sábado, 28 de maio de 2022

 

Genocídio: Nós Acusamos Porque Para o Social a Responsabilidade Não Prescreve

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Para a sua 50ª Sessão instalou-se, a partir das cidades de Roma e de São Paulo, o TRIBUNAL PERMANENTE DOS POVOS: Pandemia e Autoritarismo, realizando suas atividades nos dias 24 e 25 de maio.

 

Convocado pelaComissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coalizão Negra por Direitos e a Internacional de Serviços Públicos (PSI), o TPP teve como tema o exame “de violações e crimes contra a humanidade cometidos pelo presidente da República do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, e seu governo, atingindo populações negras, povos indígenas e trabalhadores da área de saúde na pandemia de Covid-19”.

 

O TPP é um tribunal de opinião dedicado aos direitos dos povos, com sede em Roma, na Itália. Criado em pelo advogado, político e militante antifascista Lelio Basso (1903-1978), é herdeiro do Tribunal Russell, constituído em 1966 para investigar crimes e atrocidades na guerra do Vietnã. Por isso, em sua 50ª sessão, o tribunal celebrará também o sesquicentenário de nascimento de Lorde Bertrand Russell (1872-2022), filósofo, ativista político, defensor de direitos humanos e Prêmio Nobel de Literatura.

 

O TPP tem sido uma das expressões mais ativas de mobilização e articulação em defesa da Declaração Universal dos Direitos dos Povos (Argel, 4/7/1976), com ampla participação de entidades e movimentos sociais na denúncia de violações praticadas por autoridades públicas e agentes privados. Ainda que não tenha efeito condenatório do ponto de vista jurídico, serve de alerta para que graves situações não se repitam e de referência na formulação de legislações nacionais e internacionais.

 

De outra parte, nessa mesma época, computando novas evidências de crimes, entidades estrangeiras aumentam a pressão e pedem que a procuradoria-geral do TPI (Tribunal Penal Internacional) acelere o exame das denúncias contra Jair Bolsonaro. Numa petição que foi entregue nesta semana, instituições europeias apresentaram indícios de crimes contra a humanidade por parte do presidente brasileiro por conta da destruição da Amazônia e das ameaças aos povos indígenas. Os documentos são acompanhados, desta vez, por mais de um milhão de assinaturas de pessoaspressionando pela ação contra Bolsonaro (https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/05/19/com-1-milhao-de-assinaturas-denuncia-em-haia-amplia-acao-contra-bolsonaro.htm?cmpid=copiaecola).

 

A expressão filosófica necropolítica, mesmo com seu significado amplo de uso do poder social e político para decidir como algumas pessoas podem viver e como outras devem morrer, num sistema de acumulação em que o econômico e os negócios prevalecem sobre a vida e a dignidade da pessoa humana, é ainda demasiado elegante e abstrata para traduzir toda a iniquidade e a barbárie que se instala na governança de um país rendida aos objetivos de enriquecimento de uns poucos em face da descartabilidade de milhões.

 

De acordo com o estudo “Lucrando com a Dor”, divulgado nesta segunda-feira (23) durante o encontro anual do Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), a riqueza total dos 2.668 bilionários existentes no planeta hoje equivale a 13,9% do Produto Interno Bruto (PIB) global, quase o triplo do que era em 2000 (4,4%). Juntos eles têm US$ 12,7 trilhões.No Brasil hoje 62 nomes de indivíduos ou famílias acumulam fortunas acima de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4,6 bilhões na cotação de hoje). A estimativa da FGV é que o PIB do Brasil acumulado no primeiro trimestre de 2022 em valores correntes é de R$ 2,457 trilhões. A desigualdade é um horror.

 

Horror, horror, horror, é a política genocida em curso no País, tema do Tribunal Permanente dos Povos.

 

Na semana em que se instala, a política de (in)segurança do Estado do Rio de janeiro continua deixando sua atuação de morte nos territórios de favelas e periferia. Na Vila Cruzeiro, comunidade carioca localizada no bairro da Penha, Zona da Leopoldina, uma das mais letais operações do Rio de Janeiro, atrás somente da chacina do Jacarezinho, deixou um rastro de mais de 25 mortos e um número ainda não determinado de feridos, com discursos contra-institucionais de autoridades de segurança, dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, a pretexto de combate a criminalidade. Contudo, a primeira pessoa a morrer foi a professora Gabrielle da Cunha, de 41 anos; ela levou um tiro dentro de casa, na entrada da Chatuba, que fica ao lado da Vila Cruzeiro (https://www.portalfavelas.com/single-post/22-mortos-na-opera%C3%A7%C3%A3o-policial-na-vila-cruzeiro).

 

Horror dos horrores é escalada de violações terceirizadas para grupos clandestinos de garimpeiros, grileiros, madeireiros, incentivados e protegidos em suas investidas com a finalidade de estabelecer cabeças-de-ponte no interesse do agro-negócio, sobre os territórios indígenas, a Floresta Amazônica e o Cerrado, desorganizando comunidades, desarticulando modos de vida, mercadorizando o humano e chegando ao estupro seguido de morte de crianças.

 

Diante das graves e recorrentes situações de violências e vulnerabilizações contra as crianças do povo Yanomami, as mais recentes dizendo respeito aos casos de exploração sexual e de óbito em decorrência de estupro, ações criminosas produzidas por garimpeiros que ocupam ilegalmente a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, um grupo formado por indígenas, deputadas federais, personalidades públicas, professores/as e estudantes universitários/as, e representantes de movimentos sociais, num total de 27 pessoas, se reuniu no dia 20 de maio de 2022, em formato virtual, para organizar a proposição de um conjunto de medidas que visam fortalecer a luta do povo Yanomami na defesa dos direitos de suas crianças e de seu território.

 

Estive entre os que nos reunimos para denunciar essas graves violações de direitos – entre outros Leonardo Boff, Deputadas Maria do Rosário (ex-Ministra dos Direitos Humanos) e Érika Kokay, professor Vicente Faleiros, professora Maria Lúcia Leal e professor Assis Oliveira do Grupo de Estudos Violes da UnB, estudantes indígenas, para deliberar sobre medidas urgentes que incumbem ao social porque constatamos que há um genocídio, que nós acusamos porque para o social a responsabilidade dos perpetradores não prescreve.

 

Entre as deliberações decidiu-se pela “organização de uma mobilização permanente em defesa dos direitos das crianças Yanomami frente as ameaças e violações perpetradas pelos garimpeiros ilegais e pelas omissões do governo federal, convocando as representações dos povos indígenas, da sociedade civil, do Estado, das universidades e dos organismos internacionais, além de crianças, adolescente e jovens, a somar forças com o povo Yanomami e as organizações indígenas e a encampar um conjunto de medidas pactuadas durante a reunião”.

 

O Grupo também arrolou medidas que foram sintetizadas em três eixos: mobilização; diagnóstico; e, proposições legislativas. E são estruturadas nos preceitos da participação indígena e da prioridade absoluta dos direitos das crianças Yanomami.

 

Eixo I – Mobilização:

 

  1. Realizar de uma campanha nacional e internacional em defesa dos direitos das crianças Yanomami, ampliando a rede de apoio participante desta mobilização e buscando sensibilizar agentes estratégicos da sociedade;

 

  1. Prestar total apoio e solidariedade às iniciativas coordenadas pela deputada federal JoêniaWapichana e pela Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, colocando-se a disposição para as ações necessárias;

 

 

  1. Agregar as proposições, atuais ou futuras, contidas nessa mobilização com a iniciativa da Agenda 227: Crianças e Adolescentes em Primeiro Lugar.

 

 

 

Eixo II – Diagnóstico:

 

 

  1. Aprofundar o entendimento das situações de violência e vulnerabilização pelas quais passam as crianças Yanomami, especialmente as relacionadas as ações de garimpeiros ilegalmente presentes em seu território;

 

  1. Consultar as organizações indígenas que atuam diretamente na defesa das crianças e do território Yanomami, em especial a Hutukara Associação Yanomami e o Conselho Indígena de Roraima;

 

 

  1. Constituir uma rede de grupos de pesquisa, professores/as e estudantes universitários que possam contribuir para a condução desta pesquisa, por meio da elaboração de projeto de pesquisa e da realização de seminários e outras atividades que oportunizem a coleta e a análise de informações.

 

 

Eixo III – Proposições Legislativas:

 

 

  1. Exigir dos/das parlamentares do Congresso Nacional a instauração imediata de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para averiguar as graves situações de violência e vulnerabilização pelas quais vem passando as crianças e o povo Yanomami em decorrência da presença ilegal de garimpeiros em seu território, apontando, também, as medidas de responsabilização a tais agentes e as autoridades públicas por suas ações e omissões;

 

 

  1. Realização de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, com a participação de representantes da Hutukara Associação Yanomami e do Conselho Indígena de Roraima, de modo a fortalecer a proposição de medidas para a defesa dos direitos das crianças Yanomami;

 

  1. Apoiar as diligências a serem realizadas por parlamentares do Congresso Nacional na Terra Indígena Yanomami, visando a elucidação dos fatos, a responsabilização dos agentes envolvidos e a proteção das crianças e do povo Yanomami.

 

 

 

Desde então tem havido reuniões, especialmente com representações de povos, comunidades e entidades indígenas, muito destacadamente com discentes universitários indígenas, para incluir entre as ações de denúncia uma Nota Pública pela Mobilização em Defesa dos Direitos das Crianças Yanomami.

 

A Mobilização em Defesa dos Direitos das Crianças Yanomami pretende fortalecer a luta e o protagonismo do povo Yanomami na defesa de suas crianças, território e natureza, assim como sensibilizar a sociedade e o Estado para assegurar seus direitos.

 

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

 

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

 

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

sexta-feira, 27 de maio de 2022

 

Caderno Encantar a Política. Democracia. Rede Brasileira de Fé e Política/Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato/CNBB

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

 

Caderno Encantar a Política. Democracia. Rede Brasileira de Fé e Política/Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato/CNBB, 2022, 58 p. file:///C:/Users/Jos%C3%A9%20Geraldo/Downloads/CADERNO%20ENCANTAR%20A%20POLITICA%20DIGITAL%20(1)%20(1).pdf

 

                           

 

A Rede de Fé e Política, composta por diversas organizações, entre elas o Movimento Nacional Fé e Política, lançou em abril o Projeto Encantar a Política. O objetivo é atuar na formação dos eleitores através de uma leitura crítica do momento atual e que contribua para o exercício da cidadania buscando o bem comum. O projeto busca uma formação e consciência política permanentes, portanto, não encerra nas eleições de 2022.

Inicialmente, à convite do Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB (@cnlb.nacional), do Regional Sul 1 (@cnlb.sul1), as Pastorais Fé e Política das Regiões Episcopais Lapa e Belém e da Forania Fátima, de Guarulhos, realizaramo Seminário Encantar a Política, durante os dias 13 a 15 de maio, em Brasília.

Reunindo aproximadamente 90 pessoas, entre leigos e clero, no Centro Cultural de Brasília (@centroculturaldebrasilia), praticamente todo o país esteve ali representado para receber a capacitação do projeto Encantar a Política e ajudar a planejar os próximos passos da campanha.

De acordo com os organizadores do seminário, esse é um projeto que não visa apenas as Eleições 2022 – que ocorrerão em outubro – mas sim, os próximos anos. Para eles, “o momento pelo qual o país atravessa é crítico e necessita de reafirmar a nossa escolha pela democracia e por candidatos com valores éticos”.

Entre os objetivos dessa inciativa, pela qual há um chamado para multiplicar os fundamentos, foi preparado o Caderno Encantar a Política. Democracia, num engajamento que leve a contribuir para que a sociedade brasileira de (re)encante com a política.

O material retoma questões centrais das encíclicas do Papa Francisco – Laudato si’ e Fratelli Tutti, da exortação apostólica pós-sinodal, Alegria do Evangelho (AE) – que tratam a Política como consequência do mandamento do amor. Dessa forma, contribui para a prática e engajamento das pessoas ao convite do Papa.

O caderno foi pensado para leitura e reflexão coletiva, nos grupos de base das comunidades, escolas de fé e política, entre outros espaços. Isso para alcançar as pessoas que estão na comunidade de base com uma vida pastoral ativa, como animadoras e animadores de culto, catequistas, ministras e ministros da Palavra, participantes de grupos e movimentos, e agentes de pastoral em geral.

A partir da leitura crítica espera-se que os leigos e leigas se animem a atuar na política como “forma sublime de caridade” exercendo assim uma cidadania ativa o que possibilitará a superação dos problemas cotidiano.

A recomendação é a de que o Caderno não resulte apenas numa leitura de ilustração, mas que seja estudado em grupo, de preferência, para que as reflexões propostas provoquem bons questionamentos. Que elas toquem a nossa consciência e o coração, sem a pretensão de solucionar os problemas de nosso cotidiano. O grupo será mais proveitoso se contar com a assessoria de alguma pessoa com formação em temas de Política.

Os textos foram produzidos para dar confiança aos cristãos leigos e leigas que se animam a atuar na política como, diz o PAPA Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, se constitua a “forma sublime de caridade”, de amor social. Mas eles estão longe de esgotar a riqueza do tema e enfrentar todos os seus desafios. Se o leitor ou leitora quiser aprofundar-se no assunto, recomenda-se que entre em contato com uma Comissão Justiça e Paz ou com uma Escola de Fé e Política de seu Regional ou Diocese.

Faz parte do projeto Encantar a Política – Eleições 2022 a criação de um hotsite no portal do CNLB (www.cnlb.org.br), com pequenos vídeos e cards para as redes sociais, podcasts, artigos e declarações; também este caderno encantar a política está lá para download gratuito e servirá também como um subsidio valioso para que grupos, dioceses e regionais elaborem seus próprios subsídios (Círculos Bíblicos, Roda de Conversas, Programas de Rádio, Cordéis, entre tantas iniciativas).

O texto está organizado em cinco capítulos:

No PRIMEIRO fala da universalidade do Amor cristão. Retoma o ideal das primeiras comunidades cristãs dos Atos dos Apóstolos; trabalha o conceito do amor ao próximo na Fratelli Tutti, a solidariedade como valor, e buscar o bem comum como ampliação e organização política da solidariedade.

No SEGUNDO CAPITULO, o tema é a amizade social e a ética política. Neste capítulo refletimos sobre a Política como “amizade social” e como “ciência e arte do bem-comum”; são abordados aspectos da Política que raramente são expostos na vida cotidiana – e menos ainda – nos meios de comunicação e redes virtuais; apresentamos a realidade atual da política no Brasil e proposta para a ação e os diferentes espaços da política.

No TERCEIRO CAPITULO são abordadas as grandes causas do Evangelho; o que a Igreja quer, quando nos convida à ação transformadora no campo da Política; o que política tem a ver com a Evangelização, qual é sua missão específica; Evangelização e Política; a Paz fundada na Justiça; as causas estruturais da pobreza e, finalizando, retomamos a expressão “Civilização do Amor”, cunhada por São Paulo VI e muito querida de São João Paulo II e Papa Francisco para expressar o projeto político que a Igreja quer para a Humanidade.

O QUARTO CAPÍTULO aponta como a parábola do Bom Samaritano ajuda a expor a necessidade da amizade social em nossos dias. O Papa Francisco abre o horizonte da espiritualidade cristã para a Política como “ciência e arte do bem comum” e nos convida a dar mais um passo: alargar o âmbito da política para nele incluir a “nossa irmã Terra”; para isso ele se inspira na figura do irmão universal, que é São Francisco de Assis. Ecologia Integral; Grito da terra, Grito dos pobres e qual o lugar da política são temas também tratados neste capítulo.

O QUINTO E ÚLTIMO CAPÍTULO fala das eleições e democracia.Tendo refletido sobre diferentes campos da política como amor social, seguindo o ensinamento do Papa Francisco em suas encíclicas, cabe agora levantar a questão eleitoral. Embora a política seja muito mais do que eleições, este é um tema que não pode ser ignorado. Com mais razão ainda porque o Brasil está numa crise político-econômica que abalou seriamente a confiança do povo nas instituições e o processo eleitoral é o momento mais favorável para um grande debate nacional a fim de encontrar a melhor saída para a crise. O capítulo quinto ainda recorda a crise política e institucional do Brasil; aponta os princípios éticos para um governo de união nacional; destaca o papel dos movimentos populares e sociais e convida a participar ativamente nas eleições.

Para apoiar a interlocução relativa a aprofundar a consciência de cidadania e de partilha comunitária ao ensejo das eleições, e não só, como exercício cotidiano da ação pastoral no campo da política, recomenda-se os seguintes sites para formação política: Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara: http://www.cefep.org.br/; Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular: https://ceseep.org.br/; Comissão Brasileira Justiça e Paz: https://www.justicapaz.org; Conselho Nacional do Laicato do Brasil: https://www.cnlb.org.br/; Núcleo de Estudos Sociopolíticos: https://nesp.pucminas.br; Movimento Nacional Fé e Política: https://fepolitica.org.br/. Nessa linha do exercício de ampliação de consciência chamo a atenção para o Programa de Justiça e Paz da Comissão Justiça e Paz de Brasília, que integro como membro Encantar a Política, entrevista com o padre Paulo Adolfo, assessor da CNBB, também Coordenador do Centro Nacional de Fé e Política: https://www.youtube.com/watch?v=xJke6XMot-Y.

Voltando ao Caderno para dele extrair a percepção presente na Apresentação que faz Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo de Belo Horizonte (MG) e Presidente da CNBB:

Trata-se de caminho desafiador, mas essencial para que a política seja efetivamente um serviço – e não atalho para conquistas pessoais. O Papa Francisco, considerando a realidade latino-americana, as dificuldades enfrentadas no continente, orienta: “Fazer política inspirada no Evangelho a partir do povo em movimento pode se tornar uma maneira poderosa de sanar nossas frágeis democracias e de abrir o espaço para reinventar novas instâncias representativas de origem popular.

É importantíssimo, pois, qualificar sempre mais a cidadania com a luz que vem de Cristo, efetivando uma genuína cidadania eclesial – a serviço da fraternidade social, do enfrentamento das exclusões e injustiças. Esta publicação é fruto de uma oferta que marca o sentido do protagonismo dos cristãos leigos e leigas, pela propriedade de sua cidadania eclesial, qualificando e contribuindo com a sua cidadania civil. Trata-se de mais uma possibilidade formativa enquanto contribuição importante no âmbito da educação política cidadã, pela verdade na política, reunindo densas lições de nosso amado Papa Francisco, para inspirar estudos, reflexões e atitudes que tenham no horizonte este propósito: ajudar cada pessoa a se reconhecer importante, essencial, na edificação de um mundo com as feições do Reino de Deus, todos à procura dele em plenitude”.

Caderno foi entregue ao Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Fachin, pelos representantes da Comissão Brasileira de Justiça e Paz – CBJP e da Comissão Justiça e Paz de Brasília, integrantes da Coalização para a Defesa do Sistema Eleitoral, recebida no TSE porta-voz de um verdadeiro manifesto em defesa da Justiça Eleitoral, destacando a importância das eleições de outubro para a defesa da democracia e da realização da constituição.

Integrante da representação da CJP-DF, preparei para a minha coluna no Jornal Brasil Popular, um texto – Eleições:  Caminho para Realinhar Ações Democráticas, com um relato descritivo-analítico sobre esse encontro.

Conforme matéria já publicada na página do TSE, incluindo acesso ao texto completo da Carta entregue ao Ministro Fachin, seu presidente (https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Maio/representantes-da-sociedade-civil-entregam-manifesto-em-defesa-do-sistema-eleitoral), a Coalização para a Defesa do Sistema Eleitoral, por meio da representação das entidades que a formaram, se fez porta-voz de um verdadeiro manifesto em defesa da Justiça Eleitoral, destacando a importância das eleições de outubro para a defesa da democracia e da realização da constituição.

Participaram do encontro a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Associação de Juízes para a Democracia (AJD), Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), Comissão Justiça e Paz de Brasília (CJP-DF), Coletivo Transforma MP, Fórum Social Mundial Justiça e Democracia, Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET), Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coalizão Negra por Direitos, Coletiva Mulheres Defensoras Públicas do Brasil, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Associação Americana de Juristas (Grupo Prerrogativas) e Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Enquanto que a cúpula do TSE, o Ministro e todo o a direção do Tribunal, diretores e assessores, além do Procurador Eleitoral com assento no Plenário, demonstraram a importância que atribuíram ao ato e se valeram da circunstância para reafirmar a disposição de conduzir com toda a segurança o procedimento, tomá-lo como garante legitimador da vontade popular (o ministro citou o filósofo Habermas) e assegurar a diplomação dos eleitos como expressão nacional e internacional da maturidade democrática brasileira.

Nas palavras do Ministro Fachin, que ao receber a Coalizão, fez questão de cumprimentar um a um e uma a uma, as 18 personalidades credenciadas, “a presença dessa coalizão pela defesa do sistema eleitoral demonstra a preocupação que a sociedade brasileira organizada tem em assegurar o direito do exercício da cidadania e o cumprimento constitucional de eleições seguras e transparentes. O voto é seguro, auditável e seu procedimento é transparente. Circunstância que aponte situação adversa disso não é verdade. A Justiça Eleitoral está do lado da sociedade e também do lado da Constituição”, afirmou.

Estivemos presentes à audiência, em representação, Tânia Oliveira – ABJD, Claudia Maria Dadico – AJD, Ivônio Barros – CBJP, Eduardo Xavier Lemos – CJP-DF, Felício Pontes – CJP-DF, Edson Baeta – TRANSFORMA MP, Rui Portanova – Associação Juízes para a Democracia, Raquel Braga – Forum Social Mundial Justiça e Democracia,  Renata Dutra – ABET – Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, Rivana Ricarte – ANADEP – Associação de Defensoras e Defensores Públicos, Kleber Karipuna – APIB – Articulação dos Povos indígenas do Brasil, Mariana Andrade – Coalizão Negra por Direitos, Juliana Braga – ColetivA Mulheres Defensoras Públicas do Brasil, Alexandre Conceição – MST, Alessandra Camarano – Associação Americana de Juristas e Grupo Prerrogativas e José Carlos Silva, da CPT, na ausência de Dom Ionilton, bispo de Itacoatira, que não retornou a tempo do Vaticano, de sua visita ad limina.

Todos os representantes se apresentaram logo que instalada a reunião e, conforme o protocolo construído pela Coalizão, seguimos uma introdução a cargo do Desembargador Rui Portanova (AJD), e de mim (CJP-DF). Kleber Karipuna (APIB), fez a leitura da Carta preparada pela Coalizão e a entregou ao Ministro. Raquel Braga falou sobre o Fórum Social Mundial Temático Justiça e Democracia que se realizou em Porto Alegre entre 26 e 30 de abril e também entregou ao Ministro a Carta do FSMTJD e Cláudia Maria Dadico, da AJD, proferiu as palavras de clausura.

Em minha exposição, tal como registrado na matéria do TSE, procurei dar relevo, conforme o título deste artigo, “à união de esforços de vários integrantes da sociedade brasileira engajados no espírito de fortalecimento institucional vem também na intenção de realinhar, por meio das eleições que se avizinham, o caminho das ações democráticas já conquistadas”. Com efeito, a democracia não é uma dádiva, é uma conquista; a cada instante é preciso resistir contra as investidas que as recalcitrâncias autoritárias e as vocações para a exceção lhe fazem, mas é preciso também avançar para novas conquistas, porque a democracia é uma afirmação contínua na história e é uma construção dos sujeitos coletivos, em seus movimentos, que se fazem força instituinte de direitos. Por isso diz a filósofa Marilena Chauí, “a democracia não é apenas uma forma de governo, é uma forma de sociedade”.

As fotos do encontro, no álbum preparado pela Comunicação do TSE – https://www.flickr.com/photos/tsejusbr/albums/72177720299016553 – dão um vislumbre da dimensão cerimonial do evento aliás, com alta e imediata repercussão, nos meios de comunicação, os corporativos e os alternativos independentes.

O encontro havia sido programado para 45 minutos e durou 2 horas. O ministro e sua equipe técnica cuidaram de apresentar as ações do TSE, tanto as programáticas, pedagógicas, quanto aquelas diretamente ligadas ao aprimoramento do processo eleitoral, sempre em acordo a uma metodologia de “diálogo que amplia a participação social, plural e encoraje o exercício da democracia”.

Para a Coalizão, conforme o documento entregue ao Ministro Fachin, “é inadmissível que o cargo do chefe do Executivo seja utilizado para proferir ataques e críticas infundadas contra as urnas”, pois “o presidente da República tem o dever de dirigir os rumos do país com serenidade e responsabilidade”.

Ao abrir a 59ª Assembleia Geral da CNBB (abril), os bispos, em Mensagem ao Povo Brasileiro, chamaram a atenção para “Tentativas de ruptura da ordem institucional, hoje propagadas abertamente,[que] buscam colocar em xeque a lisura do processo eleitoral e a conquista irrevogável do voto. Tumultuar o processo político, fomentar o caos e estimular ações autoritárias não são, em definitivo, projeto de interesse do povo brasileiro. Reiteramos nosso apoio às Instituições da República, particularmente aos servidores públicos, que se dedicam em garantir a transparência e a integridade das eleições”.

No mesmo sentido, a Carta, entregue pela Coalizão para a Defesa do Sistema Eleitoral, repudia “as agressões, bravatas e afirmações desprovidas de respaldo técnico, científico e moral servem a um único propósito: o de gerar instabilidade institucional, disseminando a desconfiança da população brasileira e do mundo acerca da correção e regularidade das eleições brasileiras”. Ao mesmo tempo que firmemente, e de forma a ainda mais ampliar as alianças em coalização, toma posição: “Não aceitamos a condição de reféns de chantagens e ameaças de ruptura institucional após pouco mais de três décadas em que a normalidade democrática foi restabelecida em nosso país”.

 

 

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

quarta-feira, 18 de maio de 2022

 

O Tempo como Elemento de Justiça: os efeitos da mora no julgamento da inconstitucionalidade da EC 95.

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

LAYLA JORGE TEIXEIRA CESAR. O Tempo como Elemento de Justiça: os efeitos da mora no julgamento da inconstitucionalidade da EC 95. Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Orientador: Prof. Rodrigo Augusto Lima de Medeiros. Brasília, 2022.

 

                           

           

Tomo como ponto de partida para o exame em banca (também arguidora a colega e querida amiga professora Sabrina Durigon Marques) de um tema que tem o tempo como elemento de justiça, a consideração que meu estimado colega e amigo Cristiano Paixão oferece nesse assunto, referindo-me entre seus estudos principalmente ao texto Tempo, memória e escrita: perspectivas para a história constitucional, publicado em MARTINS, Argemiro; ROESLER, Cláudia; PAIXÃO, Cristiano (Orgs). Os Tempos do Direito: diacronias, crise, historicidade. São Paulo: Editora Max Limonad, 2020:

Há vários percursos possíveis para a tematização do fenômeno temporal a partir do direito. A experiência moderna permite que sejam visualizados, comparados, medidos e contrastados os diversos tempos da sociedade e uma dada temporalidade do direito. Pode-se em falar na religião, na moral, na política e na economia como exemplos de âmbitos da vida social que projetam temporalidades próprias que poderão deparar-se com uma regulação jurídica que refletirá uma outra – e própria – temporalidade.

Porém, há também outras dimensões temporais que auxiliam a desvelar os diversos ritmos e durações inerentes à vigência do direito. Há um tempo da elaboração da norma jurídica (que não é uma atividade “livre”, pois está vinculada e limitada por exigências procedimentais que estipulam prazos e ritos distribuídos ao longo do tempo para que seja válida), há um tempo da aplicação dessa norma (por diversos públicos e por diversos atores, em situações concretas perante um órgão decisório ou em meio a execução/implementação de políticas públicas, limitadas e reguladas pelo direito vigente). Há igualmente um tempo da estabilização da norma: a partir de quando é possível traçar uma descrição histórica acerca das interpretações produzidas pelos juízes e tribunais? Que usos do tempo são permitidos para que se materialize uma estabilidade mínima de padrões e conteúdos emanados do texto da norma? Há, ainda, algo que é inerente à própria existência do direito moderno: as diversas modulações temporais que se apresentam à tarefa de aplicar a norma (como a retroatividade, repristinação, recepção, prescrição, decadência) exigem e permitem uma certa “gestão da relação entre passado, presente e futuro”.

Cristiano retoma, nesse passo, uma questão, antes objeto de sua reflexão em Modernidade, Tempo e Direito. 1ª ed. BELO HORIZONTE: DEL REY, 2002, na qual tratou de analisar a dimensão temporal do direito da sociedade moderna, procurando compreender a correlação existente entre o aumento do grau de abertura do futuro na dimensão temporal do direito e a mudança da semântica do conceito de tempo ocorrida na Modernidade, atento aos problemas advindos dos riscos e conseqüências da positivação, todos vinculados à questão temporal: ameaças de “des-diferenciação”, tensão no aspecto funcional do direito e existência de normas que conformem o institucional, no caso do estudo de Cristiano, as que limitam o poder de reforma das constituições.

Conquanto nesses seus estudos originários sua cogitação estivesse vinculada à noção de tempo social, com base Luhmann, pode-se dizer que o alcance de sua análise mais se vinculará, posteriormente, àquela ordem de preocupação filosófica que se apresentará forte em de François Ost (Le Temps du Droit, Paris,Éditions  Odile  Jacob,   1999; O Tempo do Direito. Editora   da Universidade   Sagrado   Coração, de Bauru, 2005, tradução de Élcio Fernandes), partindo-se da ideia de que o tempo pertence ao sentido e que ele mais se institui, configurando-se como um tempo público ou social, movido pela memória coletiva e portanto como um fator constitutivo do processo democrático na sociedade.

Com Layla, ainda que se trate de um trabalho de fecho de graduação, é preciso desbravar mesmo nesses estudos, no seu caso, nunca preliminares, eu bem o sei porque tanto me beneficiei de sua soberba autoria quando de seu assessoramento ao meu ofício reitoral, mesmo antes de seu brilhante desempenho  em ciências sociais (ao se doutorar na área interdisciplinar do CEAM/UnB em Desenvolvimento Social e Cooperação Internacional),  esse “território de dragões”, que ela desenha do mesmo modo como se fazia na cartografia náutica das grandes navegações, como simbólico do ainda não explorado, único espaço de onde poder emergir achados, descobertas, resultados criativos.

Por isso tomo o estudo monográfico de Layla Jorge, já inscrito nessa perspectiva de alta indagação sobre o tempo do direito, não só como manual de uso, procedimental, mas como tempo público ou social. Basta ver sua proposta contida no resumo da monografia.

Esta monografia objetiva analisar o uso do tempo, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como um recurso processual. Isto é, a mora intencional no julgamento de determinadas ações, que posteriormente sofreriam a perda superveniente do objeto. Conforme nos aponta a literatura especializada sobre o tema, esta estratégia seria adotada pelo órgão para escapar à necessidade de: consolidar uma decisão e se indispôr com os demais Poderes; assumir o ônus simbólico e político das consequências de suas decisões junto à população; ou mesmo criar precedentes que comprometeriam a coerência jurisprudencial do Tribunal. Para dar substrato a esta análise, se adotou como estudo de caso as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743, propostas em oposição à Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016, popularmente conhecida como emenda do Teto de Gastos, que estabeleceu o Novo Regime Fiscal (NRF) no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União. Este novo regime vigorará por vinte exercícios financeiros – medida de austeridade inédita por sua longa duração – sendo que, a partir de 2017, o gasto primário da União fica limitado ao gasto realizado em 2016, sendo apenas reajustado anualmente pela inflação acumulada, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), desconsiderando o crescimento populacional e a expansão da demanda de serviços públicos. Para melhor delinear os impactos do NRF, o presente estudo deu destaque particular à área de Educação, apresentando projeções do declínio orçamentário na esfera federal e a urgência na avaliação da constitucionalidade da emenda a fim de salvaguardar direitos fundamentais sob iminente risco de violação, em notório retrocesso social. A conclusão é que o tempo foi, sim, adotado nestes processos como elemento estratégico pelo STF, indicando a condição do Tribunal menos como guardião do texto constitucional do que como aparelho ideológico do Estado.

 

Do que se trata é, para além de uma leitura que traga a crítica, mas que não se contente em ser juízo elegante e contemplativo, para não ser aquela redução sociológica a que adverte Guerreiro Ramos (RAMOS, Alberto Guerreiro. A Redução Sociológica. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995), em sua disposição partindo da premissa de que a perspectiva segundo a qual os objetos são tomados os constitui, não podendo ser estudados desligados de seu contexto.

Anoto, para exemplo, o estudo de Pedro Pompeo Pistelli Ferreira – Direitos Humanos e Tenebrosas Transações: Um Estudo sobre os Usos do Direito na Aprovação da PEC do Congelamento dos Gastos Públicos, Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH), do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM), da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 28/06/2019.

Em sua Dissertação Pedro Pompeo Pistelli Ferreira, examinando a mesma matéria sobre a qual Layla se debruça, se propõe: “compreender a concepção de direitos humanos subjacente nos argumentos e usos do direito empregados em defesa da aprovação da Emenda Constitucional 95/16” analisando os discursos “utilizados por grupos defensores dessa medida que têm alguma implicação de uso de direito e posterior possibilidade de construção de uma noção de direitos humanos”. Teoricamente Pedro Ferreira vale-se da “dialética social do direito de (Roberto) Lyra Filho, com centralidade dada à constante e dinâmica contradição entre classes espoliadas e espoliadores, grupos oprimidos e opressores” num amálgama ideológico que exponha a ideologia jurídica que embale a apropriação retórica de uma “concepção restrita de direitos humanos” , com a qual se costura “as mediações necessárias para aglutinar as frações da burguesia brasileira e internacional constituída em frente estatal-empresarial unificada em torno da implantação de um neoliberalismo puro em solo nacional”.

Embora conscientemente engajada, não só pela expressa opção de compromisso exposta na dedicatória (Às esfarrapadas e aos esfarrapados do mundo) e na adoção de pressupostos radicalmente críticos que se arrimam nas filosofias e teorias da libertação, eco certamente de sua iniciação acadêmica sob a orientação lá na UFPR de Celso Ludwig e do marxismo heterodoxo sintetizado pelo humanismo dialético de Roberto Lyra Filho, o trabalho de Pedro Ferreira, muito forte nesses fundamentos epistemológicos, previne-se de ceder ao verbalismo de conjuntura, para atribuir vigor significativo à retórica artificiosa das diatribes economicistas do arranjo neoliberal em curso no país (http://estadodedireito.com.br/um-estudo-sobre-os-usos-do-direito-na-aprovacao-da-pec-do-congelamento-dos-gastos-publicos/).

Claro que sociologicamente, a seguir Engels, quando a descrição do objeto é verdadeira, simultaneamente ele é explicado. Mas Engels terá tido em conta o cuidado proposto por seu parceiro de práxis teórica e política, acerca da diretriz de ação transformadora do mundo (11ª tese sobre Feuerbach).

Incidindo essa diretriz na mobilização para resgatar a Justiça do seu enclausuramento pelo Sistema, como perder de vista que as disputas envolvidas no controle da administração da justiça “têm um componente político partidário estruturante, que se imbrica às pautas remuneratórias e corporativas das carreiras jurídicas, que propomos o deslocamento do foco das análises que consideram apenas a judicialização da política no equacionamento democrático da separação ideal entre os poderes, para trazer à luz também a agenda do Poder Executivo dentro das instituições de justiça. Trazemos à baila, neste debate, a influência dos processos de decisão política sobre a independência judicial, considerando práticas que não se localizam necessariamente nos espaços mais visíveis da dinâmica formal e normativa da separação de poderes”. É o que aponta Luciana Zaffalon Leme Cardoso, em sua tese (de cuja banca, aliás, participei) FGV (2017): Uma espiral elitista de afirmação corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do sistema de justiça paulista com as disputas da política convencional (publicada pela Editora Hucitec, 2018: A política da justiça: Blindar as elites, criminalizar os pobres).

Na sua monografia Layla desenvolve, apoiada em suas escolhas autorais, fundamentação teórica para configurar o elemento tempo na atuação do Judiciário, pondo em relevo “processo de ideologização do STF” para caracterizar a “expansão da autoridade dos tribunais – seja do Supremo em relação às demais instâncias do judiciário ou em relação aos demais poderes – refletindo um fenômeno global de avanço do sistema jurídico diante da deterioração de instituições puramente políticas, como os parlamentos”, para fixar entre as hipóteses explicativas deste fenômeno “a expansão do sistema de mercado [que] ocuparia posição central, já que, aos olhos de investidores, os tribunais seriam fontes muito mais estáveis para garantia da segurança jurídica e  previsibilidade das normas econômicas do que os legisladores democráticos, divididos entre demandas populares e lobistas”, além de uma “hiper constitucionalização da vida contemporânea [que] é resultado da desconfiança na democracia, e não sua causa, mas o reforço do papel do judiciário como guardião da Constituição aprofundaria o amesquinhamento do sistema representativo”.

Tais hipóteses coincidem com leituras em profundidade sobre os vínculos que o Sistema de Justiça acaba estabelecendo com o Sistema Político e o Sistema Econômico, mobilizando a introspecção de sua própria lealdade.

Veja-se a esse respeito, RAMPIN, Talita Tatiana Dias. Estudo sobre a reforma da justiça no Brasil e suas contribuições para uma análise geopolítica da justiça na América Latina. 2018. 436 f., il. Tese (Doutorado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2018. Em seu estudo, muito bem documentado Talita “estuda a reforma da justiça no Brasil e suas contribuições para uma análise geopolítica da justiça na América Latina, mapeando as reformas da justiça enquanto fenômeno nas Américas, para identificar suas características, atores participantes e estratégias. Sua análise põe em causa a participação de instituições financeiras internacionais no direcionamento das reformas da justiça no contexto latino-americano, problematizando as relações que são desenvolvidas entre o centro, a semiperiferia e a periferia do sistema mundial e, com base no exame do conteúdo de documentos (acordos, relatórios, empréstimos e outros instrumentos normativos), extrai deles elementos que sinalizam o direcionamento que as instituições financeiras, com destaque ao Banco Mundial, para que os Estados-nacionais latino-americanos configurando que seu objetivo é adaptar suas estruturas estatais de justiça, em sentido amplo, aos interesses estabelecidos no contexto de mundialização da economia”, vale dizer, à estabilidade dos negócios.

Essa realidade está presente nas conclusões da pesquisa objeto da monografia. De fato Layla conclui que o tempo é adotado pelo STF, no caso estudado, como “elemento estratégico, um caminho de procrastinação [que] se apresenta para o Tribunal como uma rota alternativa que permite ao STF escapar à necessidade de consolidar uma decisão e se indispôr com os demais Poderes; assumir o ônus simbólico e político das consequências de suas decisões junto à população; ou mesmo criar precedentes que comprometeriam a coerência jurídica e da jurisprudência do Tribunal”.

Para Layla, em consonância com seus interlocutores teóricos, a “inação diante de pautas que afetam as estruturas sociais, é um sinal do alinhamento entre as elites judiciárias e as elites políticas e econômicas, o que consolida a posição do Tribunal como um aparelho ideológico do Estado, na conservação do status quo, e demonstra sua falha na função típica de guardião do texto constitucional”, em boa medida provocada, diz Layla,  diante do que pode observar, por  “um sequestro ideológico do judiciário pelo sistema de mercado financeiro”.

Guardião ou Porteiro?

Ao conferir a ocorrência de uma expansão política do judiciário em face de sua interação com o sistema político e a sociedade civil, um modo mais preciso de considerar nesse processo, é também compreender a ideologia que compromete a ação individual de juízes para entender o fluxo de interação ideológica entre tribunais e academia, mídia, grupos sociais organizados e outras instituições políticas.

Nesse passo, não é difícil estimar um potencial curto-circuito, quando se constata a súbita sobrecarga política sobre uma estrutura destreinada a participar democraticamente da deliberação sobre conflitos de elevada intensidade política, econômica e social, na medida da fórmula que alia expansão política e blindagem institucional e em oposição à sua abertura democrática ao dialogo nos termos da participação e controle social.

Para Antonio Escrivão Filho – Porteiro ou Guardião? O Supremo Tribunal Federal em Face aos Direitos Humanos. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil/Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), maio de 2018 – “ao contrário da disposição de fomentar noções de autonomia e independência concebidas como princípios políticos próprios da função judicial diretamente referentes à garantia da sociedade contra a arbitrariedade do Estado, as alianças então construídas sobretudo durante a mediação constituinte (1988), ao invés de forjar requisitos de neutralização do sistema – reconhecimento ontológico da condição política da justiça – deixou que esse se visse permeado pela ideologia da neutralidade – enredando-o em injunções a serviço da reprodução das tradições de uma cultura institucional acostumada e orientada à manutenção do status quo”.

Então, o que fazer? Pergunta Layla na exposição oral e eu devolvo a Layla a indagaçãoA pergunta tem a ver com preocupações válidas que têm mobilizado as expressões mais atentas do Sistema de Justiça. Desde que iniciadas em 2021, as mobilizações para a realização de um Fórum Social Mundial Temático Justiça e Democracia, o conjunto de entidades que o propôs, organizou e realizou agora ao final de abril – mais de uma centena de organizações e movimentos – mantiveram a motivação de sua convocação (http://estadodedireito.com.br/para-uma-revolucao-democratica-da-justica/), conforme os termos propostos pelas seis entidades que subscreveram o texto original: os coletivos Transforma MP, Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia, Associação Juízes para a Democracia, Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia, Coletivo Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia e Movimento Policiais Antifascismo.        

Buscando ampliar contatos e agregar novos movimentos e organizações durante mais de um ano, até a instalação presencial do Fórum, cuidou-se de “promover um espaço de encontros e de compartilhamentos de percepções e informações e, num segundo momento, buscar construir condições para ações concretas e coletivas frente a desafiadora conjuntura atual”, ao acicate de motivos e urgências bem descritos no documento convocatório.

Entre esses motivos e urgências, tratou-se de não se acomodar “ante as milhares de situações de violações de direitos humanos, com destaque especial ao escancarado racismo estrutural que nos assola e à manipulação da democracia através de técnicas cada vez mais sofisticadas de disseminação de notícias falsas”, culminando numa estratégia em que o assim denominado lawfare sequestrou o espaço democrático do sistema de justiça para fazê-lo cúmplice de um processo desconstituinte de assalto ao projeto de sociedade que se organizava em base de uma amplo programa de mais equitativa distribuição da riqueza socialmente realizada e num experimento sem precedente de compartilhamento de poder político, numa modelagem criativa de participação popular democrática.

Carta de Porto Alegre do Fórum Social Mundial Temático Justiça e Democracia, aprovada agora no dia 30 de abril, na assembleia de encerramento do Fórum é forte na afirmação de que o Fórum “oferece e ressalta a importância de ‘vencermos o obstáculo epistemológico dos paradigmas que isolam o jurídico na forma e na lei’, distanciando o Direito da vida concreta. Ele nos lembra que ‘a função do Direito é contribuir para a obra da humanização’ e que ‘a humanidade é uma experiência histórica e social’. E mais, que “ao desvelar as falhas dos sistemas de justiça por meio de depoimentos de pessoas que foram afetadas por eles ou por meio de estudos bem sistematizados, este Fórum presencial contribui para mensurar a extensão dos danos para a democracia que um sistema de justiça corroído acarreta. Também permite dimensionar os desafios com os quais nos deparamos para reafirmar a opção por um modelo de sociedade que seja alicerçado no princípio da igualdade, organizado em torno da ideia de emancipação política dos seus membros e, ainda, combativo quanto ao avanço do neoliberalismo econômico que leva ao exaurimento dos recursos naturais e objetifica as pessoas, automatizando-as. Isso sem contar que o neoliberalismo tenta apagar os saberes de povos originários (ainda resistentes) e solapa qualquer ideia de implantação do bem-viver para a maioria da população, consagrando o poder absoluto de alguns indivíduos ou corporações, pretensamente onipresentes por meio de plataformas digitais”.

A Carta termina com uma constatação: “Com nossas atividades, alcançamos o discernimento de que Democracia e Justiça não são resultado de lei ou regimento, mas estão inscritas no seio da sociedade e são impulsionadas pela avaliação e pela injunção crítica e contínua dos sujeitos coletivos que fazem a mediação entre sociedade e direito. São eles que constroem coletivamente a sua independência social com base nas interações permanentes no sentido de fazer a temática do nosso fórum: democracia e justiça, a nossa vida”.

O que fazer então Layla, diante das constatações de sua monografia, muito coincidentes com as conclusões expostas na Carta do Fórum Social Mundial Temático Justiça e Democracia?

 

 

 

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua