quinta-feira, 12 de setembro de 2024

 

“Moraes tem o poder que a Constituição lhe atribui”, diz jurista e ex-reitor da UnB

José Geraldo de Sousa Júnior, jurista, ex-reitor e professor emérito da UnB, avalia que Elon Musk, o bilionário dono do X, tem interesses ilegítimos ao desafiar a autoridade do STF

Matéria de Ana Maria Campos (Caderno Direito & Justiça, Correio Braziliense)

Ex-reitor e ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), o professor emérito José Geraldo de Sousa Júnior considera correta e medida essencial para a soberania nacional o bloqueio das atividades do X (antigo Twitter), determinado pelo ministro Alexandre de Moraes e confirmado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, Elon Musk, o bilionário dono do X, tem interesses ilegítimos ao desafiar a autoridade do STF e se negar a cumprir suas decisões. Por isso, o bombardeio.

Mas José Geraldo acredita que Alexandre de Moraes terá apoio do STF e das instituições democráticas contra os críticos que o consideram poderoso demais e autoritário. “Ele (Moraes) tem o poder que a Constituição lhe atribui. Os críticos, quem são os críticos? Há os críticos que se incomodam quando seus interesses são afetados”, afirma o professor, um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

O jurista também elogia os ministros Rogério Schietti e Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por decisões na esfera criminal que garantem os direitos de réus de serem julgados dentro do devido processo legal, independentemente do crime cometido e da “opinião publicada”.

O Supremo Tribunal Federal bloqueou as atividades do X (antigo Twitter) por descumprimento de decisões judiciais. A medida foi correta?

Corretíssima e em defesa da soberania nacional e dos interesses da sociedade, conforme previstos na Constituição e nas leis. Contra elas apenas setores obscurantistas e autoritários, associados à ganância e ao lucro a qualquer custo.

Na sua visão, o que Elon Musk pretende com esse bombardeio ao ministro Alexandre de Mores?

Quem acompanha o ativismo de Musk na esfera global tem notado que o cerne de sua atuação é o de instituir de modo privado na estrutura de governança política representada pelo Estado de Direito caracterizado pela democracia, o processo eleitoral, o funcionamento constitucional das instituições, incluindo as legislativas e as judiciárias, para criar uma “governança clandestina” (uma espécie de “estado privado e profundo”). Não só com X, mas também com a Starlink, que serve a esses objetivos, e já instalada em áreas sensíveis de segurança do país, com planos de conexão de escolas, na atuação tática da área de mineração, especialmente no território amazônico, do Brasil e dos países que compartilham o bioma, suas riquezas estratégicas, em seu significado nacional, regional e global e que pode servir para ludibriar decisões judiciais. O STF e não só o ministro Alexandre de Moraes parecem ter se dado conta disso.

Existe um movimento político contra o ministro Alexandre de Moraes. Acredita que ele vai vencer essa batalha?

Sim. Porque ele deverá contar com a solidariedade crítica do próprio Supremo, dos meios de comunicação não corporativos e não associados ao financiamento de setores do capital aliados a esse projeto e da reserva de consciência jurídica nutrida nas instituições democráticas.

Os críticos dizem que o ministro Alexandre de Moraes tem poder demais. Qual a sua opinião?

Ele tem o poder que a Constituição lhe atribui. Os críticos, quem são os críticos? Há os críticos que se incomodam quando seus interesses são afetados. Não foi assim no inquérito 470 do Supremo Tribunal Federal (STF) e na Ação Penal (AP) 470 (Conhecida como Mensalão)? Não foi assim no lavajatismo, que levou a cunhar um termo novo, o lawfare? Em qualquer caso, o devido processo legal é que deve presidir o juízo crítico da atuação judicante, e não a opinião publicada.

Ao convidar o ministro Alexandre de Moraes para a tribuna de honra do desfile do 7 de Setembro, o presidente Lula passa alguma mensagem?

A mensagem que confia e que se submete ao governo do direito. Agora e quando se submeteu às decisões que o sentenciaram à prisão por mais de 500 dias, até ser inocentado, no âmbito do devido processo legal, sem recorrer a mobilizações subalternas que ainda se dão nos 8 de janeiro, nos 7 de setembro e nas injunções anticonstitucionais por auto-anistia.

Acha que estamos evoluindo na jurisprudência penal do STJ?

Penso que sim. Quando um ministro — Rogerio Schietti — decide que  “a confissão como fonte para uma eventual avaliação judicial do acusado só pode ter valor quando prestada em um ambiente institucional próprio, com garantias”, confirma essa evolução.

O garantismo vem predominando nas decisões. Isso é positivo?

Ainda não, mas já aponta um horizonte descortinável, positivo, de avanço. Veja as decisões da ministra Daniela Teixeira no reconhecimento de provas produzidas com violação do direito ao silêncio, garantido constitucionalmente. Aqui neste espaço do Direito & Justiça, a ministra fez profissão de fé garantista: “Na prática, eu sempre vou garantir o direito de defesa do réu. Por pior que tenha sido o crime por ele cometido. Ele matou? Tem prazo para a prisão, tem direito a atenuantes, tem direito a tratamento digno. Sei que muitas pessoas não entendem, criticam e me mandam “adotar o criminoso”. Mas vou sempre acreditar na força da lei, nas regras decididas pelo Poder Legislativo, que representa o povo. Como juíza, cabe a mim aplicar a lei processual e a lei penal e não fazer julgamento moral do réu”.

Qual é o principal debate jurídico que precisa ser travado neste momento, na sua avaliação?

Não fazer da lei uma promessa vazia de realização do Direito. Discutir o acesso democrático à Justiça e a própria Justiça a que se quer acesso. Ser guardião, como escreveu um colega meu Antonio Escrivão Filho, e não porteiro da Constituição (Kafka), principalmente em temas como direitos humanos (vida), em face do neoliberalismo (coisificação do humano). Fazer-se teoricamente sensível às exigências do justo (conforme vem indicando o CNJ sobre protocolos para decisões com enfoque de gênero, antirracistas, atentas a sistemas ancestrais de juridicidade). Compreender que a Constituição não é só o texto que a veicula, mas são as disputas por posições interpretativas que a realizam. Em suma, com Victor Nunes Leal (antigo ministro do STF, aposentado pelo AI-5), referindo-se ao Supremo, esperar que a sua atenção capte o movimento do direito a andar pelas ruas porque, “quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a aresto”.

FonteCorreio Braziliense

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

 

Universidade de Brasília concede título de Professor Emérito ao jurista José Geraldo de Sousa Junior

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O jurista é colunista do Jornal Brasil Popular

A Universidade de Brasília (UnB) prestou uma homenagem ao professor e jurista José Geraldo de Sousa Junior, concedendo-lhe o título de Professor Emérito. Essa honraria, reservada aos docentes aposentados que alcançaram posição de destaque em suas atividades acadêmicas, reconhece a notável contribuição do jurista José Geraldo à instituição e ao ensino jurídico no Brasil.

José Geraldo de Sousa Junior, além de ser um dos mais renomados juristas do país, teve uma trajetória marcante na UnB, onde atuou como professor e reitor. Durante sua carreira, destacou-se pela defesa dos direitos humanos, pela promoção da cidadania e pela luta por uma universidade pública comprometida com a transformação social. Sua atuação acadêmica e política sempre esteve alinhada aos princípios fundadores da Universidade de Brasília, que desde sua criação busca o desenvolvimento de um conhecimento voltado para as necessidades sociais.

Com exclusividade para o Jornal Brasil Popular, o professor José Geraldo destacou o significado profundo desse reconhecimento, que vai além de um simples título honorífico. “O título de Professor Emérito, outorgado na forma do Estatuto da UnB ao docente aposentado na Universidade, que tenha alcançado uma posição eminente em atividades universitárias, não é somente um ato celebratório, honorífico; é uma atualização de compromisso, inscrito na dupla lealdade a que convoca o projeto de fundação da UnB: lealdade aos padrões civilizatórios de conhecimento; lealdade ao povo, uma exigência de que esse conhecimento contribua para o bem viver, para atender as necessidades sociais. Ser emérito é continuar leal a esse mandato, para que a universidade se mantenha necessária e mais que isso, emancipatória.”

Esse pronunciamento reflete a essência do trabalho de José Geraldo, que sempre compreendeu a educação superior como uma ferramenta de emancipação social e de desenvolvimento humano. Para ele, a universidade deve ser um espaço de construção de um conhecimento crítico, capaz de dialogar com as demandas da sociedade e, ao mesmo tempo, contribuir para a promoção da justiça social.

A UnB, ao conceder-lhe o título de Professor Emérito, não apenas reconhece a trajetória exemplar de José Geraldo, mas também reafirma seu compromisso com os valores que ele sempre defendeu: uma educação inclusiva, democrática e voltada para o bem comum.

 

Massacres no Campo / Comissão Pastoral da Terra, Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Massacres no Campo / Comissão Pastoral da Terra, Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais. Organizadores: Maria José Andrade de Souza, Diego Augusto Diehl, Carla Benitez Martins, José Humberto Góes Júnior – Goiânia : CPT; IPDMS, 2024, 291 p.

                 

Conforme dizem os organizadores e organizadoras na Apresentação da nova publicação da CPT e do IPMDS, o relatório de pesquisa Massacres no Campo na Nova República –1985-2019, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) têm por objetivo denunciar o alto índice de impunidade que o sistema de justiça brasileiro garante aos mandantes e executores de assassinatos de trabalhadoras e trabalhadores envolvidos na luta pela terra no país. Objetiva também manter vivo o debate sobre esta situação e reivindicar que o poder público nacional promova mudanças estruturais com vistas a alterar as condições que ensejam a impunidade. Formada por mais de uma dezena de pesquisadores, a equipe do IPDMS teve a possibilidade de acessar os registros de conflitos no campo e publicações feitas pela CPT ao longo de seu trabalho pastoral de monitoramento e denúncia das violências cometidas contra trabalhadoras, trabalhadores e povos do campo, das águas e das florestas, inclusive os casos de assassinatos. Além disso, foi realizada a análise de todas as 34 edições do relatório Conflitos no Campo – Brasil publicados entre 1985 e 2019, para entender a metodologia do trabalho de monitoramento da CPT e como, ao longo do tempo, as denúncias das violências e conflitos foram estudas e trabalhadas pela organização pastoral, por pesquisadores e representantes dos movimentos sociais de luta pela terra. No desenvolvimento da pesquisa, foi percebida a dificuldade em acessar inquéritos e processos dos casos de assassinatos, fossem individuais ou coletivos, em decorrência da inexistência das peças ou da deterioração dos autos. Tal situação demonstra o descaso do sistema de justiça brasileiro com a preservação documental e da memória de suas próprias obrigações e ações, o que dificulta ou mesmo impede o acesso aos inquéritos e processos. Essa é uma das características da impunidade do sistema de justiça aos mandantes e executores de assassinatos no campo.

Por meio da documentação de casos de violência e impunidade no campo no Brasil desde 1985 (no período chamado de Nova República), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) mantém atualizados os dados sobre os conflitos no contexto agrário nacional. Até o ano de 2022, foram registrados 59 massacres (entendendo os assassinatos de três ou mais pessoas numa mesma ocasião), contabilizando 302 vítimas, com destaque para posseiros, sem-terra e indígenas.

A publicação analisa seis casos emblemáticos de massacres e as falhas encontradas nos processos judiciais, sendo resultado de uma pesquisa em conjunto com o Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) e universidades públicas como a Universidade de Brasília (UnB). As entidades organizadoras, junto com trabalhadores e trabalhadoras, comunidades camponesas e povos indígenas, experimentam uma parceria metodológica que visa ao alcance de outros casos que ainda não foram estudados, e possa provocar uma resposta do Estado brasileiro diante de tantos crimes impunes de assassinatos, contribuindo para a reversão do quadro histórico de impunidade que permeia a luta pela terra no Brasil.

No toca especificamente à pesquisa, uma formidável equipe foi montada. A começar pela coordenação do Grupo. Coordenação Executiva: André Felipe Soares de Arruda, Carla Benitez Martins, Diego Augusto Diehl, Edimilson Rodrigues de Souza, Euzamara de Carvalho, Gladstone Leonel Júnior, José Humberto de Góes Junior, Maria José Andrade de Souza. Coordenação Acadêmica: Alexandre Bernardino Costa e Cláudio Lopes Maia.

Uma nota de reconhecimento deve ser atribuída às autoras e autores, aqui relacionados, por ordem alfabética: AFONSO MARIA DAS CHAGAS, Doutor em Ciência Política (UFRGS); Professor do Departamento de Ciências Sociais – DACS/UNIR, Câmpus Porto Velho; ALESSANDRA GASPAROTTO, Doutora e Mestra em História (UFRGS). Licenciada em História (UFRGS). Professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pelotas (UFPel); ALEXANDRE BERNARDINO COSTA, Doutor em Direito pela UFMG, mestre em Direito pela UFSC e graduado em Direito pela UnB. Professor associado da Faculdade de Direito da UnB, lecionando na graduação e pós-graduação (PPGD-UnB). Professor efetivo do Programa de Pós-Graduação em Direito Humanos e Cidadania do CEAM/UnB; atual Diretor da Faculdade de Direito da UnB; AMANDA BONA, Bacharel em Direito (UNIFESSPA); Coordenadora da Equipe de Monitoramento da Reparação Integral da Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual (Adai) no projeto Assessoria Técnica de Desenvolvimento Socioeconômico às comunidades atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão; ANDRÉ FELIPE SOARES DE ARRUDA, Doutor em Direito PUC/SP. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da UFG (PPGDA/UFG) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFJ (PPGD/UFJ) e do Curso de Graduação em Direito da UFJ (FD/UFJ). Membro da Coordenação Executiva da pesquisa; ANGÉLICA FERREIRA DE FREITAS, Mestranda em Direito PPGD/UFJ. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Jataí (UFJ). Pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Facuminas. Pesquisadora de Gênero e Deficiência; ARTHUR ERIK MONTEIRO COSTA DE BRITO, Mestre e Doutor em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável pelo Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf) da Universidade Federal do Pará (UFPA); CARLA FERNANDA RODRIGUES DIAS, Ex-assentada rural. Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Goiás – Regional Goiás. Especialista em Direito do Trabalho pelo IED e Mestra em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás; CARLA BENITEZ MARTINS, Doutora em Sociologia (UFG). Mestra e graduada em Direito (UFSC e UNESP). Professora Adjunta da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB). Membra do IPDMS, tendo composto sua secretaria nacional (2016-2020). Membra da Coordenação Executiva da pesquisa; CAROL MATIAS BRASILEIRO, Doutoranda e Mestra em Direito pelo PPGD-UFMG. Pesquisadora associada ao Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais. Advogada trabalhista; CAMILA GIRON DE SOUZA, Graduanda em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora de iniciação científica pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ); CLÁUDIO LOPES MAIA, Doutor e mestre em História pela UFG, graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Possui pós-doutorado em Direito pela UFSC. Professor associado da Universidade Federal de Catalão (UFCAT). Professor efetivo do Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da UFG e do Curso de Mestrado Profissional em História da UFCAT; DIEGO AUGUSTO DIEHL, Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB); Professor de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Professor efetivo do Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás (UFG). Membro da Coordenação Executiva da pesquisa; EDIMILSON RODRIGUES DE SOUZA, Doutor em Antropologia Social (Unicamp); Professor Titular da Faculdade Estadual de Música do Espírito Santo (Fames); EUZAMARA DE CARVALHO, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Direito Humanos e Cidadania do CEAM/UnB. Mestre em Direitos Humanos pelo PPGDH-UFG. Graduada em Direito pela UFG campus Cidade de Goiás na turma “Evandro Lins e Silva” do PRONERA; Membra do IPDMS, tendo composto a secretaria nacional ( 2016-2020). Membra da Coordenação Executiva da Pesquisa ”. Assessora da Comissão Pastoral da Terra – CPT; FERNANDA DO SOCORRO FERREIRA SENRA ANTELO,  Doutora em Ciências Sociais (CPDA/UFRRJ); tem experiência em Geografia Agrária, Sociologia Rural e Políticas Públicas com ênfase em análises ambientais, conflitos fundiários e ambientais e ordenamento territorial; GLADSTONE LEONEL JÚNIOR, Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB); Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional e da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF); Membro da Coordenação Executiva da pesquisa; GUINTER TLAIJA LEIPNITZ, Doutor em História (UFRGS); Professor Adjunto da Universidade Federal do Pampa, Câmpus Jaguarão; GUSTAVO SEFERIAN SCHEFFER MACHADO, Professor da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel(2008), mestre (2012) e doutor (2017) em Direito pela Universidade de São Paulo, foi pesquisador convidado em sede pós-doutoral do CéSor/EHESS/CNRS, em Paris, França (2018) e no PPGD-UFBA, em Salvador, Brasil (2023-2024). Membro do IPDMS, tendo composto sua secretaria nacional (2020-2022). Presidente do ANDES-Sindicato Nacional; HALYME RAY FRANCO ANTUNES, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável (UnB). Graduada em Direito (UFPA). Membro da Coordenação Executiva da pesquisa; HELENA DE CASTRO DIAS, Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente, é mestranda no programa Erasmus Mundus em Direito Internacional da Segurança Global, Paz e Desenvolvimento pela Universidade de Glasgow; JOSÉ HUMBERTO DE GÓES JUNIOR, Doutor em Direito, Estado e Constituição (UnB). Mestre em Ciências Jurídicas, área de concentração em Direitos Humanos (UFPB). Professor do Curso de Direito da Universidade Federal de Goiás, Câmpus Goiás. Membro da Coordenação Executiva da pesquisa; KERLLEY DIANE SILVA DOS SANTOS, Mestre em Ciências Ambientais pelo Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da Amazônia (UFOPA). Graduada em Direito (UFPA). Técnica-administrativa em educação da UFOPA; LENIR CORREIA COELHO, Doutoranda em Direito Agrário (UFG), Advogada Popular; MARCELLE CONEGUNDES, Bacharel em Ciências do Estado pela UFMG. Tecnóloga em Gestão de Organizações do Terceiro Setor pela UNINTER. Pós-graduanda em Responsabilidade Social pela PUC Minas; MARIA JOSÉ ANDRADE DE SOUZA, Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora do Curso de Direito da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). Membro da Coordenação Executiva da pesquisa; NAYARA GALLIETA BORGES, Doutoranda em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB). Bacharel em Direito (UNESP). Professora Assistente no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT); PEDRO HENRIQUE ANTUNES DA COSTA, Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre e Doutor também em Psicologia pela UFJF. Professor do Departamento de Psicologia Clínica e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (UnB); REGINA COELLY FERNANDES SARAIVA, Doutora em Desenvolvimento Sustentável (UnB); Professora Associada da Universidade de Brasília (UnB); RODOLFO BEZERRA DE MENEZES LOBATO DA COSTA, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF); Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Paraná; SARA MACÊDO DE PAULA, Mestra em Direito Agrário pela UFG, advogada popular, artivista do Coletivo Ciganagens.

Uma equipe de ponta, epistemologicamente georefenciada, afeiçoada aos temas interpelantes que compõem o estudo e movidos por uma racionalidade diligente e instigados por inequívocos compromissos sociais.

O estudo tem essa singularidade acadêmico-analítica mas guarda pertinência com a motivação política que a partir da CPT adotou o princípio do monitoramento social estabelecendo na metodologia do relatório para a denúncia e a crítica das ocorrências de violações inscritas nos conflitos e nos massacres que caracterizam as tensões sociais sobretudo no campo.

Por isso tenho dado atenção a esses estudos e relatórios. Quando saiu a edição 2023 de um desses muito completos estudos sobre o tema dos conflitos do campo no Brasil (Conflitos no campo Brasil 2023 / Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno. – Goiânia : CPT Nacional, 2024. 214 p.: il., tabelas, gráficos, fotografias – https://estadodedireito.com.br/conflitos-no-campo-brasil-2023-centro-de-documentacao-dom-tomas-balduino/), tratei de fazer uma recensão que traduzisse a importância dessas publicações. Aliás, já antes, ao fazer a recensão do relatório de 2022, tive a oportunidade de indicar o escopo, método e procedimento de elaboração – compartilhamento dos dados por uma forte rede de intercomunicação, conforme https://estadodedireito.com.br/comissao-pastoral-da-terra-conflitos-no-campo-brasil-2022/ (Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no Campo Brasil 2022. Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT). Goiânia: CPT Nacional, 2023, 254 p.).

A propósito, sintetizei:

Conflitos no Campo Brasil 2022 vem se juntar a outros estudos importantes sobre a violência nessa que é a mais crítica faixa de agressividade da expansão capitalista e da ganância acumuladora no mundo e em nosso país. Há poucos meses, também na UnB, tivemos o lançamento de relatório semelhante, do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, sobre violência contra os povos indígenas. A propósito, meu artigo na coluna O Direito Achado na Rua do Jornal Brasil Popular:  https://www.brasilpopular.com/as-chamas-do-odio-e-a-continuidade-da-devastacao-relatorio-do-cimi-sobre-violencia-contra-os-povos-indigenas/. O Relatório pode ser consultado e copiado na página do CIMI (https://cimi.org.br/2022/08/relatorioviolencia2021/), violência contra os povos indígenas e seus territórios e sobre os conflitos no campo. Mas também quando uma virada democrática acontece no Brasil, com a volta de uma governança de base popular, participativa e radicalmente democrática que se abre à elaboração de políticas sociais e públicas que podem se valer desses estudos para orientar essas políticas.

A Publicação é um completo estudo que pode calçar muitas possibilidades de aplicação e de ações políticas para confrontar a realidade cruenta que prospecta. Basta compulsar o seu Sumário:

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

  1. MASSACRES NO CAMPO NA NOVA REPÚBLICA:

CARACTERIZAÇÕES E ANÁLISES DO PAPEL DO SISTEMA DE JUSTIÇA

1.1 DADOS E INFORMAÇÕES GERAIS DOS CASOS REGISTRADOS E DOS AUTOS LOCALIZADOS

1.1.1 TEMPORALIDADE DOS MASSACRES NO CAMPO NA NOVA REPÚBLICA 1.1.2 REGIONALIDADES E TERRITORIALIDADES DOS MASSACRES NO CAMPO NA NOVA REPÚBLICA

1.2 A RELAÇÃO ENTRE ARCO DO DESMATAMENTO E ARCO DOS MASSACRES

1.2.1 A POLÍTICA FUNDIÁRIA DA DITADURA EMPRESARIAL-MILITAR PARA A AMAZÔNIA LEGAL E SEUS IMPACTOS FUTUROS

1.2.2 O HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA E DA GRILAGEM COMO MODOS DE AQUISIÇÃO DA POSSE E DA PROPRIEDADE DA TERRA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

1.2.3 OS MASSACRES NO CAMPO NA NOVA REPÚBLICA E A DINÂMICA SOCIAL DA “FRONTEIRA”

1.3 PRINCIPAIS AGENTES ENVOLVIDOS NOS MASSACRES NO CAMPO NA NOVA REPÚBLICA

1.4 AUTOS LOCALIZADOS E NÃO-LOCALIZADOS E SEUS SIGNIFICADOS NA COMPREENSÃO DAS RAZÕES DA IMPUNIDADE

1.5 DADOS PRODUZIDOS A PARTIR DOS AUTOS LOCALIZADOS: AS POSSÍVEIS RAZÕES DA IMPUNIDADE

1.6 CONCLUSÕES PRELIMINARES SOBRE O BALANÇO GERAL DOS CASOS

  1. MASSACRES NO CAMPO NAS REGIÕES DE VIOLÊNCIA ENDÊMICA: CARACTERÍSTICAS DA ATUAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA

2.1 POR QUE OS MASSACRES NO CAMPO SE REPETEM NA REGIÃO SUDESTE DO PARÁ?

2.1.1 LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO GERAL

2.1.2 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DA REGIÃO

2.1.2.1 Modernização conservadora da agricultura brasileira, integração regional e inserção de novos atores sociais (1964-1984)

2.1.2.2. Redemocratização política, luta pela terra e reestruturação agrária do Sudeste Paraense (1985-1999)

2.2 O MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS: CASO PARADIGMÁTICO DA NOVA REPÚBLICA

2.2.1 DESCRIÇÃO DO MASSACRE

2.2.1.1 Antecedentes

2.2.1.2 O Massacre de Eldorado dos Carajás

2.2.1.3 Repercussão do massacre

2.2.1.4 Ocorrências após o Massacre

2.2.1.5 Inquérito e Denúncia

2.2.1.6 Ação Penal

2.2.1.7 Instrução e Pronúncia

2.2.1.8 Júris

2.2.1.9 Sentença

2.2.1.10 Recursos

2.2.1.11 Prisão e impunidade

2.2.2 ATORES ENVOLVIDOS NO CONFLITO

2.2.3 SIGNIFICADOS SOCIOPOLÍTICOS DO MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS PARA A COMPREENSÃO DA VIOLÊNCIA NO CAMPO NA NOVA REPÚBLICA

2.2.3.1 A “farsa” do julgamento, os limites do júri e as razões da impunidade

2.2.3.2 O uso político do julgamento pelo movimento

2.2.3.3 Memória das vítimas

2.2.3.4 Política do terror psicológico

2.2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

2.3. A CHACINA DE UBÁ: ELOS ENTRE MILÍCIAS DE FAZENDEIROS E PISTOLAGEM NO POLÍGONO DOS CASTANHAIS

2.3.1 CONTEXTO SOCIAL DA CHACINA DE UBÁ

2.3.2 A CHACINA DE UBÁ: CONTROVÉRSIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS NO CURSO DE UM JULGAMENTO DE QUATRO DÉCADAS DE TRAMITAÇÃO

2.3.3 UM PROCESSO DE IDAS E VINDAS

2.3.4. COMO O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL JULGA A CHACINA: A REALIDADE MATERIAL E SEUS REFLEXOS NA PRÁTICA PROCESSUAL

2.3.4.1 As vítimas

2.3.4.2 O Juízo e as suas relações: Ezilda Pastana Mutran e a família Mutran como síntese de latifúndio, crime e Estado

2.3.4.3 O Mandante

2.3.4.4 Os executores

2.3.4.5 Considerações Finais

2.3.5 LINHA DO TEMPO PROCESSUAL – CASO UBÁ

2.4. O MASSACRE DE PAU D’ARCO: UMA VEZ MAIS, A POLÍCIA A SERVIÇO DO LATIFÚNDIO

2.4.1 CONTEXTO DA REGIÃO E DO CONFLITO

2.4.2 O MASSACRE DE PAU D’ARCO

2.4.3 O INQUÉRITO POLICIAL

2.4.3.1 Exames médico-legais

2.4.3.2 Perícia Balística

2.4.3.3 Reconstituição

2.4.3.4 Relatório Final do Inquérito dos Executores

2.4.3.5 Buscas e apreensões

2.4.3.6 QUEBRAS DE SIGILOS BANCÁRIOS

2.4.4 O PROCESSO CRIMINAL

2.4.4.1 Denúncia (MP)

2.4.4.2 INSTRUÇÃO E PRONÚNCIA

2.4.4.3 Recursos

2.4.5 ANÁLISE QUALITATIVA E CRÍTICA DO CASO

2.4.5.1 Episódio mais violento depois de Eldorado dos Carajás

2.4.5.2 Tragédia Anunciada

2.4.5.3 Segurança Privada ou Milícias Privadas?

2.4.5.4 Grupo de Extermínio? Matadores? Justiceiros? Associação Criminosa? Milícia? Como caracterizarmos a atuação das forças policiais?

2.4.5.5 Significados dos usos da Tortura

2.4.5.6 Massacre como Recado

2.4.5.7 Sobreviventes: a morte em vida, a vida breve

2.4.5.8 Criminalização das vítimas

2.4.5.9 Executores

2.4.5.9.1 Não foi Confronto

2.4.5.9.2 O papel decisivo da Delação Premiada

2.4.5.9.3 Fraude Processual: limitações para a responsabilização

2.4.5.10 Mandantes e financiadores

2.4.5.10.1 Violência como uma prática associada a propinas

2.4.5.10.2 Consórcio de fazendeiros

2.4.5.10.3 Família Babinski: vítima da circunstância ou articuladora do massacre?

2.4.5.10.4 Superintendente Miranda, qual o seu lugar nessa história?

2.4.5.10.5 Esforços e equívocos dos inquéritos da Polícia Federal

2.4.5.11 Morte de Fernando e prisão de José Vargas: novos capítulos do conflito

2.4.6 AFINAL, AS RAZÕES DA IMPUNIDADE: COMO ACONTECE A DESRESPONSABILIZAÇÃO?

2.4.7 LINHA DO TEMPO CASO DE PAU D ́ARCO

2.5 A “GUERRILHA DO GUAMÁ” E O MASSACRE DE VISEU-OURÉM: MILITARIZAÇÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA E A CONSTRUÇÃO DA VÍTIMA COMO INIMIGA

2.5.1 CONTEXTO SOCIAL DO MASSACRE DE VISEU-OURÉM

2.5.1.1 Os empreendimentos que se instalaram na região e as relações com a comunidade

2.5.1.2 O surgimento de Quintino Gatilheiro e a Guerrilha do Guamá

2.5.1.3 A intervenção do governo do estado no conflito

2.5.1.4 A região do conflito após a morte de Quintino

2.5.1.5 Comparativo com os dados de conflitos no campo da CPT

2.5.1.6 A não configuração do massacre de acordo com os critérios da CPT

2.5.2 O MASSACRE DE VISEU-OURÉM: A DESRESPONSABILIZAÇÃO JURÍDICA DE AUTORIDADES PÚBLICAS ENQUANTO MANDANTES E EXECUTORES DE MASSACRES NO CAMPO

2.5.2.1 A incursão militar que resultou na morte de Quintino

2.5.2.2 Inquérito policial

2.5.2.3 Denúncia

2.5.2.4 Processo Criminal

2.5.2.5 Conselho de Sentença Militar: absolvições

2.5.2.6 Recursos pós julgamento

2.5.3 COMO O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL JULGA O MASSACRE: CRIMINALIZAÇÃO DAS VÍTIMAS, LIMITES DA JUSTIÇA MILITAR E AS TESES JURÍDICAS IMPULSIONADORAS DA IMPUNIDADE

2.5.3.1 As vítimas

2.5.3.2 Mandantes e executores

2.5.3.3 Principais motivações

2.5.3.4 Principais fragilidades identificadas na condução das investigações, do inquérito e do processo judicial

2.5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

2.5.5 LINHA DO TEMPO DO CASO VISEU-OURÉM (1985)

2.6 O MASSACRE DE CORUMBIARA: GRILAGEM, VIOLÊNCIA E A CRIMINALIZAÇÃO DAS VÍTIMAS

2.6.1 O MASSACRE DE CORUMBIARA: CONTROVÉRSIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS, TRAMITAÇÃO PROCESSUAL

2.6.2 “NÃO TEME A JUSTIÇA AQUELE QUE TRABALHA COM A VERDADE” OU “MISSÃO CUMPRIDA COM FIDELIDADE E ISENÇÃO”

2.6.3 “OU ACABAMOS COM OS SEM-TERRA OU OS SEM-TERRA ACABAM COM O BRASIL” – A ATUAÇÃO DÚBIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DIANTE DO MASSACRE EM CORUMBIARA

2.6.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

2.7 O MASSACRE DE FELISBURGO: CASO PARADIGMÁTICO NO SUDESTE BRASILEIRO

2.7.1 INTRODUÇÃO

2.7.2 VALE DO JEQUITINHONHA

2.7.3 FELISBURGO

2.7.4 TRANSFORMAÇÕES NAS RELAÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS NO VALE DO JEQUITINHONHA: O ACIRRAMENTO DOS CONFLITOS AGRÁRIOS A PARTIR DOS ANOS 1970

2.7.5 MASSACRE DE FELISBURGO

2.7.5.1 Narrativas do massacre

2.7.5.2 O processo judicial sobre o massacre

2.7.5.3 Um massacre anunciado

2.7.5.4 Um crime premeditado

2.7.5.5 As relações de poder e a lógica proprietária

2.7.5.6 O ódio e a “vingança” que alimentam a violência

2.7.5.7 A repercussão do Massacre de Felisburgo

2.7.5.8 Os “dois” processos do Massacre

2.7.5.9 Aspectos da impunidade do massacre

2.7.6 PARA ALÉM DO PROCESSO

2.7.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

2.8. COMO O SISTEMA DE JUSTIÇA JULGA OS MASSACRES NO CAMPO:

INTERVISÕES SOBRE OS ESTUDOS DE CASO

2.8.1. SÍNTESE DO ESTUDO DE CASO

2.8.2. INTERVISÕES E CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CASOS ANALISADOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

BIBLIOGRAFIA

 

Chamo a atenção para o relevo que os próprios pesquisadores atribuíram, na apresentação do estudo em Brasília, ao trazer o marcador de dados gerais e de análise, especialmente sobre a crítica ao sistema de justiça, um fator determinante na dinâmica dos conflitos e dos massacres. São elementos que podem operar como chaves de leitura do relatório, no que os pesquisadores designam como arco do desmatamento, uma característica da ação de deslocamento das fronteiras de demarcação do campo, entre duas concepções de produção (a do agronegócio, gerador de commodities, mercadorias para o mercado internacional; e a da agricultura familiar e cooperativada, geradora de produtos saudáveis para promover segurança alimentar e popular), coincidente com o arco dos massacres. Para ativar essa chave os pesquisadores indicaram um ementário de termos: expansão da fronteira agrícola, políticas de colonização da ditadura, caos fundiário e grilagem de terras, oligarquias locais associadas a empresas nacionais e transnacionais, controle político das forças de segurança pública e controle oligárquico do sistema de justiça e sistema de pistolagem (‘lei do cão’; ‘pedagogia do terror’).

Esses marcadores se escoram, na análise dos casos, conforme o sumário, em dois conceitos básicos. O conceito conflito, fundamental à CPT, pois, ao contrário de justificar ou significar apenas ações violentas, ele traz a prática da resistência de trabalhadoras, trabalhadores e comunidades originárias e tradicionais que lutam ativamente para conquistar a terra e manter seus territórios, numa relação de intenso conflito social contra latifundiários e empresas várias, que pretendem manter a altamente concentrada estrutura fundiária brasileira.

E o conceito de massacre.  Explicam os pesquisadores e organizadores: “Segundo o dicionário Aurélio, massacre é palavra oriunda do francês e como substantivo tem o significado de morticínio cruel; matança, carnificina. Já o verbo massacrar tem como primeira definição, no mesmo dicionário, a de matar cruelmente; chacinar. No âmbito de suas publicações, é nas que se referem ao Massacre de Eldorado dos Carajás, de 1996, que a CPT se esforça para denunciar com maior destaque os casos de assassinatos coletivos e busca ao menos definir o que para a instituição é um massacre e/ou chacina. No relatório Conflitos no Campo Brasil – 1996, abaixo de uma tabela intitulada Chacinas 1985-1996, na página 52, há a seguinte observação: “Consideramos como chacina, três ou mais assassinatos numa mesma data e conflito”. Nessa tabela estão listados, por exemplo, o caso do Massacre dos Indígenas Tikunas, no Amazonas, em 1988; da Fazenda Santa Elina, em Corumbiara/RO, em 1995; e o da Fazenda Macaxeira, estabelecimento localizado em Curionópolis/PA, mas cujos trabalhadores foram assassinados em Eldorado dos Carajás, em 1996. Todos os três casos são considerados pela CPT também como um massacre seja na descrição da tabela seja no texto de apresentação desta edição do relatório anual. Assim, a instituição pastoral segue, de certa forma, a definição da ação dada pelo dicionário e assume que chacina e massacre têm significados semelhantes, a de assassinatos coletivos, de três pessoas ou mais, numa mesma data e conflito. Essa mesma definição aparece no jornal Pastoral da Terra, nº 143, de junho de 1997, edição especial de lançamento do relatório Conflitos no Campo Brasil – 1996. Na página 10, encontra-se um texto de Alfredo Wagner Berno de Almeida intitulado Massacre, rito de passagem ao genocídio, no qual o autor afirma que “designa-se, inicialmente, como massacre ou chacina aquelas situações de conflitos agrários em que se registram pelo menos três assassinatos numa mesma ocorrência, ou seja, num só local e numa mesma data”.

O relatório permite perceber as formas pelas quais a classe exploradora utiliza o sistema de justiça para assegurar que a institucionalidade estatal atue a seu favor, ao criar as condições para a reprodução da estrutura fundiária altamente concentrada do Brasil. Mas permite também perceber que as pressões sociais, nacionais e internacionais, sobre o sistema de justiça contribuem para a mudança dessas formas. Após o Massacre de Eldorado dos Carajás, a cidade de Marabá passa a contar com unidades de órgãos federais que não existiam anteriormente no sudeste do Pará, como uma Superintendência do Incra, Ministério Público Federal e a Justiça Federal, diminuindo a dificuldade da população como um todo em acessar os serviços oferecidos por esses órgãos. Outro exemplo do impacto da pressão externa ao sistema de justiça foi no Massacre de Felisburgo, cujo tempo entre a abertura do inquérito e a decisão de pronúncia que determinou o julgamento dos assassinatos por um júri popular demandou pouco menos de um ano. A mesma celeridade não foi vista em casos anteriores nem no momento posterior, de apresentação de recursos contra a decisão de pronúncia e de julgamento.

São essas situações, em conclusão, que vão permitir entender que, apesar da mudança de alguns ritmos nos processos e ritos do sistema de justiça, este continua a atuar a favor de fazendeiros e empresários do campo. Porém, permite entender, além disso, a necessidade de as trabalhadoras e os trabalhadores permanecerem organizados e em luta, pois apenas assim se conseguirá transformar a estrutura fundiária brasileira.