quarta-feira, 28 de maio de 2025

 

Anistia a Atos Antidemocráticos no Brasil: limites jurídicos e proteção do Estado de Direito

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Anistia a Atos Antidemocráticos no Brasil: limites jurídicos e proteção do Estado de Direito / organizada por Marcelo Labanca Corrêa de Araújo, Gustavo Ferreira Santos, João Paulo Allain Teixeira e Glauco Salomão Leite. – 1. ed. – Recife: Editora Publius, 2025. 346  p. ; PDF – https://drive.google.com/file/d/1KfdRODxpn3Kej6tfpW6KWWrkF9jNb3jj/view

 

Conforme dizem os organizadores, o presente livro surge em um momento delicado da democracia brasileira em que o Congresso Nacional discute um projeto de lei de anistia àqueles que praticaram atos antidemocráticos que culminaram na invasão aos Poderes no dia 8 de janeiro de 2023. Em resposta, este livro reúne reflexões críticas sobre os limites constitucionais da anistia em regimes democráticos pois o Brasil não aguenta mais golpes e tentativas de golpes em sua história constitucional.

Mais do que um repositório técnico-jurídico, este livro é uma convocação à memória e à responsabilidade democrática. As anistias, quando concedidas fora de contextos legítimos de transição política ou reconciliação nacional, tornam-se instrumentos de apagamento histórico, de estímulo à impunidade. Uma verdadeira espada de Dâmocles que pode cair sobre a democracia. É precisamente essa a preocupação que perpassa por todos os textos aqui reunidos. Anistiar quem, em uma democracia, buscou implementar uma ditadura é, na prática, normalizar o autoritarismo.

Os autores e autoras, juristas, pesquisadores e pesquisadoras de distintas regiões e formações, analisam nos diversos capítulos desta obra o instituto da anistia sob diversas perspectivas, constitucionais, históricas, penais, de proteção internacional e comparadas.

Neste livro, o leitor irá encontrar textos que revisitam o caso brasileiro da Lei de Anistia de 1979 como ponto histórico para o exame do projeto de lei de anistia que está atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Há textos que dialogam com experiências internacionais, como a da Espanha, que recentemente debateu o tema ligado ao processo catalão. Há também textos que analisam a anistia sob a perspectiva de proteção de direitos humanos e, também, analisando de que maneira o direito ao protesto pode ser exercido nos limites democráticos.

O objetivo do livro, portanto, é duplo: fornecer fundamentos jurídicos sólidos para o debate público, demarcar posição firme pela inviabilidade jurídica e inconstitucionalidade da anistia a quem tentou o golpe de 2023. Mas, também, este livro tem o papel de registrar, para a história, que houve professores, pesquisadores, juristas comprometidos com o valor democrático, com resistência jurídica e intelectual sólidas para reposicionar o debate da anistia para que o instituto seja interpretado à luz de critérios democráticos, e não o inverso.  A Constituição de 1988 não permite o esquecimento dos ataques à democracia, e esta obra é uma afirmação disso: um esforço coletivo para reafirmar os compromissos democráticos da comunidade jurídica brasileira e denunciar qualquer tentativa de instrumentalizar a anistia como salvo-conduto que incentiva novas tentativas de golpes no futuro.

Fiquei muito mobilizado em poder participar da obra, com texto coautoral, junto com minha colega e presidenta da Comissão Justiça e Paz de Brasília, Ana Paula Daltoé Inglês Barbalho, abrindo o sumário.

De minha parte venho abordando o tema em intervenções pontuais, algumas até nesta Coluna Lido para Você. Mais recentemente – https://estadodedireito.com.br/silencio-perpetuo-anistia-e-transicao-politica-no-brasil/, a propósito do livro Silêncio Perpétuo? Anistia e Transição Política no Brasil (República Velha e Era Vargas). / Mauro Almeida Noleto. – 1. ed. – Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2024. Também em https://estadodedireito.com.br/relatorio-da-comissao-anisio-teixeira-de-memoria-e-verdade-da-universidade-de-brasilia/.

Na minha Coluna O Direito Achado na Rua, publicada regularmente no Jornal Brasil Popular, em https://brasilpopular.com/verdade-justica-reparacao-e-garantias-de-nao-repeticao/; muito explicitamente em https://brasilpopular.com/autoanistia-uma-violencia-inconstitucional-e-inconvencionaldo-delinquente-a-fim-gerar-sua-impunidade/; e em https://brasilpopular.com/60-anos-do-golpe-de-1964-memoria-verdade-mas-tambem-justica-razoes-para-o-nunca-mais/; entre outros textos de opinião.

O Sumário do livro dá a medida da qualidade autoral e da abrangência temática nele reunidos:

“A ARTE PODE DURAR” AINDA ESTAMOS TODOS AQUI. Ana Paula Daltoé Inglêz Barbalho, José Geraldo de Sousa Junior

ANISTIA NO JOGO ENTRE PODERES: XEQUE-MATE OU TRAPAÇA INCONSTITUCIONAL?, André Rufino do Vale

ANISTIA COMO PARTE DO GOLPE, Andréa Depieri de Albuquerque Reginato, Gabriela Maia Rebouças

OS PROFANADORES DO REGIME DEMOCRÁTICO E A IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE ANISTIÁ-LOS, Celso de Mello

DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL E ANISTIA NO PÓS-DITADURAS:  LEGADOS DA OPERAÇÃO CONDOR NA AMÉRICA DO SUL. Carolina Cyrillo

DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL, REPUBLICANISMO E OS LIMITES DO ANISTIÁVEL NO BRASIL. Daniel Carneiro Leão Romaguera, João Paulo Allain Teixeira

UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA ENTRE ANISTIA, DEMOCRACIA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988: A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL  DO PL 2858/2022 E SEUS SUBSTITUTIVOS.  Diogo Bacha e Silva, Júlia Guimarães, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

ANISTIA INCONSTITUCIONAL. Emilio Peluso Neder Meyer

A ANISTIA POLÍTICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. Eneá de Stutz e Almeida

A ANISTIA INVERTIDA: O PERDÃO AO ATENTADO DE 08.01.2023  E A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA. Filipe Cortes de Menezes, Dimas Pereira Duarte Júnior

IDEIAS FORA DO LUGAR: A ANISTIA ENTRE O MACRO E O MICROJURÍDICO. Fernando Facury Scaff

O PERDÃO E O ABISMO: O PL N.º 2858/2022 E A ANISTIA COMO  ARTIFÍCIO DE EROSÃO DEMOCRÁTICA. Gabriel de Moraes, Valeska D. Pinto Ferreira e Breno Baía Magalhães

ENTRE O CONTORCIONISMO CONSTITUCIONAL E A DEFESA DA  DEMOCRACIA. Glauco Salomão Leite, Luiz Guilherme Arcaro Conci

ENTRE O DIREITO AO PROTESTO E OS ATOS DE DESTRUIÇÃO DA  DEMOCRACIA. Gustavo Ferreira Santos

BREVES ANOTAÇÕES SOBRE ANISTIAS E GOLPES: JACAREACANGA, UM LEVANTE MILITAR NO INÍCIO DO GOVERNO JUSCELINO  KUBITSCHEK (1956) . Gustavo Siqueira, Andréia Kerber

ANISTIA, A QUEM SERÁ QUE SE DESTINA? UMA ANÁLISE A PARTIR DA CRIMINALIZAÇÃO DAS PESSOAS LGBTIAPN+ EM RAZÃO DE  SUAS IDENTIDADES. Ivanilda Figueiredo

ANISTIA PARA GOLPISTAS E TERRORISTAS É INCONSTITUCIONAL.João Ricardo Dornelles

SEM ANISTIA PARA GOLPISTAS E TORTURADORES DE ONTEM E DE HOJE – OS CRIMES CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A PRESTAÇÃO DE CONTAS PELOS CRIMES DA DITADURA. José Carlos Moreira da Silva Filho

ANISTIA PARA O GOLPE (GOLPISTAS) É GOLPE CONTRA A ANISTIA!. José Luis Bolzan de Morais

CONTRA A LEI DO GOLPE: É IMPOSSÍVEL PERDOAR UM PECADO  ETERNO CONTRA A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA. José Rodrigo Rodriguez

POR QUE QUALQUER ANISTIA PARA GOLPISTAS É INCONSTITUCIONAL. Lenio Luiz Streck

NÃO HÁ ALTERATIVAS PARA AS PENAS APLICADAS AOS GOLPISTAS. Lenio Luiz Streck

A DEMOCRACIA OBRIGA-SE A DEFENDER A SI MESMA. Liana Cirne Lins

ESQUECIMENTO, MEMÓRIA E A DEFESA DA DEMOCRACIA: O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM TEMPOS DE CRISE. Liton Lanes Pilau Sobrinho

BASTA DE IMPUNIDADE: ANISTIA PARA GOLPISTAS, NÃO!. Manoel Severino Moraes de Almeida, Luis Emmanuel Barbosa da Cunha

ANISTIA 100% INCONSTITUCIONAL. Marcelo Uchôa

DEMOCRACIA E ANISTIA PARA OS GOLPISTAS DE 2023: BRASIL,  DITADURA NUNCA MAIS. Marcos Leite Garcia

O PARADOXO DA AUTODESTRUIÇÃO DEMOCRÁTICA: A INCONSTITUCIONALIDADE DO PL DA ANISTIA QUE VISA O PERDÃO LEGISLATIVO AOS AUTORES DOS ATOS GOLPISTAS DE 8 DE JANEIRO E DOS RESPONSÁVEIS PELOS ATENTADOS CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.  Maria Lúcia Barbosa, Felipo Pereira Bona

QUAL O LIMITE DA ANISTIA: É POSSÍVEL NEGOCIAR O INEGOCIÁVEL?  Mario Cesar Andrade, Margarida Lacombe Camargo

ANISTIA E CONSTITUIÇÃO. Martonio Mont’Alverne Barreto Lima

O OSCAR DE “AINDA ESTOU AQUI”: JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO, SEM ANISTIA. Maurício Gentil Monteiro

A ANISTIA É INCONSTITUCIONAL E POLITICAMENTE INVIÁVEL. Maurício Rands

CRIMES IMPRESCRITÍVEIS SÃO INANISTIÁVEIS. Paulo Calmon Nogueira da Gama

A MÍSTICA DO GOLPE DE ESTADO. Ricardo Evandro S. Martins

ANISTIA, PACIFICAÇÃO E A PERVERSA DINÂMICA ANTICONSTITUCIONAL: A INSUSTENTABILIDADE DE ANISTIAR TORTURAS E GOLPES DE ESTADO. Roberta Camineiro Baggio, Fernanda Frizzo Bragato

O CASO ESPANHOL DA CATALUNHA E A ANISTIA PRÊT-À-PORTER NO BRASIL.   Yanne Teles, Marcelo Labanca Corrêa de Araújo.

 

De modo mais adensado e com repertório que o circunscreve em múltiplas interconexões, o tema recebeu abordagem interdisciplinar avançada na obra que co-organizei – Sousa Junior, José Geraldo de. O direito achado na rua : introdução crítica à justiça de transição na América Latina / José Geraldo de Sousa Junior, José Carlos Moreira da Silva Filho, Cristiano Paixão, Lívia Gimenes Dias da Fonseca, Talita Tatiana Dias Rampin. 1. ed. – Brasília, DF: UnB, 2015. – (O direito achado na rua, v. 7) – acessível integralmente em vários repositórios, incluindo https://dspace.mj.gov.br/handle/1/10574.

Na página do REC (Recife Estudos Constitucionais)  – https://constituicaoedemocracia.blogspot.com/2025/05/lancado-livro-sobre-os-limites.html, há uma apresentação do livro com link para que o seu pdf seja baixado (https://drive.google.com/file/d/1KfdRODxpn3Kej6tfpW6KWWrkF9jNb3jj/view), precedido de um comentário: “Mais do que uma contribuição ao debate jurídico contemporâneo, o livro representa um posicionamento acadêmico firme contra o apagamento da memória histórica e a normalização do autoritarismo, reafirmando o papel da comunidade jurídica na defesa da democracia e dos valores constitucionais de 1988”.

domingo, 25 de maio de 2025

 Gladstone Leonel Júnior

O dia em que uma torcida brasileira abraçou a Palestina

Gladstone Leonel Júnior
Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito e na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Direito e Pós-Doutor em Di...
É urgente que essa solidariedade ao povo palestino invada outras torcidas e estádios de futebol, entre nas escolas, nas universidades e nas igrejas

“Eu quero dormir no colo da minha mãe. (…) Eu venho aqui no cemitério para dormir junto da minha mãe. Eu tenho tanta saudade dela (…) Eu peço a ela para sair do túmulo um pouco, para que eu possa beijá-la por um momento, mesmo que seja só por cinco minutos.”

Esta fala é de Zain Youssef, que perdeu sua mãe depois de ataques israelenses em Gaza. Toda noite dorme sobre o seu túmulo. 

“Juro por Deus, estamos com muita fome. Nós não temos o que comer. Não temos farinha. Veja as moscas voando sobre nossas cabeças. Vejam minhas pernas. As moscas estão nos comendo vivas.” 

É a fala de uma menina palestina com síndrome de down para o jornalista palestino Yahya Sobeih, assassinado pelo exército de Israel alguns dias depois desse vídeo.

Este foi um dos artigos mais difíceis de escrever nesta coluna. Ao fazer a pesquisa de fontes, era tocado a todo momento pelos vídeos, relatos e imagens. A desumanização nua e crua que o povo palestino sofre diante dos olhos do mundo tem uma pitada de perversidade, quando percebemos que essas informações não são devidamente veiculadas na grande mídia. 

Eu acredito que muitos que leem este artigo sentem um misto de sentimentos ao tratar do assunto “Palestina”. Em verdade, não tenho conseguido ver os vídeos que chegam do Oriente Médio e, quando me deparo com algum, tenho sentido uma dor física de uma angústia que me corrói por dentro e gera uma repulsa pela minha impotência em não ter qualquer condição de parar isso. É tudo visceral, uma mescla de choro contido e ódio de viver num mundo assim. Nos vídeos desesperados das crianças chorando de fome, espelho meu filho naquele choro, e não consigo ir adiante. Talvez, também seja por isso que devemos ir adiante.

As notícias mais recentes emitidas pela ONU estima que 14 mil bebês podem morrer de desnutrição em 48 horas na Faixa de Gaza. Esta é mais uma medida, do vasto leque de atrocidades do projeto genocida do governo de Israel ao impedir entrada de comida e água nas fronteiras. O que se nota é uma descrença absoluta na sobriedade dos organismos internacionais. 

Torna-se desnecessário afirmar o caráter genocida dos ataques israelenses. Se não matam de fome, matam com bomba. Metralham deliberadamente comboios de ambulâncias e hospitais, como destacado na parte 2 do episódio 27 do podcast Medo e Delírio em Brasília. Não por acaso, mulheres e crianças são alvos frequentes dos ataques, é método de extermínio e de guerra.

Pílulas de decência nos afagam em alguns momentos. Na igreja, ao saber que o papa Francisco ligava todos os dias para a paróquia em Gaza para confortar aqueles que sofriam os males da guerra. Nas ruas com manifestações robustas em grandes cidades europeias, chegando a 100 mil pessoas na marcha de Haia.  

Este sopro também chegou onde pouco se espera. Nos estádios de futebol. No dia 14 de maio de 2025, o Cruzeiro enfrentou a equipe chilena do Palestino pela Copa Sulamericana no Mineirão. Dois clubes populares formados por imigrantes. A grata surpresa ocorreu quando torcidas organizadas do clube mineiro, puxadas por Comando Rasta e Resistência Azul Popular, recepcionaram os torcedores e se solidarizaram com a causa Palestina recebendo, inclusive, o Embaixador da Palestina no Brasil, Ibraim Mohamed numa confraternização pré-jogo nos arredores do estádio.

Além da recepção, um gesto corajoso e solidário acontece dentro do próprio Mineirão, quando a torcida azul estendeu a faixa com os dizeres “SHOW ISRAEL THE RED CARD” – Mostre o cartão vermelho para Israel –, uma campanha internacional que denuncia o genocídio sofrido pelo povo palestino perpetrado pelo Estado de Israel.

Este bonito abraço da torcida do Cruzeiro no povo palestino, através de um jogo de futebol, não é sobre o Cruzeiro, e, definitivamente, não é só futebol. É sobre ter esperança na massificação da empatia por meio da luta internacional.

É urgente que essa solidariedade ao povo palestino invada outras torcidas e estádios de futebol, entre nas escolas, nas universidades e nas igrejas das mais diversas religiões. Ganhe as ruas e sensibilize as pessoas, para que não se mantenham de costas para o que acontece por lá.

Lembra daquela faixa levantada pelos torcedores? Em poucos minutos a concessionária que administra o Mineirão (Minas Arena) retirou-a da torcida, mas a imagem ficou guardada na retina e coração daqueles que se levantam contra a opressão de um povo, ou seja, dos seus próprios irmãos e irmãs, que do outro lado do mundo, seguem aguardando ao menos, um gesto de solidariedade.

Refaat Alareer, poeta palestino, escreveu seu último poema nas redes sociais, momentos antes de ser bombardeado na Faixa de Gaza:

“Se eu devo morrer, você deve viver
para contar a minha história, para vender minhas coisas
para comprar algum papel, e alguns fios,
para fazer uma pipa, (que seja branca com um longa cauda)
para que uma criança, em algum lugar de Gaza,
olhando o céu, nos olhos
esperando por seu pai que se foi numa chama
sem se despedir de ninguém, nem mesmo de sua própria carne
nem mesmo de si mesmo
veja a pipa, a minha pipa que você fez,
voar lá no alto e pense por um momento
que um anjo esteja ali para trazer de volta o amor.
Se eu morrer, faça com que eu traga esperança
faça com que eu seja uma história!”

Que este gesto da torcida do Cruzeiro seja só o início da chama transformadora que virá tomar conta da sociedade e permitir o encerramento desta guerra com ares de genocídio. Que não tenhamos medo de contar estas e tantas outras histórias na luta por um outro mundo possível e necessário.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

 

Declaração de Consenso do Workshop sobre Inteligência Artificial, Justiça e Democracia

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Declaração de Consenso do Workshop sobre Inteligência Artificial, Justiça e Democracia. Comitê Pan-Americano de Juízes para os Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana e Instituto de Pesquisas Jurídicas Frei Bartolomé de las Casas. Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano

https://www.pass.va/en/events/2025/artificial_intelligence/final_statement.html

 

 

Realizou-se agora em início de março na Casina Pio IV, por convocação do Papa Francisco e da Academia de Ciências Sociais do Vaticano, o Seminário “Artificial Intelligence, Justice, and Democracy. Pan-American Committee of Judges for Social Rights and the Franciscan Doctrine, and Fray Bartolomé de las Casas Legal Research Institute”.

As referências completas sobre o Seminário, mesas, painéis, documentos preparatórios e temas podem ser conferidas em https://www.pass.va/en/events/2025/artificial_intelligence.html; e podem ser recuperadas pelo registro do evento no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=bcH871osqbI, incluindo as anotações do último evento Colonization, Decolonization and Neocolonialism from the Perspective of Justice and the Common Good. African and American Intercontinental Meeting of Judges for Social Rights and the Franciscan Doctrine (https://www.pass.va/en/events/2023/colonization.html).

Fiz uma síntese do percurso preparatório e de seus objetivos, oferecendo elementos de sua caracterização, objetivos e alcance, no espaço da Coluna O Direito Achado na Rua (Jornal Brasil Popular), conforme https://brasilpopular.com/inteligencia-artificial-justica-e-democracia/.

Convidado a participar do Seminário, por impedimento superveniente, não pude comparecer, mas enviei o texto que serviu de base ao que seria minha exposição e que sintetiza minha compreensão sobre o tema. O texto foi acolhido para circular entre os participantes e permitiu que eu pudesse assinar a Declaração de Consenso do Workshop sobre Inteligência Artificial, Justiça e Democracia junto com os participantes, integrando a qualificada lista de subscritores que vai arrolada ao final da Declaração.

Dei ao meu texto o título “Horizontes éticos e democráticos para la descolonización del mundo digital”.  Reservo a sua apresentação completa para a eventualidade de uma publicação dos anais do Seminário. Mas nele procurei abordar, em resumo, foi a interseção entre a inteligência artificial (IA), a justiça, a democracia e a descolonização digital, destacando a necessidade de uma ética algorítmica (“algor-ética”) que priorize a dignidade humana e evite a delegação de decisões críticas às máquinas. Aliás, o próprio Papa Francisco introduz o conceito de “algor-ética”, enfatizando a necessidade de uma moderação ética dos algoritmos e programas de IA para garantir que sirvam à humanidade. Junto com o Papa Francisco, destaca-se a importância de priorizar a dignidade humana, a autonomia e a capacidade de decisão diante dos avanços da IA, advertindo sobre o perigo de delegar decisões às máquinas quando estas decisões comprometem a liberdade e a responsabilidade humanas e estão desvinculadas de considerações éticas.

No âmbito da justiça, alerta-se para os riscos de permitir que a IA tome decisões que devem permanecer sob controle humano, como na administração da justiça e na aplicação da lei. Critica-se a ideia de que os algoritmos possam governar contextos complexos sem considerações éticas, sublinhando que a justiça deve ser exercida por juízes e sistemas judiciais que respeitem os direitos humanos e a equidade.

Também se critica a mercantilização da educação e da cultura por meio da IA e da educação a distância, alertando sobre os riscos da automatização e da perda de empregos, como ocorreu no caso dos atores de Hollywood. Além disso, discute-se o impacto da IA na economia global, com projeções de que ela poderia adicionar trilhões de dólares, mas à custa da precarização do trabalho.

O texto explora a colonialidade do poder, do saber e do ser, propondo uma crítica contracolonial que vá além da descolonização, questionando as estruturas coloniais ainda presentes na produção do conhecimento. Menciona-se pensadores como Frantz Fanon, Aníbal Quijano e Ailton Krenak, que defendem uma humanidade mais conectada com a Terra e menos centrada na exploração utilitarista.

No campo da educação, destaca-se a necessidade de repensar o uso das tecnologias em sala de aula, promovendo uma pedagogia que fomente a autorregulação e a democracia. Por fim, sublinha-se a importância da autonomia universitária e da liberdade acadêmica em um contexto de avanço do capitalismo universitário, defendendo a educação como um bem público e não como mercadoria.

Enfim, o texto propõe uma reflexão crítica sobre o impacto da IA na sociedade, defendendo uma abordagem ética e decolonial que priorize a dignidade humana, a justiça social e a democracia na era digital, incluindo a aplicação da justiça por sistemas judiciais e juízes que respeitem os princípios éticos e os direitos humanos.

De modo mais sensível o texto começa com uma saudação ao Chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e das Ciências Sociais, Peter K. Cardeal Turkson, e à Senhora Presidente Helen Alford, do workshop “Inteligência Artificial, Justiça e Democracia”.

Saudações também a todos os participantes do workshop e àqueles que fazem parte do Painel O Impacto da IA nos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais. E, com o sentimento compungido naquele momento pela internação do papa Francisco da qual sobreveio a sua passagem – sua páscoa – como dizemos os cristãos, uma exortação por nos reunir, então,  com os corações elevados em fervorosa oração pela recuperação do Papa Francisco, solidários com seu sofrimento, mas com a fé inabalável de que sua grande força espiritual e discernimento se fazem mais do que nunca necessários para abrir caminhos que orientem nossas ações rumo à edificação do mundo e à jornada da transcendência.

A partir daí, a preocupação de sintonia com os pressupostos da convocação do Seminário, inscrito na consideração da dignidade humana e ética na Inteligência Artificial. Abrir essa perspectiva significa levantar questões que nos permitam recuperar o sentido de nossa própria existência, não apenas em termos de existência humana, mas também quanto às relações que estabelecemos entre nós e com o mundo.

Em consonância com a exortação do Papa Francisco para guiar as perspectivas de reflexão que devem orientar este Encontro, as recentes manifestações de dignitários da Santa Sé têm apontado no sentido de preservar a dignidade humana como referência ética para pensar as novas tecnologias.

Um recurso para a paz, mas também uma possível ameaça existencial. Assim, no Fórum da OSCE para Segurança e Cooperação, monsenhor Caccia, observador permanente da Santa Sé na ONU, adverte sobre os riscos associados ao uso de instrumentos inovadores no campo militar, a começar pela Inteligência Artificial, enfatizando a impossibilidade de se governar tais contextos apenas por meio de algoritmos.

Rumo a uma ‘Algor-Ética’: Dignidade Humana na Era da IA. Na convocação deste workshop, o Papa Francisco fez um poderoso chamado para priorizar as considerações éticas no desenvolvimento e uso da inteligência artificial. Ele adverte sobre o perigo de permitir que as máquinas tomem decisões que devem permanecer sob controle humano, especialmente em áreas como sistemas de armas automatizadas, administração da justiça, busca pela verdade e prática da cidadania democrática. De fato, o impacto da IA dependerá de seu uso consciente, das considerações éticas e das estruturas de governança para maximizar os benefícios e minimizar os riscos.

O Santo Padre introduz o conceito de “algor-ética”, enfatizando a necessidade de uma moderação ética dos algoritmos e programas de IA para garantir que sirvam à humanidade. Junto com o Papa Francisco, destacamos a importância de priorizar a dignidade humana, a autonomia e a tomada de decisões frente aos avanços da IA. Advertimos sobre o perigo de delegar decisões às máquinas quando essas decisões minam a liberdade e a responsabilidade humanas e estão desvinculadas de considerações éticas.

Existe, no entanto, o risco de que a IA seja usada para promover o “paradigma tecnocrático”, que considera que todos os problemas do mundo podem ser resolvidos apenas por meios tecnológicos. Dentro desse paradigma, a dignidade humana e a fraternidade são frequentemente subordinadas à busca da eficiência, como se a realidade, a bondade e a verdade emanassem inerentemente do poder tecnológico e econômico. No entanto, a dignidade humana nunca deve ser violada em nome da eficiência. Os desenvolvimentos tecnológicos que não melhoram a vida de todos, mas criam ou agravam desigualdades e conflitos, não podem ser chamados de verdadeiro progresso. Por isso, a IA deve ser colocada a serviço de um desenvolvimento mais saudável, mais humano, mais social e mais integral.” Papa Francisco

A primeira questão que pode ser colocada, como forma de entrelaçamento a partir desses termos, é: de que humanidade e de que humanidades estamos falando? Disso trata o meu texto.

Agora sai a Declaração de Consenso do Workshop sobre Inteligência Artificial, Justiça e Democracia. Nada mais próprio, no espírito da Coluna Lido para Você do que compartilhar, por sua grande importância, o inteiro teor do documento e a nominata de seus subscritores. O que faço a seguir:

A Pontifícia Academia de Ciências Sociais realizou um workshop sobre Inteligência Artificial, Justiça e Democracia na Casina Pio IV, na Cidade do Vaticano, nos dias 4 e 5 de março de 2025. Este encontro respondeu ao apelo do Papa Francisco por uma “ética dos algoritmos” e uma abordagem centrada no ser humano para a tecnologia, particularmente a IA. O workshop reuniu especialistas renomados de diversas áreas para examinar o profundo impacto da Inteligência Artificial (IA) na sociedade, com foco na administração da justiça, na prática da cidadania democrática e na dignidade do trabalho. O ethos e o eidos que animaram o workshop ecoaram o apelo do Papa Francisco por uma IA que respeite a dignidade humana, seja centrada no ser humano e integrada ao cuidado da nossa casa comum, “para viver em harmonia com a natureza, que a respeita como fonte de alimento, lar mútuo e altar da partilha humana”. Papa Francisco, Jorge Mario Bergoglio, Carlo Musso e Richard Dixon. “Esperança”. Random House Publishing Group, 14/01/2025. Apple Books.

Com o surgimento da Inteligência Artificial (IA), estamos prestes a compreender a promessa das mais recentes ferramentas tecnológicas da humanidade. O avanço de novos modelos de linguagem de grande porte — como o o1 da OpenAI e outros — continua a impulsionar a IA para fronteiras tecnológicas conhecidas e desconhecidas. Como todas as tecnologias transformadoras anteriores, a IA cria oportunidades ao mesmo tempo em que desencadeia ameaças reais e percebidas. Assim como em mudanças tecnológicas globais anteriores, promessas e perigos coexistem, exigindo análise aprofundada e orientação cuidadosa. A IA possui um potencial significativo, mas seu progresso não deve comprometer a proteção dos cidadãos, a privacidade de dados, a desinformação ou os esforços antidiscriminação.

Nas sábias palavras do Santo Padre: “Não podemos duvidar de que o advento da inteligência artificial representa uma verdadeira revolução cognitivo-industrial, que contribuirá para a criação de um novo sistema social caracterizado por complexas transformações que marcarão época. Caberá a nós determinar a direção que tomará o uso deste fascinante — e ao mesmo tempo terrível — instrumento, um instrumento ainda mais complexo que os outros, porque pode adaptar-se autonomamente à tarefa que lhe é confiada e, se assim concebido, pode fazer escolhas independentemente de um ser humano para atingir o objetivo preestabelecido. Com Guardini, devemos dizer que todo problema de natureza técnica, social ou política pode ser enfrentado e resolvido ‘somente pelo homem’.” Papa Francisco, Jorge Mario Bergoglio, Carlo Musso e Richard Dixon. “Esperança.” Random House Publishing Group, 14/01/2025. Apple Books.

Assim como outras ferramentas humanas poderosas, a IA é um produto da criatividade humana e tem o potencial de melhorar as condições de trabalho, democratizar o acesso ao conhecimento, abrir novos caminhos na educação, promover a pesquisa científica, auxiliar os avanços médicos, combater as mudanças climáticas, automatizar tarefas rotineiras e complexas, e muito mais. No entanto, o Papa Francisco destaca a dualidade da IA, demonstrando promessa e preocupação.

Observamos que a IA está evoluindo rapidamente, com modelos de linguagem de grande porte apresentando crescimento exponencial e melhorias significativas em precisão e velocidade. Os setores estão adotando a IA rapidamente para melhorar a eficiência, a produtividade e o relacionamento com os clientes, o que pode resultar em trilhões de dólares em crescimento econômico projetado. No entanto, a IA levanta preocupações sobre fraude, desinformação e viés. Observamos como os algoritmos podem contribuir para o viés de confirmação e a possibilidade de a IA selecionar quais informações são entregues a quem, inclusive quando essas informações não são verificadas e/ou notícias que não atendem aos padrões jornalísticos (como deepfakes). Isso tem implicações negativas para a cidadania democrática, fomentando um sentimento de relutância em dialogar com aqueles com quem discordamos e uma falta generalizada de civilidade na esfera pública.

Também observamos como a educação em IA é essencial para capacitar indivíduos a compreender, se envolver e influenciar o desenvolvimento da IA ​​de maneiras que defendam a justiça, a igualdade e a dignidade. Podemos equipar as pessoas — independentemente da origem socioeconômica — com as habilidades necessárias para reconhecer vieses algorítmicos, defender a transparência e exigir governança ética da IA. Além disso, a educação em IA promove o pensamento crítico e a participação informada na formulação de políticas, ajudando as sociedades a pressionar por regulamentações que protejam a privacidade, previnam a discriminação e garantam que a IA sirva ao bem comum, e não às necessidades de poucos. Uma população global bem informada pode utilizar a IA para o progresso social, a fim de combater a desinformação, expandir o acesso à justiça e promover a proteção dos direitos humanos de maneiras que defendam a dignidade humana e a responsabilidade ética.

Reconhecemos a necessidade de escolhas intencionais para proteger a dignidade do trabalho, visto que a IA representa uma ameaça para esvaziar e desvalorizar categorias inteiras de emprego, tanto tarefas rotineiras quanto tarefas altamente qualificadas em profissões como jornalismo, medicina, direito e pesquisa científica: os primeiros artigos totalmente escritos em IA já passaram pela revisão por pares. Por outro lado, os serviços de IA se tornarão mais amplamente disponíveis e significativamente mais baratos. A intensa competição entre designers de grandes modelos de linguagem torna improvável que qualquer fornecedor comercial domine esses mercados emergentes. No entanto, ao mesmo tempo, o capital humano pode ser subvalorizado, mesmo para indivíduos que investiram quantias substanciais em sua educação. Observamos três desafios: garantir que os trabalhadores moldem o design da IA, garantir que todos os trabalhadores se beneficiem das oportunidades da IA ​​e proteger os trabalhadores dos danos da IA. Observamos que o futuro do trabalho dependerá, em parte, de se a IA será projetada com e para os trabalhadores, aprimorando a dignidade humana em vez de diminuí-la.

Em termos de mecanismos regulatórios globais incipientes para a IA, muito permanece em terra incógnita. De fato, observamos os desafios regulatórios globais que a IA representa, em parte devido à sua rápida evolução em todos os lugares e em quase todos os domínios da atividade humana. Embora existam ferramentas emergentes para serem desenvolvidas, atualmente não há consenso internacional. Observamos, entre outras coisas, como o Reino Unido tende a favorecer uma abordagem “leve” e adaptável. Enquanto a UE estabeleceu uma estrutura regulatória codificada, a abordagem federal baseada em risco dos EUA está atualmente em fluxo com a nova Administração dos EUA. Considerações éticas são essenciais para orientar os sistemas regulatórios, proteger a dignidade humana e garantir a justiça. Da mesma forma, observamos as abordagens um tanto variadas entre os países sul-americanos representados na Cúpula.

Reconhecemos que, uma vez desenvolvida, a tecnologia não retrocede. Tentar impedir o uso da IA ​​resultará apenas em desvantagem competitiva, negando oportunidades de aprendizado e cedendo progresso àqueles que a utilizam. Em vez de bloquear o uso da IA, é imperativo estabelecer barreiras que ajudem a orientar seu desenvolvimento e a integrar considerações éticas. Também observamos como a IA aplicada pode ajudar a fornecer serviços governamentais essenciais que melhoram a qualidade de vida das pessoas. 

Observamos uma série de esforços para oferecer salvaguardas e regimes regulatórios para maximizar a promessa da IA ​​e minimizar seus riscos. Analisamos a Lei de Inteligência Artificial (IA) da União Europeia, Regulamento (UE) 2024/1689, que visa criar um arcabouço jurídico consistente para o desenvolvimento, a comercialização e o uso de sistemas de IA na União, em alinhamento com os valores e os direitos fundamentais da UE. Busca promover uma IA confiável e centrada no ser humano, proteger a saúde, a segurança e os direitos fundamentais e fomentar a inovação, evitando a fragmentação do mercado. A Lei introduz regras harmonizadas para sistemas de IA de alto risco, abordando questões como qualidade de dados, transparência e supervisão humana, e proíbe certas práticas inaceitáveis ​​de IA, incluindo técnicas de manipulação ou exploração. Aplica-se a provedores e implantadores de sistemas de IA dentro e fora da UE, se os resultados do sistema forem utilizados na União. No entanto, isenta a IA empregada para fins militares, de defesa ou de segurança nacional. A Lei estabelece requisitos obrigatórios para sistemas de IA de alto risco e incentiva a alfabetização em IA para capacitar a tomada de decisões informadas sobre o impacto da IA.

Por fim, notamos que os sistemas regulatórios atuais são um tanto incipientes e incoerentes e enfatizamos a importância da supervisão ética e da responsabilidade humana no desenvolvimento e na implementação da IA.

Princípios Fundamentais

Afirmamos os seguintes princípios fundamentais para orientar o desenvolvimento e a implantação da IA:

Dignidade Humana: Os sistemas de IA devem respeitar e promover a dignidade inerente de cada ser humano.

Justiça e equidade: os esforços devem abordar e mitigar vieses em algoritmos e conjuntos de dados de IA.

Transparência e responsabilidade: a transparência na tomada de decisões sobre IA é crucial para a confiança e a responsabilidade do público.

Supervisão humana: manter o controle humano sobre as decisões da IA ​​é fundamental, especialmente em situações que mudam a vida.

Inclusão e acesso: abordar a exclusão digital e garantir acesso equitativo às tecnologias de IA é essencial.

Principais preocupações e recomendações

Os participantes do workshop reconheceram tanto o potencial transformador quanto os riscos inerentes da IA, enfatizando a necessidade de medidas proativas para abordar as seguintes preocupações:

Desinformação e manipulação: combater a desinformação gerada pela IA e a manipulação da opinião pública é crucial.

Erosão das instituições democráticas: proteger as instituições democráticas da propaganda impulsionada pela IA exige consideração cuidadosa.

Preconceito e discriminação: é essencial abordar preconceitos em sistemas de IA, especialmente na justiça criminal e no emprego.

Deslocamento de empregos: preparar os cidadãos para um mundo impulsionado pela IA inclui abordar considerações éticas e proteger os trabalhadores deslocados.

Segurança e proteção: Uma IA para a paz deve considerar os riscos de segurança e proteção impostos pela implantação de LLMs e agentes de IA que podem escalar, escapar do alinhamento com os desejos humanos e desencadear riscos existenciais para a humanidade, como os cientistas mais qualificados que criam tais modelos foram alertados.

Chamada para ação

Os participantes pedem:

Colaboração interdisciplinar: fomentando o diálogo contínuo entre especialistas de diversas áreas.

Estruturas e regulamentações éticas: desenvolver e implementar estruturas éticas que priorizem a dignidade humana.

Educação e conscientização: promovendo a educação sobre as oportunidades e riscos da IA.

Cooperação global: incentivando a colaboração internacional na regulamentação da IA.

Pesquisa e avaliação contínuas: apoiando pesquisas contínuas sobre o impacto social da IA.

Incentivando o uso responsável da IA: aproveitando o poder e a possibilidade da IA ​​para ajudar a enfrentar os desafios e oportunidades mais complexos da sociedade de uma maneira eticamente responsável.

Conclusão

O Workshop reafirmou a importância de colocar a dignidade humana e as considerações éticas em primeiro plano no desenvolvimento e na implantação da IA. Ao adotar a “ética dos algoritmos” e promover a colaboração interdisciplinar, podemos aproveitar o potencial da IA, salvaguardando a justiça, a democracia e a busca pela verdade para todos. O espírito que anima o workshop respondeu ao apelo do Papa Francisco por uma IA que respeite a dignidade humana, seja centrada no ser humano e integrada ao cuidado com a nossa casa comum, “para viver em harmonia com a natureza, que a respeita como fonte de alimento, lar mútuo e altar da partilha humana”. Papa Francisco, Jorge Mario Bergoglio, Carlo Musso e Richard Dixon. “Esperança”. Random House Publishing Group, 14/01/2025. Apple Books.

 

Insights expandidos

 

O papel da IA ​​nos sistemas de justiça

 

O workshop discutiu extensivamente a integração da IA ​​nos sistemas de justiça, destacando potenciais benefícios e riscos:

 

Eficiência e Acesso: A IA tem o potencial de agilizar processos legais, tornando a justiça mais acessível e eficiente. No entanto, isso não deve prejudicar o devido processo legal ou os direitos individuais.

Policiamento preditivo: embora ferramentas de policiamento preditivo baseadas em IA possam aumentar a eficiência da aplicação da lei, elas correm o risco de perpetuar preconceitos existentes e policiar excessivamente certas comunidades.

Apoio à Decisão Judicial: Sistemas de IA podem auxiliar juízes fornecendo jurisprudência e precedentes relevantes. No entanto, a autoridade decisória final deve permanecer com juízes humanos para garantir a compreensão contextual e as considerações éticas.

Viés na sentença: os participantes expressaram preocupação com o uso de IA em decisões de sentença, observando o potencial de vieses incorporados levarem a resultados injustos, especialmente para comunidades marginalizadas.

IA e Processos Democráticos

O impacto da IA ​​nos processos democráticos foi um foco principal:

Integridade Eleitoral: A IA pode tanto fortalecer quanto ameaçar a integridade eleitoral. Embora possa aprimorar o registro eleitoral e detectar fraudes, também pode ser usada para criar deepfakes e disseminar informações enganosas.

Campanha política: O uso de IA na microsegmentação de eleitores levanta questões éticas sobre privacidade e a potencial manipulação da opinião pública.

Formação da opinião pública: algoritmos de recomendação baseados em IA em plataformas de mídia social podem criar câmaras de eco e polarização, afetando a qualidade do discurso público.

Participação cidadã: as ferramentas de IA podem aumentar a participação dos cidadãos nos processos democráticos, mas devem ser projetadas para serem inclusivas e acessíveis a todos.

Desenvolvimento Ético de IA

O workshop enfatizou a necessidade de desenvolvimento ético de IA:

Equipes de desenvolvimento diversificadas: garantir a diversidade nas equipes de desenvolvimento de IA é crucial para mitigar preconceitos e considerar perspectivas diversas.

Dados de treinamento éticos: a importância de usar dados de treinamento precisos, de origem ética e representativos foi destacada para evitar perpetuar vieses históricos.

IA explicável: desenvolver sistemas de IA que possam explicar seus processos de tomada de decisão é crucial, especialmente em áreas de alto risco, como justiça e governança.

Monitoramento e auditoria contínuos: auditorias regulares de sistemas de IA para detectar vieses e consequências não intencionais são necessárias para manter sua operação ética.

Governança Global da IA

Os participantes enfatizaram a necessidade de cooperação global na governança da IA:

Padrões internacionais: desenvolvimento de padrões internacionais para desenvolvimento e implantação de IA, especialmente em processos democráticos e de justiça.

Compartilhamento de dados transfronteiriços: Estabelecer estruturas éticas para o compartilhamento de dados transfronteiriços para aprimorar as capacidades da IA ​​e, ao mesmo tempo, proteger a privacidade e a soberania.

Diplomacia da IA: promover o diálogo entre nações para abordar potenciais conflitos motivados pela IA e garantir acesso equitativo às tecnologias de IA.

Ética global da IA: propor uma estrutura global para a ética da IA ​​para oferecer orientação sobre o desenvolvimento ético e o uso da IA.

Observações Finais

Atendendo ao apelo do Papa Francisco, o Workshop sobre Inteligência Artificial, Justiça e Democracia concluiu-se com um compromisso renovado de garantir que a IA sirva aos melhores interesses da humanidade. Ao enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades apresentadas pela IA, podemos trabalhar em direção a um futuro em que a tecnologia promova a justiça, fortaleça a democracia e defenda a dignidade humana. Os participantes comprometeram-se a dar continuidade a este diálogo vital e a traduzir estes princípios em políticas e práticas viáveis ​​nos seus respetivos campos e jurisdições.

 

Assinam a Declaração:

Cardeal Peter KA Turkson, PAS e PASS Chanceler; Irmã Helen Alford, Presidente da PASS; Marcelo M. Suárez-Orozco, Conselho do PASS; Gustavo Béliz, PASS; Christoph Engel, PASS; John McEldowney, PASS; O Exmo. Roberto Andrés Gallardo, COPAJU; A Hon. Tamila Ipema, COPAJU; O Exmo. Daniel Urritia Laubreaux, COPAJU; O Exmo. Ana Algorta Latorre, COPAJU; O Exmo. Gustavo Daniel Moreno, COPAJU; O Exmo. María Julia Figueredo Vivas, COPAJU; A Hon. Ivonne Hao; O Hon. Jason Snyder; O Hon. Joe Kennedy, III; O Hon. David Lowy; Professor Michael J. Ahn; Vipin Mayar; Molly Kinder; Rómulo Rubén Abregú; Elinay Almeida Ferreira; Angélica Aquino Suárez; Raúl Arroyo; Lisa L. Atkinson; Alberto Bastos Baleazeiro; Lenia Batres Guadarrama; Maximiliano Francisco Benítez; Edward Sidney Blanco Reyes; Emília Bustamante Oyague; Ricardo Canales Herrera; Camilo Javier Cantero Cabrera; Teresa Cárdenas Puente; Marta Cartabia; Hugo Cavalcanti Melo Filho; José Geraldo De Sousa Júnior; Valeria De Los Angeles Diaz; Luis Duacastella Arbizu; Paulo Inglês; Almudena Fernández; Genoveva María Ferrero; Mariano Gastão; Gerardo Gutiérrez Gayosso; Pedro Hartung; Fabrizio Intonti; César Raúl Jiménez; James Julian; Gabriela Lenz De Lacerda; Joy Cossich Lobrano; Lívia Cristina Marques Peres; Linda Strite Murname; Paulo Nemitz; Adriana Orocu’ Chavarria; Roberto Carlos Pompa; Ana Elizabeth Quinteros Castellanos; Julissa Reynoso; Cláudia Lucía Rincón Arango; Adriana Saavedra Lozada; Lilian Graciela Samaniego González; Maria Dolores Sanchez Galera; Marcelo Sanchez Sorondo; Pamela Scott Washington; Humberto Sierra Porto; Octavio Augusto Tejeiro Duque; Ananda Tostes Isoni; Delio Antonio Vera Navarro; Maria Alejandra Villasur García; Ivana Wolansky; Rebeca Xicohténcatl Corona; Ulises Augusto Yaya Zumaeta; Jesús Zuñiga González.

A Declaração atualiza o debate de alto nível que o Papa Francisco vinha promovendo no sentido, inclusive, de constituir um corpo sensível de juízes para a justiça social sobre inspiração da doutrina franciscana (https://brasilpopular.com/vaticano-conferencia-sobre-colonialismo-descolonizacao-e-neocolonialismo/?_gl=1*eqrfk8*_ga*MzY2NjMzODkwLjE3NDQ3NDk2NDg.*_ga_7QV39FG2L5*czE3NDcyMzk4MzAkbzUzJGcxJHQxNzQ3MjQxMDI2JGowJGwwJGgw*_ga_FPFT1WHDDQ*czE3NDcyMzk4MzAkbzUzJGcxJHQxNzQ3MjQxMDI2JGowJGwwJGgw), do qual resultou a constituição  do Comitê Pan-Americano de Juízes para os Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana e Instituto de Pesquisas Jurídicas Frei Bartolomé de las Casas (https://brasilpopular.com/juizes-que-se-comprometam-a-realizar-as-promessas-democraticas-do-direito/).

Agora em abril deu-se a inauguração da sede no Brasil do Instituto de Pesquisas Jurídicas Fray Bartolomé de las Casas (IFBC), localizada no Campus da Universidade Católica de Brasília (UCB). O evento teve aula magna do professor Eugenio Raúl Zaffaroni sobre Inteligência Artificial, Justiça e Democracia. O professor Zaffaroni atuou como juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2015 a 2022, foi juiz da Suprema Corte Argentina de 2003 a 2014 e é diretor do IFBC.

Na mesma ocasião, foi inaugurada a sede do Capítulo Brasil do Comitê Pan-Americano de Juízas e Juízes pelos Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana (COPAJU), do qual o IFBC é seu ramo acadêmico. A cerimônia reuniu a Junta Diretiva do Comitê (juiz Roberto Andrés Gallardo, Presidente do COPAJU e juíza Ananda Tostes Isoni (Presidente do COPAJU Brasil), autoridades de seus capítulos nacionais, do IFBC, do Capítulo Brasileiro do COPAJU e da UCB além de personalidades acadêmicas, líderes políticos e religiosos, e delegações de movimentos sociais, sindicatos e organizações culturais.

O juiz Gallardo e a juíza Ananda Tostes Isoni estiveram presentes nos encontros do Vaticano e são subscritores da Declaração, mobilizados, com seus colegas magistrados integrantes do COPAJU para o fortalecimento do “compromisso com a missão confiada pelo Papa Francisco como instrumentos de defesa dos direitos sociais e da dignidade humana”.

É alvissareiro, pois, para além de outras expectativas (https://brasilpopular.com/papa-leao-xiv-na-comunhao-com-deus-todas-as-divisoes-humanas-se-dissolvem-2/ ), saudar a escolha de um novo Papa, no momento em que a Declaração do Seminário é divulgada, não deixando de ser um alento, para a continuidade da discussão que nele se travou sob inspiração do Papa Francisco, a escolha do nome para marcar o prontificado: Leão XIV.

O próprio Papa explica que a escolha teve como intuito rememorar os feitos do Papa Leão XIII – 1878 e 1903. Na época, o pontífice ganhou destaque por defender os trabalhadores e a justiça social (https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/609287-rerum-novarum-abriu-caminho-para-a-evolucao-de-toda-a-legislacao-social-e-trabalhista-entrevista-especial-com-jose-geraldo-de-sousa-junior) e sua encíclica Rerum Novarum (1891), inaugurou o que se denomina doutrina social ou ensino social da Igreja.

“O Papa Leão XIII, de fato, com a histórica ‘Encíclica Rerum novarum’, enfrentou a questão social no contexto da Primeira Grande Revolução Industrial. Hoje, a instituição oferece a todos, o seu patrimônio de doutrina social, para responder a uma nova transformação e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”, disse o Papa Leão XIV. – https://ansabrasil.com.br/brasil/noticias/vaticano/2025/05/10/pela-1-vez-papa-explica-escolha-de-nome-leao-xiv_e0987264-4c79-426e-a8ee-89d509a4a827.html