terça-feira, 21 de abril de 2015

Os desafios da Comissão Anísio Teixeira

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=825

MEMÓRIA E VERDADE - 20/04/2015
Cristiano Paixão e José Otávio Nogueira Guimarães
Em cerimônia a ser realizada no Auditório da Reitoria no próximo dia 22 de abril,  quando a Universidade comemora seu 53º aniversário, a Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade apresentará seu Relatório, resultado de 32 meses de  intensivo trabalho. Ao longo desses meses, a Comissão identificou a prática sistemática de violações a direitos humanos no período compreendido entre 1º de abril de 1964 e 5 de outubro de 1988.
É possível sintetizar algumas das conclusões alcançadas pela Comissão: a existência de mecanismos de espionagem das atividades de professores, servidores e estudantes; o controle ideológico exercido na contratação e demissão de professores bem como na admissão, suspensão e expulsão de alunos, a severa perseguição contra os movimentos discente e docente e uma clara conexão entre a repressão militar-policial e a censura a costumes e práticas imputadas a membros da comunidade acadêmica.
Os depoimentos colhidos revelaram a prática de crimes contra a humanidade, como o de tortura e de desaparecimento forçado, dos quais foram vítimas jovens universitários. As inúmeras prisões promovidas pelo regime foram mencionadas em muitos desses depoimentos. Lembrados e relatados também foram os atos de resistência à repressão, como as passeatas, assembleias, manifestações, impressão de textos contrários ao regime, entre outros.
Ficou ainda registrada a existência de uma atmosfera de medo, produto das ações do aparelho repressivo. Ao mesmo tempo, o exame de documentos e depoimentos evidenciou a existência de mecanismos de solidariedade entre os atingidos pela repressão.
Duas reflexões e dois desafios podem ser aqui lançados.
Primeira reflexão: a UnB não sofreu “ondas” de repressão ao longo do período ditatorial. Foi muito mais do que isso. Ela foi ocupada e instrumentalizada por um regime de força que não só espionou, perseguiu, puniu e expulsou alunos, funcionários e professores como estabeleceu um aparato de segurança e informações especializado em produzir “infiltrados”, criar procedimentos disciplinares e estimular delações. Além disso, os interventores que ocuparam a Reitoria após a destituição de Anísio Teixeira permitiram (ou incentivaram) que forças policiais e militares invadissem o campus, promovendo prisões e atos de violência. Sob o comando desses interventores, a UnB deixou de ser um território livre e passou a ser alvo  de iniciativas que visavam sobretudo à captura de opositores ao regime.
Dessa primeira decorre a segunda reflexão: a repressão generalizada efetivou-se também fora do campus. Muitos dos depoentes ouvidos revelaram episódios de torturas em locais como ministérios, garagem de prédios públicos e, claro, instalações do Exército. A perseguição foi indiscriminada – mesmo estudantes que não tinham militância política foram presos e torturados pelo simples fato de serem estudantes e residirem em repúblicas.
No momento em que a Comissão se aproxima da apresentação do seu Relatório, tornam-se nítidos os desafios que se colocam para o futuro. Dois deles são cruciais: (1) como retomar os princípios que marcaram a fundação e implantação da UnB? (2) como a Universidade pode colaborar com  uma educação para os direitos humanos, de modo que as gerações vindouras mantenham as premissas democráticas e libertárias que estavam no projeto de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro?
A Comissão inova na forma  de entregar seu Relatório. Ele permanecerá, por um mês, em hotsite hospedado no Portal UnB, aberto a críticas e sugestões de todo aquele ou aquela que queira contribuir com o trabalho de construção da verdade, memória e justiça no âmbito da Universidade. Esse trabalho não se encerra nunca, permanecendo sob a responsabilidade da comunidade acadêmica e da sociedade em geral. O Relatório é uma parte desse longo processo. Uma parte importante, mas não exaustiva. Necessária, mas não suficiente. A UnB foi protagonista na luta contra a ditadura. É hora de reiterar sua centralidade na luta por uma universidade democrática, plural e aberta.
Cristiano Paixão é professor da Faculdade de Direito da UnB e
coordenador de Relações Institucionais da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB
José Otávio Nogueira Guimarães é professor do Departamento de História da UnB e coordenador de Pesquisa da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB

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