por Layla Jorge T.
Cesar*
A preservação da diversidade
cultural é fundamental para garantir que diferentes grupos sociais tenham os
seus direitos atendidos. Esta foi a premissa norteadora da investigação que
conduzi acerca dos programas de cooperação internacional em educação superior
“Tuning União Europeia” e “Tuning América Latina”.
O
programa Tuning foi originalmente concebido na União Europeia no ano 2000. O
projeto está vinculado aos objetivos de integração econômica e cultural
promovidos pela Reforma de Bolonha e pela Estratégia de Lisboa, no que se
referem à educação superior. Atualmente, o programa Tuning se tornou uma
ferramenta para avaliação de qualidade, aprimoramento da mobilidade educacional
e reforma curricular, baseado na implementação de estruturas comuns de educação
por competências em programas de 1º, 2º e 3º ciclos (graduação e
pós-graduação).
O objetivo geral do Tuning é
criar uma rede de colaboração entre diferentes regiões do mundo para elaborar
quadros de competências que guiem a reforma curricular. A proposta substitui o
modelo tradicional de educação centrado na figura docente e no conteúdo
disciplinar por outro centrado nos estudantes e na formação orientada por
competências profissionais. Apesar de sua aura transformadora, os resultados da
pesquisa indicaram que o Tuning não se propõe a romper com nenhum paradigma de
exclusão definido pelos modelos hegemônicos de educação superior.
Há dois aspectos fundamentais a
serem considerados na avaliação do programa:
1.
A natureza ideológica da “educação por
competências”: a proposta de um currículo voltado para a formação
profissional é, sem dúvida, uma expressão da mercantilização da educação
superior. A opção política por associar a educação aos mercados financeiros
traz como consequência o fortalecimento de um sistema de exclusão e
marginalização estruturais. Isto implica a manutenção da estratificação social
e a perda da autonomia curricular, uma vez que os conteúdos dos diplomas
procuram convergir com os interesses do mercado laboral;
2.
A condição de dependência simbólica e
material no contexto de cooperação internacional: a origem do processo de
colonialidade remonta à constituição da América como identidade geocultural e à
formação do eurocentrismo como instrumento de legitimação da dominação
colonial. Quando o Tuning propõe conectar sistemas de educação superior através
de quadros de competências comuns e de valor universal, pressupõe que exista
uma ontologia comum unindo as profissões e os currículos. É evidente que há
semelhanças entre as carreiras acadêmicas em diferentes regiões do mundo. O que
deve ficar claro é que estas semelhanças não são espontâneas, mas sim fruto dos
processos de colonização e da hegemonia do sistema capitalista. Além da
dependência simbólica, ficou claro durante a pesquisa que a adesão dos países
latino-americanos ao projeto foi também influenciada pelo aporte de recursos
financeiros proporcionado pela Comissão Europeia. Esta dependência material é
ainda mais grave no caso de países com menor volume de recursos voltados para a
educação superior.
Existe uma permanente tensão
entre diversidade e convergência em educação superior, e é fundamental perceber
que nossas decisões políticas contribuem para o fortalecimento de um ou outro
polo. O discurso do Tuning apresenta uma grande ambiguidade, característica do
modo de governança neoliberal emergente hoje na Europa: ao mesmo tempo em que
propõe a implementação de estruturas institucionais comuns, com a justificativa
de ampliar a mobilidade estudantil, afirma a preservação da heterogeneidade
como um de seus princípios. Esta elasticidade no discurso permite abarcar
interesses opostos, escondendo que o programa pode apresentar uma ameaça à
diversidade na educação superior. É evidente que nem todas as expressões de
conhecimento podem se encaixar no formato de competências, e a dinâmica
proposta pelo programa termina por valorizar aqueles conteúdos que beneficiam a
relação entre a universidade e o mercado de trabalho.
É claro que a mobilidade
estudantil é fundamental, mas é possível organizá-la sem que seja necessária a
padronização dos currículos ou dos formatos institucionais. No contexto em que
vivemos hoje, onde o Governo Federal prioriza o investimento público na área de
educação privada[1],
é preciso realizar uma reforma anticapitalista das nossas universidades. É
preciso recuperar o sentido de educação para o bem público e serviço à
sociedade.
Mas é igualmente preciso nos
lembrarmos de que a universidade é uma instituição eurocêntrica em sua
essência, e há limites para o seu poder de democratização cultural. É preciso
então que a universidade reconheça os seus privilégios e crie espaço na
sociedade para a emergência de novos formatos educacionais, compartilhando com
estes a sua legitimidade epistemológica e seu monopólio sobre a emissão de
diplomas que dão acesso formal ao mercado de trabalho. É preciso criar espaço
para o reconhecimento legal de saberes tradicionais, populares e indígenas sem
obrigá-los à submissão ao formato institucional universitário.
O texto completo da dissertação
segue na versão original em inglês e na tradução em português: https://www.academia.edu/13282176/DIVERSIDADE_E_CONVERG%C3%8ANCIA_EM_EDUCA%C3%87%C3%83O_SUPERIOR_uma_an%C3%A1lise_dos_programas_de_coopera%C3%A7%C3%A3o_internacional_Tuning_Uni%C3%A3o_Europeia_e_Tuning_Am%C3%A9rica_Latina
*Layla Jorge
Teixeira Cesar é mestre em Sociologia pela UnB e recém concluiu o programa MARIHE
- Mestrado em Pesquisa, Inovação e Gestão de Ensino Superior, uma ação do
consórcio entre universidades na Àustria, Finlândia, China e Alemanha. Faz
parte da rede Diálogos Lyrianos – O
Direito Achado na Rua.
[1] ANDES-SN: Em meio a cortes na educação
federal, Kroton lucra R$ 455 milhões em três meses. Ver matéria completa:
http://www.andes.org.br:8080/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=7571
Muito boa a reflexão!
ResponderExcluirVou ler a dissertação.
Abs.
Ludmila.