quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Pelas ruas de Coimbra, Portugal: Feliz 2018!

Coimbra, Portugal, 28 de dezembro de 2017

Prezadas(os),

Bem, quando penso em escrever alguma carta, penso nas cartas que encaminho, mensalmente, para a Ailinha (minha filha de 9 anos), que está no Brasil enquanto faço meu doutoramento em Portugal. Construímos essa relação de escrevermos cartas, uma para outra, não para diminuir a saudade, mas para termos algo de palpável, além da distância, que é recebida pelos diversos sentidos ao chegar pelo correio.

Outra ideia que tenho de cartas são ultrarromânticas e vem de um filme maravilhoso que vi ano passado (2016) no Brasil, em Brasília, “Cartas de Guerra”[1]. Esse é baseado no precioso livro, do escritor português António Lobo Antunes, "D'este Viver Aqui Neste Papel Descripto – Cartas da Guerra", da Editora Dom Quixote. Chorei muito ao vê-lo e agora choro ao lê-lo. Tudo o que está lá escrito são as poesias mais tenras possíveis.

Portanto, minha pretensão aqui não é escrever uma “carta” para o Grupo de Estudos Diálogos Lyrianos, pois poucas pessoas são capazes de lidar bem com este gênero textual. Mas acho que posso, conforme fui convidada, dividir algumas impressões pessoais, sempre subjetivas e sensíveis, de como está sendo toda essa minha experiência por aqui, nestes 4 meses de descobertas. Sobretudo, posso compartilhar algumas vivências (falas e pensamentos) que me impactaram profundamente. É isso que vou tentar fazer.

Como estamos em um ambiente informal, preciso enfatizar: não acredito que faltam apenas 3 dias para o ano novo – apesar do ano astrológico ser apenas depois de 20 de março de 2018! Atenção: regido por Júpiter, o ano de 2018 promete ser o ano de colheita de tudo o que foi plantado em 2017. “Ano filho”, como disse Nilton Schultz[2], de fé e expansão. Parece que será representado pelo número 2, caracterizado pelo outro e pelo desafio que é se relacionar. E a reflexão que Schultz coloca: é tempo de escolhermos o que queremos como humanidade! Então, as perguntas são: qual é nossa meta? O que queremos construir para o futuro? E, a mais essencial delas; o que estamos semeando neste momento?

Não se espantem. Minha conversa é sempre assim, meio astrológica, meio zen, mas já vai fazer sentido. Isso acontece pois, na minha perspectiva, o ser humano é holístico e integral – inclusive, e especialmente, espiritual, o que não se confunde, necessariamente, com religiosidade. Acredito em sincronia. Como Jung coloca: “Synchronicity is an ever present reality for those who have eyes to see.”

Meu ano de 2017 foi de muitas mudanças – e sincronias –, desde o início, em fevereiro, até o final, que como vimos só se dará em março de 2018. Entre Brasil, um pouquinho de Escócia e Portugal passei por diversos aprendizados cheios de pessoas especiais. Não posso continuar sem agradecer, além do apoio da minha família, o apoio superespecial da Profa. Nair e do Prof. JG na minha vida. Mas, também, de várias outras pessoas tão essenciais neste ano (e algumas do ano anterior), como: Rui Calado, Lívia Gimenes, Leandro Gomes, Ana Rodino, Renato Zerbini, Matías Penhos, Cláudia Passos, José Pacheco, Ricardo Dornelles, Welligton Almeida, Michelle Moraes – as heroínas, como sempre. Por aí vai. Com certeza, a lista é muito maior...

Gosto muito de uma outra frase do Jung: “Who has fully realized that history is not contained in thick books but lives in our very blood?” Portanto, nossas vidas e experiências são vividas a partir do nosso sangue, em nossos corpos (embodied), e a nossa construção e história só vem daí.

No doutoramento, estou aprendendo junto a autoras fortes – como uma vez sugeriu Debora Diniz em seu livro “Carta de uma orientadora” (único livro de metodologia que trouxe para Coimbra). Dessa vez, do meu emaranhado de costura, escolho Butler (2009, p. 3), que considera:

To be a body is to be exposed to social crafting and form [...] the body is exposed to socially and politically articulated forces as well as to claims of sociality – including language, work, and desire – that make possible the body’s persisting and flourishing.[3]

Nesse sentido, nada tenho a falar “do que” e “além das” minhas próprias experiências, não neutras, e da minha percepção. Isso é algo que aprendo a cada dia. E, fazendo essa reflexão, quantas coisas se passaram, e quantos pensamentos e momentos, que me marcaram este ano. Tudo isso junto com o Fado de Coimbra. Como a situação inusitada que passei no outro dia quando parei meus estudos à noite para ouvir, na varanda do meu apartamento, um Fado cantado para uma vizinha. Isso é lindo! A vida é feita dessas experiências – por amor, vamos guardar as belas e aprender “com”, e aprender “a” ressignificar, as não tão belas assim.

Já que, pra Nun[4] (2014, p. 22); “en la mente humana no hay forma de borrar. El único recurso es escribir sobre lo ya escrito. […] agitar es desrutinizar, es hacer que lo normalizado deje de serlo para abrirle paso a nuevas ideas, a nuevas formas de mirar la realidad”.

Um outro momento belo vivido aqui, que me tocou o corpo, foi a “Oficina: Poéticas de gênero em interseccionalidade social”, com a Doutoranda Dodi Leal (Universidade São Paulo/ Curinga de Teatro do Oprimido – o que ela chama de “Teatra da Oprimida”). No diálogo, por meio de diversas atividades e práticas, encontramo-nos à procura do pensamento sensível (artístico) e simbólico (cultural) relacionado à questão de gênero e ao processo da ressignificação da subjetividade.

Ainda, uma passagem bela, que me tocou a alma, foi a palestra Pedagogias decoloniales, da Profa. Catherine Walsh (Universidad Andina Simón Bolivar). O curso foi anunciado com o seguinte objetivo:

Walsh nos propone una lectura desde el grito, desde la grieta, desde la urgencia de este tiempo haciendo evidente que el ejercicio de pensar y hacer pedagogía Otra implica restaurar el vínculo entre pedagogía y resistencia, pedagogía y territorio, pedagogía y defensa de la vida, en fin, entre pedagogía y (re)existencia.[5]

Catheria Walsh disse, como havia aprendido há muito tempo com a Profa. Rita Segato (um dos exemplos é seu artigo "Brechas descoloniales para una universidad nuestroamericana"), que a revolução é feita pelas brechas (grietas) e não pela mudança de uma estrutura em sua totalidade. Notei como Walsh falava muito a palavra senti – e não penso, acho e/ou acredito – e como isso me toca intimamente. Ela sugeriu, também, pensarmos “desde” e “com” grandes autores, tais como: Frantz Fanon, Jacqui Alexander e Paulo Freire.

Walsh alertou para não criarmos os mesmos binarismos que criticamos! Precisamos de sementes no coração! Sementes na vida! Disse para atuarmos nas grietas, mas que a brecha não é a meta, ao contrário, é apenas um meio. A meta é decolonizar – o que me faz lembrar a frase de Boaventura de Sousa Santos, destacada por Arata[6] (p. 7), “a educação popular deve ser: descolonizadora, despratriarcal e democratizadora”. A meta, assim, é inclusive, e principalmente, para mim, decolonizar meus mundos – meu corpo, meus sentimentos, meus pensamentos e minhas emoções.

Grimson[7] (2014) destaca a importância do fator cultural – isto é, valores, sentimentos, significados e símbolos construídos coletivamente – (e sua restrição) para o desenvolvimento e a ressignificação de projetos. Pois, “en el mundo de la cultura las concentraciones de poder reducen diferentes autonomías. [...] vivimos así en países con gigantescas injusticias culturales” (GRIMSON, 2014, p. 11-12).

Assim, na busca da minha autonomia, lembro da reflexão de Alan Watts: “Acordar para quem você é, requer desapego de quem você imagina ser”. Desaprender, às vezes, é mais importante do que aprender e, efetivamente, apreender. Tudo isso é político.

Busco nas palavras de Juan Carlos Monedero[8] a síntese dessa grande ideia na frase: “cualquier reclamación moral que no tenga una salida política nos condena a parálisis”. Monedero pondera em sua fala algo que ressoa em mim: “Doler, saber, querer, poder y hacer. Pero si no se es capaz de transformar el dolor en conocimiento no vas a cambiar nada. Vivimos en sociedades anestesiadas”. Para movermos para uma mudança é necessário assimilarmos, da nossa dor e derrota, a crença na capacidade que podemos sim reescrever nossa história.

Como Boaventura de Sousa Santos[9] colocou ao final da sua palestra, na Sessão de Abertura da Conferência Cem anos que abalaram o Mundo: hipóteses emancipatórias: “Democratizar a revolução e revolucionar a democracia. [...] Não é a exclusão que gera a resistência, é a ideia da esperança. E para ter esperança é preciso ter uma alternativa”.

Por fim, essa pseudo-carta parece muito sentimental e, também, um pouco utópica. Mas, como ando lendo pelas ruas de Coimbra: “Acreditamos na utopia, porque a realidade parece impossível!!!”

Espero que tenham gostado das novidades e até uma próxima.

Vannessa Carneiro

Doutoranda no Programa Direitos Humanos nas Sociedades Contemporâneas – Centro de Estudos Sociais – Universidade de Coimbra
Bolsista da CAPES – Brasil
Membro do Grupo de Pesquisa do CNPq "Direitos Humanos, Educação, Mediação e Movimentos Sociais”




 


[1] Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt4704422/. Acesso: dezembro de 2017.
. Acesso: dezembro de 2017.
[3] Butler, Judith. Frames of War: when is life grievable? 2009. Editora Verso.
[4] Nun, José."El sentido común y la construcción discursiva de lo social". Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20140617035730/culturas.pdfhttp://ces.uc.pt/en/agenda-noticias/agenda-de-eventos/2017/pedagogias-decoloniales. Acesso: dezembro de 2017.
[6] Arata, Nicolás. “Los desafíos de la educacación popular latino-americana: aportes desde el Foro Mundial de Educación”. Disponível em: https://elpais.com/elpais/2016/01/27/contrapuntos/1453905495_145390.html. Acesso: dezembro de 2017.
[7] Grimson, Alejandro. "Políticas para la justicia cultural". Disponível em: . Acesso: dezembro de 2017.
[8] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0pkwSLONO9c&feature=youtu.be>. Acesso: dezembro de 2017.
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2 comentários:

  1. A primeira Carta já deixou marca em estilo e modo de fazer interlocução. Abre expectativa para as próximas.

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  2. Life is a joy if lived fully. Nicely crafted piece.

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