Mundial, não apenas para os interesses de “estabilização dos negócios no período neodesenvolvimentista” mas para exercitar pressões sobre os tribunais brasileiros, conforme a análise de todos os contratos estabelecido com o Banco Mundial para fomentar as reformas do sistema de justiça no Brasil[131].

Curioso que essa salvaguarda ideológica neoliberal possa mobilizar o conservadorismo político contra um sistema que é garante de seu modo de acumulação. Não se trata das diatribes de um arrivismo delinquente que busque apoio para desqualificar o Judiciário na condução da garantia da ordem constitucional alvo de atentados contra a democracia e os direitos humanos, mas de perceber, no local e no global, que se trata de um institucional em disputa.

Em realidades desiguais um mínimo existencial deve ser assegurado para não incidir em estado de coisas inconstitucional[132]. Nos Estados Unidos, neste momento, juízes temem pela própria segurança em meio a críticas que recebem de setores articulados na nova governança[133]. Segundo John Roberts, presidente da Suprema Corte dos EUA, em seu relatório anual de fim de ano em dezembro, o número crescente de ameaças à independência do Judiciário, incluindo pedidos de violência contra juízes e sugestões "perigosas" de autoridades eleitas para desconsiderar decisões judiciais das quais discordam. Nas mídias sociais, Musk e parlamentares republicanos descreveram os juízes como ameaças à democracia, transformando o papel do judiciário federal — um ramo do governo criado para controlar o Poder Executivo e o poder do Congresso — em algo negativo. "A única maneira de restaurar o governo do povo nos Estados Unidos é destituir os juízes", escreveu Musk em uma publicação[134].

 

4 ALGUNS TEMAS CENTRAIS DA POLÍTICA BRASILEIRA

 

Destacamos alguns aspectos que merecem uma reflexão maior sobre o quadro da política brasileira. Há mais? Claro. Mas os destaques aqui apresentados são com o objetivo de permitir um debate específico, da ideia de divisão até aos nossos desafios em 2025.

 

4.1 Cristalização da divisão político-ideológica na sociedade: razões e possíveis soluções

 

A sociedade brasileira vive um momento de intensa divisão político-ideológica, que se manifesta em diversos aspectos da vida pública e privada. Essa divisão, cristalizada ao longo dos últimos anos, tem raízes profundas e consequências significativas para a governabilidade. Compreender suas causas e buscar soluções é essencial para promover a democracia.

A desigualdade estrutural no Brasil é um dos principais fatores que alimentam a divisão político-ideológica. Grupos sociais historicamente marginalizados têm reivindicado maior inclusão e direitos, enquanto setores mais privilegiados frequentemente resistem a mudanças que possam ameaçar seus interesses. Essa tensão cria um ambiente propício para o confronto ideológico. Implementar políticas que reduzam as desigualdades sociais e econômicas é essencial para abordar as raízes da polarização. Isso inclui investimentos em saúde, educação, habitação e geração de empregos, com foco na inclusão de grupos historicamente marginalizados.

As redes sociais desempenham um papel central na amplificação da divisão. Plataformas digitais frequentemente promovem discursos de ódio e criam bolhas de informação, onde indivíduos são expostos apenas a opiniões que reforçam suas crenças pré-existentes. Isso dificulta o diálogo e a compreensão mútua. Estabelecer mecanismos para combater a desinformação e os discursos de ódio nas redes sociais é essencial para criar um ambiente digital mais saudável. Isso deve incluir a regulamentação das redes digitais tão necessária na atualidade.

A divisão político-ideológica na sociedade brasileira é um desafio complexo, mas não insuperável. Compreender suas causas e implementar soluções que promovam o diálogo e a inclusão é essencial para construir um futuro com mais igualdade e democracia. O caminho para superar a polarização exige esforço coletivo, responsabilidade institucional, lideranças responsáveis e um compromisso com os valores fundamentais da democracia.

 

4.2 Religião e disputas políticas e ideológicas na contemporaneidade

 

Temos observado, contemporaneamente, uma associação cada vez mais intensa entre expressões do cristianismo, o neoliberalismo e ideologias de extrema-direita. Há uma relação direta com o tema da divisão social no Brasil.

Trata-se, porém, de um fenômeno complexo e multifacetado, que pode ser observado em diferentes contextos ao redor do mundo. Essa relação entre setores do cristianismo, o neoliberalismo e a extrema-direita é marcada por uma combinação de interesses políticos, econômicos e ideológicos, que variam de acordo com o contexto local, mas frequentemente envolvem a instrumentalização da religião para justificar agendas de poder e de múltiplas formas de exclusão.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o evangelicalismo tem se alinhado fortemente com o Partido Republicano e políticas neoliberais. Lideranças evangélicos apoiam agendas de livre mercado, redução de impostos para os ricos e desregulamentação econômica, argumentando que essas políticas promovem a "liberdade individual" e a "responsabilidade pessoal", valores que eles associam à fé cristã.  Além disso, há uma convergência com a extrema-direita em questões de costumes, defesa de políticas anti-imigração e apoio a figuras políticas como o atual presidente, Donald Trump, que combinam retórica religiosa com agendas neoliberais e nacionalistas.

Em países como Hungria e Polônia, governos de extrema-direita têm se aliado a setores conservadores da Igreja Católica para promover agendas nacionalistas e anti-imigração. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orbán frequentemente invoca o cristianismo como parte de sua retórica de defesa da "Europa cristã" contra muçulmanos e imigrantes, enquanto implementa políticas econômicas neoliberais.  Na Polônia, o partido Lei e Justiça (PiS) tem uma relação próxima com a Igreja Católica, usando o discurso religioso para justificar políticas conservadoras e restritivas, ao mesmo tempo em que promove reformas econômicas alinhadas com o neoliberalismo.

Em vários países da América Latina, igrejas evangélicas que pregam a teologia da prosperidade têm crescido em influência, muitas vezes apoiando políticos que defendem agendas neoliberais. Na Colômbia, igrejas evangélicas apoiaram o "Não" no plebiscito de paz com as FARC em 2016, alinhando-se com setores conservadores e neoliberais que se opunham ao acordo.

Em países como Uganda e Nigéria, na África, igrejas pentecostais têm apoiado governos autoritários e políticas conservadoras, muitas vezes em troca de benefícios políticos e econômicos. Essas igrejas frequentemente promovem a teologia da prosperidade, que se alinha com ideais neoliberais de empreendedorismo individual. Além disso, em alguns casos, líderes religiosos têm apoiado políticas reacionárias e discursos nacionalistas, usando a religião para justificar a exclusão e a discriminação.

No Brasil, igrejas neopentecostais e seguimentos dessa vertente dentro do catolicismo têm apoiado políticos de extrema-direita. Esses grupos frequentemente promovem a “Teologia da Prosperidade”, que, como afirmado anteriormente, enfatiza o sucesso material como sinal de “bênção divina”, alinhando-se com valores neoliberais de meritocracia e individualismo. 

 

4.2.1 Religião, política e o “dominionismo”

 

A centralidade do discurso religioso na política partidária, especialmente por meio de movimentos como a “Teologia do Domínio” (também conhecida como “dominionismo”), tem sido um fator significativo no avanço de agendas de extrema-direita no Brasil e no mundo. Essa teologia, que defende a ideia de que os cristãos devem assumir o controle das instituições políticas, sociais, educacionais e culturais para estabelecer o "reino de Deus" na Terra, tem sido instrumentalizada por grupos reacionários para justificar suas agendas políticas.

No Brasil, a Teologia do Domínio tem ganhado força principalmente entre igrejas neopentecostais e setores evangélicos conservadores, que têm desempenhado um papel central no avanço da extrema-direita. Durante o governo de 2018-2022 líderes religiosos, inclusive estrangeiros, apoiaram abertamente o ex-presidente, utilizando o discurso religioso para justificar políticas conservadoras e neoliberais. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi retratado por muitos desses líderes como um "escolhido por Deus" para liderar o Brasil, em uma narrativa que ecoa a Teologia do Domínio. Sua agenda política muitas vezes foi justificada como parte de uma "missão divina".

A Bancada Evangélica no Congresso Nacional tem sido um dos principais vetores da “Teologia do Domínio” no Brasil. Parlamentares a ela ligados defendem a implementação de políticas baseadas em uma interpretação fundamentalista da Bíblia. Projetos de lei que buscam restringir direitos são frequentemente justificados com base em argumentos religiosos.

Alguns grupos, recebem o apoio de líderes religiosos que defendem a Teologia do Domínio, combinando uma agenda econômica neoliberal com uma visão conservadora de sociedade, utilizam retóricas religiosas para justificar a censura.

A “Teologia do Domínio” frequentemente promove uma visão maniqueísta do mundo, dividindo a sociedade entre "fiéis" e "inimigos de Deus". Isso contribui para a polarização política e justifica a adoção de medidas autoritárias em nome da "defesa da fé". Neste sentido, é sintomática a relação entre “Teologia do Domínio”, militarismo e monarquismo.  A ideia de que os líderes políticos são "escolhidos por Deus" pode levar à concentração de poder e à diminuição da accountability democrática. Isso foi evidente no apoio de líderes religiosos a medidas autoritárias. Aumenta a erosão da laicidade do Estado, a polarização política e o avanço de políticas que ameaçam os direitos humanos e a democracia.

 

4.2.2 Think tanks, neoliberalismo e religião

 

No Brasil e em muitos outros países há evidências de que think tanks e atores políticos conservadores apoiam financeiramente grupos religiosos e movimentos de extrema-direita. Essas conexões muitas vezes visam influenciar políticas públicas, promover agendas morais conservadoras e combater pautas progressistas.

As organizações cristãs dos EUA, como Family Watch International, Alliance Defending Freedom (ADF) e Hillsdale College, têm laços com líderes evangélicos brasileiros. O Council for National Policy (CNP), rede de ultradireita americana, já teve envolvimento com figuras brasileiras. Fundações como a Heritage Foundation (ligada ao Partido Republicano) promovem workshops para líderes conservadores no Brasil.

Algumas milícias digitais e canais de desinformação são financiados por publicidade e doações de apoiadores e por think tanks ultraliberais. Todos esses grupos têm objetivos em comum: combater políticas de igualdade; promover o ensino religioso em escolas públicas; influenciar o Judiciário e o Legislativo com pautas conservadoras e deslegitimar movimentos sociais e a esquerda. Esses think tanks junto a grupos políticos e religiosos usam estratégias jurídicas, midiáticas e religiosas para influenciar a política nacional e internacional.

 

4.2.3 A religião como mercadoria

 

A ideia de que o consumismo e o capitalismo se tornaram "religiões" na contemporaneidade é uma crítica frequentemente levantada por teóricos sociais, filósofos e teólogos. Essa perspectiva sugere que o mercado e o consumo assumiram um papel central na vida das pessoas, oferecendo sentido, identidade e até mesmo uma espécie de "salvação" material. Nesse contexto, muitas igrejas têm adaptado suas doutrinas e práticas para se alinhar à cultura mercadológica, a fim de atrair fiéis e se manterem relevantes.

A “Teologia da Prosperidade” é um dos exemplos mais evidentes da adaptação das igrejas à lógica do consumismo. Líderes religiosos frequentemente usam linguagem empresarial, falando em "investir no reino de Deus" e prometendo retornos financeiros e materiais. Essa abordagem reflete a lógica capitalista de que o sucesso é resultado de esforço individual e de "investimentos" estratégicos. Muitas igrejas adotam estratégias de marketing semelhantes às de grandes corporações. Isso inclui o uso de redes sociais, campanhas publicitárias, merchandising (como venda de camisetas, livros e produtos religiosos) e até mesmo a criação de marcas pessoais para seus líderes. Cultos são frequentemente tratados como "produtos" que precisam ser atraentes para o "público-alvo". Isso pode incluir a incorporação de elementos da cultura pop, como música contemporânea, shows de luzes e efeitos especiais, para competir com outras formas de entretenimento.

Outro fenômeno que associa religião e mercado são as chamadas “megaigrejas”, comuns em países como Estados Unidos, Brasil e Coreia do Sul, que operam como grandes empresas. Elas têm estruturas organizacionais complexas, com departamentos de marketing, finanças e mídia, e muitas vezes oferecem serviços que vão além do religioso, como academias de ginástica, restaurantes e escolas. Essas igrejas frequentemente adotam uma abordagem pragmática, focada em crescimento numérico e expansão de suas "marcas", o que reflete a lógica capitalista de maximização de lucros e alcance de mercado.

A espiritualidade tornou-se, na atual conjuntura, um produto a ser consumido. Livros de autoajuda com temática religiosa, cursos online, retiros espirituais pagos e até aplicativos de meditação cristã são exemplos de como a fé foi mercantilizada.  Em alguns casos, a experiência religiosa é "personalizada" para atender às demandas individuais dos consumidores, refletindo a lógica do capitalismo de que o cliente sempre tem razão.

Com o sucesso das mídias digitais, e principalmente das redes sociais, líderes religiosos se tornaram celebridades, com seguidores que os tratam como ícones. Eles frequentemente acumulam riqueza e ostentam um estilo de vida luxuoso, justificando-o como uma "bênção de Deus". Essa dinâmica reforça a ideia de que o sucesso material é um sinal de favor divino, alinhando-se à cultura consumista que valoriza status e riqueza.

Ademais, numa sociedade que valoriza a gratificação imediata, algumas igrejas têm adaptado suas mensagens para oferecer "soluções rápidas" para problemas espirituais e materiais. Promessas de milagres instantâneos, curas rápidas e soluções financeiras imediatas são comuns em muitas pregações. Essa abordagem reflete a lógica do consumismo, onde o desejo por resultados rápidos e sem esforço é constantemente alimentado.

Observamos que igrejas promovem a ideia de que os fiéis devem ser "empreendedores de si mesmos", encorajando-os a buscar sucesso financeiro e profissional como parte de sua missão espiritual. Isso se alinha com a lógica neoliberal de que cada indivíduo é responsável por seu próprio sucesso, minimizando a importância de estruturas sociais e coletivas. A ênfase no sucesso material pode marginalizar aqueles que não têm acesso aos bens de consumo ou não alcançam prosperidade financeira, criando uma fé elitista.

A adaptação das igrejas à cultura mercadológica é um reflexo do poder do consumismo em moldar não apenas as economias, mas também as instituições sociais e culturais. Enquanto algumas igrejas abraçam essa dinâmica como forma de sobrevivência e crescimento, outras resistem, buscando manter uma prática religiosa que critique os excessos do consumismo e promova valores como solidariedade, justiça e cuidado com o próximo. Esse tensionamento entre fé e mercado é uma das características marcantes da religiosidade contemporânea. No Brasil, não é diferente!

 

4.3 O armamentismo como estratégia política

 

         Apesar de toda a luta pelos direitos humanos no Brasil, o tema do armamentismo vem crescendo, com a tomada de territórios por grupos armados[135]. Isto suscitou, novamente, o debate sobre o controle de armas no Brasil. O armamentismo intensificou-se durante o último governo (2019-2022), que promoveu uma série de decretos e medidas para flexibilizar o acesso a armas de fogo[136], como já foi explicitado em algumas análises de conjuntura ao longo dos últimos anos.

            As relações entre as políticas armamentistas, a extrema-direita, o fundamentalismo religioso[137] e a chamada "bancada da bala" no Brasil são complexas e refletem dinâmicas políticas, ideológicas e econômicas que ganharam força nas últimas décadas[138]. A bancada da bala tem alianças com vários segmentos religiosos, ruralistas e setores militares, formando uma base de sustentação política para o armamentismo.[139]

            extrema-direita brasileira adotou a pauta armamentista como parte de sua retórica de "lei e ordem", associando-a ao discurso de que a esquerda quer "desarmar o cidadão de bem".[140] Como estratégica político-eleitoral utiliza-se as narrativas de medo do "comunismo" ou de uma "ditadura esquerdista", além da militarização da política, a defesa de intervenções militares, como a série de eventos que redundaram no 8 de janeiro de 2023, e a formação de bancadas policiais nos parlamentos.[141]

            A união entre as bancadas da bala, do boi e da Bíblia mostra o poder articulado desses atores políticos no Parlamento.[142] Destaca-se, aqui, a ação de grupos religiosos neopentecostais que têm alargado sua atuação e influência crescente no Congresso, apoiando pautas reacionárias, incluindo políticas de segurança pública repressivas (como a redução da maioridade penal e mais armas para "cidadãos de bem"). Muitos políticos, principalmente evangélicos, votam a favor do armamentismo, associando-o a uma "proteção divina" contra o "mal"[143].

            Assim, pode-se dizer que há uma aliança ideológica, política, religiosa e econômica cujos interesses conectam a extrema-direita (discurso de ordem e medo), o fundamentalismo religioso (valores conservadores e luta do bem contra o mal) e a bancada da bala (lobby da indústria armamentista e políticas repressivas). Essa aliança fortaleceu-se nos últimos anos, resultando em medidas que aumentaram a circulação de armas no Brasil, com impactos na violência urbana e, o mais preocupante, sinalizando graves riscos à democracia[144].

            A Aliança pelo Desarmamento e Justiça Social, uma articulação de entidades da América Latina e do Caribe ligadas a organizações católicas, tem atuado no sentido de promover debates e ações concretas para o enfrentamento às políticas armamentistas. A Aliança tem buscado estreitar relações com as instituições religiosas, lideranças políticas que se associam à cultura da paz e movimentos sociais que lutam por políticas de desarmamento da população.

 

4.4 Os direitos humanos no contexto da divisão social

 

O Brasil é um país de grandes possibilidades diante de sua gigantesca extensão e grande diversidade cultural. Mas quando o assunto a ser discutido são os direitos humanos estamos diante de um dos países mais desiguais do planeta.

É parte de nossa Constituição o combate às desigualdades regionais, mas em nosso caso, vamos mais além, trata-se de uma divisão social aguda e estrutural. O enfrentamento desse tema pela sociedade é antigo está relacionada aos levantes e conflitos armados que foram realizados no Brasil, nos últimos trezentos anos de história contemporânea.

A resistência protagonizada pelos movimentos sociais nos últimos anos pelos quilombolas, indígenas, sindicais e movimentos populares[145] conseguiram fortalecer a ideia que a luta por moraria digna, acesso a salários mais justos, ao direito à saúde e serviços básicos como água potável, são desafios que mostram uma paisagem humana bastante massacrada pela fome, miséria e desigualdades em todas as regiões do Brasil.

O relatório da Oxfam Brasil denominado “A distância que nos une”[146], tem dados realistas e impactantes para refletirmos acerca dessas desigualdades. Os índices como de Gini entre 1976 e 2015, apresentou uma variação positiva de 0,623 a 0,515. O mesmo relatório apresenta que houve uma redução em torno de 35% da pobreza, totalizando nesta década um percentual de 10% da população brasileira. Em 2024, a Oxfam Brasil, publicou outro relatório denominado “Um retrato das desigualdades Brasileiras 10 anos de desafios e perspectivas”[147], registra-se que o avanço nas políticas públicas no campo social tem surtido resultados importantes que passamos a destacar alguns pontos.

A legislação que inseriu a política de cotas raciais (Lei nº 12.711/2012) promoveu nas universidades brasileiras uma maior diversidade de estudantes oriundos da periferia, bem como a Lei nº. 12.990/2024 que trata das cotas no acesso aos concursos públicos para o serviço público federal.

 

De 2011 a 2019, a participação desses grupos passou de 40% para 51% entre os ingressantes, superando em muito o crescimento populacional desses grupos, que foi de apenas 5%. Além disso, a proporção de alunos de baixa renda aumentou de 50% para 70% no mesmo período. Esse avanço demonstra uma tendência de democratização no acesso à educação superior, viabilizando a inclusão de estudantes de diferentes origens socioeconômicas.

           

Em 2024, novos dados vêm apontando para a redução da insegurança alimentar no Brasil diminuiu em torno de 85%, segundo informações do relatório das Nações Unidas sobre a Insegurança Alimentar no Mundo[148]:

 

Em termos absolutos, isso significa que 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome no país. A insegurança alimentar severa, que afetava 17,2 milhões de cidadãos em 2022, caiu para 2,5 milhões em 2023. Em termos percentuais, a queda foi de 8% para 1,2% da população, evidenciando um progresso significativo no combate à fome.

 

            Nos espaços de representação política, sejam seja pelo recorte de gênero, raça, etnia, o relatório da Oxfam Brasil, demonstra que temos um dos piores índices da América Latina. A reação a esses dados tem ocorrido com a realização de Conferências Nacionais e outros organismos como a criação de espaços institucionais como a Secretaria de Políticas para Mulheres (2003), a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (2003), a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) no Ministério da Educação (MEC).

            Um aspecto que o relatório da Oxfam Brasil “Um retrato das desigualdades Brasileiras 10 anos de desafios e perspectivas” ainda menciona é o papel do Estado nas desigualdades e seu agravamento. E neste item o texto apresenta um conjunto de elementos que transcrevemos:

 

a) Austeridade fiscal e limitação de gastos: a Emenda Constitucional n. 95, aprovada em 2016, impôs um teto de 20 anos para os gastos públicos, que afetou negativamente os investimentos em serviços essenciais, como saúde e educação. A Emenda Constitucional n. 109/2021 e a Medida Provisória n. 881 (convertida na Lei n. 13.874) estabeleceram novas restrições aos investimentos estatais e congelaram salários de servidores, dificultando novos contratos e comprometendo a capacidade do Estado de atender às demandas sociais;

 

b) Redução de direitos trabalhistas: a exemplo da Lei n. 13.467/2017 (também conhecida como Reforma Trabalhista), ampliou a “autonomia privada” nas negociações, permitindo a terceirização de todas as atividades, estabelecendo o trabalho intermitente e aumentando a jornada de trabalho para até 12 horas por dia. Além disso, houve a extinção da contribuição sindical obrigatória, que reduziu a capacidade de financiamento das entidades sindicais. Essas mudanças enfraqueceram os direitos dos trabalhadores e a capacidade de ação coletiva dos sindicatos;

 

c) Desarticulação de políticas de proteção social: a exemplo da Emenda Constitucional n. 103/2019, que alterou o regime previdenciário, aumentando o tempo de contribuição obrigatória e elevando a idade mínima para a aposentadoria. Essas mudanças tornaram mais difícil para os trabalhadores se aposentarem e reduziram o valor dos benefícios, prejudicando a segurança econômica de muitos aposentados. Além disso, durante a pandemia de Covid-19, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos utilizou apenas 44% do seu orçamento programado para políticas de combate à violência, evidenciando a desresponsabilização do governo;

 

d) Aumento da repressão e controle: a exemplo da desregulamentação do porte de armas, que incluiu a aprovação de leis que facilitaram a posse e o comércio de armas, criou um ambiente propício para o aumento da violência. Além disso, houve restrições significativas ao acesso das mulheres ao aborto, com a desarticulação de serviços de saúde e constrangimentos impostos a médicos e profissionais de saúde que trabalham com essas questões.

 

5 DO QUE PRECISAMOS PARA AVANÇAR NA POLÍTICA, NA SOCIEDADE, NA CULTURA E NA ECONOMIA BRASILEIRA

 

            Não é simples pensar sobre o futuro. Mas não é impossível. São sempre sementes e a colheita um dia virá. Sugerimos algumas estratégias de superação e algumas das principais bandeiras que têm sido forças para continuar no caminho da esperança.

5.1 Possíveis estratégias de superação

 

Apesar de o enfrentamento e a redução das desigualdades sociais no Brasil não serem processos rápidos ou fáceis, ao longo dos anos, diversas ações e políticas públicas foram implementadas para mitigá-las. Além de programas de assistência, como as transferências de renda do Bolsa Família e outros auxílios, o país também tem adotado políticas que visam efetivamente promover maior autonomia dos participantes.

Na área da educação, ações afirmativas, como o programa de cotas para ingresso em universidades públicas e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), são estratégias importantes para aumentar a inclusão e a equidade no acesso ao ensino de qualidade. Mais recentemente outras estratégias como por exemplo o programa “Pé-de-meia”, proposto pelo Governo Federal busca reduzir evasão e facilitar a formação de jovens. Além disso, a proposta de construção de 2.500 creches até 2026, incluída no “Novo PAC”, busca fortalecer a inclusão educacional desde a primeira infância.

Na área da saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) contribui para a redução das desigualdades de gênero por meio de políticas específicas que aprimoram o atendimento. Iniciativas como as ações focadas na saúde das mulheres, combate à violência doméstica, distribuição de absorventes e qualificação das equipes de saúde são exemplos concretos desse esforço.

No âmbito da habitação, o programa “Minha Casa, Minha Vida” tem tentado enfrentar o déficit habitacional ao oferecer subsídios e facilitar o acesso à moradia para famílias de baixa renda.

É importante destacar também a criação de secretarias e políticas específicas para combater discriminações raciais e de gênero, promovendo maior equidade em diversas esferas da sociedade. Da mesma forma, o debate público e a criação de centros de pesquisa, observatórios e a organização de eventos têm ajudado a conscientizar sobre os diversos efeitos negativos que as desigualdades geram na vida das pessoas e no potencial de desenvolvimento do país.

No campo socioambiental é necessário continuar a defender uma “Ecologia Integral”, a partir da Doutrina Social da Igreja e do magistério do Papa Francisco. Além disto, a defesa da democracia é essencial para que não tenhamos nenhum retrocesso.

É a partir deste universo que construímos nossas bandeiras.

 

5.2 Nossas bandeiras

 

Construir uma nação mais igualitária e humana exige um compromisso profundo com bandeiras que traduzam nossas aspirações coletivas. Diante de desafios complexos, emergem prioridades inegociáveis: a defesa intransigente da democracia e das suas instituições, a superação das desigualdades estruturais, a ação urgente contra a crise climática e a proteção incondicional da vida e da dignidade humana em todas as suas dimensões.

O Estado democrático de direito não se resume a uma formalidade, mas constitui o alicerce inabalável da justiça social. Sua força reside na solidez das instituições e na participação cidadã ativa e consciente. Para combater retrocessos autoritários, é fundamental ampliar os espaços de decisão, garantir a transparência e erradicar práticas que minam a representatividade. Somente assim poderemos construir uma democracia robusta, capaz de assegurar direitos, mediar conflitos e impedir que privilégios de poucos se sobreponham às necessidades da maioria.

A concentração exagerada de riqueza, acompanhada de uma miséria crescente, é fruto de uma lógica histórica que precisa ser rompida. Superar esse ciclo requer reformas estruturais que democratizem o acesso à terra, à tecnologia e ao capital. Investir em educação pública de excelência, saúde universal de qualidade e moradia digna não é apenas uma questão orçamentária, mas um investimento fundamental na cidadania e na produtividade. A verdadeira inclusão se manifesta quando o crescimento econômico é medido pela redução efetiva das desigualdades.

A crise ecológica é uma realidade urgente que exige a reinvenção dos modelos de desenvolvimento. Para enfrentar o colapso ambiental, é imprescindível a transição energética, a proteção de biomas estratégicos e o reconhecimento de que as comunidades mais vulneráveis são as primeiras vítimas do ecocídio. Nos dias de hoje, a sustentabilidade deixou de ser uma escolha para se tornar uma condição essencial de existência: precisamos inovar com tecnologias limpas e promover um consumo responsável para evitar a condenação das futuras gerações a um caos climático irreversível.

A defesa e a valorização da vida, desde a sua concepção até a morte natural, deve ir além de discursos e se concretizar em políticas que assegurem o direito básico à alimentação, à saúde e às oportunidades de realização pessoal. Isso implica enfrentar as violências cotidianas – desde o aborto, o feminicídio até o extermínio da juventude negra – e garantir proteção social em todas as fases da vida. O fortalecimento das famílias, em todas as suas diversas configurações, depende não de retóricas, mas de condições reais como emprego estável, acesso à saúde mental e tempo para cultivar afetos.

Essas bandeiras não representam uma utopia distante, mas um horizonte possível quando unimos amor ao próximo, ética, ciência e vontade política. Defender a democracia é assegurar que a sociedade, tanto nas ruas quanto nos parlamentos, construa o seu destino em conjunto. Promover a equidade é reconhecer que nenhuma economia sustentável pode prosperar sobre um abismo social. Enfrentar a crise climática é entender que justiça ambiental e social são faces da mesma moeda. E honrar a dignidade humana é aceitar que o desenvolvimento só tem sentido quando cada vida é defendida, valorizada e protegida.

Levar à frente nossas bandeiras exige mais do que palavras – requer a coragem para enfrentar privilégios arraigados, a ousadia para reinventar nossas instituições e a persistência para transformar consciências. O futuro não será obra do acaso, mas o resultado de uma construção coletiva pautada em escolhas firmes. O tempo para essas escolhas é agora.

 

6 CONCLUSÃO E SINAIS DE ESPERANÇA

 

            Os cenários e os panoramas da conjuntura brasileira são muitos. E exigem muitas reflexões. E ações! E o tempo é agora.

Como já dito, produzimos este texto no tempo quaresmal e na Semana Santa. O ponto final deu-se entre a Páscoa e o feriado de 21 de abril, com as produções alteradas pelo falecimento do Santo Padre, o Papa Francisco, como explicitado na Nota Prévia a este texto. Ainda nos dói. Mas vamos em frente.

Não podemos, portanto, deixar de retomar Vieira, em sua pregação que, “sem reparar em trabalho, nem perigo, nem em gasto, nem em descrédito, nem, finalmente, em dificuldade alguma”, seguimos animosamente o intento de uma análise de conjuntura a partir da realidade, sempre confiando em Deus[149].  

            Há uma força que se percebe nos sinais de esperança que a realidade nos oferece. Muitos dos nossos povos, espalhados por todos os cantos do país, ressaltam suas fortalezas: a luta pela defesa dos territórios e dos povos indígenas, a autosustentação das comunidades, os defensores dos direitos humanos, da natureza e da ecologia integral, a incidência e o trabalho de reflorestação e agroecologia, nas cidades, nas escolas e comunidades, a teia dos povos das águas, das florestas, dos campos e das cidades, a organização e a mobilização das mulheres, a força da presença com os migrantes, a articulação das pastorais, dos projetos de economia solidária, enfim, de toda uma Igreja em defesa da vida. Elas são fontes da nossa esperança.

            As instituições, com todos os seus problemas e limites, continuam a garantir que atravessemos as turbulências dentro de um quadro democrático, mesmo que ainda possamos construir uma democracia mais robusta e substantiva. O próprio Estado, espaço de disputas e de construção de alternativas, é realidade a partir de uma relação em que a sociedade é tão parte como partícipe.      

Os movimentos sociais e populares, ao seu turno, vêm crescendo. Basta avaliar a força da realização do 20º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília-DF, no começo de abril[150], com a presença de cerca de 7 mil lideranças de todo o país em defesa da urgência da crise climática, da necessidade de cuidar dos projetos de energia e combustíveis fósseis que violam os territórios tradicionais, e que exigiram o arquivamento imediato das propostas anti-indígenas em tramitação no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Não por outro motivo que o Papa Francisco oferece uma compreensão da esperança como uma âncora: “A esperança é uma âncora. Uma âncora que se joga com a corda e afunda na areia. E nós temos de estar agarrados à corda da esperança. Bem agarrados”[151].

Da mesma forma, a esperança exige, com seus sinais e a falta deles, um olhar para o futuro. Byung-Chul Han, ainda sobre a esperança, insiste:

 

Ter esperança significa estar intimamente pronto para o vindouro; aumenta a atenção para o que ainda-não-é, sobre o qual não podemos exercer influência direta. Até mesmo o pensar e o agir têm essa dimensão contemplativa do ter esperança, ou seja, do receber, pressentir, aguardar e permitir que aconteça desimpedidamente[152]. 

 

Entre a âncora e o futuro, são as margens e o fluxo da vida que não permitem que percamos a esperança. “A esperança nunca decepciona”[153]. Seguramos a corda com a âncora da esperança, sempre diante dos sinais do presente com os olhos no futuro. Não podemos perder jamais a esperança. Somos povo da Páscoa! Por mais dramática que seja a situação, sempre é possível fazer algo, sempre há uma saída. Ao dito popular “a esperança é a última que morre”, costumava Dom Pedro Casaldáliga – bispo emérito de São Félix do Araguaia, que faleceu em 2020, acrescentar: “e se morrer ressuscita”[154]!



[1] Este texto é um produto da equipe de Análise de Conjuntura da CNBB. É um serviço para a CNBB. Não representa, contudo, a opinião da Conferência. A equipe é formada por membros e assessores da Conferência, professores das universidades católicas e por peritos convidados. Participaram da elaboração deste texto: Dom Francisco Lima Soares – Bispo de Carolina (MA), Frei Jorge Luiz Soares da Silva – assessor de relações institucionais e governamentais da CNBB, Pe. Thierry Linard de Guertechin, S.J. (in memoriam), Antonio Carlos A. Lobão – PUC/Campinas, Francisco Botelho – CBJP,  Izete Pengo Bagolin – PUC/Rio Grande do Sul, Maria Cecília Pilla – PUC/Paraná, Jackson Teixeira Bittencourt – PUC/Paraná, José Reinaldo F. Martins Filho – PUC/Goiás, Ricardo Ismael – PUC/Rio, Manoel S. Moraes de Almeida – Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, Marcel Guedes Leite – PUC/São Paulo, Robson Sávio Reis Souza – PUC/Minas, Tânia Bacelar – UFPE, José Geraldo de Sousa Júnior – UnB e Melillo Dinis do Nascimento – Inteligência Política (IP). 

[2] As expressões são de Vieira: “Sim, porque não há coisa mais temerosa e mais tremenda nesta vida, não há coisa mais para fazer temer e tremer os corações mais valentes e animosos, que a certeza da ressurreição. É certo, e de fé, que Cristo ressuscitou; é certo, e de fé, que eu também hei de ressuscitar. Oh! que temerosa consideração!” Cf. VIEIRA, Padre Antonio. Sermão da Ressurreição de Cristo. Sermões. Vol. X. Erechim: EDELBRA, 1998.

[3] A mudança que estamos vivendo na América Latina é “a mutação de um povo barroco, mestiço e pluriforme que recebeu a colonização moderna ilustrada de forma artificial, mas incompleta, e que, depois de séculos e muitas dores, tenta sair do atoleiro para o qual as ideologias os transportaram”, ou seja, da dominação dos conceitos sobre a realidade. Cf. GUERRA, Rodrigo, “Continuar una presencia y una historia. Identidad y cambio cultural en América Latina”. Imaginar un continente para todos. Departamento de Justicia y Solidaridad-CELAM. Bogotá, CELAM: 2008, p. 195-212.

[4] BENTO XVI, Papa. Discurso no Encontro com os católicos comprometidos na Igreja e na sociedade, Viagem apostólica a Alemanha, Friburgo (25 de setembro de 2011). Disponível em: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2011/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20110925_catholics-freiburg.html . Acesso em 15 mar. 2025.

[5] FRANCISCO, Papa. Evangelii gaudium, n. 231-233. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html>. Acesso em 9 abr. 2025. 

[6] Ver RATZINGER, Joseph. Liberar a liberdade: fé e política no terceiro milênio. São Paulo: Paulus, 2019.

[7] Temas suscitados a partir das reflexões do “Encuentro de católicos con responsabilidades políticas al servicio de los pueblos latinoamericanos del cono sur, realizado pela Comissão Pontifícia para a América Latina e pelo Conselho Episcopal Latino Americano, em Asunción, Paraguay, de 10, 11 Y 12 de abril de 2019. Ver GUERRA, Rodrigo. “REPENSAR LA DEMOCRACIA: una mirada sobre la realidad de la democracia en América Latina con especial referencia a los países del cono sur”. Texto de discussão.

[8] FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti, n. 162. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em 10 abr. 2025.

[9] JOÃO PAULO II, Papa. Laborem Exercens, n. 3. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_14091981_laborem-exercens.html. Acesso em 10 abr. 2025.

[10] FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti, n. 176. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em 10 abr. 2025.

[11] FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti, n. 180. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em 10 abr. 2025.

[12] FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti, n. 180. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em 10 abr. 2025.

[13] VATICAN NEWS. 03 MAR. 2025. Papa: a "policrise" mundial exige escuta, responsabilidade e esperança. Disponível em <https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025-03/papa-francisco-mensagem-pontificia-academia-para-a-vida-03-03-25.html>. Acesso em 9 abr. 2025.

[14] Expressão inspirada nas reflexões de José Luís Fiori. Ver FIORI, José Luís. A síndrome de Babel e a disputa do poder global. Petrópolis, RJ: Vozes, 2020; ___. Uma teoria do poder global. Petrópolis, RJ: Vozes, 2024.

[15] Uma série de políticas implantadas durante os mandatos do presidente dos Estados Unidos Franklin D. Roosevelt (1933-1945). Ver STEWART, Richard B. Evaluating the New Deal. Harvard Journal of Law & Public Policy, [s. l.], v. 22, n. 1, p. 239-246, 1998.

[16] Uma série de políticas implantadas durante os mandatos do presidente dos Estados Unidos Franklin D. Roosevelt (1933-1945). Ver STEWART, Richard B. Evaluating the New Deal. Harvard Journal of Law & Public Policy, [s. l.], v. 22, n. 1, p. 239-246, 1998.

[17] Elaborado pelo think tank Heritage Foundation, o “Projeto 2025” é um guia de 900 páginas com diretrizes e ações. Disponível em: https://static.project2025.org/2025_MandateForLeadership_FULL.pdf. Acesso em 9 abr. 2025.

[18] ROMERO, Carlos A.; LUJÁN; Carlos; GONZÁLEZ, Guadalupe; TOKATLIAN, Juan Gabriel; HIRST, Mônica. América Latina: Os planos de Trump. OUTRAS PALAVRAS/IHU, 7 abr. 2025. Disponível em: <https://outraspalavras.net/outrasmidias/america-latina-os-planos-de-trump/>. Acesso em 9 abr. 2025. 

[19] ROMERO, Carlos A.; LUJÁN; Carlos; GONZÁLEZ, Guadalupe; TOKATLIAN, Juan Gabriel; HIRST, Mônica. América Latina: Os planos de Trump. OUTRAS PALAVRAS/IHU, 7 abr. 2025. Disponível em: <https://outraspalavras.net/outrasmidias/america-latina-os-planos-de-trump/>. Acesso em 9 abr. 2025.

[22] Cf. CALEJON, César; RONCAGLIA, André. Poder e desigualdade: o retrato do Brasil no começo do século XXI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2024, p. 20-211.   

[23] IPEA. Estudos revelam impacto da redistribuição de renda no Brasil. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/13909-estudos-revelam-impacto-da-redistribuicao-de-renda-no-brasil>. Acesso em 9 abr. 2025.

[24] Cf. OXFAM. A distância que nos une. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/um-retrato-das-desigualdades-brasileiras/a-distancia-que-nos-une/. Acesso em 9 abr. 2025.

[25] KRUSE, Tulio. FOLHA DE SÃO PAULO. Datafolha: 58% dos brasileiros veem aumento da criminalidade nos últimos 12 meses. 12 Abr. 2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/04/datafolha-58-dos-brasileiros-veem-aumento-da-criminalidade-nos-ultimos-12-meses.shtml. Acesso em 14 abr. 2025.

[26] O Atlas da Violência do IPEA, feito em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), sistematiza os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. Ver CERQUEIRA, Daniel; BUENO, Samira. Atlas da violência 2024. Brasília: Ipea; FBSP, 2024.

[27] Ver Relatório anual socioeconômico da mulher: RASEAM / Ministério das Mulheres, Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. -- Ano 7 (mar. 2025). Brasília: Observatório Brasil da Igualdade de Gênero/MMULHERES, 2025.

[28] Esse aumento pode refletir tanto o crescimento real dos casos, quanto uma maior conscientização, além da melhoria na coleta de dados. É importante destacar, da mesma forma, que existem desafios quanto à subnotificação, pois nem todos os casos são registrados.

[30] CIMI. Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2023. Disponível em: https://cimi.org.br/2024/07/relatorioviolencia2023/. Acesso em 14 abr. 2025. Os dados de 2024 deverão, conforme informação do CIMI, estar disponíveis ainda em 2025, mas ainda sem uma previsão nesta data.

[31] Contra a lei foram propostas quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADI) e, a favor dela, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). O relator de todas as cinco ações, no âmbito do STF, é o ministro Gilmar Mendes. Ele convocou, no âmbito do STF, uma Comissão Especial de Conciliação buscando um entendimento consensual em torno da lei que recriou a tese do marco temporal – mesmo já tendo sido refutada pelo plenário do STF. Virou um impasse institucional de proporções graves para os povos indígenas.

[32] Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades. Agosto de 2023. Disponível em: https://combateasdesigualdades.org/wp-content/uploads/2023/08/RELATORIO-FINAL-.pdf. Acesso em 17 abr. 2025.

[33] Panorama do Censo de 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/ Acesso em 17 abr. 2025.

[36] Pesquisa cidades sustentáveis: Desigualdades. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/arquivos/pesquisa_PCS-Ipec/Pesquisa-Nacional-Desigualdades_2024.pdf Acesso em 17 abr. 2025.

[37] Pesquisa cidades sustentáveis: Desigualdades. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/arquivos/pesquisa_PCS-Ipec/Pesquisa-Nacional-Desigualdades_2024.pdf Acesso em 17 abr. 2025.

[38] Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades. Agosto de 2023. Disponível em: https://combateasdesigualdades.org/wp-content/uploads/2023/08/RELATORIO-FINAL-.pdf. Acesso em 17 abr. 2025.

[39] Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades. Agosto de 2023. Disponível em: https://combateasdesigualdades.org/wp-content/uploads/2023/08/RELATORIO-FINAL-.pdf. Acesso em 17 abr. 2025. p. 18.

[41] Pessoas negras são maioria no país, mas proporção cai na faixa etária acima dos 60 anos. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/03/22/pessoas-negras-sao-maioria-no-pais-mas-proporcao-cai-na-faixa-etaria-acima-dos-60-anos.ghtml Acesso em 17 abr. 2025.

[42] Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades. Agosto de 2023. Disponível em: https://combateasdesigualdades.org/wp-content/uploads/2023/08/RELATORIO-FINAL-.pdf. Acesso em 17 abr. 2025.

[43] Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades. Agosto de 2023. Disponível em: https://combateasdesigualdades.org/wp-content/uploads/2023/08/RELATORIO-FINAL-.pdf. Acesso em 17 abr. 2025. p. 11.

[44] A cor da infraestrutura escolar. Disponível em: https://cedra.org.br/wp-content/uploads/2024/12/FINAL_OdB_ACORNAINFRAESCOLAR_Infografico_PT-BR-2.pdf. Acesso em 17 abr. 2025.

[45] Panorama do censo de 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/mapas.html?tema=pessoas_com_ensino_superior&recorte=N6 Acesso em 17 abr. 2025.

[46] Panorama do censo de 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/mapas.html?tema=pessoas_com_ensino_superior&recorte=N6 Acesso em 17 abr. 2025.

[47] Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades. Agosto de 2023. Disponível em: https://combateasdesigualdades.org/wp-content/uploads/2023/08/RELATORIO-FINAL-.pdf. Acesso em 17 abr. 2025.

[48] Panorama do censo de 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/mapas.html?tema=conexao_rede_esgoto&recorte=N6 Acesso em 17 abr. 2025.

[49] Panorama do censo de 2022. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/mapas.html?tema=coleta_lixo&recorte=N6. Acesso em 17 abr. 2025.

[50] Panorama do censo de 2022. Disponível em:  https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/mapas.html?tema=uso_de_internet&recorte=N6. Acesso em 17 abr. 2025.

[51] Diversidade e rejuvenescimento marcam Eleições Municipais de 2024. Disponível em:

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Novembro/diversidade-e-rejuvenescimento-marcam-eleicoes-municipais-de-2024 Acesso em 17 abr. 2025.

[52] Diversidade e rejuvenescimento marcam Eleições Municipais de 2024. Disponível em:

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Novembro/diversidade-e-rejuvenescimento-marcam-eleicoes-municipais-de-2024 Acesso em 17 abr. 2025.

[53] Observatório das desigualdades. Disponível em: https://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/?p=4161 Acesso em 17 abr. 2025.

[54] Observatório das desigualdades. Disponível em: https://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/?p=4161 Acesso em 17 abr. 2025.

[55] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html Acesso em 17 abr. 2025.

[56] TCU.  Revisão de Políticas Públicas para Equidade de Gênero e Direitos das Mulheres. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/publicacoes-institucionais/livro/revisao-de-politicas-publicas-para-equidade-de-genero-e-direitos-das-mulheres. Acesso em 9 abr. 2025.

[60] BBC. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c74k7yyrm3eo Acesso em 24 mar. 2025.

[67] MARCONI, Nelson. Mercado de trabalho aquecido, porém precarizado. Disponível em:  https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/03ce2025_nelson_marconi_0.pdf. Acesso em 14 abr. 2025.

[68] Ver DIEESE. Mulheres inserção no mercado e trabalho, 2025; LAMEIRAS, Maria Andreia Parente e HECKSHER, Marcos Dantas. In IPEA, Carta de Conjuntura, fevereiro de 2025; MARCONI Nelson. Mercado de Trabalho aquecido, porém precarizado. FGV/EAESP, Centro de Estudos do Novo Desenvolvimento. SP, 2025; NÚCLEO DE ESTUDOS RACIAIS, Ministério do Trabalho em Emprego.

[69] MDIC. Disponível em: https://balanca.economia.gov.br/balanca/IPQ/commodities_mes.html Acesso em 26 mar. 2025.

[85] FRANCISCO, Papa. Laudato Si’. Carta encíclica (24.05.2015). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em 9 abr. 2025.

[86] "Nós entramos na Terceira Guerra Mundial, só que ela é travada em pedaços, em capítulos." Esta afirmação do Papa Francisco foi em 2014, voltando de sua viagem à Coreia.

[87] MAPBIOMAS (Fogo). Disponível em: https://storage.googleapis.com/mapbiomas-fogo-maps/Mapbiomas-Fogo-Destaques.pdf. Acesso em 9 abr. 2025.

[88] Todos estes dados e números foram extraídos do Relatório da Pesquisa do Instituto de Pesquisas Datafolha “AVALIAÇÃO DE DOIS ANOS E QUATRO MESES DO PRESIDENTE LULA – Abril de 2025” (realizado nos dias 01 a 03 de abril de 2025). Disponível em: https://media.folha.uol.com.br/datafolha/2025/04/07/dllwg-hdcdeb6n4ydrmfsatn-dd9vptlhd4vs0r2o9c.pdf. Acesso em 14 abr. 2025.

[89] Pesquisa qualitativa Plaza Pública, realizada em abril de 2025.

[90] CASTILLO, José María. Há um descontentamento palpável e até um desprezo notável pela política e pelos políticos. INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. 5 abr. 2022. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/617517-ha-um-descontentamento-palpavel-e-ate-um-desprezo-notavel-pela-politica-e-pelos-politicos-artigo-de-jose-maria-castillo. Acesso em 14 abr. 2025.

[91] O quadro da disputa traz um dado que é o conjunto de intercorrências da saúde do ex-presidente Jair Bolsonaro, recentemente submetido a mais uma cirurgia complexa por conta de danos decorrentes de obstrução intestinal.

[92] Quando falamos de anistia no atual Congresso Nacional, tratamos de uma série de projetos de lei, propostos por diversos parlamentares em momentos distintos. São ao menos oito projetos de lei que hoje tramitam em conjunto na Câmara dos Deputados, apensados ao PL 2858/2022, de autoria do ex-deputado Major Vitor Hugo (PL-GO). Os projetos de lei apensados a ele são o PL 2954/2022, de autoria do deputado José Medeiros (PL-MT); o PL 3312/2023, de Adilson Barroso (PL-SP); o PL 2162/2023, de autoria de 32 deputados do Republicanos e do PL, encabeçado por Marcelo Crivella (Republicanos-RJ); o PL 5643/2023, do Cabo Gilberto Silva (PL-PB); o PL 5793/2023, dos deputados Delegado Ramagem (PL-RJ), Mario Frias (PL-SP), André Fernandes (PL-CE), Mauricio Marcon (Podemos-RS) e Pr. Marco Feliciano (PL-SP); o PL 1216/2024, de Helio Lopes (PL-RJ), e o PL 4485/2024, de Marcos Pollon (PL-MS).

[93] Ver LIJPHART, Arend. Modelos de Democracias. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2003. Para garantir a governança, a governabilidade brasileira adotou um modelo muito próprio. Sergio Abranches explicou que: “O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o presidencialismo imperial, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, presidencialismo de coalizão”. Ver ABRANCHES, Sérgio Henrique. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, 1988, p. 5-34. Aqui, p. 21. Há, nos modelos políticos do Brasil, elementos de um presidencialismo de colisão, que coloca no centro das relações políticas a figura do “inimigo”. O cenário é de beligerância, conflito e guerra permanente. Não é mais prioridade a coalizão. A colisão é a forma de enfrentar “tudo que está aí”. Cf. NASCIMENTO, Melillo Dinis. Coalizão versus colisão. Disponível em https://inteligenciapolitica.com.br/artigos/coalizao-x-colisao-ip/. Acesso em 25 jul. 2020. 

[94] FIGUEIREDO, Angelina Cheibub; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. 2ª.ed., Rio de Janeiro, Editora FGV, 2001; ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo, Companhia das Letras, 2018.

[95] SARTORI, Giovanni. Partidos e Sistemas Partidários. Rio de Janeiro, Zahar; Brasília, Editora Universidade de Brasília.

[96] NICOLAU, Jairo. O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018. Rio de Janeiro, Zahar, 2020.

[97] REZENDE, Gabriel Silva. Crise da Democracia Representativa e o Populismo de Direita no Brasil: conceito, disrupção e ascensão política. Rio de Janeiro, Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, Tese de Doutorado, Orientador: Ricardo Ismael, 2023.

[99] TESLA, Graziella; BOLOGNESI, Bruno. Afinal, que partidos integram o Centrão? Pesquisa inédita aponta. In: CONGRESSO EM FOCO, Brasília, 11/04/2024. Disponível em

https://www.congressoemfoco.com.br/coluna/37360/afinal-que-partidos-integram-o-centrao-pesquisa-inedita-aponta. Acesso em 26/03/2025; ESTADÃO. Estudo inédito faz raio-X do Centrão e define perfil dos deputados que compõem o bloco. São Paulo, Estado de São Paulo, 08/12/2024. Disponível em  https://www.estadao.com.br/politica/estudo-inedito-faz-raio-x-do-centrao-e-define-perfil-dos-deputados-que-compoem-o-bloco/?srsltid=AfmBOorCdIuE4m5_mKTywfawiImzr8wtw2HfGZCZbhie9c4y5xD92fOt. Acesso em 26 mar. 2025.

[100] Agência Câmara de Notícias. Hugo Motta é o novo presidente da Câmara dos Deputados. Brasília, Câmara dos Deputados, 01/02/2025. 2025-a. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/1128935-hugo-motta-e-o-novo-presidente-da-camara-dos-deputados/. Acesso em 26 mar. 2025.

[101] REPUBLICANOS. SOBRE O REPUBLICANOS. Brasília, Republicanos, 2025. Disponível em https://republicanos10.org.br/sobre-o-republicanos/. Acesso em 26 mar. 2025. 

[102] Agência Câmara de Notícias. Hugo Motta é o novo presidente da Câmara dos Deputados. Brasília, Câmara dos Deputados, 01/02/2025. 2025-a. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/1128935-hugo-motta-e-o-novo-presidente-da-camara-dos-deputados/. Acesso em 26 mar. 2025.

[103] Agência Câmara de Notícias. Hugo Motta comemora decisão de Dino sobre emendas e cita diálogo do Legislativo com demais Poderes. Brasília, Câmara dos Deputados, 2025. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/1136919-hugo-motta-comemora-decisao-de-dino-sobre-emendas-e-cita-dialogo-do-legislativo-com-demais-poderes/. Acesso em 26 mar. 2025.

 

[104] Agência Câmara de Notícias. Deputados apontam prioridades para votações em 2025. Brasília, Câmara dos Deputados, 01/02/2025. 2025-b. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/1129665-deputados-apontam-prioridades-para-votacoes-em-2025/ Acesso em 26 mar. 2025.

[105] Agência Senado. Conheça os presidentes do Senado eleitos desde a redemocratização. Brasília, Senado Federal, 29/01/2021. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/01/29/conheca-os-presidentes-do-senado-eleitos-desde-a-redemocratizacao. Acesso em 26 mar. 2025.

[106] FGV-Rio/CPDOC. Atlas Histórico. Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Rio de Janeiro, FGV-Rio/CPDOC, 2016. Disponível em https://atlas.fgv.br/verbete/6087. Acesso em 26 mar. 2025.

[107] Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/senadores/em-exercicio. Acesso em 26 mar. 20205.

[108] Agência Senado. Davi Alcolumbre é o novo presidente do Senado. Brasília, Senado Federal, 01/02/2025. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/02/01/davi-alcolumbre-e-o-novo-presidente-do-senado. Acesso em 26 mar. 2025.

[109] UNIÃO BRASIL. O União Brasil – Quem Somos. Brasília, União Brasil, 2025. Disponível em https://uniaobrasil.org.br/o-uniao-brasil/. Acesso em 26 mar. 2025.

[110] G1. Alcolumbre assume comando do Senado e defende posicionamento 'corajoso' frente ao governo: 'Nem sempre agradaremos a todos’. G1/São Paulo, 2025, disponível em

https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/02/01/alcolumbre-assume-presidencia-do-senado-e-faz-primeiro-discurso.ghtml. Acesso em 26 mar. 2025.

[111] CNN. Alcolumbre resiste a pautar anistia no Senado. CNN/Brasília, 18/03/2025, 2025-b. Disponível em  https://www.cnnbrasil.com.br/politica/alcolumbre-resiste-a-pautar-anistia-no-senado/. Acesso em 26 mar. 2025.

[112] Cujo inteiro teor pode ser aferido no enlace indicado para a localização da matéria:  https://www.cnbbne5.org/post/dom-francisco-lima-soares-apresenta-an%C3%A1lise-de-conjuntura-no-primeiro-dia-do-conselho-permanente-em. Acesso em 26 mar. 2025.

[113] PINHEIRO, Pe. José Ernanne; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; DINIS, Melillo; SAMPAIO, Plínio de Arruda (orgs). Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a Reforma do Judiciário. Petrópolis: Editora Vozes, 1996.

[114] PINHEIRO, Pe. José Ernanne; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; DINIS, Melillo; SAMPAIO, Plínio de Arruda (orgs). Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a Reforma do Judiciário. Petrópolis: Editora Vozes, 1996.

[115] VAZ, Pe. Henrique C. de Lima. Ética e Justiça: Filosofia do Agir Humano. In PINHEIRO, Pe. José Ernanne; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; DINIS, Melillo; SAMPAIO, Plínio de Arruda (orgs). Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a Reforma do Judiciário. Petrópolis: Editora Vozes, 1996.

[116] Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-11/papa-francisco-juizes-africa-america-sentencas.html Lê-se: “Nenhuma sentença pode ser justa, – ele ainda afirmou – se gera mais desigualdade, mais perda de direitos, indignidade ou violência”.

[117] Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-04/papa-francisco-neocolonialismo-mensagem-ciencias-sociais.html. Na síntese preparada pelo Dicastério há, na Mensagem de Francisco, a preocupação de que os interesses da ganância promovam a substituição da verdade por justificativas de dominação: “Eis as características do colonialismo contemporâneo. Como se, sublinha o Pontífice, diversos séculos de experiências históricas, sangrentas e desumanas, não tivessem servido para amadurecer uma ideia global de libertação, autodeterminação e solidariedade entre as nações e os seres humanos. Agora, tudo é mais sutil e corre-se o risco de que as verdadeiras causas, que levaram ao colonialismo, sejam substituídas por leituras históricas, que justificam a dominação com presumíveis lacunas “naturais” dos colonizados”.

[118] ALTHUSSER, Louis. Montesquieu, A Política e a História. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1977; ver também SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Reflexões sobre o princípio da separação de poderes: o 'parti pris' de Montesquieu. Revista de Informação Legislativa, v. 17, n. 68, p. 15-22, out./dez. 1980.

[119] Algumas associações de magistrados questionaram a constitucionalidade do CNJ e chegaram a ingressar com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir sua instalação. As principais alegações eram: violação da independência do Judiciário, argumentando que o CNJ criava um órgão externo com poderes disciplinares sobre juízes, o que afetaria a autonomia do Poder Judiciário; interferência do Legislativo, com alguns setores vendo o CNJ como um mecanismo de controle político sobre a magistratura; ameaça ao princípio do autogoverno, como alegavam os que defendiam que o próprio Judiciário deveria ter seus mecanismos internos de fiscalização.

[120] CARDOSO, Luciana Zaffalon Leme Cardoso. "A Política da Justiça: Blindar as Elites, Criminalizar os Pobres". São Paulo: HUITEC, 2018.

[121] Luciana Zaffalon Leme Cardoso é pesquisadora do sistema de Justiça, Diretora do Justa – https://www.justa.org.br/ (Centro de pesquisa que atua no campo da economia política da justiça com incidência na geração de dados e informações capazes de evidenciar pontos sensíveis da gestão judicial e orientar a construção de novos desenhos de solução que possam apoiar a promoção de uma gestão mais democrática das instituições judiciais).

[122] Que são aprofundadas em seu livro "A Política da Justiça: Blindar as Elites, Criminalizar os Pobres", publicado pela Hucitec Editora em 2018, já citado.

[124] Produtividade do Judiciário brasileiro aumentou quase 7% em 2023, aponta relatório do CNJ. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/produtividade-do-judiciario-brasileiro-aumentou-quase-7-em-2023-aponta-relatorio-do-cnj/ Acesso em 14 abr. 2025.

[125] Justiça e orçamento nos Estados. Pesquisa Nacional. Disponível em: https://www.justa.org.br/wp-content/uploads/2025/03/Resumo-executivo-_-Justica-e-Orcamento_2023-.pdf Acesso em 14 abr. 2025.

[126] Como o trabalho de ESCRIVÃO FILHO, Antonio. Porteiro ou Guardião? O Supremo Tribunal Federal em Face aos Direitos Humanos. Antonio Escrivão Filho. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil/Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDH), maio de 2018.

[127] ESCRIVÃO FILHO, Antonio Sergio. Mobilização social do direito e expansão política da justiça: análise do encontro entre movimento camponês e função judicial. 2017. 315 f., il. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de Brasília, Brasília, 2017. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/31936

[128] 8 dos 10 juízes mais bem pagos em 2024 são aposentados. Disponíveis em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2025/03/21/8-dos-10-juizes-mais-bem-pagos-em-2024-sao-aposentados.htm Acesso em 14 abr. 2025;   Juízes ganham mais em penduricalhos e adicionais que com o salário. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2025/02/25/juizes-ja-ganham-mais-em-penduricalhos-e-adicionais-do-que-com-o-salario.htm Acesso em 14 abr. 2025.

[129] LIMA, Thiago Arruda Queiroz. Neoliberalização da Justiça no Brasil: Modo Governamental de Subjetivação, Dispositivo Jurisdicional de Exceção e a Constituição como um Custo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2020; SANTOS, Caio Santiago Fernandes. Supremo Tribunal Federal e Neoliberalismo: uma Análise do Período Pós-1988. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021; Ver também “Reforma do judiciário precisa de participação popular”. Disponível em: http://www.jusdh.org.br/2014/12/19/reforma-do-judiciario-precisa-de-participacao-popular/ Acesso em 14 abr. 2025.

[130] COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Justiça Política do Capital: A Desconstrução do Direito do Trabalho por meio de Decisões Judiciais. São Paulo: Editora Tirant Lo Blanch, 2021.

[131] Ver RAMPIN, Talita Tatiana Dias. Estudo sobre a reforma da justiça no Brasil e suas contribuições para uma análise geopolítica da justiça na América Latina. 2018. 436 f., il. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de Brasília, Brasília, 2018. A tese estuda a reforma da justiça no Brasil e suas contribuições para uma análise geopolítica da justiça na América Latina. Revisa a literatura sobre justiça para conhecer o estado da arte e destaca a emergência de abordagens de resistência, que desenvolvem práxis de justiça nos contextos e deslocam o conflito e as injustiças para a centralidade do exercício de teorização. Mapeia as reformas da justiça enquanto fenômeno nas Américas, para identificar suas características, atores participantes e estratégias. Analisa a participação de instituições financeiras internacionais no direcionamento das reformas da justiça no contexto latino-americano, problematizando as relações que são desenvolvidas entre o centro, a semiperiferia e a periferia do sistema mundial, utilizando a teoria dos sistemas de Immanuel Wallerstein. Analisa o conteúdo de documentos (acordos, relatórios, empréstimos e outros instrumentos normativos) para deles extrair elementos que sinalizem o direcionamento que as instituições financeiras, com destaque ao Banco Mundial, para que os Estados-nacionais latino-americanos adaptem suas estruturas estatais de justiça, em sentido amplo, aos interesses estabelecidos no contexto de mundialização da economia. Estuda a experiência brasileira de reforma da justiça, problematizando os cenários, os atores e os enredos específicos. Propõe uma abordagem geopolítica ao fenômeno, identificando os elementos geopolíticos que contribuem para uma ampla compreensão da reforma da justiça na América Latina. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/32203.

[132] Sistema prisional (ADPF 347/2015) – O STF reconheceu o Estado de Coisas Inconstitucional devido à violação sistemática de direitos dos presos; Educação infantil (ADPF 672/2022) – Debate sobre a falta de creches como possível violação estrutural. ADPF 742 (2020): Ação movida pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e partidos políticos denunciando a omissão do governo federal na proteção dos quilombolas durante a pandemia. O STF determinou a adoção de medidas emergenciais, como vacinação prioritária; ADPF 186, que tratou da constitucionalidade das cotas raciais nas universidades, especialmente a política de cotas adotada pela Universidade de Brasília (UnB); ADI 6.139, que tratava do marco temporal para terras indígenas; ADPF 709 proposta pela APIB – Associação dos Povos Indígenas do Brasil – como uma ação que questiona a omissão do Estado na proteção dos direitos fundamentais dos povos indígenas. Em linhas gerais, a ação busca chamar a atenção do Supremo Tribunal Federal para a necessidade de adotar medidas estruturantes que assegurem, de forma efetiva, direitos constitucionais essenciais, como o acesso à saúde, à educação, à terra e à preservação da identidade cultural dessas comunidades. Em julho de 2023, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu a situação da população em situação de rua no Brasil como um ECI, ao deferir liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976. Nessa decisão, determinou que os estados, o Distrito Federal e os municípios adotassem, de forma imediata e independente de adesão formal, as diretrizes estabelecidas no Decreto Federal 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua.

[133] Texto: “O U.S. Marshals, agência de aplicação da lei encarregada de proteger o Judiciário nos Estados Unidos, alertou os juízes federais norte-americanos sobre níveis de ameaça excepcionalmente altos, já que o bilionário Elon Musk e outros aliados do presidente dos EUA, Donald Trump, aumentam os esforços para desacreditar os juízes que se opõem às medidas da Casa Branca para cortar empregos e programas federais, disseram juízes com conhecimento dos avisos. Nas últimas semanas, Musk, os republicanos do Congresso e outros importantes aliados de Trump pediram o impeachment de alguns juízes federais ou atacaram sua integridade em resposta a decisões judiciais que retardaram as medidas do governo para desmantelar agências governamentais inteiras e demitir dezenas de milhares de trabalhadores. Musk, a pessoa mais rica do mundo, criticou os juízes em mais de 30 publicações desde o final de janeiro em seu site de mídia social X, chamando-os de "corruptos", "radicais", "malignos" e ridicularizando a "tirania do Judiciário" depois que os juízes bloquearam partes do enxugamento federal que ele liderou. O presidente-executivo da Tesla também repostou quase duas dúzias de publicações de outras pessoas atacando juízes.  Entrevistas feitas pela Reuters com 11 juízes federais em vários distritos revelaram um alarme crescente sobre sua segurança física e, em alguns casos, um aumento nas ameaças violentas nas últimas semanas. A maioria falou sob condição de anonimato e disse que não queria inflamar ainda mais a situação ou fazer comentários que pudessem ser interpretados como conflitantes com seus deveres de imparcialidade. O Marshals Service se recusou a comentar sobre questões de segurança. Como a Reuters relatou em uma série de reportagens no ano passado, a pressão política sobre os juízes federais e as ameaças violentas contra eles têm aumentado desde a eleição presidencial de 2020, quando os tribunais federais lidaram com uma série de casos altamente politizados, incluindo ações judiciais fracassadas movidas por Trump e seus apoiadores que buscavam anular sua derrota”. Fonte: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2025/03/05/exclusivo-juizes-enfrentam-aumento-de-ameacas-nos-eua-em-meio-a-criticas-de-musk-as-suas-decisoes.htm Acesso em 14 abr. 2025.

[134] Juízes dos EUA temem por sua própria segurança em meio a críticas de Musk. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2025/03/05/exclusivo-juizes-enfrentam-aumento-de-ameacas-nos-eua-em-meio-a-criticas-de-musk-as-suas-decisoes.htm. Acesso em 14 abr. 2025.

[135] Mais de 23 milhões de brasileiros vivem em áreas dominadas por milícias ou facções do tráfico. Veja em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/09/02/mais-de-23-milhoes-de-brasileiros-vivem-em-areas-dominadas-por-milicias-ou-faccoes-do-trafico.ghtml Acesso em 17 abr. 2025.

[136] Licenças para armas aumentam quase sete vezes no governo Bolsonaro; Brasil ganhou mais de 200 mil CACs em 2022, mostra Anuário. Veja em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/07/20/licencas-para-armas-aumentam-quase-sete-vezes-no-governo-bolsonaro-brasil-ganhou-mais-de-200-mil-cacs-em-2022-mostra-anuario.ghtml Acesso em 17 abr. 2025.

[137] GUADALUPE, Luis Pérez; CARRANZA, Brenda (org). Novo ativismo político no Brasil: os evangélicos do século XXI. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2020.

[138] BRITO, A. S. de; REIS, L. S. (org). Direitas, radicalismos e as disputas pela linguagem de direitos no Brasil. São Paulo: Fundação Friedrich-Ebert-Stiftung (LAUT - Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo), 2024.

[139] Conexões entre milícias, políticos e igrejas: relatórios como os da CPI das Milícias (2020) mostram vínculos entre esses grupos.

[140] Bolsonaro, indústria de armas e a extrema-direita. Veja em: https://jornalggn.com.br/politica/bolsonaro-industria-de-armas-e-a-extrema-direita/ Acesso em 17 abr. 2025.

[141] Da ‘bancada da segurança’ à ‘bancada da bala’: Deputados-policiais no legislativo paulista e discursos sobre segurança pública.  Veja em: https://www.scielo.br/j/dilemas/a/Hh4pF7SGX4sTptFWJq7RzpJ/ Acesso em 17 abr. 2025.

[142] Ruralistas, evangélicos e bancada da bala se unem no Congresso para desafiar o Supremo. Veja em: https://www.jb.com.br/brasil/politica/2023/09/1046171-ruralistas-evangelicos-e-bancada-da-bala-se-unem-no-congresso-para-desafiar-o-supremo.html Acesso em 17 abr. 2025.

[143] Igreja evangélica armada – entrevista com o pastor Ed René Kivitz. Leia em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/igreja-evangelica-armada-entrevista-com-o-pastor-ed-rene-kivitz. Acesso em 17 abr. 2025.

[144] Maré conservadora e política criminal: o “cidadão de bem” como verdadeiro portador de direitos. Disponível em: https://laut.org.br/mare-conservadora-e-politica-criminal-cidadao-de-bem-como-verdadeiro-portador-de-direitos/ Acesso em 17 abr. 2025.

[145] No contexto rural como o MST e nas cidades como o Movimento dos Sem Teto, MTST, Central das Favelas, MNDH, Cendhec, entre outros.

[146] BRASIL, Oxfam. A DISTÂNCIA QUE NOS UNE: Um retrato das desigualdades brasileiras. Disponível em:  file:///C:/Users/Manoel%20Soares/Downloads/relatorio_a_distancia_que_nos_une-1.pdf. Acesso em 28 mar. 2025.

[147] BRASIL, Oxfam. UM RETRATO DAS DESIGUALDADES BRASILEIRAS – 10 ANOS DE DESAFIOS E PERSPECTIVAS. Disponível em:  https://www.oxfam.org.br/um-retrato-das-desigualdades-brasileiras/10-anos-de-desafios-e-perspectivas/. Acesso em: 29 mar. 2025.

[148] FAO; IFAD; UNICEF; WFP; WHO. In Brief to The State of Food Security and Nutrition in the World 2024 – Financing to end hunger, food insecurity and malnutrition in all its forms. Rome: FAO, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.4060/cd1276en. Acesso em: 20 out. 2024.

[149] Cf. VIEIRA, Padre Antonio. Sermão da Ressurreição de Cristo. Sermões. Vol. X. Erechim: EDELBRA, 1998, §VI: “Isto é o que sobretudo devemos imitar todos neste soberano mistério da ressurreição, lembrando-nos sempre, e pondo como em balança, de uma parte as poucas horas que duram aquelas penas e tormentos, e os infinitos séculos e eternidades sem fim que há de durar sua glória e a nossa, pela qual padeceu Cristo com grande alegria (...) Oh! como dirá então cada um de nós, falando consigo, em tanta diferença de estado: Oh! bem-aventurados trabalhos, que me trouxeram a tão grande descanso! Bem-aventurada despesa, que me trouxe tão grandes interesses! Bem-aventurado descrédito, que me trouxe a tão grande honra! Bem-aventurados perigos, que me trouxeram a tão grande segurança! E bem-aventurada vitória de todas as dificuldades, que me trouxe a um tão grande prêmio, como é o da glória!”

[150] Dados sobre o ATL em 2025 disponíveis em:  https://apiboficial.org/atl-2025. Acesso em 14 abr. 2025.

[151] SCHMIDT, Pe. Gerson. VATICAN NEWS. O significado da Esperança para o Papa Francisco. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2025-02/significado-da-esperanca-para-a-papa-francisco.html. Acesso em 14 abr. 2025.

[152] HAN, Byung-Chul. O espírito da esperança: contra a sociedade do medo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2024, p. 51.

[153] Ver FRANCESCO, Papa. La Speranza Non Delude Mai. Roma: Mondatori Libri, 2024.

[154] AQUINO JÚNIOR, Francisco. Pedro Casaldáliga: Presente na caminhada! Disponível em https://portaldascebs.org.br/pedro-casaldaliga-presente-na-caminhada/ Acesso em 20 abr. 2025.

Nenhum comentário:

Postar um comentário