quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

 

O mercado de carbono e o direito dos povos xinguanos

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Ewésh yawalapiti waurá. O mercado de carbono e o direito dos povos xinguanos. Dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Direito – Programa de Pós-Graduação em Direito. Brasília: UnB, 2023, 119 fls.

Participar da Banca Examinadora dessa dissertação, que teve a orientação do professor Antonio Escrivão Filho, representou para mim, a oportunidade de agregar ao repositório de temas sobre a questão indígena, camponesa, quilombola e de seus direitos autenticamente construídos, a amplificação da contribuição oferecida por O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática.

A dissertação defendida por Ewésh Yawalapiti Waurá, vem juntar-se a relevantes trabalhos desenvolvidos sob a perspectiva de O Direito Achado na Rua (por isso mesmo uma expressão inscrita como palavra-chave no seu enunciado catalográfico.

Relaciono aqui, sem completar o rol, alguns desses trabalhos, indicando o modo como os resenhei a partir de minha Coluna Lido para Você, publicada semanalmente no Jornal Estado de Direito:

https://estadodedireito.com.br/29767-2/  (O RETORNO DE XAWARA NO TERRITÓRIO YANOMAMI: CONFLITO, LUTA E RESISTÊNCIA. SULIETE GERVÁSIO MONTEIRO (SULIETE BARÉ).

Incluo também, desde que fiz recensões no mesmo espaço crítico, outros estudos fundantes desse campo no contexto de O Direito Achado na Rua, que abrem perspectivas de localização conforme uma linha caracteristicamente singular de interpretação da realidade.

Assim, por exemplo, o livro de Ailton Krenak  https://estadodedireito.com.br/futuro-ancestral/ agora doutor honoris causa pela UnB cujo memorial ao Conselho Universitário foi elaborado por mim, juntamente com os professores, também doutores honoris causa de nossa universidade Boaventura de Sousa Santos e Marilena Chauí. Também a tese de doutoramento em direito de Eloy Terena, de cuja banca participei na Universidade Federal Fluminense: https://estadodedireito.com.br/o-campo-social-do-direito-e-a-teoria-do-direito-indigenista/.

Algumas ligações que julgo importante fazer, a propósito da dissertação de Ewésh, eu cuidei de estabelecer ao resenhar o completo estudo promovido pelo ISA – Instituto Socioambiental, conforme: https://estadodedireito.com.br/povos-indigenas-no-brasil-2017-2022/.

Entre trabalhos de aliados da causa, engajados na defesa dos direitos indígenas em sua enunciação mais emancipatória, também do ISA – https://estadodedireito.com.br/coronavirus-covid-19-tome-cuidado-parente/https://estadodedireito.com.br/mulheres-indigenas-genero-etnia-e-carcere/https://estadodedireito.com.br/as-teses-juridicas-em-disputa-no-stf-sobre-terras-indigenas/https://estadodedireito.com.br/luis-de-camoes-lima-boaventura-autodemarcacao-territorial-indigena-uma-analise-da-via-acionada-pelos-munduruku-face-o-abandono-das-demarcacoes/https://estadodedireito.com.br/nossa-historia-nao-comeca-em-1988-o-direito-dos-povos-indigenas-a-luz-da-justica-de-transicao/.

Não faltaram nesse catálogo, contribuições a partir de contexto continental, latino-americano, relevo para as iniciativas do IIDS – Instituto Internacional Derecho y Sociedad, dirigido por Raquel Yrigoyen Fajardo, cuja defesa dos direitos humanos internacionais dos povos originários a erigem em uma das vozes mais respeitadas nesse campo. Menciono, aliás, como testemunho e colaboração: https://estadodedireito.com.br/memoria-del-i-curso-internacional-interdisciplinario-e-intercultural-proteccion-internacional-de-los-derechos-humanos-de-pueblos-indigenas/;  e https://estadodedireito.com.br/crisis-de-representacion-politica-y-demandas-indigenas-para-la-descolonizacion-del-estado/.

Menciono por fim, por se constituir uma abordagem que tal como Ewésh quer fundamentar os modos próprios de apropriação segundo seus direitos próprios  dos bens econômicos e materiais no interesse dos direitos originários dos povos indígenas, dois importantes trabalhos, uma tese e uma dissertação, que tive a oportunidade de orientar.

A tese de Roberta Amanajás Monteiro. “Qual desenvolvimento? o deles ou o nosso?”: a UHE de Belo Monte e seus impactos nos direitos humanos dos povos indígenas. 2018. 375 f., il. Tese (Doutorado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2018. A tese, conforme resumo lançado no repositório de teses da UnB (http://icts.unb.br/jspui/handle/10482/34052), “trata da tensão entre o desenvolvimentismo e os direitos humanos a partir do estudo de caso da usina hidrelétrica de Belo Monte e os seus impactos sobre os povos indígenas Arara da Terra Indígena (TI) Arara da Volta Grande e Juruna da TI Paquiçamba. A pergunta que norteia a tese interpela como ocorre a tensão entre projetos de desenvolvimento e os direitos humanos dos povos indígenas e se os conflitos se inscrevem na matriz colonial de poder. A análise do tema fundamenta-se na teoria da Colonialidade do Poder de Aníbal Quijano e nos autores do pensamento decolonial. A metodologia eleita implicou pesquisa empírica que forneceu os argumentos da incidência da ideia de raça no percurso do licenciamento ambiental do empreendimento. A partir dai são analisadas as tensões evidenciadas nas entrevistas que apontaram para a negação da condição de sujeito de direitos e de conhecimento aos povos indígenas e, consequentemente, do exercício dos seus direitos territoriais, à natureza, ao modo de vida e direito à participação e consulta prévia. Ao fim, são apresentados elementos a partir das narrativas dos indígenas e outros atingidos para pensar um outro desenvolvimento”.

E, muito pertinente pela proximidade de compreensão do interesse econômico e político da questão examinada por Ewésh, o estudo paradigmático de Renata Vieira: https://estadodedireito.com.br/povos-indigenas-povos-e-comunidades-tradicionais-e-agricultores-e-familiares-a-disputa-pelo-direito-no-conselho-de-gestao-do-patrimonio-genetico-cgen/.

Encontro o próprio Ewésh pontificando em estudos de alta relevância, envolvendo temas desafiadores para a afirmação desses direitos. Eu o encontro, em boa companhia jurídica e acadêmica, em Entender para implementar: Caminhos para uma hermenêutica segura quanto à consulta prévia aos povos e comunidades tradicionais Bruno Walter Caporrino; Ewésh Yawalapiti Waurá; José Heder Benatti; Felício Pontes Júnior, publicado em Tribunais brasileiros e o direito à consulta prévia, livre e informada. SILVA, Liana Amin Lima da et al (Coord.). São Paulo: Editora Instituto Socioambiental/CEPEDIS, 2023, 322 p. (para download: https://acervo.socioambiental.org/acervo/publicacoes-isa/tribunais-brasileiros-e-o-direito-consulta-previa-livre-e-informada).

Note-se que aqui apenas recortei abordagens que se referem ao tema indígena. Não aludi às que focalizam as perspectivas camponesas e quilombolas. Embora, nesse aspecto, considerando a questão estudada por Ewésh – questões de mercado de crédito carbono e sua incidência nos Territórios Indígenas – eu devesse por em relevo essa capacidade protagonista de novos sujeitos coletivos de direito – indígenas, quilombolas, camponeses – que se empoderam politicamente de força instituinte e simultaneamente constituinte para afirmação de direitos, em temas de radical convocação.

Tratei disso, em co-organização editorial, em livro da Série O Direito Vivo (O Direito Achado na Ruahttps://estadodedireito.com.br/sujeitos-coletivos-so-a-luta-garante-os-direitos-do-povo/, aqui mencionado para chamar a atenção do artigo de pesquisador sem-terra egresso dos programas de educação do campo (Pronera) – O Dia em que o Sujeito Coletivo de Direito Ocupou a Bolsa de Valores: o Encontro Inusitado entre a CVM e o MST, no qual Diego Vedovatto, a partir dos pressupostos teóricos e metodológicos de O Direito Achado na Rua, descreve e analisa o “encontro inusitado” entre a Comissão de Valores Mobiliários – CVM e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, durante a emissão do primeiro título de crédito na modalidade de Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, aberto ao público geral na bolsa de valores brasileira, por cooperativas constituídas por agricultores sem-terra e sediadas em assentamentos de reforma agrária.

Chamo a atenção para o Resumo da Dissertação:

Esta pesquisa objetivou analisar as questões de mercado de crédito carbono e sua incidência nos Territórios Indígenas. Mercado esse que tem cobiçado cada vez mais a implementação de seus projetos nos territórios tradicionais como suposta solução para reduções de emissões de gases de efeito estufa. A problemática que se apresenta neste trabalho refere-se aos assédios crescentes das empresas de consultorias ou desenvolvedoras dos projetos Locais de REDD+, aqueles que incidem diretamente sobre os territórios ou comunidades. Isto porque está ocorrendo agora uma “segunda onda em contratos de carbono” nas comunidades indígenas, sem conhecer direito o que é mercado de carbono, os riscos que ele oferece, muito menos sobre conteúdo dos contratos que determinada comunidade está assinando. Em face disso, o presente trabalho buscou entender e compreender: 1) o que é mercado de carbono, quais as bases jurídicas e normas de sua regulamentação; 2 ) como se dá a prática com contratos de carbono envolvendo povos indígenas, quais os riscos, os requisitos e os tipos de contratos envolvidos; 3) como os povos indígenas vem se organizando para defesa dos direitos na temática de mercado de carbono, quais são os sistemas da Governança Geral do Território Indígena do Xingu e sua compreensão sobre o tema. Para tanto, metodologia para atingir os objetivos da proposta partiu de uma revisão bibliográfica sobre a temática do mercado de carbono no âmbito do direito, e para saber como se dá a celebração do contrato na prática foi realizado um estudo de caso do Projeto Florestal Carbono Suruí, dos povos Paiter Suruí, através de revisão bibliográfica e utilizando fontes secundarias como matérias jornalísticas e documentos de entidades que atuam no tema, além de fontes primárias como depoimentos dos envolvidos no projeto. Para análise do modo como os povos do Território Indígena do Xingu se organizam em relação ao tema foi utilizada essencialmente observação principalmente como o membro do mecanismo de Governança Geral do TIX, além de documentos produzidos no seu ambiente. Concluiu-se, finalmente, depois de tudo analisado sobre o tema do mercado de carbono, que os xinguanos estão no momento de entendimento melhor, ou seja, não é momento ainda de aderir ao projeto de carbono no Território Indígena do Xingu.

E logo o seu Sumário:

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1. MERCADO DE CRÉDITO DE CARBONO

1.1 O que é crédito de carbono1.2 Mercado Regulado do Crédito de Carbono

1.3 Mercado voluntário do crédito de carbono

1.4 Histórico de Negociações do REDD+ e Conceito

1.4.1 Mercado de carbono e direito dos povos indígenas

1.4.2 Projetos de REDD+

1.4.3 REDD+ Jurisdicional

1.4.4 Projetos de REDD+ Local

CAPÍTULO 2 – O CASO DOS POVOS PAITER SURUÍ: PLANO DE VIDA PROJETO CARBONO SURUÍ

2.1 Os Paiter Suruí e suas organizações sociais antes de depois do contato oficial

2.1.1 Os Paiter Suruí e o pioneiro Projeto de Crédito de Carbono Local

2.1.2 Outras versões e opiniões sobre o REDD+ e o Projeto de Carbono Suruí

2.2 Noções gerais e tipos de contrato de carbono

2.2.1 Noções gerais para compreender os contratos de crédito de carbono

2.2.2 Algumas espécies de contrato de crédito de carbono

2.3 Espécies de contratos assinados pelos Paiter Suruí

CAPÍTULO 3 – GOVERNANÇA GERAL DO TIX EM FACE DO MERCADO DE CARBONO

3.1 Governança Geral do Território Indígena do Xingu

3.1.1 Estrutura da GGTIX

3.2 Plano de Gestão do Território Indígena do Xingu

3.3 Protocolo de Consulta dos Povos do Território Indígena do Xingu CONSIDERAÇÕES FINAIS

FONTES E REFERÊNCAIS BIBLIOGRÁFICAS

ANEXOS – ASSOCIAÇÃO DO TERRA INDÍGENA XINGU

Esclarecendo a motivação da pesquisa, o Autor parte da constatação de que “os povos indígenas têm recebido várias propostas das empresas de consultarias ou desenvolvedoras dos projetos de carbono, oferecem coisas e benefícios promissores. Mas o que é mercado de carbono? O que é preciso saber sobre o mercado de carbono no ponto de vista dos povos xinguanos? Quais os tipos de contrato e o que a comunidade precisa saber e fazer para se posicionar sobre o contrato de carbono na defesa dos seus direitos? Quais os riscos que esse cenário apresenta para a promoção e defesa dos direitos para os Povos Indígenas do Xingu, e como os povos do TIX vem se posicionando em relação ao tema?”. Por isso ele considera que essas são questões que deram ensejo a pesquisa.

Nesse passo, ele se posiciona estabelecendo como objetivos do seu estudos “entender e compreender: 1) o que é mercado de carbono, quais as bases jurídicas e normas de sua regulamentação; 2 ) como se dá na prática com contratos de carbono envolvendo povos indígenas, quais os riscos, os requisitos e os tipos de contratos de crédito de carbono; 3) como os povos indígenas vem se organizando para defesa dos direitos na temática de mercado de carbono, quais são os sistemas da Governança Geral do Território Indígena do Xingu e sua compreensão sobre o tema”.

Seguindo o seu roteiro para a Dissertação, no Capítulo 1 ele realiza uma revisão bibliográfica sobre a temática do mercado de carbono no âmbito do direito para saber como se dá a celebração do contrato, e foi utilizada a observação e participações em eventos especializados no tema, além de participar em reuniões em âmbito nacional sobre a temática e análise de fontes primárias, como os Contratos Florestal Suruí.

De acordo com a sua proposta, “para entender como se dá o contrato de carbono na prática, e para conhecer os riscos e compreender os tipos de contratos foi realizado o estudo de caso do Projeto Florestal Carbono Suruí, desenvolvido pelos povos Paiter Suruí, através da revisão bibliográfica e utilização de fontes secundarias como matérias jornalísticas e documentos de entidades que atuam no tema, além de fontes primárias como depoimentos dos envolvidos no projeto. Para análise do modo como os povos do TIX se organizam em relação ao tema, foi utilizada essencialmente observação participante, principalmente como membro do mecanismo de Governança Geral do TIX, e análise dos documentos produzidos no seu ambiente, além de revisão bibliográfica sobre direitos dos povos indígenas”.

Portanto, nesse primeiro capítulo procura o Autor “compreender sobre mercado de carbono em geral, nas perspectivas da Convenção-quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climática (UNFCCC) e Protocolo de Quioto, bem como nos outros acordos firmados no âmbito da Convenção, Acordos de Paris entre outros, posteriormente sobre as modalidades dos mercados regulado e voluntário. Depois debruça-se um pouco sobre o histórico de negociação do REDD+, com a participação dos indígenas e trazer também conceito básico sobre REDD+. Em seguida aborda-se sobre programas de REDD+, como as metodologias dos programas de REDD+ jurisdicional e local”.

No Capítulo 2 apresenta o caso dos Povos Paiter Suruí.  O Autor toma “o Plano de Vida Projeto Carbono Florestal Suruí, onde analisa-se suas organizações sociais antes e depois do contato oficial. Depois procura compreender do porquê deles serem os pioneiros no projeto local de REDD+, procura também entender sobre outras versões e opiniões sobre o REDD+ e o Projeto de Carbono Suruí. E depois procura compreender noções gerais sobre contrato de crédito de carbono, bem como das espécies de contrato de carbono. E por fim, espécies de contratos assinados pelos Paiter Suruí”.

Finalmente, no Capítulo 3 volta-se para a “Governança Geral do Território Indígena do Xingu (GGTIX) enquanto organização política dos povos xinguanos, abordando sobre Plano de Gestão Territorial como seu instrumento político e o Protocolo de Consulta do TIX como ferramenta para efetivação de direitos no que tange aos direitos de consulta livre, prévia e informada, por fim, para concluir abordar finalmente sobre o posicionamento do povo TIX em relação ao mercado de carbono”.

De toda a análise elaborada pelo Autor, destaco, nas suas conclusões, ainda seguindo a linha interpretativa do Autor:

Além de buscar compreender o mercado de carbono no aspecto geral como suposta solução das reduções emissões de gases de gases de efeitos estufa (GEEs) para conter a temperatura do planeta, era estudar sobre o projeto dos Paiter Suruí, como foi construído ou desenvolvido, se de fato deu certo, até onde esse projeto chegou, o que deu certo, então o que deu errado, quem financiou esse projeto, quem eram os parceiros, compradores, como ocorreu as vendas e compras dos créditos de carbono, quais os contratos foram firmados, se esse projeto ainda está funcionando atualmente, ou seja, compreender melhor como esse projeto Local de REDD+ incide nos territórios indígenas, sobretudo no TIX. Isso porque, como já explicitado em várias passagens do texto, os assédios das empresas desenvolvedoras de projetos estão mais fortes. E nós xinguanos precisamos compreender melhor o que é isso, nós representantes das nossas organizações e institucionais representativas, nós temos obrigação de alertar nossos caciques para não caírem na conversa desses assediadores.

Por isso, foi necessário trabalhar sobre a organização política dos povos xinguanos, abordando a Governança Geral ou interna dos xinguano enquanto espaço político, onde os xinguanos tomam decisões coletivas sobre temas sensíveis ao TIX, como mercado de carbono, se aquilo possa afetar a vida tradicional dos povos, Plano de Gestão Territorial como instrumento da GGTIX, nas orientações sobre convivências interna e/ou externa dos povos, e Protocolo de Consulta enquanto ferramenta de efetivação de direitos de participação e consultas nas tomadas de decisões dos governos ou terceiros.

A sua conclusão é radical: “depois de tudo analisado sobre o como esse mercado de carbono se comporta, dizer que os xinguanos estão no momento de entendimento melhor, ou seja, não é momento ainda de aderir o projeto de carbono no Território Indígena do Xingu”.

A conclusão de Ewésh coincide com o posicionamento formal dos caciques e lideranças do povo Suruí, em audiência promovida pela 6ª Câmara do Ministério Público Federal, pedindo “a suspensão imediata desse projeto de carbono, que está matando o povo Surui” (https://www.ihu.unisinos.br/540189-os-surui-e-o-projeto-carbono-para-que-o-mundo-saiba).

Sobre esse polêmico projeto Carbono Florestal Suruí, iniciado em 2007, considerado o primeiro do gênero implantado em terra indígena em nosso país, e para os Suruí e para a delegação dos povos indígenas de Rondônia, deveria ser o último, na expectativa de que nãonão se repita em nenhuma terra indígena.

Para o CIMI – Conselho Indigenista Missionário, presente na audiência, esse tipo de projeto é parte de uma política do capitalismo verde e neocolonialismo. O Cimi, em nota de fevereiro de 2012, denunciou veementemente a insistência de implantação de projetos de REDD nos territórios indígenas, a partir dos direitos e da visão desses povos “esses projetos transformam a natureza em mercadoria, a gratuidade em obrigação, a mística em clausula contratual o bem estar em supostos ‘benefícios do capital’. É a mercantilização do sagrado e a coisificação das relações humanas em interface com o meio ambiente” por isso “quer juntar-se aos demais setores organizados que dizem NÃO à financeirização da natureza, NÃO à economia verde e NÃO ao mercado de carbono” (Porantim, setembro de 2014).

Por isso que, tal como Ewésh, em sua conclusão, o documento entregue ao Ministério Público Federal é taxativo em seu apelo: “Nossa preocupação é dobrada quanto aos projetos de REDD (captura de gás carbono), que vem ameaçando a existência dos povos indígenas, em especial o povo Suruí, que já se encontra com projeto implementado, autorizado pela FUNAI, em parceria com a ONG Canindé que articula o projeto em terras indígenas, o IDESAN, que faz o levantamento do carbono, o ECAN, e a Forest Trand – organização norte-americana; Esses projetos ameaçam a vida e a existência dos povos que ficam impossibilitados de realizar a produção agrícola, a coleta de mel, a caça, a pesca, bem como a reprodução cultural. Esse projeto já em andamento no território Suruí e tem provocado uma divisão e uma fatal destruição da organização social do povo, acarretando inclusive riscos de violência entre os povos

Tem lastro a fundamentação proposta na Dissertação? Os argumentos de Ewésh ancoram esses fundamentos? Creio que sim. Para tanto, valendo-me do mais recente livro do agudo Pedro Brandão – Colonialidade do Poder, Biodiversidade e Direito. Raça, classe e capitalismo na construção da legalidade. Pedro Brandão. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2023, tudo se arrima na densidade de uma afirmação de base política.

Com efeito, em seu livro (https://estadodedireito.com.br/colonialidade-do-poder-biodiversidade-e-direito-raca-classe-e-capitalismo-na-construcao-da-legalidade/) Pedro Brandão avança, tal como Ewésh, sobre uma questão que ele acentua, como hipótese para o caso concreto que estuda, retomando uma perspectiva que já havia sido proposta em trabalho seu anterior, entretanto, “numa deriva para uma leitura estrutural sobre a própria formação da legalidade, levando a uma conclusão que é resultado da reflexão central para os dois trabalhos: “a legalidade como fruto de uma disputa assimétrica e violenta de poder, articulada mutuamente pelos diferentes eixos da colonialidade, confrontando a leitura comum de que a legitimidade da legislação reside, necessariamente, na sua natureza ‘democrática’, ‘racional’, ‘legítima’ e ‘mediada’ entre os interesses em disputa”.

A minha questão acerca do lastro procede das nuances do que tem sido assimilável como condição de transição entre paradigmas de desenvolvimento. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, por exemplo, em manifestação recente, voltou a expressar preocupação, no caso, com a exploração de petróleo e gás na Bacia do Amazonas, pouco antes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) leiloar 38 blocos exploratórios de 11 bacias sedimentares: Espírito Santo, Paraná, Pelotas, Potiguar, Recôncavo, Santos, Sergipe-Alagoas, Tucano, Santos e Campos, além da Amazonas.

E ela especificou sua preocupação (https://www.ihu.unisinos.br/635223-ministra-diz-que-exploracao-de-petroleo-na-amazonia-preocupa-indigenas), afirmando que os povos indígenas são “povos resistentes e vamos continuar lutando, fazendo a resistência que precisa ser feita para evitarmos a exploração dentro dos territórios indígenas”, acrescentou a ministra, destacando o fato do leilão ocorrer no último dia da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), evento realizado em Dubai, nos Emirados Árabes, e cujos participantes aprovaram incluir, no documento final, menção à importância do mundo alcançar a “neutralidade carbônica” até 2050, por meio de uma transição da era dos combustíveis fósseis, principais causadores das mudanças climáticas”.

Ela justificou que “Na Conferência do Clima [COP28], que termina hoje, acabaram de apresentar um documento em que a maioria dos países entende que é preciso fazer uma transição energética urgente ou não vamos conseguir evitar chegar ao ponto de não retorno [ponto a partir do qual os danos causados ao planeta serão irreversíveis, passando a ameaçar a vida humana e de outras espécies]”, afirmou a ministra, classificando como “lamentável que muitos países necessitem fazer esta transição energética a longo prazo”.

Para estabelecer o entendimento de que “Precisamos muito dessa consciência também por parte da sociedade, de entender esta emergência que vivemos para, inclusive, ajudar a pressionar os governos. Temos que sair deste modelo [energético, baseado no uso de combustíveis fósseis]; uma transição é realmente necessária.”

A questão é estabelecer as condições, as mediações, os limites, e as possibilidades dessa transição. No caso do mercado de carbono, isso está dado? Os povos xinguanos também assim se posicionam?

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