sexta-feira, 23 de agosto de 2024

 

A UnB e a Escolha de Novo(a) Reitor (a): Um processo com a participação da comunidade acadêmica

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

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Encerrou-se na madrugada deste dia 23 (por volta das 5h18, conforme Correio Braziliense), o processo de apuração da consulta para a escolha de Reitor, no caso Reitora, já que as candidaturas são todas femininas, da UnB.

Em comunicado na sua página institucional, a ADUnB, sindicato dos decentes – a Consulta é um processo comunitário não oficial coma participação dos segmentos docente, técnico-administrativo e discente, organizados em suas entidades que formam uma Comissão de Organização da Consulta/COC que oferece ao Colégio Eleitoral formado pelos Conselhos Superiores a sua indicação para a indicação formal ao Presidente da República.

Pois bem, na página da ADUnB – https://adunb.org/conteudo/2983/encerrada-a-apuracao-consulta-para-reitoria-da-unb-vai-para-segundo-turno – está o comunicado, de que “Após a votação de discentes, docentes e técnico-administrativos para consulta de Reitora e Vice-Reitor da Universidade de Brasília (UnB) para a gestão 2024-2028, os dias 22 e 23 de agosto foram marcados pela apuração destes votos. O resultado deste primeiro turno trouxe a Chapa 93 – Imagine UnB, composta pelos candidatos Rozana Reigota Naves e Márcio Muniz de Farias e a Chapa 90 – Pensar e fazer UnB, com os candidatos Olgamir Amancia Ferreira e Vice-Reitor Gustavo Adolfo Sierra Romero como vencedores. Sendo assim, o segundo turno acontece nos dias 3 e 4 de setembro. A apuração dos votos, que iniciou na manhã desta quinta-feira (22/8), no Centro Cultural da ADUnB-S.Sind, chegou ao fim na madrugada de sexta (23/8), com a proclamação do resultado final”.

O exame dos documentos da apuração detalham o resultado.

O Quadro 1 registra o mapa de apuração por segmento
No Quadro 2 pode ser observado o mapa de apuração

Os dois Quadros, por segmento em valores absolutos e por segmento em valores ponderados, revelam uma assimetria interpelante. A diferença entre o número de votantes da comunidade universitária na Consulta e os números exponenciais dessa comunidade, em tese apta a votar, a partir dos registros do sistema oficial da Universidade.

Não encontrei entre os documentos da COC um quadro de resumos da formação do Colégio. Mas fui aos assentos oficiais da UnB para identificar a grandeza desses dados. Desse modo, anotei no Anuário 2023, o último disponível na Página da UnB, utilizando fontes que incluem o Censo da Educação Superior 2022 -https://anuario2023.netlify.app/grad.html#alunos-regulares-registrados-nos-cursos-de-gradua%C3%A7%C3%A3o-por-unidade-acad%C3%AAmica-e-sexo-unb-2022, elementos que revelam essa grandeza (Fonte DGP): Total de docentes ativos da UnB por grau de titulação, 2022, docentes 2.613; número de técnico-administrativos do quadro,  2022, 2.742; número de alunos regulares nos cursos de pós-graduação UnB, 2022 (2º semestre (2021), 11.020; alunos regulares registrados nos cursos de graduação 2022,  40.047 (Fonte: Censo da Educação Superior 2022).

A comparação entre esses números, tomados os dados do potencial habilitável para participar da Consulta e aquele que efetivamente, compareceu, abre múltiplas possibilidades de indagação acerca do alcance da participação da comunidade acadêmica para realizar esse fundamento democrático no processo de escolha.

Processo que defendo e do qual já me vali, tendo sido indicado pela Comunidade, em Consulta obediente ao mesmo método e que se constituiu um fator preponderante para mobilizar a decisão do Colégio Eleitoral Especial formado pelos Conselhos Superiores.

De resto, já fiz a defesa pública desse procedimento. Aqui mesmo neste espaço do Jornal Brasil Ppular, em minha Coluna O Direito Achado na Rua, publiquei artigo no qual repercuti um debate numa comunidade virtual de ex-reitores e reitoras – https://brasilpopular.com/intervencoes-nas-universidades-autonomia-e-nomeacao-de-reitores/, anotando algumas dessas razões.

Com efeito, sustentei que já na“redemocratização, em 1985, nos estertores da intervenção que impôs a UnB um agente militar do sistema de segurança nacional como Reitor, presente na Instituição por mais de 20 anos, o governo militar ainda insinuou na transição um reitor civil e acadêmico. A comunidade que sempre resistira em atos pelo fim da intervenção, rebelou-se, mas não aceitou a alternativa do ministério da Nova República, de responder à greve provocada pela recusa de nomeação de um Reitor eleito pela Comunidade (Cristovam Buarque), com a exoneração do nomeado. Não aceitou o risco de boa-fé de afastar uma nomeação ilegítima, para abrir um precedente de afastamentos de má-fé que pudesse ser produzido para afastar uma nomeação legítima. Conduziu a greve até a renúncia do nomeado, além de tudo um professor respeitado e digno”.

Daí, afirmei,  ter ficado “satisfeito com uma postagem em grupo de reitores e ex-reitores de colega que menciona situação atual em sua universidade, vivenciando condição equivalente, e ele diz: “aqui, na (…), estamos pensando em uma alternativa interna para reparar o golpe na nossa democracia de forma legal e moral, o que exigirá a concordância da comunidade acadêmica e, consequentemente, a aprovação no Conselho Universitário”… É nossa convicção que a explicitação de procedimentos e a garantia da participação da comunidade acadêmica na gestão das instituições de educação superior virá a contribuir, efetivamente, para o seu melhor funcionamento, para uma gestão mais eficiente e para a concretização de seus compromissos com a melhoria da qualidade e o cumprimento de sua função social”.

Também cheguei a presidir por duas vezes Comissões Organizadoras de Consulta (sucessão do Reitor Cristovam; re-eleição do Reitor Lauro Mohry), a primeira, com votação em cédula (não havia sistema eletrônico) e a segunda, ao que sei, todas as demais até agora, em votação eletrônica.

É óbvio que a escolha obedece a intencionalidades e serve a produzir consequências. Na primeira, numa universidade ainda unicampus, pré-expansão do REUNI, muito menos complexa quanto às expectativas de gestão e de consecução de projetos de vida e de universidade. Nas sequência, por muitas razões, incluindo a necessidade de mais debate e de mais qualificado aprofundamento da Consulta para tornar mais consciente e republicano a apresentação dos planos, conceitos, alianças, compromissos e percursos.

Mencionei isso em artigo que publiquei no Correio Braziliense às vésperas do primeiro turno (https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2024/08/6922511-darcy-ribeiro-a-unb-e-suas-peles.html), valendo-me da metáfora das peles de Darcy, para acentuar as características e as exigências de um modo universitário, que é por definição pedagógico, não só em sentido epistemológico, mas também no seu sentido político.

Assentei que “assim como Darcy, também a UnB vai trocando suas peles, porém sempre renascendo em seus novos revestimentos. É a universidade tridimensional, conforme a pele interdisciplinar que lhe vestiu Cristovam Buarque; é a pele da inquietação, para abrir-se aos desafios da redemocratização, propostos pelo reitor Antonio Ibañez; é armadura da inclusão e dos direitos humanos, numa universidade alavancada pela demanda técnica de inovação e de responsabilidade social, até atingir os indicadores internacionais de excelência que foram alcançados na gestão da reitora Márcia Abrahão Moura”.

E considerei que, ao avizinhar-se uma nova troca de pele, com  a UnB entrando“em processo de consulta para a escolha de um novo reitor. Será uma reitora. Três mulheres, nutridas pelo ethos do generoso projeto que formou a UnB. Todas leais aos seus princípios, numa garantia de que não haverá traição à concepção dessa bela utopia acadêmica. Saudável exercício democrático-universitário que se fixará nas distinções sutis das propostas, a qualificação das associações que as pretendam realizar, a correspondência entre discursos, experiências e práticas. Separado o joio do trigo, agora o cuidado é separar o joio do joio e o trigo do trigo”. Tanto que a“Universidade de Brasília (é destinada), sobretudo, a assessorar tecnicamente o governo brasileiro e tem por objetivos a formação científica de alto nível e o estudo dos problemas nacionais, no propósito de contribuir para a formação de soluções compatíveis com a realidade do país, (…) (de modo) que essa universidade (se constitua) em núcleo de uma autêntica elite intelectual empenhada no estudo e na solução dos múltiplos problemas nacionais no campo da cultura”.

Para esse debate, para essas distinções sutis, entre joio e joio e entre trigo e trigo, é que deve voltar-se a nossa maior preocupação.  Em que pese toda o discernimento da COC, refiro-me por exemplo, ao incidente de questionamento da urna da Faculdade de Direito, verificada uma inconsistência por erro inclusive da Comissão Eleitoral (os mesários constataram o ocorrido em ata: que os votos dos estudantes foram feitos em cédula de professores e depositada na urna dos discentes (urna correta), pela a falta de cédulas dos estudantes), a COC, mesmo com encaminhamento de anulação da urna, a validaram, por unanimidade, ao entendimento democrático-constitucional de que prevalece sobre qualquer circunstância que não seja fraudadora, o direito de voto, da intenção civil-democrática do eleitor, um dos fundamentos da cidadania.

Convicto da legitimidade do processo o que estou pondo em causa, à luz do fecho do primeiro turno, é que se abra uma perspectiva avaliativa sobre as exigências pedagógicas para superar essa distância de participação e de engajamento, no intento de buscar formas pedagógicas para maior intensificação desse processo, no geral, e pensando também o segundo turno, ainda num período de alto esvaziamento da universidade pelas circunstâncias de diferentes posicionamentos no movimento de greve, com alunos e professores entre os que já encerraram as suas atividades acadêmicas e um segmento presente na sua totalidade, os servidores, muito determinados em inserir suas pautas e suas expectativas corporativas na agenda de compromissos das candidaturas. Mais que nunca o debate se faz necessário e é importante proporcionar as condições para que ele seja promovido.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

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