sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Dias de fúria




Um cidadão comum de Los Angeles dirigia seu carro, ia ao encontro da filha e da mulher, de quem estava separado. Enfrentava colossal engarrafamento de trânsito. Abandonou o veículo acometido de ira incontida. A partir daí desenrolaram-se inusitadas situações no filme de Joel Schumacher, clássico ensaio sobre a neurose urbana, intitulado no Brasil de "Um dia de Fúria". Havia nas reações do personagem, ferinas críticas ao modo de vida das cidades americanas.

Os dias de revoltas nas capitais e principais cidades brasileiras não foram previstos por cientistas sociais e órgãos governamentais de inteligência. O aumento das tarifas em São Paulo e Rio desencadeou a ira coletiva das populações citadinas, na maioria jovens, indignados com a péssima qualidade de vida das nossas cidades. É um inferno viver em seu transito caótico, sem segurança, saúde e educação. E, principalmente, sem esperança. Sociólogos, antropólogos, juristas, buscam explicações, adotam esquemas teóricos insuficientes para abarcar a realidade, criada pelo modelo econômico da ditadura e pelo social dos governos do PSDB e do PT. As manifestações resultam dos movimentos da vida, dos anseios das novas gerações, sem discursos ou ideologismos.

Explicando os acontecimentos, Fernando Henrique Cardoso, praticou reducionismo sociológico, ao designar a inflação como causa principal dos movimentos urbanos. Compreensível, o político-partidário exibe a estabilização monetária como conquista do seu governo. Em parte. Sabe-se que o mercado internacional e as medidas adotadas pelo presidente Collor contribuíram para o êxito. O que dizer da corrupção, da falta de transparência nos atos governamentais?

A socióloga Nair Bicalho de Sousa assinou artigo com seu marido José Geraldo de Sousa Júnior, publicado aqui em "O Imparcial" (São Luis, Opinião, 26/06/2013) sob a epígrafe "Cidadania achada na rua", nele, relembram Roberto Lyra Filho, nosso professor no Mestrado da Universidade de Brasília-UNB, a maior expressão intelectual da cidade nos anos oitenta, quando apareciam os sinais iniciais de retorno a Democracia.

As lembranças afetivas da convivência com José Geraldo, colega de turma, posteriormente veio a ser Reitor da UNB, não se apagaram de minha memória. Muito próximo de Lyra, concorri para a aproximação de ambos, depois incluindo a sua esposa Nair. Mais adiante seriam os testamenteiros intelectuais, legatários de sua obra, de capital importância para a renovação do pensamento jurídico brasileiro. Assim, presenciei o nascimento do projeto "O Direito Achado na Rua" em seguida eficientemente por ele coordenado.

No texto assinado por ambos agregam-se outras causas para a indignação dos cidadãos: os excessivos gastos com megaeventos, tais como as Copas, as Olímpiadas, em prejuízo dos orçamentos sociais; o desrespeito aos direitos das minorias e das maiorias, além de deslocamentos urbanos forçados e o emprego excessivo da repressão policial nas manifestações. Ademais, país desenvolvido não é aquele em cada um tem um carro, e sim, o que possui bom transporte coletivo, a ser utilizado por todos.

Mais dois elementos evidenciam-se: o emprego das redes sociais na pauta e convocação dos movimentos, e a ausência de protagonistas, de lideres, outrora aproveitados como heróis na politica partidária. São ações coletivas movidas pelo conjunto da cidadania. A experiência do passado desestimula a criação de salvadores da pátria depois transformados em vilões.

Nair e Geraldo indicam a participação da sociedade, através de conferências, audiências, mesas de negociações, fóruns, como caminhos para a busca de soluções aos impasses. Tal como fazíamos na Comissão de Acompanhamento da Constituinte do Conselho de Reitores, que integrei durante os trabalhos da Assembleia. A realidade de então, se dizia, impossibilitava a Convocação da Constituinte Exclusiva. Transformou-se o Congresso, dominado por grupos corporativos, biônicos, e pelo Centrão, em Constituinte. Gravíssimo erro. Todas as conquistas dos movimentos sociais seriam adaptadas a essas conveniências.

O estágio atual da sociedade brasileira, as inovações tecnológicas, permitem agora o acato às indicações de Nair e Geraldo, para que com transparência, se refaça o pacto social, devolvendo-se o poder politico à sociedade. Do contrário, outros dias de fúria nos aguardam.

*(João Batista Ericeira é Advogado, professor universitário, diretor da EFG-MA/jbericeira.blogspot.com)

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