quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

 

Revista FORGES: comemorativo do 10º ano

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

REVISTA FORGES. n. Especial (2020): NÚMERO COMEMORATIVO DO 10.º ANIVERSÁRIO DA FORGES Publicado em 2020-11-19 (https://revistaforges.pt/index.php/revista/issue/view/8).

 

             A Revista FORGES é publicada pela Associação Fórum da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões de Língua Portuguesa (FORGES). É uma publicação digital de acesso aberto e permanente, com revisão de artigos por pares, com periodicidade bianual, podendo ter outros números extraordinários. Tem como objetivo publicar resultados significativos de pesquisa com incidência nas problemáticas da gestão sobre o ensino superior numa perspectiva multidisciplinar, constituindo-se como uma plataforma para investigadores e profissionais da educação terciária promoverem, partilharem e discutirem experiências e desenvolvimentos dos domínios da gestão, administração e governança das instituições de ensino superior naqueles países.

             Nesse número especial (2020), lançado por ocasião da 10ª Conferência Forges, celebra-se também dez anos da Associação. Conforme o Editorial, trata-se de uma edição comemorativa: “Há exatamente dez anos concretizava-se a criação  da FORGES,  com  um  grupo  de sócios  que  estiveram  na  base  da  associação,  alguns  dos  quais  integraram  a  Comissão Instaladora,  e  aos  quais  muitos  se  foram  juntando.  Nascia, registrada em Cartório a Associação Fórum da  Gestão  do Ensino  Superior  nos  Países  e  Região  de  Língua Portuguesa (FORGES)   com   o   propósito   de   promover   e   fortalecer   a   difusão   de conhecimentos sobre Gestão e Políticas de Ensino Superior em todas as suas dimensões, no âmbito dos países de língua portuguesa. Como uma organização voltada à ciência, não poderia deixar de existir entre suas ações uma revista que servisse de veículo para a difusão de conhecimentos produzidos nesse espaço geopolítico da língua portuguesa. Enfrentando desafios de uma organização ainda  jovem,  a  Revista  FORGES  se  fez presente em quatro  continentes  (Europeu,  Americano, Asiático e  Africano)  editada, inicialmente, em formato impresso. Hoje, pela dimensão que a revista vem tomando e a facilidade para seu maior alcance proporcionada pelas tecnologias, não se justifica mais a sua impressão. Assim, a data de comemoração dos dez anos da Associação FORGES é também um marco para lançarmos o projeto da Revista FORGES online.

Imagem: PixaBay / Wild0ne

             Nesse contexto, este número comemorativo conta com as contribuições assinadas majoritariamente por reitores e ex-reitores: Alfredo Gabriel Buza (Políticas Públicas de Desenvolvimento e de Reforma do Ensino Superior no Contexto  da República  de Angola), Ivan  M.  T.  Camargo (Os Desafios  do Ensino Superior no Brasil), Luísa Cerdeira (A Evolução do Ensino Superior nos Países de Língua Portuguesa:  tendências  e  desafios), Paulino  Lima  Fortes (A FORGES e  a Nova Racionalidade Educativa: algumas  nótulas), José  Geraldo  de  Sousa  Junior (Uma Universidade Popular para uma Educação Emancipatória), Roberto Leher (Políticas do Ensino  Superior para a Promoção do  Desenvolvimento  Humano), José  Barata-Moura (Missão da  Universidade), António Nóvoa (A  Universidade à Procura de si  Mesma), Nobre Roque dos Santos (Gestão,  Democraticidade  e Avaliação do Ensino Superior em Moçambique), José Dias   Sobrinho (Universidade em   Tempos de   Precarização e Incertezas), Paulo Speller& Stela M. Meneghel (Os dez Anos da Unilab e da Forges diante dos Desafios da Educação  Superior:  pertinência  da  universidade  para  um projeto de   sociedade), Mano   Margarida  (“Revisitar   o   Roteiro   de   Plane(j)amento Estratégico em tempos de Pandemia”).

             Segundo ainda o Editorial, assinado pela Diretora Josefa Sônia Fonseca, “O   leitor   pode perceber   nas   reflexões   que   compõem   este   número   especial, as preocupações com os desafios que as instituições do Ensino Superior  têm  a  enfrentar. Entre elas as advindos da pandemia que tem marcado o ano de 2020. Todas estas reflexões entretanto, dão-nos a certeza que estamos no caminho certo  ao insistirmos em levar a diante um espaço que reúne investigadores de língua portuguesa pesando,  discutindo  e partilhando  suas  inquietações  e  resultados  de  pesquisas. Nada mais   apropriado   do   que   uma   revista   que   possa   difundir e dialogar   com essas inquietações”.

             Contribuo com um texto que corresponde minha exposição no encerramento da 9ª CONFERÊNCIA DO FÓRUM DE GESTÃO DO ENSINO SUPERIOR NOS PAÍSES E REGIÕES DE LÍNGUA PORTUGUESA – FORGES, realizada de 20 a 22 de Novembro – 2019, Brasília, Brasil, na Universidade de Brasília, tendo como tema central “A integração do ensino superior dos países lusófonos para a promoção do desenvolvimento humano”. O título do artigo publicado é o mesma da conferência proferida naquela ocasião: “Uma Universidade Popular para uma Educação Emancipatória”.

             Aqui destaco alguns excertos do que está publicado. Iniciei a minha saudação aos participantes desta 9ª CONFERÊNCIA DO FÓRUM DE GESTÃO DO ENSINO SUPERIOR, com uma evocação.

            Presente em Coimbra, na Sala dos Capelos, da vetusta universidade, nos começos da década de 2000, para um Congresso Portugal-Brasil, guardo em mim até hoje o sentimento marcado pela disposição de todos ali presentes, de construir caminhos para a uma história comum: “a história comum que forja a comunidade de culturas e a comunidade de afetos que somos” (Boletim da Faculdade de Direito –  STVDIA IVRIDICA 48, Colloquia – 6, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Conferências na Faculdade de Direito de Coimbra 1999 / 2000).

            Estas palavras, ditas, pelo aquela altura, Presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, logo a seguir, seu vice-Reitor, o Professor António José Avelãs Nunes, assinalaram as distinções entre o Portugal português e o Brasil brasileiro, no que tange aos seus caminhos, nas condições daquele congresso. Mas se prestam também, para designar as distinções entre o Portugal português e os países que formam a comunidade de povos de língua portuguesa, presentes nesta 9ª Conferência (Angola, Cabo Verde, Macau, Moçambique e certamente entre os participantes, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste) no que tange aos seus próprios e intercruzáveis caminhos, em que pese, lembra Eduardo Lourenço“cada povo só o é por se conceber justamente como destino” (Portugal como Destino).

            Temos sim, os povos que se expressam em língua portuguesa, essa história comum que nos forja enquanto comunidade de culturas e comunidade de afetos, e que nos amalgama a partir de algum momento em nossas próprias histórias. Mas, se temos uma história desde aí comum, o que temos de comum em nossos destinos?

            A direta atenção aos temas da Grande Conferência tangidos de modo aprofundado e interpelante nas conferências, painéis, sessões especiais, orais e de pôsteres, mesas-redondas, atividades culturais e assembleias, ao se discutir e confrontar experiências e reflexões: políticas de ensino, comunicação entre instituições e sociedade, impacto glocalizado do agir institucional, concertações entre alternativas pedagógicas, estratégias de gestão, revela já uma linha de orientação para atender à indagação do que há de comum a partir de nossa origem histórica, social, antropológica, cultural, espiritual e a possibilidade de um destino comum aqui vislumbrado desde a questão-geradora que nos mobiliza: O Ensino Superior e a Promoção do Desenvolvimento Humano: contextos e experiências nos países e regiões de língua portuguesa.

            Ao meu perceber, o que há de comum entre nós, desde um momento objetivo de encontro e de qualquer possibilidade de um destino também comum, é o impacto dramático do colonialismo que se impôs sobre nossas identidades e as projeções decorrentes dessa experiência em nossa atualidade pós-colonial afetada econômica e politicamente pelas injunções atuais do ultra-neoliberalismo e pelos desafios de toda ordem como exigências de libertação e de emancipação num processo de ação decolonial.

            Sob a perspectiva da condição ultra-neoliberal, sigo pensando num bom português que ajude a interpretar os desafios que se colocam à nossa consideração, tal como se debateu aqui nesta 9ª Conferência. Retomo Avelãs NunesNos últimos anos – diz ele – tenho dado alguma atenção à problemática da globalização. Refiro-me ao que costumo chamar a terceira onda da globalização, marcada por um processo acelerado de desenvolvimento científico e tecnológico, especialmente no que toca aos transportes, às telecomunicações e à informática. Para as classes dominantes, para as multinacionais e para o seu estado, pouco importa que milhões de pessoas morram de fome e de doenças provocadas pela fome. O que importa, num quadro como este, é melhorar o poder de compra dos clientes (a pequena camada de ricos) e, se possível, acrescentar mais uns quantos privilegiados a este núcleo de elite. O que, evidentemente, aconselha a (e pressiona no sentido da) concentração dos rendimentos ainda mais acentuada e desigual.

             A exclusão social crescente é a outra face deste tipo de desenvolvimento perverso ou maligno. E a exclusão social é um dos fenómenos mais dramáticos do nosso tempo. Como escreveu um autor, quando se falava de exploradores e explorados, havia que contar com estes, porque os explorados estavam dentro do sistema (sem explorados não pode haver exploradores), enquanto os excluídos estão, por definição, fora do sistema, são inexistentes.

             É importante salientar, porém, que a crítica da globalização não pode confundir-se com a defesa do regresso a um qualquer ‘paraíso perdido’, negador da ciência e do progresso. A saída desta caminhada vertiginosa para o abismo tem de assentar na confiança no homem e nas suas capacidades. Tem de partir da rejeição da lógica de uma qualquer inevitabilidade tecnológica, que nos imporia, sem alternativa possível, a actual globalização neoliberal, uma das marcas incontornáveis desta civilização fim-da-história.

             Assim como esta globalização não é um ‘produto técnico’ deterministicamente resultante da evolução tecnológica, antes é um projecto político levado a cabo de forma consciente e sistemática pelos poderes dominantes, enquadrado e apoiado pelas grandes centrais produtoras da ideologia dominante, assim também a luta por uma sociedade alternativa pressupõe que a política prevaleça sobre as pretensas ‘leis naturais’ do mercado ou da economia, pressupõe um espírito de resistência e um projecto político inspirado em valores e empenhado em objectivos que o ‘mercado’ não reconhece nem é capaz de prosseguir.

             Todos sabemos, porém, que as mudanças necessárias não acontecem só porque nós acreditamos que é possível um mundo melhor. Essas mudanças hão-de verificar-se como resultado das leis de movimento das sociedades humanas, e todos sabemos também que o voluntarismo e as boas intenções nunca foram o motor da história. Mas a consciência disto mesmo não tem que matar o nosso direito à utopia e o nosso direito ao sonho.

             De resto, talvez a utopia de Marx esteja a confirmar-se: o desenvolvimento científico e tecnológico conseguido pela civilização burguesa proporcionou um aumento meteórico da produtividade do trabalho humano, criando condições novas no que toca à capacidade de produção. Este desenvolvimento das forças produtivas (entre as quais avulta o próprio homem enquanto produtor e utilizador do conhecimento e do saber) só carece de novas relações sociais de produção, de um novo modo de organizar a vida colectiva, para que a humanidade possa saltar do reino da necessidade para o reino da liberdade.

             Nesse diapasão, trata-se, pois, de indagar-se de que desenvolvimento se cuida, quando falamos em desenvolvimento. Essa é a questão proposta por Roberta Amanajás Monteiro, em tese defendida na Faculdade de Direito da UnB, sob minha orientação. (2018). Com o tema “Qual desenvolvimento? O deles ou o nosso? A Hidrelétrica de Belo Monte e seus impactos nos direitos humanos dos povos indígenas”, a pesquisadora apresenta exatamente a tensão entre o desenvolvimentismo e os direitos humanos a partir do estudo de caso da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e os seus impactos aos indígenas Arara da Terra Indígena Volta Grande e Juruna, da Paquiçamba. A pergunta central de sua tese interpela como ocorre a tensão entre projetos de desenvolvimentismo e os direitos humanos dos povos indígenas, e se os conflitos se inscrevem na matriz colonial de poder. Fundamentada na teoria da Colonialidade do Poder de Anibal Quijano e nos autores do pensamento decolonial, a metodologia eleita por Roberta Amanajás apoiada em investigação empírica, fornece os argumentos da constatação da incidência da ideia de raça no percurso do licenciamento ambiental do empreendimento. Para a autora, numa aproximação sociológico-jurídica, a compreensão de que é a partir da ideia de raça que é negada a condição de sujeito de direitos e de conhecimento aos povos indígenas, consequentemente dos seus direitos de território, natureza, modo de vida e direito à participação e consulta prévia, a conclusão leva, necessariamente, à expectativa militante de construção de elementos de desenvolvimento a partir dos próprios povos indígenas. Igual indagação coloca Erina Batista Gomes, em relação a exigência de consulta para salvaguardar direitos de comunidades tradicionais diante de grandes empreendimentos energéticos, oportunidade para movimentos sociais do campo, das florestas e das águas interpelarem as políticas desse setor com questões fundantes: desenvolvimento para quê e para quem? (SOMBRAS, BRECHAS E GRITOS: vozes silenciadas, consulta prévia e re-existência nas margens do rio Tapajós. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, Dissertação de Mestrado, 2018).

             Em Avelãs Nunes, a aproximação mediada pela economia política e pela filosofia, e mais propriamente por teorias da justiça, segue uma linha civilizatória que mais se afasta das opções que mercantilizam a vida, enquanto se orienta para projeções que garantam o direito à vida plena, de homens e mulheres de carne e osso sim, porque ideologicamente o nosso percurso colonial separou seres humanos, para distinguir os que se inserem no contrato social  os que ficam fora dele, os selvagens, os bestializados, os escravizados, os diminuídos, os segregados, os sobrantes “civilizatórios” todos alienados do humano.

             Abri essa linha de problematização exatamente com um autor português, até para ponderar o lugar de Portugal no experimento colonial e indicar que desde esse lugar o modo decolonial é também uma condição para que a libertação e a emancipação sejam possíveis.

             Para Paulo Freire, tão marcante em nossa cultura comum, A DESUMANIZAÇÃO NÃO É DESTINO. “A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como ‘seres para si’, esta luta pela humanização somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos. (…) O ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sintam opressores, nem se tornem, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si mesmos e aos opressores. (…) Só o poder que nasça da debilidade dos oprimidos será suficientemente forte para libertar a ambos.”

             É assim que as literaturas africanas de língua portuguesa participam da “tendência – quase um projecto – de investigar a apreensão e a tematização do espaço colonial e pós-colonial e regenerar-se a partir dessa originária e contínua representação. Os significadores desse processo, que constituem a singularidade da nossa pós-colonialidade literária, são potencialmente produtivos: sinteticamente dizem respeito a uma identidade nacional como uma construção a partir de negociações de sentidos de identidades regionais e segmentais e de compromisso de alteridades. O que as literaturas africanas intentam propor nestes tempos pós-coloniais é que as identidades (nacionais, regionais, culturais, ideológicas, sócio-econômicas, estéticas) gerar-se-ão da capacidade de aceitar as diferenças” (Conforme O pós-colonial nas literaturas africanas de língua portuguesa, Inocência Mata da Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa  (https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4033274/mod_resource/content/1/MATA%2C%20Inoc%C3%AAncia%20-%20O%20p%C3%B3s-colonial%20nas%20literaturas%20africanas.pdf)

             Nos debates desta 9ª Conferência, esse foi um pano de fundo para as leituras mais explícitas ou mesmo as implícitas em circulação. Não perder de vista que a tríade dominação/exploração/conflito, apresentada pelos estudos decoloniais, explode a univocidade discursiva no estágio em ensino, sobretudo, de filosofia. Afirmam Ana Claudia Rozo Sandoval e Luís Carlos Santos (ESTUDOS DECOLONIAIS e FILOSOFIA AFRICANA: POR UMA PERSPECTIVA OUTRA NO ENSINO DA FILOSOFIA. Revista Páginas de Filosofia, v. 6, n. 2, p.1-18, jul./dez. 2014) que “a disputa pela realidade é um traço comum dos filósofos, seja ele interpretando, desconstruindo, criando conceitos, mas o que se quer é disputar a realidade. E para isso colocamos em crise o solo em que se pisa, como um lugar produzido à imagem e semelhança da produção de um discurso que legitimou historicamente a exploração e dominação, e o conflito estabelecido ao buscar filosofar-se caiu na armadilha da representação. Este é um dos primeiros elementos que precisam ser descortinados, a representação. Pois a imagem que se traduziu nos discursos era apenas a europeia. O exercício de pensar-se, o que é próprio da filosofia encontra-se no poço sem fundo, no beco sem saída da armadilha da representação europeia moderna, ocidentalizada na contemporaneidade. A perspectiva decolonial (ou estudos Modernidade/colonialidade) e as filosofias africanas colocam em discussão o epistemicídio e o semiocídio cultural. O conhecimento, e as formas de acessá-lo, e a diversidade cultural no fazer filosófico colocam em evidência outros modos de ser e fazer filosofia. Problemas não considerados filosóficos começam a ser problemas de interesse de outros sujeitos que foram negados pelo sistema mundo eurocentrado”.

             Questões que se ligam ao pensar potente africano, ainda que não expresso em português, do camaronês Achille Mbembe, um dos teóricos mais brilhantes sobre estudos pós-coloniais, centrados no conceito por ele forjado de necropolítica e expressos em temas que bem recortam o que aqui foi discutido quando ele trata da proliferação do divino na África subsaariana, do racismo como prática da imaginação, do poder, violência e acumulação ou, destacadamente da necropolítica, em textos como cenas fantasmas na sociedade global, além do influente livro A pós-colónia, ensaio sobre a imaginação política na África contemporânea (‘On the Postcolony’, 2000).    

             Todavia, o núcleo de minha exposição foi retomar em Boaventura de Sousa Santos sua proposição feita no espaço do Fórum Social Mundial de Porto Alegre uma bem elaborada proposta para a constituição de uma Universidade Popular dos Movimentos Sociais, atenta a essas exigências de um conhecimento emancipatório. Retomei o tema para articulá-lo aos pressupostos levantados até aqui.

            E o fiz para salientar que sses pontos correspondem, em seus fundamentos, às expectativas que defendem uma universidade aberta à cidadania, preocupada com a formação crítica dos acadêmicos e mais democrática. Uma universidade, como lembrava Boaventura de Sousa Santos em sua recente visita à UnB, consciente de que “o que lhe resta de hegemonia é o ser um espaço público onde o debate e a crítica sobre o longo prazo das sociedades se podem realizar com muito menos restrições do que é comum no resto da sociedade” e que encontra no exercício da pluralidade tolerante a mediação apta a torná-la uma “incubadora de solidariedade e de cidadania ativa”.

            Um modelo assim já se apresenta como proposição interpelante da universidade convencional, desde que ela se abra a, pelo menos, duas condições. A primeira é o dar-se conta da natureza social do processo que lhe cabe desenvolver. Não é condição trivial, porque ela implica opor-se à tentação de mercadorização do ensino e da pesquisa e conseqüente redução do sentido de indisponibilidade do bem Educação, constitucionalmente definido como um bem público, processo dramático e cruento em curso autoritário em muitos de nossos países, num projeto claramente hostil à ideia de universidade como valor social e ao conhecimento crítico como elemento nutriente de práticas e de pensamentos democrático e emancipatório.

            A outra condição, é a de interpelar a universidade para que ela se abra a novos modos de ingresso e de inclusão de segmentos dela excluídos, a exemplo das políticas de ações afirmativas. Possibilita, assim, alargar o âmbito das pautas pedagógicas que desenvolve e fazer circular no ambiente do ensino e da pesquisa novos temas, cosmologias plurais, epistemologias mais complexas e um diálogo mais amplo entre os saberes.

            Insere-se nessa condição, esforços como o do professor de filosofia Wanderson Flor do Nascimento da nossa UnB que criou um sítio na WEB – página Filosofia Africana – para disponibilizar obras em português de filósofos africanos, de modo a incrementar a cultura africana nas escolas e universidades brasileiras, superando barreiras como a dificuldade de acesso aos materiais e a hegemonia linguística presente na maioria dos títulos em geral disponibilizados apenas em inglês ou francês.

            Ao fim e ao cabo, concluindo com o recorte que propus para meu sub-tema naquela exposição, de pensar Uma Universidade Popular para uma Educação Emancipatória, algo que, a meu ver, transparece nos debates que se deram na 9ª Conferência, o que nela também transparece, é que libertar-se, emancipar-se, dizemos nós em nosso projeto acadêmico que denominamos O Direito Achado na Rua: “não é dom; é tarefa, que se realiza na História, porque não nos libertamos isoladamente, mas em conjunto”. E se ela não existe em si, o Direito de emancipar-se é comumente a sua expressão, porque ele é a sua afirmação histórico-social “que acompanha a conscientização de liberdades antes não pensadas (como em nosso tempo, a das mulheres e das minorias eróticas) e de contradições entre as liberdades estabelecidas (como a liberdade contratual, que as desigualdades sociais tornam ilusória e que, para buscar o caminho de sua realização, tem de estabelecer a desigualdade, com vista a nivelar os socialmente desfavorecidos, enquanto ainda existam” .

           

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

 

Comunidade da Diferença

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

Miroslav Milovic. Comunidade da Diferença. 1. ed. Rio de Janeiro, Ijuí: Relume Dumará, UNIJUI, 2004, 142 p.

             Com o título, “Miro, compromisso com a filosofia política e o mundo”, publiquei, por solicitação da Secretaria de Comunicação da Universidade de Brasília, um obituário do nosso colega professor e amigo querido Miroslav Milovic, o Miro.

             Miro morreu nesse 11 de fevereiro em Recife, em decorrência de complicações septcêmicas, enquanto internado por infeção do Covid-19. A notícia caiu de modo fulminante entre seus colegas e alunos, absolutamente chocados, surpreendidos. Miro tinha 65 anos e estava na plenitude de sua docência, atualmente na Faculdade de Direito da UnB, onde era Professor Titular, regendo a cadeira de Filosofia do Direito.

            Miro “filósofo verdadeiro, buscava sempre a coerência entre seu discurso e sua ação na vida”, assim o caracterizava nossa colega Bistra Stefanova Apostolova, como ele originada dos Balcãs, ele dos Alpes Dináricos da Sérvia, ela das montanhas Rila, na terra de Spartacus, a antiga Trácia, de cujo comentário também retirei o título deste depoimento.      

Fonte: PixaBay

            E, na vida e na morte, encarnadamente premonitório. Há poucas semanas escreveu: “O vírus nos confronta com o nosso próprio mundo. Obviamente que ele não pode resolver problemas, mas ele pode tornar o mundo mais transparente, pode nos fazer pensar o que esquecemos. E nos mostrar a ordem maquiavélica do mundo, chamada neoliberalismo”.

             Contra essa ordem maquiavélica Miro estruturou a sua prática acadêmica e de mundo. Pensador rigoroso com graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia de Belgrado (1978), doutorado de Estado em Filosofia – Université de Paris IV (Paris-Sorbonne) (1990), com a tese Razão teórica e razão prática e suas relações com a comunidade ética e política, tendo como orientador J. Chanteur e doutorado em Filosofia – Universitat Frankfurt (Johann-Wolfgang-Goethe) (1987), com a Tese Subjetividade e comunicação, tendo como Orientador  Karl Otto Apel. Miro, lembra ainda Bistra, abrindo-se às diferenças, “sua excelente produção acadêmica não o impedia de se fazer presente na vida das pessoas”.

             “Ele sempre foi aberto, generoso, engajado em transformar o mundo e genial”, diz Alexandre Araújo Costa, nosso colega professor na Faculdade de Direito da UnB; Bruno Henrique Moura, relembra as suas aulas de metafísica. “Ele tinha pureza e elegância. Nunca perdia a paciência nas aulas. Uma das mentes mais brilhantes que eu conheci”; “Deixa sua marca em diversas gerações que passaram pela Faculdade de Direito, sem mencionar o seu impacto inigualável no desenvolvimento do direito e da filosofia”, afirma a nota do Centro Acadêmico de Direito da universidade; “Hoje partiu meu grande amigo Miroslav Milovic, professor de tantos anos, orientador de tantas pesquisas, um gênio da filosofia”, diz sentidamente Juliano Zaiden Benvindo, ex-Coordenador de Pós-Graduação da Faculdade de Direito. “Ele foi um professor muito importante para a construção não apenas da graduação, mas da pós-graduação da Faculdade de Direito, tendo participado do projeto de mestrado e doutorado desde o seu início. Fica aqui a nossa homenagem ao seu legado, nossos sentimentos à família e aos amigos mais próximos e nosso alerta para que continuemos nos cuidando”, assim se manifestou nossa colega Claúdia Roesler, que dirigiu nosso programa de pós-graduação em Direito; todas expressões de um luto sentido e introjetado, afinal reconhecido e decretado pela direção da Faculdade de Direito. Para Mamede Said Maia Filho, que foi nosso Diretor na Faculdade de Direito: “Nele se fundiam o intelectual brilhante e o homem simples: para além do conhecimento que tinha sobre filosofia e sobre política; para além de ter sido orientado por Karl-Otto Apel em Frankfurt; para além de ser o acadêmico que foi (professor titular da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Metafísica da UnB), Miro era apaixonado pelas coisas triviais da vida: estar com os filhos, ver o Flamengo jogar, brincar no Carnaval do Rio, compartilhar uma boa mesa, falar com saudade de sua terra natal, a Sérvia, e do papel de Josip Broz Tito como o homem que conseguiu unir e manter a paz entre os diferentes povos da antiga Iugoslávia”.

             A Professora Loussia Felix, que na minha gestão como Diretor da Faculdade de Direito conduziu o processo de institucionalização do Doutorado em Direito, com abertura interdisciplinar, trazendo para o espaço jurídico professores como Miro e Terrie Groth,mas também Luis Roberto Cardoso de Oliveira (Antropologia), Rebeca Igreja (Antropologia), Simone Rodrigues Pinto (Ciências Sociais) e Débora Diniz (Ciências Sociais), traça seu perfil: “Miro, assim como Terrie Groth (também professor da Faculdade de Direito, da cadeira de Ciência Política, falecido no ano passado) foram docentes que trouxeram tanto para a FD. Os dois vieram para o PPGD em 2003. Uma linda, profícua e intensa trajetória. Mais tarde retorno aqui. Miro nos desafiava. Lembro dele em tantas, tantas reuniões. Era sempre participativo. Tão sério em seu trabalho. Chegou de tão longe e vai deixar tantas sementes no Brasil”.

             Em Carta Pública Aberta, que a emoção ditou, a Professora Loussia sintetizou:

             “Na formação jurídica que vislumbrávamos  ambiciosa um conceito tornava-se então inarredável. Interdisciplinaridade. Mesmo que a teoria social crítica então se disseminasse como água que escorria de um veio precioso em terra calcinada, não havia tantos docentes com tua formação de velho mundo. Onde tudo ocorrera (as promessas iluministas, a barbárie das “soluções finais”). Você chegava então como promessa de filósofo “old school”, a formação impecável, a mente treinada nos rigores da academia alemã, mas também associada a uma perspectiva generosa de compreensões do agora. Aqui mesmo. No Brasil que era então micro cosmo das tantas possibilidades globais de, enfim, nos tornarmos tolerantes, diversas, propiciar lugares de educação superior até então negados para – que surpreendente – a maioria. Lá fomos nós. Tua história na FD-UnB vai se consolidando ao mesmo tempo que tantas esperanças de educação jurídica que pudesse propiciar mais amplas compreensões”.

             Com efeito, docente altamente adestrado em contextos acadêmicos bastante avançados e complexos – Chiba University, Japão; Universidad de Granada, UGR, Espanha;  Middle East Technical University, METU, Turquia; Faculdade de Filosofia de Belgrado, FFB, na ex-Iugoslávia, Miro foi adensando e refinando os temas que organizou para agrupar seus alunos, orientandos e associados: Direito como Potência no contexto da Tradição, Modernidade e Contemporaneidade; Biopolítica e Direito no contexto da despolitização moderna e da aproximação entre política, biopolítica e direito; a Impossibilidade da Democracia na modernidade e a questão do Direito e muito designadamente a questão da Democracia e da Diferença, visando a analisar a modernidade como afirmação de uma nova identidade: a identidade do sujeito ou a sua desconstrução.

            Relacionado a esses temas, um livro de Miroslav chama a minha atenção: Comunidade da Diferença. 1. ed. Rio de Janeiro, Ijuí: Relume Dumará, UNIJUI, 2004, traduzido para várias línguas. A obra remete a uma questão presente no seu pensamento, posta em termos por ele próprio, em entrevista que concedeu ao sítio http://filosofia.com.br/vi_entr.php?id=21  (www.filosofia.com.br) . Nesse livro, ele diz: “tentei questionar a Modernidade não nos contextos políticos, como mencionei acima, mas discutindo as perspectivas abrangentes da racionalidade. Assim, a gente chega até os próprios fundamentos da Modernidade, até a sua própria rigidez tratada como a Identidade. Modernidade é uma forma da Identidade, da nivelação, mediocrização que apaga com as possibilidades da Diferença. A cultura global, como a consequência da Modernidade é um exemplo disso. Estamos na sombra hegeliana, vivendo o fim da história, onde a nossa vida só tem sentido como a reprodução do passado. Futuro do capitalismo é o passado da história. É o mundo sem futuro. Precisamos repensar isso, nos confrontar para que seja possível nossa autenticidade”.

            Projetando essa ordem de preocupação, ele dirá em obra mais recente, o livro Política e Metafísica, de 2017, tecendo críticas aos processos de globalização, o quanto eles se desenvolvem como “forma de colonização do mundo”, até para advertir as opções que se colocam para o Brasil, nesse processo, afirmando que “o futuro do Brasil não é seguir os caminhos estabelecidos e metafísicos da globalização. Isso seria muito estranho”, pois, “um país tão grande ficar como uma pequena nota de rodapé na história”.

            Claro que em seu pensamento filosófico, muito mais instigado por uma percepção sistêmica, racional ao impulso espiral dos grandes processos, hegelianamente falando, Miro se propunha pensar o Brasil num movimento dialético inscrito na historicidade. Não podia sequer imaginar que se pusesse intencionalmente numa vocação redutora para descer ao nível de rodapé, tangido pelo banal malicioso convertido em ação política. Quem poderia imaginar esse regresso? Esse suicídio histórico? Essa politização despolitizadora do social?

             Ao ferir a questão da despolitização da modernidade como um sintoma de tipo de fenômeno profundo de nosso tempo, Miro apontava para o que considerava um fenômeno característico de nosso tempo, a despolitização, indicando a exigência de reinvenção da política como perspectiva de articulação das novas subjetividades.

            É sobre essa condição dramática que Miro adverte em aguda entrevista que concedeu ao sítio IHU Unisinos, para a EDIÇÃO 438 | 24 MARÇO 2014 (http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/5391-miroslav-milovic-3), na inteligente instigação de Márcia Junges e Ricardo Machado, afinal resumidas no título que indexa seus comentários,  “Contemplar para compreender, entender a si mesmo para fazer o bem”, pois, para Miro, “agir no mundo requer, antes de tudo, saber o que é o mundo, o que é a própria natureza, para nos entendermos”. Por isso ele diz: “Tantos crimes, mas quase sem culpados. O indivíduo que não pensa e se torna cúmplice dos crimes: essa é a banalidade do mal diagnosticada por Hannah Arendt como a consequência dessa tradição filosófica que quase mumificou a estrutura do ser e nos marginalizou”.

            Miroslav nos deixa nesse momento crucial. Que falta ele fará com seu filosofar potente, exatamente quanto mais é necessário sofisticar a habilidade do pensamento para prevenir, o que agora nos desafia, as “catástrofes políticas” do nosso tempo.

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021


            Miro, compromisso com a filosofia política e o mundo

 

                                               José Geraldo de Sousa Junior

Professor Titular da Faculdade de Direito; ex-    Diretor da Faculdade e ex-Reitor da UnB; co-lidera o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua

           

Morreu nesse 11 de fevereiro o Miro – Miroslav Milovic, em Recife, em decorrência de complicações septcêmicas, enquanto internado por infeção do Covid19. A notícia caiu de modo fulminante entre seus colegas e alunos, absolutamente chocados. Miro tinha 65 anos e estava na plenitude de sua docência, atualmente na Faculdade de Direito da UnB, onde era Professor Titular, regendo a cadeira de Filosofia do Direito.

            Mirofilósofo verdadeiro, buscava sempre a coerência entre seu discurso e sua ação na vida), assim o caracterizava nossa colega Bistra Stefanova Apostolova, como ele originada dos Balcãs, ele dos Alpes Dináricos da Sérvia, ela das montanhas Rila, na terra de Spartacus, a antiga Trácia, de cujo comentário também retirei o título deste depoimento.      

E, na vida e na morte, encarnadamente premonitório. Há poucas semanas escreveu: “O vírus nos confronta com o nosso próprio mundo. Obviamente que ele não pode resolver problemas, mas ele pode tornar o mundo mais transparente, pode nos fazer pensar o que esquecemos. E nos mostrar a ordem maquiavélica do mundo, chamada neoliberalismo”.

Contra essa ordem maquiavélica Miro estruturou a sua prática acadêmica e de mundo. Pensador rigoroso com graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia de Belgrado (1978), doutorado de Estado em Filosofia - Université de Paris IV (Paris-Sorbonne) (1990), com a tese Razão teórica e razão prática e suas relações com a comunidade ética e política, tendo como orientador J. Chanteur e doutorado em Filosofia - Universitat Frankfurt (Johann-Wolfgang-Goethe) (1987), com a Tese Subjetividade e comunicação, tendo como Orientador  Karl Otto Apel. Miro, lembra ainda Bistra, abrindo-se às diferenças, “sua excelente produção acadêmica não o impedia de se fazer presente na vida das pessoas”.

Ele sempre foi aberto, generoso, engajado em transformar o mundo e genial”, diz Alexandre Araújo Costa, nosso colega professor na Faculdade de Direito da UnB; Bruno Henrique Moura, relembra as suas aulas de metafísica. "Ele tinha pureza e elegância. Nunca perdia a paciência nas aulas. Uma das mentes mais brilhantes que eu conheci"; "Deixa sua marca em diversas gerações que passaram pela Faculdade de Direito, sem mencionar o seu impacto inigualável no desenvolvimento do direito e da filosofia", afirma a nota do Centro Acadêmico de Direito da universidade; “Hoje partiu meu grande amigo Miroslav Milovic, professor de tantos anos, orientador de tantas pesquisas, um gênio da filosofia”, diz sentidamente Juliano Zaiden Benvindo, ex-Coordenador de Pós-Graduação da Faculdade de Direito. “Ele foi um professor muito importante para a construção não apenas da graduação, mas da pós-graduação da Faculdade de Direito, tendo participado do projeto de mestrado e doutorado desde o seu início. Fica aqui a nossa homenagem ao seu legado, nossos sentimentos à família e aos amigos mais próximos e nosso alerta para que continuemos nos cuidando”, assim se manifestou nossa colega Claúdia Roesler, que dirigiu nosso programa de pós-graduação em Direito; todas expressões de um luto sentido e introjetado, afinal reconhecido e decretado pela direção da Faculdade de Direito. Para Mamede Said Maia Filho, que foi nosso Diretor na Faculdade de Direito: “Nele se fundiam o intelectual brilhante e o homem simples: para além do conhecimento que tinha sobre filosofia e sobre política; para além de ter sido orientado por Karl-Otto Apel em Frankfurt; para além de ser o acadêmico que foi (professor titular da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Metafísica da UnB), Miro era apaixonado pelas coisas triviais da vida: estar com os filhos, ver o Flamengo jogar, brincar no Carnaval do Rio, compartilhar uma boa mesa, falar com saudade de sua terra natal, a Sérvia, e do papel de Josip Broz Tito como o homem que conseguiu unir e manter a paz entre os diferentes povos da antiga Iugoslávia”.

A Professora Loussia Felix, que na minha gestão como Diretor da Faculdade de Direito conduziu o processo de institucionalização do Doutorado em Direito, com abertura interdisciplinar, trazendo para o espaço jurídico professores como Miro e Terrie Groth, mas também Luis Roberto Cardoso de Oliveira (Antropologia), Rebeca Igreja (Antropologia), Simone Rodrigues Pinto (Ciências Sociais) e Débora Diniz (Ciências Sociais), traça seu perfil: “Miro, assim como Terrie Groth (também professor da Faculdade de Direito, da cadeira de Ciência Política, falecido no ano passado) foram docentes que trouxeram tanto para a FD. Os dois vieram para o PPGD em 2003. Uma linda, profícua e intensa trajetória. Mais tarde retorno aqui. Miro nos desafiava. Lembro dele em tantas, tantas reuniões. Era sempre participativo. Tão sério em seu trabalho. Chegou de tão longe e vai deixar tantas sementes no Brasil”.

Em Carta Pública Aberta, que a emoção ditou, a Professora Loussia sintetizou:

“Na formação jurídica que vislumbrávamos              ambiciosa um conceito tornava-se               então inarredável. Interdisciplinaridade. Mesmo que a teoria social crítica então               se disseminasse como água que escorria de um veio precioso em terra calcinada, não havia tantos docentes com tua formação de velho mundo. Onde tudo ocorrera (as promessas iluministas, a barbárie das “soluções finais”). Você chegava então como promessa de filósofo “old school”, a formação impecável, a mente treinada nos rigores da academia alemã, mas também associada a uma perspectiva generosa de compreensões do agora. Aqui mesmo. No Brasil que era então micro cosmo das tantas possibilidades globais de, enfim, nos tornarmos tolerantes, diversas, propiciar lugares de educação superior até então negados para - que    surpreendente – a maioria. Lá fomos nós. Tua história na FD-UnB vai se consolidando ao mesmo tempo que tantas esperanças de educação jurídica que pudesse propiciar mais amplas compreensões”.

Com efeito, docente altamente adestrado em contextos acadêmicos bastante avançados e complexos - Chiba University, Japão; Universidad de Granada, UGR, Espanha;  Middle East Technical University, METU, Turquia; Faculdade de Filosofia de Belgrado, FFB, na ex-Iugoslávia, Miro foi adensando e refinando os temas que organizou para agrupar seus alunos, orientandos e associados: Direito como Potência no contexto da Tradição, Modernidade e Contemporariedade; Biopolitica e Direito no contexto da despolitização moderna e da aproximação entre política, biopolítica e direito; a Impossibilidade da Democracia na modernidade e a questão do Direito e muito designadamente a questão da Democracia e da Diferença, visando a analisar a modernidade como afirmação de uma nova identidade: a identidade do sujeito ou a sua desconstrução.

            Relacionado a esses temas, um livro de Miroslav chama a minha atenção: Comunidade da Diferença. 1. ed. Rio de Janeiro, Ijuí: Relume Dumará, UNIJUI, 2004, traduzido para várias línguas. A obra remete a uma questão presente no seu pensamento, posta em termos por ele próprio, em entrevista que concedeu ao sítio http://filosofia.com.br/vi_entr.php?id=21  (www.filosofia.com.br) . Nesse livro, ele diz: “tentei questionar a Modernidade não nos contextos políticos, como mencionei acima, mas discutindo as perspectivas abrangentes da racionalidade. Assim, a gente chega até os próprios fundamentos da Modernidade, até a sua própria rigidez tratada como a Identidade. Modernidade é uma forma da Identidade, da nivelação, mediocrização que apaga com as possibilidades da Diferença. A cultura global, como a conseqüência da Modernidade é um exemplo disso. Estamos na sombra hegeliana, vivendo o fim da história, onde a nossa vida só tem sentido como a reprodução do passado. Futuro do capitalismo é o passado da história. É o mundo sem futuro. Precisamos repensar isso, nos confrontar para que seja possível nossa autenticidade”.

            Projetando essa ordem de preocupação, ele dirá em obra mais recente, o livro Política e Metafísica, de 2017, tecendo críticas aos processos de globalização, o quanto eles se desenvolvem como “forma de colonização do mundo”, até para advertir as opções que se colocam para o Brasil, nesse processo, afirmando que "o futuro do Brasil não é seguir os caminhos estabelecidos e metafísicos da globalização. Isso seria muito estranho”, pois, “um país tão grande ficar como uma pequena nota de rodapé na história".

            Claro que em seu pensamento filosófico, muito mais instigado por uma percepção sistêmica, racional ao impulso espiral dos grandes processos, hegelianamente falando, Miro se propunha pensar o Brasil num movimento dialético inscrito na historicidade. Não podia sequer imaginar que se pusesse intencionalmente numa vocação redutora para descer ao nível de rodapé, tangido pelo banal malicioso convertido em ação política. Quem poderia imaginar esse regresso? Esse suicídio histórico? Essa politização despolitizadora do social?

Ao ferir a questão da despolitização da modernidade como um sintoma de tipo de fenômeno profundo de nosso tempo, Miro apontava para o que considerava um fenômeno característico de nosso tempo, a despolitização, indicando a exigência de reinvenção da política como perspectiva de articulação das novas subjetividades.

            É sobre essa condição dramática que Miro adverte em aguda entrevista que concedeu ao sítio IHU Unisinos, para a EDIÇÃO 438 | 24 MARÇO 2014 (http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/5391-miroslav-milovic-3), na inteligente instigação de Márcia Junges e Ricardo Machado, afinal resumidas no título que indexa seus comentários: “Contemplar para compreender, entender a si mesmo para fazer o bem”, pois, para Miro, “agir no mundo requer, antes de tudo, saber o que é o mundo, o que é a própria natureza, para nos entendermos”. Por isso ele diz: Tantos crimes, mas quase sem culpados. O indivíduo que não pensa e se torna cúmplice dos crimes: essa é a banalidade do mal diagnosticada por Hannah Arendt como a consequência dessa tradição filosófica que quase mumificou a estrutura do ser e nos marginalizou”.

            Miroslav nos deixa nesse momento crucial. Que falta ele fará com seu filosofar potente, exatamente quanto mais é necessário sofisticar a habilidade do pensamento para prevenir, o que agora nos desafia, as “catástrofes políticas” do nosso tempo.

 

 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

 

Direitos Humanos e covid-19: grupos sociais vulnerabilizados e o contexto da pandemia

Jornal Estado de Direito

 

 

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

REVISTA HUMANIDADES. Autores: Vários. Editora UnB. N 64, dezembro de 2020.

A revista está disponível impressa na loja e no site da Editora UnB, e digitalmente, para acesso livre: https://www.editora.unb.br/Acessolivre.php

       Conforme a Apresentação de sua editora Inês Ulhoa: “Ninguém que tenha noção da importância da vida dos outros pode permanecer alheio ao que ocorre em nosso país, testemunhas que somos da grave iniquidade daqueles que ocupam os lugares de decisão do Estado diante dos desafios que a pandemia trouxe aos brasileiros”.

       Ainda segundo ela: “A Universidade de Brasília, assim como outras instituições brasileiras, assumiu um papel fundamental neste cenário de perplexidades, demonstrando uma visão acurada de nosso momento histórico, enfrentando as inúmeras demandas que esse processo requereu. De fato, logo no início da pandemia, a UnB, no sentido de proteger a comunidade acadêmica, suspendeu as atividades presenciais e criou o Comitê Gestor do Plano de Contingência da Covid[G1] -19 para realizar ações, orientações acerca de ocorrências relacionadas à Covid-19 na UnB, em consonância com as diretrizes da Organização Mundial de Saúde, buscando contribuir para a redução dos efeitos nefastos dessa doença na população do Distrito Federal e do Brasil[G2]” .

          Ela continua na Apresentação: “Diante dessa realidade inescapável e à luz de uma reflexão sobre a pandemia, seu impacto e os sentidos metafóricos a ela atribuídos em uma explosão de narrativas pelas redes sociais e veículos da imprensa, a revista Humanidades, em compromisso com a memória de tempos históricos, publica esta edição especial dando vazão à percepção dos sentidos diante da nossa dor e da dor dos outros. Foram muitos textos recebidos, pelos quais agradecemos a todos que se dispuseram a escrever. Narrativas, versos, artigos acadêmicos, ensaios, contos, crônicas, relatos testemunhais: recebemos mais de cem colaborações dessas diversas tipologias textuais. Infelizmente, seria impossível publicar todas as contribuições. Porém, temos a certeza de que os textos aqui publicados representam muitas narrativas sobre a vivência e experiência em um tempo inteiramente novo e fora do contexto de muitos brasileiros”.

       Textos inéditos revelam o espanto e a dor de brasileiros diante de um cenário inesperado e assustadorConforme a nota editorial, “foram muitos textos recebidos, pelos quais agradecemos a todos que se dispuseram a escrever. Narrativas, versos, artigos acadêmicos, ensaios, contos, crônicas, relatos testemunhais: recebemos mais de cem colaborações dessas diversas tipologias textuais. Infelizmente, seria impossível publicar todas as contribuições. Porém, temos a certeza de que os textos aqui publicados representam muitas narrativas sobre a vivência e experiência em um tempo inteiramente novo e fora do contexto de muitos brasileiros”.

Disso Dá conta o Sumário da edição, compreendendo os artigos e ensaios:

Pesquisa Social UnB: saúde e condições de trabalho remoto em meio à pandemia da Covid-19 – Lucio Rennó, Michelle Fernandez, Ana Maria Nogales, Janaina Penalva, Ronaldo Pillati e Jhames Sampaio

Uma pandemia neoliberal – Alfredo Saad Filho

Manifesto agrestino pernambucano: “Temos o direito de viver!” –Ingrid Silva de Melo e Diogivânia Maria da Silva

Se essa rua (ainda) fosse minha…: reflexões sobre o brincar em tempos de pandemia –Rebeca Azambuja, Ana Luiza Batista e Gabriela Mietto

Do abraço ao toque digital: mídias e pandemia – Vanessa Moraes

Pandemia, autorrelação e a crise da gestão dos alimentos – Mariana Paolozzi

Lições da pandemia para o mundo do trabalho – Gabriela Neves, Lucilia de Almeida Neves Delgado e Mauricio Godinho Delgado

Arte e promoção de saúde em tempos de COVID-19 – Flávia Mazitelli de Oliveira, Daniela da Silva Rodrigues e Josenaide Engracia dos Santos

A vida como valor absoluto – Uribam Xavier

Reflexões sobre o futuro e o direito pós-pandemia – José Geraldo de Sousa Junior

Antropoceno: a importância da implantação da cultura da inovação no contexto social contemporâneo – Rodolfo Augusto Melo Ward de Oliveira

Do pessimismo ao neorrealismo: uma passagem em meio ao assédio pandêmico –Rafael Reginato Moura

Humanidade e pertencimento: lições em tempos de pandemia – Maria Ivoneide de Lima Brito, Margô Gomes de Oliveira Karnikowski e Zaíra Nascimento de Oliveira

Solidariedade em tempos de Covid-19 – Wladimir Porreca

Pandemia: o que tememos e o que seremos – Marcos Cesar Danhoni Neves

Adaptação e o impacto socioeconômico no combate à Covid-1 – Marcos Mourão Santa Brígida, Tiago Duarte da Silva, Vitória Carolina Farias de Oliveira, Raquel Soares Casaes

As torturas do silêncio – Elen Geraldes, Georgete Medleg e Kênia Figueiredo

De pandemia em pandemia: antipolíticas do luto – Sávio Barros

A cultura popular embala os pequenos brincantes do Ensino Infantil – Leandro Costa da Fonsêca e Isabel Haialy Pereira da Silva

O ambiente da pandemia – José Domingues de Godoi Filho

            E ainda, Contos, Crônicas e Poesias:

Resumo da ópera: pandemia e pandemônio – Jorge Antunes

A Bolha – Matheus Zucato Robert

Que país é esse? Colonizado e periférico ou protagonista? Isaac Roitman

Diário da peste – Fernando Fiorese

2020: o ano da reconstrução – Neila Conceição Cunha-Nardy

Tempo invisível – Rodrigo Cristalino Bezerra da Silva

A súbita intimidade com os aplicativos, ou a adolescência das máquinas – Hilan Bensusan

Que fim levou a New Age? – Angélica Torres

Solene momento pela alma dos mortos – Josafá de Orós

Guerra e paz – Elieni Caputo

Pericentral – Francisley da Silva

O ovo da serpente – Osvaldo Duarte

Plinto – Joba Tridente

            Estou em boa companhia, ao contribuir, a convite da edição, com o texto Reflexões sobre o Futuro e o Direito Pós-Pandemia.

            Em meu texto, que sintetiza várias manifestações que tenho feito a partir desse tema, entre elas, por todas, as que balizam o livro que organizei juntamente com meus colegas de UnB Talita Tatiana Dias Rampim e Alberto Amaral, a pedido do nosso editor Plácido Arraes (Editora D’Plácido), “Direitos Humanos e covid-19: grupos sociais vulnerabilizados e o contexto da pandemia” (lançamento neste primeiro trimestre de 2021).

          No fundo, sempre pensando que um futuro que pode começar hoje, se a pandemia e a quarentena revelam que são possíveis alternativas, que as sociedades podem se adaptar ou inventar novos modos de viver quando isso é necessário, se se pode, como exortou o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, redescobrir a política como dimensão sublime da caridade (n. 205), “só com uma nova articulação entre os processos políticos e os processos civilizatórios”, será possível alternativas para uma nova humanidade.

Foto: Pixabay

        Trata-se de uma mobilização sensível e criteriosa do jurídico na direção a que apontam os estudos do extraordinário Cidadania e Inclusão Social. Estudos em Homenagem à Professora Miracy Barbosa de Sousa Gustin, tal como se oferece no precioso texto de Márcio Túlio Viana – Os não-lugares do Direito: uma pesquisa em classe com trabalhadores de rua (p. 367-376). Com riqueza de estilo e intensidade narrativa, o querido mestre faz o direito andar nas ruas para recuperar nas histórias de vida, os projetos frustrados, do gritador, dos malabaristas, da mulher do cabide, as filha dela, do engraxate, tipos sociais a se reimpregnar do humano.

             Assim, numa emergência composta de impulsos de exceção, o Jurídico é chamado a se constituir como arena de resistência ao processo de desdemocratização e de desconstitucionalização em curso no País e à banalização da vida pela ação de governança absolutamente incompetente para agir no enfrentamento à pandemia.

        Estarão os juristas à altura das expectativas civilizatórias que os desafiam? Repito a questão: estarão os operadores e os agentes políticos à altura das expectativas civilizatórias que os desafiam, no plano do Direito? Nessa quadra dramática de interpelação a um paradigma civilizatório, serão alcançados nos seus misteres para, com a tempestade que desaba sobre o mundo, limpar “a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem; (e deixar) a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos”, como exorta o Papa Francisco em seu exemplar distanciamento social na grande praça de São Pedro, totalmente vazia? Será o Direito, realmente Direito se, como exortou Francisco, não for “capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), e operar para realizar e ser instrumento por meio da eficácia horizontal dos direitos humanos?       

            Indiquei, no âmbito da construção do projeto O Direito Achado na Rua e com Antonio Escrivão Filho, em nosso livro Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos, várias aplicações e fundamentos de teoria e de práxis para orientar e recuperar formas de resistência e de transponibilidade às exceções, mesmo no Supremo Tribunal Federal, para lembrar com Victor unes Leal, a necessidade que tem a jusrisprudência, inclusive do STF, de andar nas ruas, para que o promessa do Direito, nelas achado, não se torne promessa vazia.

             Pois, se é verdade, conforme diz o Papa Francisco (Mensagem para o IV Dia Mundial dos Pobres, em 15 de novembro de 2020), de que essa “pandemia chegou de improviso e apanhou-nos impreparados, deixando uma grande sensação de desorientamento e impotência”, a experiência histórica e política do agir responsável não podem ser um improviso: “Não nos improvisamos instrumentos de misericórdia. Requer-se um treino diário, que parte da consciência de quanto nós próprios, em primeiro lugar, precisamos duma mão estendida em nosso favor”, como agir misericordioso ou como agir por vocação política no interesse do bem comum.

           Para o Papa Francisco, sob essa perspectiva, é preciso resgatar a caridade como dimensão sublime da política porque ela representa a abertura de “caminhos de esperança”. Na Carta Encíclica Fratelli Tutti sobre a Fraternidade e a Amizade Social (São Paulo: Edições Paulinas, 2020), o Papa Samaritano exorta: a “recente pandemia permitiu-nos recuperar e valorizar tantos companheiros e companheiras de viagem que, no medo, reagiram dando a própria vida. Fomos capazes de reconhecer como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns que, sem dúvida, escreveram os acontecimentos decisivos da nossa história compartilhada”.

“Caminhos de esperança”, diz o Papa. Talvez, também, indica Boaventura de Sousa Santos (em seu recente livro que acabo de receber e que comecei a ler pra você O Futuro começa agora. Da pandemia à utopia, São Paulo: Boitempo, 2021), descortinar “entre o medo e a esperança”, possibilidades credíveis para “o começo de uma nova época, de um novo modelo civilizacional”.

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.