O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos*
José Geraldo de Sousa Junior
Ex-Reitor da UnB (2008-2012), coordena o Projeto O Direito Achado na Rua
Compareço entre nostálgico, porque testemunho o encerramento de um ciclo - refiro-me à última edição impressa do Jornal Estado de Direito essa utopia editorial liderada por Carmela Grune – e radiante, conhecendo-a e sabendo que ela avança, por ser utópica – para outro ciclo de um projeto generoso, desde a origem, inscrito num compromisso com a leitura critica que orienta a ação transformadora da realidade social.
Escrevi, lá atrás, num dos primeiros números, em 2008, um pequeno artigo tratando do tema de cotas contra a desigualdade social; depois, em 2013, um outro texto elaborado como desafio à magistratura, interpelando-a a impregnar-se do humano que se realiza na rua (penso no meu tema recorrente figurado em O Direito Achado na Rua), para convocar os magistrados a abrirem-se às exigências do justo, para instalar o ato de julgar no campo dos direitos humanos.
Na última edição impressa não posso deixar de revisitar essa utopia que vislumbra o estado de direito enquanto materialização de direitos humanos. Ainda que o debate sobre os direitos humanos suscite inúmeras controvérsias, somente posso considerá-lo na medida de um duplo desafio: primeiro, avançar para alem da teoria liberal e das concepções de justiça e de sociedade aprisionadas nesse paradigma; segundo, conhecer-se e ser reconhecido no dialogo com as lutas sociais por emancipação e dignidade.
Assim, cogitar da teoria e da história dos direitos humanos, especialmente, a partir do Brasil, parece algo pertinente, sobretudo desde uma aproximação que encontra, na America Latina, novos horizontes epistêmicos; no Estado, um complexo agente de garantia e, simultaneamente, de violação de direitos; e nas lutas sociais, o compromisso ético-político que põe em movimento e dá fundamento a uma sociedade livre, justa e solidária.
Juntamente com um parceiro de pesquisa e em co-autoria – refiro-me ao professor Antonio Escrivão Filho, procuramos abrir um debate orientado por esses pressupostos, para interrogar os direitos humanos desde uma perspectiva política, teórica e conceitual, o que fizemos por meio do livro “Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos” (Editora D’Plácido, Belo Horizonte, 2016). Neste livro, aproveitamos uma reflexão por nós acumulada numa sequência de cursos e escritos que realizamos em conjunto em diferentes espaços e auditórios, construindo uma rica interlocução à base de algumas singularidades.
De um lado, recusar a abordagem linear segundo a qual os direitos humanos se manifestam por etapas, como se fossem um suceder de gerações, em espiral evolutiva, de cujo evolver naturalizado derivassem os direitos individuais, civis e políticos, seguidos dos direitos econômicos, sociais e culturais. Em vez disso, buscar conferir os processos ou as dimensões, designadas num cotidiano de afirmação e de reconhecimento, do qual emergem de modo indivisível, interdependente e integralizados os direitos humanos, manifestados ontologicamente na realidade instituinte e deontologicamente, abrigados num plano de garantias institucionalizado.
De outra parte, rastrear a emergência dos direitos humanos como projeto de sociedade. Vale dizer, na consideração de que não se realizam enquanto expectativas de indivíduos, senão em perspectiva de coletividade, como tarefa cuja concretização se dá em ação de conjunto.
Assim sendo, partimos do debate conceitual dos direitos humanos, para esboçar o panorama do cenário internacional e de sua emergência histórica, no mundo e no Brasil. Para, desse modo, articular o seu percurso no contexto da conquista da democracia, assim designada enquanto protagonismo de movimentos sociais, ao mesmo tempo sujeitos de afirmação e de aquisicão dos direitos humanos. Em relevo, pois, a historicidade latino-americana para acentuar a singularidade da questão pós-colonial forte na caracterização de um modo de desenvolvimento que abra ensejo para um constitucionalismo "Achado na Rua". Problematiza-se, em conseqüência, os modos de conhecer e de realizar os direitos humanos, em razão das lutas para o seu reconhecimento, a partir das quais se constituem como núcleo da expansão política da justiça e condicão de legitimação das formas de articulação do poder e de distribuição equitativa dos bens e valores sociamente produzidos".
Em suma, compreender os direitos humanos dentro de “um programa que dá conteúdo ao protagonismo humanista, conquanto orienta projetos de vida e percursos emancipatórios que levam à formulação de projetos de sociedade para instaurar espaços recriados pelas lutas sociais pela dignidade”.
Eis uma agenda que poderá ser seguida em novas aberturas editoriais do projeto Jornal Estado de Direito, que a criativa e instigante condução de Carmela Grune saberá oferecer no futuro imediato. Conte comigo.
* Artigo sobre o livro Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos (livro editado por Editora D'Plácido, de Belo Horizonte, autores Antonio Escrivão Filho e José Geraldo de Sousa Junior). A publicação saiu na última edição impressa do Jornal Estado de Direito, n. 50, ano X ISSN 22362584,pág. 10. O Jornal é dirigido por Carmela Grune
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