sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

 

Intervenções nas Instituições Federais de Ensino: reitoras e reitores eleitos e não empossados

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

Marcel Fernando da Costa Parentoni e outros. Coletivo de Reitores e Reitoras. Intervenções nas Instituições Federais de Ensino: reitoras e reitores eleitos e não empossados. Nossa luta, nossa história (1ª edição. Campos dos Goytacazes, RJ: Encontrografia Editora, 2022, 336, p. Download gratuito da versão digital em: https://encontrografia.com/wpcontent/uploads/2022/12/ebook_Intervencoes-nas-instituicoes-federais.pdf)

                   

         Num novo governo, o novo deve ser o que o caracterize e distinga. Como fez em seu último mandato o Presidente Lula que se reunia quase periodicamente (em diálogo e não em pé para comunicados) com os Reitores para construir políticas universitárias (assim foi o REUNI), já abriu agenda para interlocução com Reitores e Reitoras, ainda na primeira quinzena de sua posse apesar das urgências provocadas pela intentona do dia 8 de janeiro. A reunião foi mediada pela Andifes. A força do simbolismo que traz o novo da nova governança, desperta enorme interesse. A gestão é educadora, e acompanhá-la, é parte dessa pedagogia. O encontro foi transmitido ao vivo e já é acervo para consultas (https://youtu.be/_M2V_Ca2C8Q). Eis a novidade, querer sair da bolha, pois só se conhece a ilha saindo da ilha (José Saramago. O Conto da Ilha Desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 2016).

Ganhou forte repercussão, em seguida à posse do novo Ministro da Educação, a exoneração pelo ministro do Reitor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), nomeado no governo Bolsonaro. O Reitor exonerado havia assumido o cargo mesmo não tendo participado de nenhuma das fases de consulta pública e nem tendo seu nome na lista tríplice indicada pela comunidade acadêmica. O ato de exoneração saiu no Diário Oficial da União, de 16/01. O Ministro da Educação nomeou também professor da Univasf para o exercício reitoral pro-tempore da universidade.

Esse é um caso extremo – a nomeação em desacordo com a formação de lista conforme a disciplina da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, seguindo procedimento formal no âmbito das instâncias comunitárias e institucionais das IES.

Meus colegas ex-Reitores e meus amigos e amigas Reitores e Reitoras estão atentos a essa questão e ávidos de fundamentos para orientar seus posicionamentos e a defesa das universidades. Assim, logo cuidei de oferecer uma primeira reflexão sobre essa questão candente, para circular em nossas listas de discussão e o fiz aproveitando a minha coluna O Direito Achado na Rua publicada quinzenalmente pelo Jornal Brasil Popular. A publicação foi postada no dia 18/01, às vésperas do encontro com o Presidente. Dei o título Intervenções nas Universidades: Autonomia e Nomeação de Reitores (https://www.brasilpopular.com/intervencoes-nas-universidades-autonomia-e-nomeacao-de-reitores/). No texto faço referência ao livro tema deste Lido para Você, que me foi enviado pelo colega Rui Vicente Oppermann, ex-Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reeleito por sua comunidade e incluído na lista em primeiro lugar por ter sido o mais votado porém, preterido num atravessamento que revela o intuito de intervenção hostil à autonomia universitária. O caso é um dos relatos do livro, com a marcação muito expletiva Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A vontade de um deputado acima da vontade da comunidade (p. 161-169).

Com efeito, o livro organizado por Marcel Fernando da Costa Parentoni e outros, formando um Coletivo de Reitores e Reitoras – Intervenções nas Instituições Federais de Ensino: reitoras e reitores eleitos e não empossados. Nossa luta, nossa história (1ª edição. Campos dos Goytacazes, RJ: Encontrografia Editora, 2022. download gratuito da versão digital em: https://encontrografia.com/wp-content/uploads/2022/12/ebook_Intervencoes-nas-instituicoes-federais.pdf) – relaciona pelo menos 26 casos relativos a universidades e institutos federais devidamente registrados, com o recolhimento de “relatos de pessoas que presenciaram de perto o estrago que o vento oportunista e autoritário pode fazer em organizações estratégicas para o desenvolvimento regional, nacional e internacional” e que implicou na mais afrontosa violação do princípio constitucional e histórico da autonomia universitária expresso no fundamento da gestão democrática que se manifesta entre outros enunciados, no mecanismo de escolha de seus dirigentes.

O livro é um libelo. Para além do relato das pessoas todas as manifestações trazem elementos convincentes para forrar o lastro teórico-político que confere à institucionalidade universitária o alcance constitucional e convencional que lhe atribuiu especial singularidade. Conforme os organizadores “os relatos contêm a veracidade dos processos das consultas prévias e eleições nos Conselhos Universitários nas Instituições Federais de Ensino Superior e estão carregados de muitos sentimentos. Impossível não perceber o sofrimento coletivo, diante do total desrespeito à comunidade acadêmica que escolheu seus representantes, com base nos projetos de gestão democrática. Essa obra, representada por histórias de resistência, oferece também alguns caminhos de esperança por dias melhores. Paralelamente, ainda neste livro, há uma forte sustentação jurídica em defesa da autonomia universitária”.

Trago para esta resenha o núcleo argumentativo que esbocei no artigo publicado em minha coluna de 18/01. Mas em escritos anteriores venho de modo contínuo piqueteando o campo demarcável da construção do instituto da autonomia (https://www.brasilpopular.com/violacao-da-autonomia-universitaria-punicao-ao-abuso-de-poder/;https://www.brasilpopular.com/uso-do-direito-penal-para-restringir-a-liberdade-de-ensinar/), com menções a decisões recentes do Supremo tribunal Federal nesse âmbito. Assim que, nesse diapasão, ao julgar a ADPF 548, posicionaram-se os ministros mais uma vez, no sentido da afirmação irredutível do princípio da autonomia universitária, mantendo uma unanimidade que se traduz no substancioso voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, para quem a autonomia universitária está entre os princípios constitucionais que garantem toda a forma de liberdade: “Não há direito democrático sem respeito às liberdades. Não há pluralismo na unanimidade, pelo que contrapor-se ao diferente e à livre manifestação de todas as formas de apreender, aprender e manifestar a sua compreensão de mundo é algemar as liberdades, destruir o direito e exterminar a democracia”.

Desde o início do governo autoritário, instalado por um mecanismo golpista que interrompeu a continuidade de uma governança de alta intensidade democrática, o programa neoliberal a que ele serviu, no aspecto econômico e também no aspecto ideológico, identificou a cultura e a educação e, neste caso, o segmento universitário que anima o ensino, a pesquisa e a inovação tecnológica, como um alvo preferencial de toda a sua hostilidade e com estratégia de captura de sua infraestrutura e sua autonomia de produção crítica de conhecimento.

Mostrei isso em meu texto Fature-se: Ataque Privatizante à Universidade Pública, publicado em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/591360-fature-se-ataque-privatizante-a-universidade-publica e também em Future-se valoriza o privado e não acena para o ethos acadêmico, integrante do número especial IHU On-Line – Revista do Instituto Humanitas Unisinos, nº 539 – I Ano XIX, 2019 (https://www.ihuonline.unisinos.br/edicao/539), reunindo importantes depoimentos.

Na esfera ideológica o que se vê é o intuito de vencer o pensamento crítico, desmistificador da astúcia predadora da governança miliciana e entreguista, que se manifestou seguidamente em ações diretas agressivas e não só retóricas (há professoras e professores em programas de proteção no Brasil e no exterior) e em subterfúgios administrativos com o objetivo de criminalizar a liberdade de cátedra e a própria autonomia.

Anota o filósofo católico tomista Jacques Maritain, tão influente na elaboração dos artigos da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, para cujo texto conduziu algumas de suas ideias de seu livro Os direitos do homem (1943), que aquele processo obscurantista do nazi-fascio-franquista, no pensamento e na ação (causou-lhe muita impressão o ensaio genocida da guerra civil espanhola), empurrava as opções para as posições cada vez mais à direita dos conservadores autoritários, extremados no reacionarismo e à esquerda, dos liberais e socialistas, ao extremo da revolução.

Em Lettre sur l’independence, mostra o notável crítico literário e também filosofo da política Álvaro Lins (Cristianismo Político e a Questão-Maritain ante o Fascismo Espanhol, in A Glória de César e o Punhal de Brutus. Ensaios e Estudos. 2ª edição: Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1963), o perigo que a inteligência e a educação afrontam, uma vez que o intelectual, o pensador, o universitário (aqui Lins associa Maritain a outro pensador católico e humanista Bernanos, e poderíamos associar também a Unamuno, Reitor de Salamanca e até então simpatizante do franquismo mas que no limite da preservação do recinto universitário inviolável opôs-se ao apelo do fascio expresso no “Morra a intelectualidade traidora! Viva a morte!”). O intelectual e o acadêmico, longe de delirar na contemplação, lembra Maritain recuperado por Álvaro Lins (será um parente do estimado ex-Presidente da Andifes Amaro Lins?) devem passar à ação, porque “a vida cotidiana deve estar a seu serviço”, do modo que só possam “ser acusados de traição aqueles que têm capacidade para a ação, numa causa justa, e se afastam dela por medo ou conveniência”.

É para preservar esse espaço de serviço e de compromisso da universidade com causas justas, que se construiu civilizatoriamente, referindo-me somente ao Ocidente, os princípios da autonomia (auto-governo) e de liberdade de ensino, que legaram à modernidade esse espaço irredutível e intangível da instituição universitária.

No Brasil, ainda que a instituição seja retardatária (Século XX) quando já se instalara na América espanhola desde o século XVI, nem por isso foi menos radical a assimilação desses princípios, alcançando com a concepção de universidade necessária, leal à Sociedade mais que ao Estado, aquele ethos que Darcy Ribeiro canalizou para o projeto da UnB.

Em Universidade de Brasília: projeto de organização, pronunciamento de educadores e cientistas e Lei nº 3.998, de 15 de dezembro de 1961 / Darcy Ribeiro (org), – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011, o nosso primeiro Reitor, em seguida à edição da Lei n. 3998, de 15 de dezembro de 1961, que autorizou o Poder Executivo a instituir a Fundação Universidade de Brasília, fez publicar em 1962 o seu texto, numa edição especial patrocinada pelo Ministério da Educação e Cultura, contendo pronunciamentos de educadores e cientistas sobre o texto da lei e o projeto de organização da nova universidade.

Para Darcy, não tinha o Brasil uma verdadeira tradição universitária a defender e preservar, porque a universidade brasileira, a rigor, diferentemente do que ocorrera em outros países das Américas nos quais elas foram criadas desde o século XVI, somente em 1920, já no século XX, será instituída.

Com a UnB, segundo ele, é que se dará mais propriamente, a instauração do que se poderia designar de universitário para conferir tal estatuto ao nosso ensino superior. Criar, pois, uma universidade em Brasília, constituiu-se numa dupla oportunidade. Primeiro, por reconhecer que, sendo Brasília um cidade criada no centro do país e nela instalado o governo da República, se tornaria inevitável nela instituir um núcleo cultural a que não poderia faltar uma universidade. Depois, para atender à urgência de dotar o país, na etapa de desenvolvimento em que se lançava, de uma universidade que tivesse “o inteiro domínio do saber humano e que o cultive não como um ato de fruição ou de vaidade acadêmica, mas com o objetivo de, montada nesse saber, pensar o Brasil como problema”.

Tratava-se de projetar, para atender a essas condições, a universidade necessária e esta era, dizia ele, a tarefa da Universidade de Brasília e para isso ela havia sido concebida e fora criada.

No prefácio que fiz à reedição comemorativa (jubileu da UnB), afirmei que, certamente, muito terá se perdido a partir das sucessivas interrupções e retomadas desse belo e generoso projeto, que nunca se deixou descolar de seu impulso utópico originário. Quando se examina o texto da lei que autoriza a instituição da fundação, incumbida de criar e de manter a Universidade de Brasília, melhor se afere esse movimento. Criado para ser autônomo, sustentável, público mas não estatal, o novo ente recebe a atribuição de inovar, no mais profundo sentido experencial, a ponto de poder organizar seu regime didático, inclusive de currículo de seus cursos sem restar adstrito às exigências da legislação geral do ensino superior (art. 14), incluindo poder escolher por seu próprio Conselho, seus dirigentes.

Não vi, nos elementos normativos de vinculação da Portaria assinada pelo Ministro da Educação para exonerar o Reitor da Unifasv, qual a base de legitimação do ato. Por mais reparador que ele seja, me acode uma preocupação. Constitucional e legalmente (LDB), a nomeação e a destituição de um Reitor não pode dar-se ao arrepio da manifestação das instâncias institucionais da universidade como ente autônomo.

Na redemocratização, em 1985, nos estertores da intervenção que impôs a UnB um agente militar do sistema de segurança nacional como Reitor, presente na Instituição por mais de 20 anos, o governo militar ainda insinuou na transição um reitor civil e acadêmico. A comunidade que sempre resistira em atos pelo fim da intervenção, rebelou-se, mas não aceitou a alternativa do ministério da Nova República, de responder à greve provocada pela recusa de nomeação de um Reitor eleito pela Comunidade (Cristovam Buarque), com a exoneração do nomeado. Não aceitou o risco de boa-fé de afastar uma nomeação ilegítima, para abrir um precedente de afastamentos de má-fé que pudesse ser produzido para afastar uma nomeação legítima. Conduziu a greve até a renúncia do nomeado, além de tudo um professor respeitado e digno.

Fiquei satisfeito com uma postagem em grupo de reitores e ex-reitores de colega que menciona situação atual em sua universidade, vivenciando condição equivalente, e ele diz: “aqui, na (…), estamos pensando em uma alternativa interna para reparar o golpe na nossa democracia de forma legal e moral, o que exigirá a concordância da comunidade acadêmica e, consequentemente, a aprovação no Conselho Universitário”.              Esse me parece um caminho coerente e firme. Esse tema precisa entrar na agenda que a Andifes atualiza permanentemente para seus encontros com o Presidente da República. Também há propostas hibernando nos escaninhos do processo legislativo. Consulte-se o Projeto de Lei nº 3.674, de 2004, que “Modifica a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, dispondo sobre eleições diretas para reitor e vice-reitor das instituições federais de ensino superior” de autoria da Deputada Alice Portugal.

A justificativa é precisa: “O presente Projeto de Lei tem o propósito de modificar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação dando conseqüência ao princípio da gestão democrática previsto no texto da lei. Ao estabelecer autonomia para que estas instituições decidam os critérios e o processo de escolha de seus dirigentes e a composição de seus órgãos colegiados, o projeto em apreço avança no sentido de assegurar às instituições públicas de ensino superior poder de decisão sobre sua organização. E, ao definir que a escolha do reitor, do vice-reitor e dos diretores de cada instituição deverá ser feita por meio de eleições diretas e secretas, com a participação de professores, alunos e técnico-administrativos, o presente Projeto de Lei, além de atender a uma aspiração da comunidade universitária de nosso país, é um passo decisivo para efetivar no âmbito da universidade pública brasileira a gestão verdadeiramente democrática”.

O projeto recebeu parecer da Relatora Deputada Fátima Bezerra, atualmente Governadora reeleita do meu querido Rio Grande do Norte.

Assenta Fátima:

“A gestão democrática é o processo que possibilita a participação e a responsabilização de todos os envolvidos em uma determinada atividade. Possibilita a intervenção direta ou por meio de representação nos processos de tomada de decisão e de avaliação e fiscalização das atividades desenvolvidas.

Isto ocorre na sociedade e pode ocorrer também na gestão da educação. Em especial na educação superior, onde os alunos já estão mais amadurecidos e podem se envolver diretamente no funcionamento da instituição educacional.

O Projeto de Lei n.º 3.674, de 2004, apresentado pela ilustre deputada Alice Portugal, assegura o respeito ao princípio da gestão democrática na educação pública, previsto no artigo 56 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, e o aperfeiçoa, mediante o acréscimo de dois parágrafos: o primeiro que estabelece a autonomia da instituição para a definição dos critérios e processos para escolha de dirigentes e composição dos órgãos colegiados; o segundo parágrafo propõe que a eleição seja direta, com a participação dos segmentos da comunidade acadêmica, e se encerre no âmbito da instituição.

É nossa convicção que a explicitação de procedimentos e a garantia da participação da comunidade acadêmica na gestão das instituições de educação superior virá a contribuir, efetivamente, para o seu melhor funcionamento, para uma gestão mais eficiente e para a concretização de seus compromissos com a melhoria da qualidade e o cumprimento de sua função social”.

Acalento a esperança de que também do Rio Grande do Norte, a deputada Natalia Bonavides, brilhante revelação no Parlamento brasileiro, ela que se formou no ethos de uma qualificação totalmente constituída no modelo da universidade necessária projetada por Darcy Ribeiro, abrace a promessa desse projeto e o retire do arquivo ou lhe dê nova formulação para imprimir em sua biografia rica em protagonismo emancipatório, essa causa da educação brasileira.

Por último, o tema é muito sensível e já ativou a atuação preocupada da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (confira em https://www.brasilpopular.com/principios-interamericanos-sobre-a-liberdade-academica/), que aprovou Princípios Interamericanos sobre a Liberdade Acadêmica, para prevenir “a constatação da ameaça crescente, no continente, de agressões, mobilizações e atitudes contra a autonomia universitária e a liberdade de ensino, sobre a desinstitucionalização e a desconstitucionalização desses fundamentos, caros aos enunciados dos direitos convencionais internacionais, assim como da própria ONU” (https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Principios_Libertad_Academica.pdf).

De resto, essas diretrizes estão afinadas com o Comentário Geral 13 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU), que deixou bem assentado o reconhecimento da liberdade acadêmica, cuja satisfação, assegurada em geral pelas constituições dos países: “é imprescindível à autonomia das instituições de ensino superior. A autonomia é o grau de auto governo necessário para que sejam eficazes as decisões adotadas pelas instituições de ensino superior no que respeita o seu trabalho acadêmico, normas, gestão e atividades relacionadas”.

Salvaguardar o espaço crítico autônomo da Universidade é dar concretude a uma categoria constitutiva dos direitos fundamentais, a liberdade de consciência e de expressão, de comunicação, sem falar daquelas ligadas ao sistema de proteção à educação, que estão tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto na Convenção Interamericana de Direitos, quanto nos protocolos derivados dela, como de São Salvador. E se não se fizer nada, daqui a pouco estaremos de novo com o censor dentro da sala, com o comissário verificando os títulos dos livros que são adquiridos para as bibliotecas, com as caracterizações das teses e dissertações que são defendidas, e da criminalização do pensamento e da crítica. Com algum energúmeno erigido a distinção de notável saber.

Esses princípios asseguram o fundamento convencional e a diretriz constitucional de autonomia universitária e de liberdade de ensino e não podem servir ao escrutínio censor, mesmo do Presidente da República, para acobertar numa elasticidade imprópria de que lhe cabe a direção geral da administração (ar. 84 da CF), para assim, transformar supervisão em subordinação, desconstitucionalizando o princípio da autonomia universitária, e na voragem autoritária, sufocar a crítica acadêmica e até, no limite, a dignidade e a vida, como agora vai se revelando no evento policial-judicial que sacrificou o Reitor Cancellier (MARKUN, Paulo. Recurso Final. A Investigação da Polícia Federal que Levou ao suicídio um Reitor em Santa Catarina. São Paulo: Cia das Letras, 2021) e tem forçado já verdadeiros exílios de professores em nossas universidades e o próprio atual Presidente, num desvio de lawfare impedido – o que o social mobilizado não permitiu – de retornar à Presidência da República, como agora, para um raro e inédito terceiro mandato.

Para todas as manifestações e tomadas de posição que a agenda da autonomia venha a requisitar e nessa agenda, é sensível o tema da forma de escolha e de designação dos dirigentes das IFES, e o livro que comento se constitui uma referência incontornável. O rol de organizadores responde pela lúcida e abalizada interpretação que sobressae dos relatos e cumpre o seu desiderato. Forma, conforme um desses organizadores – Anderson André Genro Alves Ribeiro – um registro histórico essencial, apto a atribuir conteúdo ao necessário engajamento para que “o princípio constitucional da autonomia universitária seja cumprido e materializado. Para ele, o livro “é, ao mesmo tempo, um registro da nossa história e um convite à nossa luta, à defesa da educação, da ciência e do ensino superior público de qualidade, gratuito e inclusivo”.

Esse é um percurso histórico sempre orientado pelo compromisso constitucional de fortalecer o instituto da autonomia universitária, constitucionalizado, e não porque represente um privilégio estamental ou corporativo (há outros entes com pretensões equivalentes e por razões menos universalizantes – Banco Central, Forças Armadas, Ordem dos Advogados, Ministério Público, Agências Reguladoras), mas por sua essencialidade aos objetivos institucionalizados da formação econômico-social.

A Ordem dos Advogados, uma corporação de ofício, tem reconhecimento constitucional da essencialidade da advocacia para a administração da Justiça e não está sujeita a controles estatais, é conceituada como uma autarquia sui generis e assim é a sua própria base que aprova as suas contas e define a sua direção, e o advogado tem a garantia de inviolabilidade de seus atos e manifestações (Constituição, artigo 133).

A Lei Complementar 179/2021 estabeleceu a autonomia do Banco Central. Observe-se a manifestação de seu Presidente, em seguida à sanção da Lei: “O Brasil deu um passo importante com a autonomia do Banco Central. Esta conquista é resultado de um longo processo de amadurecimento institucional, onde os benefícios de um banco central autônomo, transparente e responsável foram ficando claros para a sociedade”.

Curioso que o processo de amadurecimento na institucionalização do econômico seja recebido sem reservas, enquanto quando se trate de um adensamento institucional milenar, pré-estatal, portanto, universalmente social, como se dá com a institucionalização universitária, cuja autonomia, por sua essencialidade, está constitucionalizada (art. 207), se armem tantas reticências.

Para vencer essas reservas é que se instalou no âmbito da Andifes – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, uma Comissão de Autonomia. Tive o privilégio de presidir essa Comissão ao tempo de meu mandato como Reitor da UnB (2008-2012), investido por meus pares que acolheram a indicação do então presidente Amaro Lins, Reitor da UFPE – Universidade Federal de Pernambuco, ousado em confiar nas minhas qualificações, não obstante o noviciado na Entidade.

Nesse quadrante, certamente pelo espaço de interlocução que um governo democrático abre, foi possível estabelecer uma agenda virtuosa para operar etapas de construção com variadas interfaces interinstitucionais um caminho empírico para pavimentar concretamente a prática da autonomia. Desde estabelecer matrizes para composição e distribuição orçamentária para o financiamento estatal das IFES (Matriz Andifes); da revogação do excesso de supervisão imobilizante em atos e regulamentos, no limite impertinentes, firmar o acordo de cavalheiros para respeitar a hierarquia da lista tríplice, até formular um horizonte de auto-gestão (constitucionalmente) que culminasse em modificação da LDB para que o processo de escolha de dirigentes tenha início e termo no espaço institucional autônomo das universidades.

Certamente, em seminários, reuniões e boa documentação que foram catalogados nesse período, sempre se teve em mira a historicidade, os princípios e as tensões que assinalam a autonomia universitária (a respeito conferir o meu artigo Autonomia universitária, historicidade, princípios e tensões. Adufg – Jornal do Professor. Goiânia: Publicação do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás – Ano III – nº 25, setembro de 2015, p. 2). Conferir também o meu artigo Territórios de conhecimentos e de intersubjetividades: um lugar social para a Universidade. In Existindo, Resistindo e Reinventando: Universidades Públicas no Brasil Atual. Brasília: Revista Humanidades. Editora UnB, nº 65, dezembro de 2021, p. 10-22).

O núcleo desse texto foi o meu pronunciamento em evento promovido pelo Instituto Latino-Americano e pela Adurfrgs/Sindical na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a convite do ex-Reitor Hélgio Trindade da UFRGS, também ex-Reitor da Unila, em ciclo de debates denominado A Universidade do Futuro. A motivação do encontro foi firmar posição em relação à objeção e postura do Ministério Público em ação civil pública contra a Universidade Federal da Integração Latino-Americana e contra a União, a primeira para anular dispositivo do Estatuto e Regimento da universidade que previam regra de paridade para a composição do Conselho Universitário e comissões, ao invés de adotar a proporcionalidade docente indicada na LDB; contra a União, para suspender o procedimento de credenciamento da própria universidade, enquanto não satisfeita a exigência de adequação legal de setenta por cento de assentos ocupados por docentes.

Estar no evento representava para mim trazer apoio a uma formulação universitária conduzida pelo professor Hélgio Trindade, na sua investidura de reitorados que se destacaram no desenvolvimento institucional no Brasil, não só por sua eloquente qualificação teórica, documentalmente estabelecida, mas por sua condição de formulador de políticas públicas no campo. Aliás, foi nesse ambiente que o conheci, quando estive investido como Diretor do Departamento de Política da Educação Superior, na SESu/MEC (2003, gestão do Ministro Cristovam Buarque, condição na qual participei como membro da Comissão Especial de Avaliação que resultou na criação do SINAES – Sistema Nacional de Educação Superior e logo, da CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior, instalada e inicialmente presidida pelo professor Hélgio Trindade.

Ali, com Hélgio, José Dias Sobrinho e um plantel raro incluindo vários ex e futuros reitores e reitoras (SINAES – Sistema Nacional de Educação Superior. Bases para uma nova proposta de avaliação da educação superior brasileira. Brasília: MEC/SESu -Comissão Especial de Avaliação, setembro de 2003), foi possível criar um sistema condizente a princípios e critérios, por meio dos quais a regulação e o controle não delirem da referência constitucional e seus enunciados, de um lado, marcando a educação [como] um direito social e dever do Estado; de outro, guardando compromisso com os valores sociais historicamente determinados que validam a construção civilizatória do ente universidade.

Tomei esse último contexto para formar o fio orientador de minha conferência na sessão de encerramento da 9ª Conferência do Fórum de Gestão do Ensino Superior nos Países de Língua Portuguesa – FORGES, realizada de 20 a 22 de Novembro – 2019, Brasília, Brasil, na Universidade de Brasília, tendo como tema central “A integração do ensino superior dos países lusófonos para a promoção do desenvolvimento humano”.

A conferência foi publicada na forma de artigo na Revista Forges, nº Especial (2020): Número Comemorativo do 10º Aniversário da Forges, publicado em 2020-11-19 (https://revistaforges.pt/index.php/revista/issue/view/8). O título do artigo publicado é “Uma Universidade Popular para uma Educação Emancipatória”.

Destaco que os pontos que formam o fio condutor de minha exposição correspondem, em seus fundamentos, às expectativas que defendem uma universidade aberta à cidadania, preocupada com a formação crítica dos acadêmicos e mais democrática. Uma universidade, como lembrava Boaventura de Sousa Santos em recente visita à UnB, consciente de que “o que lhe resta de hegemonia é o ser um espaço público onde o debate e a crítica sobre o longo prazo das sociedades se podem realizar com muito menos restrições do que é comum no resto da sociedade e que encontra no exercício da pluralidade tolerante a mediação apta a torná-la uma ‘incubadora de solidariedade e de cidadania ativa’”.

O que leva a um modelo que já se apresenta como proposição interpelante da universidade convencional, desde que ela se abra a, pelo menos, a uma condição. Dar-se conta da natureza social do processo que lhe cabe desenvolver. Não é condição trivial, porque ela implica opor-se à tentação de mercadorização do ensino e da pesquisa e conseqüente redução do sentido de indisponibilidade do bem Educação, constitucionalmente definido como um bem público, processo dramático e cruento em curso autoritário em muitos de nossos países, num projeto claramente hostil à ideia de universidade como valor social e ao conhecimento crítico como elemento nutriente de práticas e de pensamentos democrático e emancipatório.

Para isso a autonomia, expressa na autenticidade de sua direção, a qual se confia um projeto que a afirme como singularidade, que a faça paradigmática, em condições de responder aos desafios que testam sua condição de continuidade civilizatória. É o que me ofereceu em reflexão, mais uma vez Hélgio Trindade, quando lhe propus, para livro que organizei ao final de meu mandato na UnB (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de, Organizador. Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012). Na obra Hélgio contribuiu com um texto seminal, importante para o debate que nos convoca nesse momento (TRINDADE, Hélgio. Por um Novo Projeto Universitário: da ‘Universidade em Ruínas’ à ‘Universidade Emancipatória. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Organizador. Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012).

Do que se trata é realizar esse projeto e essa é a tarefa agora, fazer a universidade autônoma para, além de competente, ser igualmente democrática e socialmente inclusiva, e assim, emancipatória.

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

 

Cidadania e Territorialidade Periférica: a Luta pelo Direito à Cidade no Bairro do Calabar em Salvador/BA

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

Cidadania e Territorialidade Periférica: a Luta pelo Direito à Cidade no Bairro do Calabar em Salvador/BA. Raique Lucas de Jesus Correia. Dissertação de Mestrado (Exame de Qualificação). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade Salvador (UNIFACS),

 

Destaquei para resenha neste Lido para Você um trabalho ainda não totalmente completo, faltando um capítulo de amarração das questões apresentadas nos capítulos apresentados e aquelas sugeridas pelos examinadores. O material foi apresentado para exame de qualificação de dissertação de mestrado que, mesmo nessa condição, me despertou forte interesse e desejo de antecipar o resultado final (em cuja banca espero estar presente).

Compondo a Banca Examinadora, formada pelos professores: Prof. Dr. José Euclimar Xavier de Menezes – Orientador (UNIFACS), Prof. Dr. Gabriel Barros Gonçalves de Souza  (UNIFACS) e Prof. Dr. José Geraldo de Sousa Junior (UnB), participei do debate de avaliação da dissertação (exame de qualificação) de Raique Lucas de Jesus Correia, tema deste Lido para Você.

Do que trata a Dissertação diz o seu Resumo:

Desde a década de 1970, os moradores do bairro do Calabar começaram a se organizar politicamente, como forma de pressionar os órgãos públicos a reconhecerem a legalidade da ocupação e mobilizar intervenções para a melhoria e aumento da qualidade de vida dentro da comunidade. Foi assim que surgiu o movimento Jovens Unidos do Calabar (JUC) e, posteriormente, a Associação de Moradores, desdobrando-se em uma série de outras organizações locais, como a Escola Aberta do Cabalar e a Biblioteca Comunitária. Nesse sentido, o presente trabalho busca lançar luz a luta desses moradores, de modo a refletir, por meio dessa experiência, de que modo e em que medida esses movimentos e práticas de resistência, comuns a diversas outras comunidades periféricas no Brasil, podem contribuir para o aprofundamento das discussões em torno do direito à cidade e do exercício da cidadania em territórios urbanos marginalizados. Para tanto, optou-se por um enfrentamento da questão a partir de quatro etapas que, correspondem por sua vez, aos quatros artigos que compõem esta dissertação. A primeira consistiu em analisar o fenômeno da segregação socioespacial partindo do conceito de “localização” como componente articulador e relacional da hierarquia intraurbana. A segunda focalizou o exame da cidadania como categoria territorial, ou seja, a cidadania vista desde uma perspectiva geográfica e territorialmente localizada nas lutas e movimentos de resistência política. A terceira entroncou a discussão da luta social como paradigma do direito à cidade e da revolução urbana, de modo a promover um novo olhar acerca do papel exercido pelos novos sujeitos coletivos de direito nos processos reivindicatórios de transformação urbana e social, conforme a práxis suscitada pelo movimento “O Direito Achado na Rua”. Finalmente, a quarta e última etapa concentrou-se na investigação empírica, estudando o processo de favelização em Salvador/BA e os movimentos sociais ocorridos no bairro do Calabar. Nesta etapa também foram realizadas entrevistas com 6 (seis) moradores da comunidade ligados a militância política local. Ao longo desse percurso, foram utilizados diferentes métodos e técnicas de coleta e análise de dados, sendo, primordialmente, a revisão bibliográfica para levantamento dos conceitos e informações relativas à história e os movimentos sociais ocorridos na comunidade; entrevista em profundidade com roteiro semiestruturado para coleta de dados empíricos; e análise de discurso (AD) como método de sistematização e interpretação dos resultados. Ao final, pôde-se concluir atestando a importância da luta dos moradores do Calabar para um redimensionamento a propósito da noção estrita de cidadania, deslocando-a de uma compreensão estática, para uma concepção viva, enriquecida pelos movimentos contínuos, permanentes, de (re)apropriação territorial e reivindicação do direito à cidade.

A construção narrativa do Autor é sofisticada. Ela é conduzida num processo que articula diferentes linguagens e modos de ler o mundo, não só a ciência mas também a literatura. Em epígrafes, em paráfrases, em metáforas, o discurso explicativo-causal de Raique vem embalado retoricamente, num imaginário nutrido por seu diálogo com literatos. Fui anotando as vozes silentes de seu discurso: Dante Alighiere, Ariano Suassuna, Patativa do Assaré, Castro Alves, Carolina Maria de Jesus…Euclides da Cunha.   Euclides não é só fonte. “Durante o percurso (em direção a Calabar), sentir-me como Euclides da Cunha em sua viagem para Canudos, embora o cenário fosse outro, parecia que havia algo de Os Sertões na paisagem que eu observava”. É também, companheiro de viagem narrativa.

Bem disse Zózimo Barroso, se é o cronista carioca o autor da afirmação, “Baiano não nasce, estreia.”. Por isso que atrás, ao me referir a “vozes silentes”, tomei essa expressão de Luis Alberto Warat, meu orientador no doutorado, um pensador genial. É que Warat é um conhecido de Raíque, que escreveu com Marta Regina Gama Gonçalves, também orientanda do mais baiano dos filósofos argentinos, um belo texto que revela o amadurecimento da sua escrita: A Epistemologia Waratiana e o Direito Achado na Rua: Aproximações Críticas Para uma Reformulação do Ensino em Direitos Humanos.

Nesse artigo, publicado na Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, em sua 19ª edição, 2021,   (https://www.academia.edu/49571947/A_Epistemologia_Waratiana_e_o_Direito_Achado_na_Rua_Aproxima%C3%A7%C3%B5es_Cr%C3%ADticas_Para_uma_Reformula%C3%A7%C3%A3o_do_Ensino_em_Direitos_Humanos?email_work_card=abstract-read-more), Raique Lucas de Jesus Correia já antecipa a opção teórica que depois trará para a sua Dissertação, ao menos como abertura epistemológica, inscrita em O Direito Achado na Rua.

Com efeito, o sumário do artigo indica que nele se “analisa a possibilidade de intersecção entre o projeto pedagógico waratiano e “O Direito Achado na Rua”, como forma de abertura a um programa educacional emancipatório em Direitos Humanos. Metodologicamente, optou-se por uma revisão bibliográfica. Verificamos que a alteração paradigmática proposta pelo ‘Direito Achado na Rua’ conflui com a pedagogia waratiana, de modo a fomentar uma nova práxis política e educacional em Direitos Humanos”.

Na Dissertação, pela mediação do urbanismo e do direito à cidade, Raique traz O Direito Achado na Rua, como contribuição crítica à própria teoria do direito, como se pode anotar a partir do resumo do trabalho:

Desde a década de 1970, os moradores do bairro do Calabar começaram a se organizar politicamente, como forma de pressionar os órgãos públicos a reconhecerem a legalidade da ocupação e mobilizar intervenções para a melhoria e aumento da qualidade de vida dentro da comunidade. Foi assim que surgiu o movimento Jovens Unidos do Calabar (JUC) e, posteriormente, a Associação de Moradores, desdobrando-se em uma série de outras organizações locais, como a Escola Aberta do Cabalar e a Biblioteca Comunitária. Nesse sentido, o presente trabalho busca lançar luz a luta desses moradores, de modo a refletir, por meio dessa experiência, de que modo e em que medida esses movimentos e práticas de resistência, comuns a diversas outras comunidades periféricas no Brasil, podem contribuir para o aprofundamento das discussões em torno do direito à cidade e do exercício da cidadania em territórios urbanos marginalizados. Para tanto, optou-se por um enfrentamento da questão a partir de quatro etapas que, correspondem por sua vez, aos quatros artigos que compõem esta dissertação. A primeira consistiu em analisar o fenômeno da segregação socioespacial partindo do conceito de “localização” como componente articulador e relacional da hierarquia intraurbana. A segunda focalizou o exame da cidadania como categoria territorial, ou seja, a cidadania vista desde uma perspectiva geográfica e territorialmente localizada nas lutas e movimentos de resistência política. A terceira entroncou a discussão da luta social como paradigma do direito à cidade e da revolução urbana, de modo a promover um novo olhar acerca do papel exercido pelos novos sujeitos coletivos de direito nos processos reivindicatórios de transformação urbana e social, conforme a práxis suscitada pelo movimento “O Direito Achado na Rua”. Finalmente, a quarta e última etapa concentrou-se na investigação empírica, estudando o processo de favelização em Salvador/BA e os movimentos sociais ocorridos no bairro do Calabar. Nesta etapa também foram realizadas entrevistas com 6 (seis) moradores da comunidade ligados a militância política local. Ao longo desse percurso, foram utilizados diferentes métodos e técnicas de coleta e análise de dados, sendo, primordialmente, a revisão bibliográfica para levantamento dos conceitos e informações relativas à história e os movimentos sociais ocorridos na comunidade; entrevista em profundidade com roteiro semiestruturado para coleta de dados empíricos; e análise de discurso (AD) como método de sistematização e interpretação dos resultados. Ao final, pôde-se concluir atestando a importância da luta dos moradores do Calabar para um redimensionamento a propósito da noção estrita de cidadania, deslocando-a de uma compreensão estática, para uma concepção viva, enriquecida pelos movimentos contínuos, permanentes, de (re)apropriação territorial e reivindicação do direito à cidade.

 

Pena que Raique não tenha participado da chamada de artigos para a Revista de Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito, em sua edição de maio-agosto de 2022, volume 6, número 2, inteiramente dedicada, em estudos de homenagem, a O Direito Achado na Rua, Contribuições para a Teoria Crítica do Direito (cf. em minha Coluna Lido para Você, no Jornal Estado de Direito a minha recensão a esse trabalho: http://estadodedireito.com.br/30425-2/). Ali, entre os instigantes trabalhos publicados, o dos professores baianos Sara da Nova Quadro Côrtes e Cloves dos Santos Araújo, traça a mesma linha de interseção entre a aproximação dialética trazida por Roberto Lyra Filho e o tema seminal da espacialidade como categoria de transubjetividade proposto por Milton Santos. Em Sara, sobretudo, é ainda notável o arranque de sua formação atenta às mobilizações estratégicas de uma cidadania ativa (ver sua Dissertação de Mestrado Controle Social do Estado como Estratégia de Emancipação e Qualificação da Democracia, defendida na UnB em 2003 sob minha orientação), nela muito presente a concepção de cidadania de um notável intelectual baiano Elenaldo Celso Teixeira (cf. Sociedade Civil e Participação Cidadã no Poder Local, tese de doutorado defendida na USP em 1998 sob orientação de Lúcio Kowarick) e, por proximidade com a construção de Raique o texto Movimentos Sociais Urbanos em Salvador: um Mapeamento in Ana Amaria de Carvalho Luz (org) Quem Faz Salvador. Salvador: UFBA, 2002. Vale visitar esses trabalhos e, em especial – Dialética Social no Rastro do Pensamento de Roberto Lyra Filho e Milton Santos: Aportes Teóricos no Campo do Direito e Geografia – para a finalização da Dissertação, tal como eu mesmo o fiz para preparar o meu prefácio ao livro de Willy da Cruz Moura, Na Calada da Noite. Processos culturais e o Direito achado na noite de Brasília. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2022, também derivado de Dissertação de Mestrado defendida na UnB (http://estadodedireito.com.br/na-calada-da-noite-processos-culturais-e-o-direito-achado-na-noite-de-brasilia/).

Em seguida, em artigo de intervenção – Mercado Sul Fica! – tomei a questão proposta por Willy, de caracterização da noite como um espaço de produção social de cultura, o tema judicializado sobre função social da propriedade e ressiginificação de espaços territoriais na cidade (também no campo):

Na Dissertação sustentava o Autor, num aspecto que guarda relevância com a Sentença do Juiz Maroja,  que pode-se falar em espaço político, o território no qual “sujeitos podem adquirir consciência coletiva, estabelecer redes, operar afetos, desenvolver práticas sociais, visibilizar e consolidar direitos, conduzir transformação social emancipadora, estruturar solidariedade e materializar alternativas contra-hegemônicas, como sugere o percurso de O Direito Achado na Rua”. Espaços que se afiguram, ontologicamente, nesse passo citando a mim e a meu colega co-autorAntonio Escrivão Filho (Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos. Belo Horizonte: Editora D‘Plácido, 2016) como lugares  de criação e realização do direito, apresentado e posto à disposição do povo na qualidade de sujeito histórico com capacidade criativa, criadora e instituinte de direitos, e, metaforicamente, como a esfera pública onde se reivindica a cidadania e os direitos, onde se agregam cidadãos, onde se lhes protege da dispersão e da desmobilização.           

Espaços de Cidadania, como sustenta Milton Santos, que formam “cidades educadoras”, enquanto compreendem territórios como lugares em disputa na construção das cidades, quando se envolve relações humanas e suas produções materiais, formando uma geografia cidadã e ativa, conforme lembram Sara da Nova Quadros Cortes e Cloves Araújo, em belo texto – “Dialética Social no Rastro dos Pensamentos de Roberto Lyra Filho e de Milton Santos: aportes teóricos no campo do direito e da geografia” – também publicado nesse dia 1º de setembro, na Revista Direito.UnB (volume 6, número 2 – maio/agosto 2022), com um dossiê em homenagem a O Direito Achado na Rua e a Contribuições para a Teoria Crítica do Direito.( https://www.brasilpopular.com/mercado-sul-fica/).

 

Em O Direito Achado na Rua, como abordagem teórico-política, a questão do (direito) urbanístico e do direito à cidade, estão sumariada no volume 9, da Série O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito Urbanístico. Brasília: Editora UnB/Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, 2019 (acesso livre http://livros.unb.br/index.php/portal/catalog/book/17). Volume organizado por mim e outros, tem entre esses organizadores/autoras Adriana Nogueira Vieira Lima, fortemente referida na Dissertação, até porque, em Salvador, com fundamentos próximos, faz estudo de caso que resultou em tese premida pela Capes, área de Arquitetura (Do Direito Autoconstruído ao Direito à Cidade. Porosidades, conflitos e insurgência em Saramandaia. Salvador: EDUFBA, 2019, 302 p.). Participei da banca de Adriana na UFBA, na qual também esteve presente Raquel Rolnik, e fiz o prefácio da obra. Adriana é orgânica na construção da fortuna crítica do projeto O Direito Achado na Rua. Também publiquei na minha coluna Lido para Você uma resenha de seu livro (http://estadodedireito.com.br/24566-2/).

O meu acervo de reflexão para diálogo com o Autor da Dissertação (Raique), muito sintonizado com o que ele desenvolve, pode ser conferido no prefácio que elaborei para o livro organizado por Enzo Bello e Rene José Keller – Curso de Direito à Cidade: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018). Nesse prefácio faço uma balanço de contribuições que guardam pertinência com os achados de O Direito Achado na Rua. Relevo para a própria Adriana e também para um trabalho que interessa de perto ao estudo de Raíque – Atlas sobre o Direito de Morar em Salvador (Elisabete Santos [coordenação geral], Roseli de Fátima Afonso…[et al.]. Salvador: UFBA, Escola de Administração, CIAGS: Faculdade 2 de Julho, 2012, 196 p.), de cujo seminário de apresentação participei e cujo prefácio elaborei a convite dos organizadores (cf. o meu http://estadodedireito.com.br/atlas-sobre-o-direito-de-morar-em-salvador/).

Todo esse acervo sinaliza a condição de protagonismo que designa a subjetividade coletiva instituinte de direitos, sobretudo quando se instala em movimentos sociais, concorda Raíque que provêm de processos “de insurgência e de reivindicação de direitos, tanto mais projetivos, quando desde a realidade de carências (tal como considero com citação do Autor, tornando, diz ainda Raíque “o cidadão periférico o montador de sua trincheira de combate organizando novas formas de vida e projetos emancipatórios”.

Reconheci esse mesmo protagonismo quando analisei o trabalho de Tiaraju Pablo D’Andrea, em Lutas Populares em Periferias Urbanas e Favelas (cf. anoto em minha resenha de Direitos Humanos no Brasil 2022, e mais detidamente em sua tese doutorado, conforme (http://estadodedireito.com.br/a-formacao-das-sujeitas-e-dos-sujeitos-perifericos-cultura-e-politica-na-periferia-de-sao-paulo/). Elas apontam para aquela que é, a meu ver, a principal conclusão do trabalho: atestar “a importância da luta dos moradores do Calabar para um redimensionamento a propósito da noção estrita de cidadania, deslocando-a de uma compreensão estática, para uma concepção viva, enriquecida pelos movimentos contínuos, permanentes, de (re)apropriação territorial e reivindicação do direito à cidade”.

A propósito do livro de Bello e Keller, no prefácio, anotei que ao final do ano de 2017, a concessão do Prêmio Capes de Teses trouxe duas novidades. A primeira, a outorga do Grande Prêmio CAPES, Prêmio Aurélio Buarque de Holanda, nas áreas de Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes e Ciências Sociais Aplicadas e Multidisciplinar (Ensino), concedido pela primeira vez a uma tese em Direito, neste caso, a Amanda Costa Travincas, da PUC-RS, sob orientação de Ingo Sarlet, com o trabalho A tutela jurídica da liberdade acadêmica no Brasil: a liberdade de ensinar e seus limites. Participei como membro da Comissão desse Prêmio, e posso dizer que a sua singularidade, para além do mérito próprio da autoria, exibe a preocupação de marcar no tema, a penumbra conjuntural que tem dado ensejo a um certo obscurantismo epistemológico, pondo em risco a liberdade de cátedra e o espaço plural acadêmico no qual se desenvolve histórica e politicamente, o necessário pensamento crítico-reflexivo.

A outra novidade foi descobrir em áreas cuja designação não revela de imediato a complexidade de seus conteúdos, e poder encontrar, na área de Arquitetura, já precedida de premiação originária, a tese de Adriana Nogueira Vieira Lima, “Do Direito Autoconstruído ao Direito à Cidade: porosidades, conflitos e insurgências em Saramandaia”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016, sob a orientação da Professora Ana Fernandes.

Impedido de deliberar, por ter participado como examinador tanto da banca de qualificação quanto da de defesa da tese, neste último estágio compartilhando argumentos com uma banca multidisciplinar, na qual esteve presente Raquel Rolnik, pude aquilatar no debate no seio da Comissão de escolha do Grande Prêmio, o reconhecimento à qualidade da autoria e à atualidade do tema, que associa de modo muito qualificado, o diálogo entre o urbanismo e luta social por direitos, tal como revela o bem elaborado resumo.

A tese, diz o seu resumo, “busca analisar a produção de direitos urbanos pelos sujeitos coletivos de direito em um contexto assimétrico de acesso à cidade. Para isso, adota a teoria da pluralidade jurídica como instrumental analítico. Parte-se do pressuposto de que o processo instituinte de direitos urbanos é interescalar e envolve complexas fontes de legitimação que têm na sua base relações de conflito, reciprocidade e autonomia. A pesquisa, que adota uma perspectiva interdisciplinar, foi desenvolvida com base no trabalho de campo realizado no Bairro de Saramandaia, localizado em Salvador, Bahia, Brasil. A etnografia foi eleita como método privilegiado de apreensão da realidade. Essa opção refletiu-se nas relações travadas em campo construídas através de interações e diálogos. Os pressupostos da pesquisa foram analisados através de três eixos que se interconectam: os direitos autoconstruídos pelos moradores face à ausência do Estado na prestação de serviços urbanos; constituição de direitos urbanos através de relações ambíguas com o Estado; e a (des)construção de direitos urbanos: insurgências, conflitos e disputas pelo espaço urbano. A pesquisa revelou que os direitos urbanos autoconstruídos encontram na necessidade de morar o seu principal parâmetro de legitimação social, emergindo daí as características do que denominamos Direito Autoconstruído: flexibilidade, reciprocidade e atrelamento entre forma e substância. Ficou evidenciado ainda que o Direito Autoconstruído ganha força nos processos de interação social, levando os sujeitos coletivos de direito a participarem da construção de um projeto político de transformação social que repercute no modo como ocorre a interação entre as escalas de juridicidades. Os resultados apontam também que as relações de porosidade entre as escalas de juridicidade são marcadas por conflitos, transgressões e permeabilidades e se nutrem das táticas potencialmente insurgentes praticadas pelos moradores. A partir dessa constatação, verificou-se que essas características se comportam de forma diferenciada em Saramandaia a depender do momento e do espaço do Bairro em que ocorrem, predominando relações de conflitos nas fronteiras e limites entre o Bairro e a Cidade. As análises evidenciaram a necessidade do fortalecimento de uma visão plural e democrática do Direito que contribua para o fortalecimento dos sujeitos coletivos e sua capacidade infindável de inventar novos direitos e caminhar em direção ao Direito à Cidade”.

A mim não se revelou tão só uma expressão atualizada de um tema com o qual venho me envolvendo desde os começos dos anos 1980 (“Fundamentação Teórica do Direito de Moradia”, in Direito & Avesso. Boletim da Nova Escola Jurídica Brasileira, Ano I, n. 2, 1982), mas a constatação, primeiro incluída na pesquisa pioneira (Joaquim Falcão, Invasões Urbanas: Conflitos de Direitos de Propriedade), organizada a partir da Fundação Joaquim Nabuco, quando então já se identificavam as estratégias sociais de acesso à terra urbana traduzidas em demandas às institucionalidades e ao direito positivo legislado e exegeticamente adjudicado, na forma do discurso de legitimidade de um direito justo contra o formalismo de enquadramento dessa matéria no direito civil, no direito processual, no direito administrativo, no direito constitucional e até no direito internacional dos direitos humanos que, ao impulso dos novos movimentos sociais e de direitos achados na rua, insurgentes, abrindo ensejo à constituição de novos campos – o direito urbanístico, de novas formas de reconhecimento cogente em declarações (Habitat) e de um constitucionalismo achado na rua (Silva Junior, Gladstone Leonel da e Sousa Junior, José Geraldo de. O Constitucionalismo achado na rua – uma proposta de decolonização do Direito. Rev. Direito e Práxis., Rio de Janeiro, Vol. 08, N.4, 2017, p. 2882-2902).

Os anos seguintes foram pródigos na construção de um campo demarcado pela construção do chamado direito à cidade, num percurso de formulação de muitos instrumentos técnicos, jurídicos, políticos, institucionais demarcado pela organização do Instituto Pólis em São Paulo e sua importante revista de estudos em que cuja organização muitas referências contribuíram para o adensamento desse campo – Ana Amélia Silva, Raquel Rolnik, Nelson Saule Jr, Emília Maricato – servindo à metodologias de pesquisa, de formulação de políticas públicas e de modos de governar, de organizar assessorias jurídicas populares (lembrando  aqui o exercício genético e político dos Alfonsins – Jacques e Betânia -, culminando com o desenho que a Constituição de 1988 recepcionou, acolhendo as formulações dos movimentos sociais difundidos pelo país.

Encontro na abordagem que desenvolvi em Prefácio para o Atlas sobre o Direito de Morar em Salvador (Elizabeth Santos, coordenação geral et al., Salvador: UFBA, Escola de Administração, CIAGS: Faculdade 2 de Julho, 2012), a condição ontológica a que já me referi, no campo do direito, para responder à tarefa de instrumentalizar as organizações populares para a criação de novos direitos e de novos instrumentos jurídicos de intervenção, num quadro de pluralismo jurídico e de interpelação ao sistema de justiça para abrir-se a outros modos de consideração do Direito (Fundamentação Teórica do           Direito de Moradia, Direito e Avesso. Boletim da Nova Escola Jurídica Brasileira, Editora Nair, ano I, n. 2, Brasília, 1982; Um Direito Achado na Rua: o direito de morar, Introdução Crítica ao Direito, Série O Direito Achado na Rua, vol. 1, Brasília, Editora  UnB, 1987; com Alayde Sant’Anna, O Direito à Moradia, Revista Humanidades, Ano IV, n. 15, Brasília, Editora UnB, 1987; com Alexandre Bernardino Costa, orgs., Direito à Memória e à Moradia. Realização de direitos humanos pelo protagonismo social da comunidade do Acampamento da Telebrasília, Universidade de Brasília/Faculdade de Direito, Ministério da Justiça/Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Brasília, 1998).

Elas dão base, seja enquanto processo para impulsionar a exigência de função social que a propriedade deve realizar, seja para resignificar a semântica das lutas sociais por acesso à própria propriedade, descriminalizando o esbulho por meio da recusa a se deixar tipificar invasor e politizando o acesso com a retórica da ocupação, desde que atendendo à promessa constitucional de realizar reforma agrária e reforma urbana, tal como referiu referiu Ana Amélia Silva, aludindo  à “trajetória que implicou uma concepção renovada da prática de direito, tanto em termos teóricos quanto da criação de novas institucionalidades” (Cidadania, Conflitos e Agendas Sociais: das favelas urbanizadas aos fóruns internacionais, Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Sociologia da USP, São Paulo, 1996), consoante ao que indicou, nesse passo,  Eder Sader, quando este aponta para o protagonismo instituinte de espaços sociais instaurados pelos movimentos sociais com capacidade para constituir direitos em decorrência de processos sociais novos que passam a desenvolver (Quando Novos Personagens Entraram em Cena, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995).

Trata-se de não se perder o impulso dialógico que o jurídico pode vir a conduzir, para que, lembra J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Editora Almedina, Coimbra, 1998), não reste o direito “definitivamente prisioneiro de sua aridez formal e de seu conformismo político” e, deste modo, incapaz de abrir-se a outros modos de compreender as regras jurídicas e de alargar “o olhar vigilante das exigências do direito justo e amparadas num sistema de domínio político-democrático materialmente legitimado”.

É desse modo que Adriana Lima em sua tese premiada pela Capes, fala de um “direito achado nos becos de Saramandaia em Salvador”, para inferir a luta pela cidade, a partir de incursões singelas que revelam o protagonismo cotidiano para inserir no social novas juridicidades. Aqui é “o direito de laje”, agora positivado e enfim adjudicado a partir de novas decisões judiciais abertas “à exigência do justo, inspiradas em teorias de sociedade e de justiça”. No caso, registre-se recente decisão do judiciário pernambucano, na qual o magistrado constata que casa construída na superfície superior à do pai da autora da ação, carrega a pretensão de aquisição da propriedade e se coaduna ao direito de laje, previsto no art. 1.510-A do Código Civil, incluído pela Lei n. 13.465/2017, que dispõe: “O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”.

Para o magistrado Rafael de Menezes, autor da sentença pioneira nesse reconhecimento, é “óbvio que o ideal na sociedade seria todos terem suas casas separadas e registradas, diante da importância da habitação para a dignidade do cidadão. Mas em face do déficit habitacional que existe no país, o legislador acertou em adaptar o direito a uma realidade social. A sociedade cria o fato pela necessidade, e cabe ao direito regulamentar em seguida. O direito é testemunha das transformações sociais, ele regula o que já existe. A sociedade precisa ter o protagonismo sobre o Estado, não o inverso”.

Fiz o prefacio do livro pondo em relevo que ele apresenta-se sob a forma de um “Curso de Direito à Cidade: Teoria e Prática” e faz parte da “Coleção Crítica do Direito: experiências jurídicas e sociais”, coordenada por Enzo Bello e Ricardo Nery Falbo, e veiculada desde 2016 pela Editora Lumen Juris, selo no qual também tenho editado alguns de meus trabalhos (O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática, Coleção Direito Vivo, 2015)

Na perspectiva de seus organizadores, busca-se “suprir uma lacuna editorial, condensando temas e estudos que por vezes não passam por um processo de sistematização. O intento é oferecer aos leitores, dos mais variados níveis e áreas de formação, em linguagem didática e acessível, um curso que tenha por premissa o exame do Direito à Cidade sob a perspectiva crítica”.

Organizado por Enzo Bello e Rene José Keller,  eles próprios também autores, o livro reúne um plantel expressivo de pesquisadores, altamente qualificados, em recorte multi e interdisciplinar, titulados, atuantes em ambientes plurais acadêmicos e funcionais, com reflexão acumulada e combinando percursos de veteranos do tema e o entusiasmo de novos caminhantes: Alex Ferreira Magalhães, Alexandre Fabiano Mendes, Betânia Alfonsin, Bruno José da Cruz Oliveira, Daniel Mendes Mesquita de Sousa, Fernanda Frizzo Bragato, Francine Helfreich Coutinho dos Santos, Gilberto Bercovici, Jan Carlos da Silva, Karina Macedo Fernandes, Marcela Münch, Maria Lúcia de Pontes, Mariana Dias Ribeiro, Rodrigo Oliveira Salgado e Rudrigo Rafael Souza e Silva.

Em aproximações que são mediadas pela Ciência Política, Economia Política, Serviço Social, Sociologia Urbana, Arquitetura e Urbanismo, Geografia e Direito, as leituras trazidas pelo livro, seguindo um padrão lógico-conceitual comum à construção de cada unidade (capítulos), a obra abrange temas que tratam do  DIREITO À CIDADE NO VIÉS INTERDISCIPLINAR (Conceito, questões, problemas, contradições, possibilidades), suas REGULAÇÕES e os desafios da PRÁTICA (Envolvendo estudos de casos), que interpelam o Direito Urbanístico na sua exigência de contínua atualização.

Nos tempos sombrios que estamos atravessando, marcados por surtos de desdemocratização e de desconstitucionalização, notadamente no bloqueio ao processo recente de construção social dos direitos, “tempos de cerceamento dos direitos e de tentativas de restrição da sua garantia pela via estatal como forma de favorecer os agentes do mercado, parece oportuno refletir acerca das problemáticas que envolvem a cidade”, dizem os organizadores, a obra assume fortemente a função de peça de resistência, Ela exibe e “projeta grande parte das contradições do modo de produção capitalista, expondo as desigualdades sociais ínsitas a este modo de produção da vida social e sistema econômico”, prestando-se ao enfibramento das consciências que se formam nas lutas por reconhecimento de dignidade e de direitos e que precisam se armar para não recuar das conquistas da cidadania.

Essa é uma das chaves para orientar a leitura deste livro, porque em tempos de golpe, é importante resistir e esgrimir o requisito da legitimidade para aferir reconhecimento aos sujeitos que se colocam no protagonismo da política, tal como venho insistindo desde 2016 (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Resistência ao Golpe de 2016: Contra a Reforma da Previdência. In GIORGI, Fernanda et al, orgs, O Golpe de 2016 e a Reforma da Previdência. Narrativas de Resistência.Bauru: Projeto Editorial Praxis/Cabnal6Editora, 2017, pp, 242-246); SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Direitos não são quantidades, são relações (Entrevista), IHU OnLine, Revista do Instituto Humanitas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, n. 494/ano XV, 2016, pp. 64-72).

Uma outra chave possível é, talvez, contribuir para designar as condições pedagógicas para constituir cidades educadoras (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Cidades Educadoras. Revista do SINDJUS-Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF, Brasília: ano XVII, n. 59,  2009, p. 4), cidades que partam da constatação de que elas tem um governo eleito democraticamente e seu dirigentes se empenham em incentivar projetos de educação para a cidadania. Cidade nas quais as pessoas que nelas vivem acabem conhecendo melhor as situações que fundamentam as decisões relativas à sua sociabilidade e vivenciem de forma efetiva a experiência democrática. Cidades que permitam exercitar experiências de sociabilidade, desde as práticas de orçamento participativo, às de educação para a democracia, direitos humanos, cultura de paz, mobilizando redes e instituições que insiram nas regulamentações pactuadas e nas posturas, a lógica da inclusão e da solidariedade.

Num sentido valioso de atualização temática. O livro confirma a necessidade de seguir firme no propósito de enfrentar os desafios Teóricos e sociais e, mais ainda no presente, os desafios políticos que se colocam para os que estudam, pesquisam e formulam no campo do direito urbanístico e do direito à cidade.

A que se continuar a incentivar os estudos e pesquisas, no âmbito acadêmico, acolhendo e oferecendo direções epistemológicas para a designação de temas e questões pontuais, no plano micro, para incentivar trabalhos (teses, dissertações), que contribuam para organizar  as novas agendas não só para as teorias críticas, como também para qualificar as lutas urbanas que demandam a construção de repertórios para o melhor conhecimento e a mais orientada direção de intervenções necessárias nesse campo.

Assim pode ser qualificada a Tese de Adriana Lima, já indicada, linhas atrás, como também, a dissertação de Osias Pinto Peçanha, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, sob a orientação de Enzo Bello, um dos organizadores do Curso de Direito à Cidade.

Em sua dissertação – O Direito Achado na Favela: A Dinâmica do Pluralismo Jurídico na Favela do Vidigal – o professor Osias, que é morador da Comunidade do Vidigal, reúne as práticas jurídicas exercitadas autonomamente na comunidade para, à luz da hipótese do pluralismo jurídico, aferir juricidades inter-ordenamentos, reivindicando reconhecimento sobre a legitimidade de vivências, formas de equitativa partilha de vizinhança e de efetivos direitos inscritos nessas práticas, nas quais se constitui o acervo de categorias que formam a materialidade de O Direito Achado na Rua.

Na banca de Osias, na qual estive presente, foram inestimáveis as indicações dos professores Eduardo Manuel Val, Ricardo Nery Falbo e Alex F. Magalhães, este último uma referencia nos estudos sobre a cidade e o direito urbanístico, autor também nesse Curso com o texto  A Urbanização de Favelas e o seu ‘Day After’: o Problema da Introdução da Legislação de Uso do Solo em Favelas Úrbanizadas’(Rio de Janeiro), pp. 253-270.

É também nesse sentido, ou seja, de atualização temática, mas sem perder de vista a necessidade de resgate histórico, de balanço critico sobre a construção do campo do direito urbanístico, para inserção no presente, da agenda de lutas que a reflexão teórico-crítica e militante pode oferecer, é que o IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua estão organizando um volume específico, o 9o., da Série O Direito Achado na Rua: Introdução Critica ao Direito Urbanístico, com o objetivo de estudar a relação entre a teoria de O Direito Achado na Rua e o conjunto de princípios, normas e fundamentos sócio-históricos do Direito Urbanístico no Brasil; avaliar criticamente a experiência de constitucionalização da Política Urbana e de sua implementação; e apresentar uma agenda de pesquisa e Ação para o desenvolvimento Teórico e prático, jurídico e social do Direito Urbanístico e do direito à cidade, comprometida com a defesa da democracia e da justiça social.

Em conjunturas de redução do espaço político democrático e de retração de investimentos sociais, a partir de opções excludentes de acumulação rentista, a luta por morar dignamente e pela cidade humanizada e educadora, se converte em direito fundamental. É o que as redes, os movimentos, parlamentares de diferentes frentes de engajamento popular, intelectuais, enfatizaram, logo após a tragédia de 1o. de maio em São Paulo, no Largo Paissandu (2020), com um desabamento trágico, na nota quando morar é um privilégio, ocupar é um direito. Para os signatários da nota, é necessário reiterar a unidade na resistência em cada ocupação e exigir a responsabilização do Estado em cada recusa à regularização de energia elétrica, de saneamento e prevenção de riscos em ocupações; são necessários investimentos públicos na viabilização de moradias dignas; o enfrentamento à especulação imobiliária; políticas de mediação de conflitos fundiários com participação popular; a conversão dos edifícios ociosos em moradia popular; a regularização fundiária das ocupações.

A Dissertação, embora a sua construção até aqui tenha sido realizada por meio da elaboração propriamente autônoma de artigos, tem uma coerência ordenadora desde os seus pressupostos que o Sumário confirma.

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS

RESUMO

ABSTRACT

PRÓLOGO: RELATO DE UMA TRAVESSIA URBANA OU DE UM SONHO EM UM ÔNIBUS QUALQUER

INTRODUÇÃO GERAL: A HETEROTOPIA FAVELA

  1. NOTAS SOBRE O CONCEITO DE LOCALIZAÇÃO: IMPACTOS NAS REFLEXÕES ACERCA DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

Introdução

Espaço e Sociedade

Localização e Segregação

Território e Desigualdade

Considerações Finais

Referências

  1. A CIDADE E O CIDADÃO: POR UMA ABORDAGEM TERRITORIAL DO

CONCEITO DE CIDADANIA

Introdução

Entre a Pólis e a Civitas: Evolução Histórica do Conceito de Cidadania

O Território do Cidadão (ou a Territorialização da Cidadania)

Cidadania, Território e Resistência

Considerações Finais

Referências

  1. O “DIREITO ACHADO NA RUA” E OS “NOVOS SUJEITOS COLETIVOS DE DIREITO”: A LUTA SOCIAL COMO PARADIGMA DO DIREITO À CIDADE E DA REVOLUÇÃO URBANA

Introdução

O Direito à Cidade: Revisitando o Conceito

A Afirmação do Direito à Cidade no Panorama Internacional e no Brasil

O “Direito Achado na Rua” e os “Novos Sujeitos Coletivos de Direito”: Por um Urbanismo Emancipatório

Considerações Finais

Referências

  1. MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS E CIDADANIAS PERIFÉRICAS

INSURGENTES: A LUTA DOS MORADORES DO CALABAR PELO DIREITO À CIDADE

Introdução

Segregação Territorial e Desigualdade Urbana em Salvador/BA

Calabar, Kalabari: Uma Trincheira Urbana no Coração da Cidade

Cidadanias Insurgentes: Percepções de Moradores Periféricos e Narrativas Contra-Hegemônicas na (Re)construção do Espaço Urbano

Considerações Finais

Referências

DISCUSSÃO GERAL

CONCLUSÃO GERAL

REFERÊNCIAS

 

Detenho-me com redobrada atenção na Seção 3 – O ‘Direito Achado na Rua’ e os ‘Novos Sujeitos Coletivos de Direito’: A Luta Social como Paradigma do Direito à Cidade e da Revolução Urbana.

Vou ao Resumo (considerando que o Autor apresenta o capítulo no formato de um artigo autônomo:

Cada vez mais a ideia de direito à cidade vem assumindo o protagonismo das discussões contemporâneas em torno da problemática social moderna. Contudo, se é verdade, também é verdade que o uso do conceito se encontra demasiadamente fragilizado, não só pelo esvaziamento teórico da pluralidade de sentidos que passou a assumir, mas, substancialmente, pela maneira restrita e desvinculada da práxis social com que alguns autores vêm empregado a noção de direito á cidade. Nesse sentido, o presente artigo se propõe a discutir, desde uma ancoragem crítica, o papel da luta social como paradigma do direito à cidade e da revolução urbana, de modo a promover um redimensionamento no debate atual acerca do papel exercido pelos novos sujeitos coletivos de direito nos processos reivindicatórios de transformação urbana e social. Com este objetivo, iniciaremos o nosso percurso com um retorno ao conceito de direito à cidade, desde a perspectiva empregada por Lefebvre. Após isso, faremos um breve mapeamento dos principais protocolos nacionais e internacionais que se ocupam do direito à cidade. Finalmente, apresentaremos a perspectiva da práxis inaugurada pelo movimento “O Direito Achado na Rua” e o papel primordial dos novos sujeitos coletivos na luta pelo direito à cidade e estabelecimento de um urbanismo emancipatório. Ao final, concluímos reafirmando a necessidade de uma nova apreensão do direito à cidade como uma plataforma política ancorada nas lutas e reivindicações dos movimentos sociais, pelo que poderá, efetivamente, conduzir-se na direção de um programa emancipatório do modo de vida urbano.

Palavras–chave: Direito à Cidade. Movimentos Sociais. Luta Social. Direito Achado na Rua. Urbanismo Emancipatório.

O Autor se move com correção no manejo das categorias, noções, conceitos, construídos ao longo da fortuna crítica da proposta. Notadamente, aquelas três referências balizadoras que estão invariavelmente presentes nos estudos e pesquisas e na bibliografia em permanente atualização de O Direito Achado na Rua, vale dizer, “1. Determinar o espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciam direitos, a partir mesmo de sua constituição extralegal, como por exemplo, os direitos humanos; 2. Definir a natureza jurídica do sujeito capaz de elaborar um projeto político de transformação social e elaborar a sua representação teórica como sujeito coletivo de direito; 3. Enquadrar os dados derivados destas práticas sociais criadoras de direitos e estabelecer novas categorias para estruturar as relações sociais solidárias de uma sociedade alternativa em que sejam superadas as condições de espoliação e de opressão entre as pessoas e na qual o direito possa realizar-se como um projeto de legítima organização social da liberdade”.

O Autor se move com lealdade nesses balizamentos, não tivesse já exercitado a sua própria inserção na construção solidária da proposta, atento às emergências, as revisitações e as travessias (cf. http://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-questoes-emergentes-revisitacoes-e-travessias/; atenção ao livro O Direito Achado na Rua: Questões Emergentes, Revisitações e Travessias: Coleção Direito Vivo, volume 5. José Geraldo de Sousa Junior et al (org). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021), assim o demonstra o seu artigo citado, em co-autoria com Marta Gama.

Portanto, o acréscimo que estou fazendo é mais na linha de oferecer marcação bibliográfica, pertinentes ao tema e adensadoras do marco teórico adotado. Ela está inserida no curso desta resenha e fundamentalmente precisa ser anotada com muita atenção, entre todas, a obra que sumariou 30 anos do projeto, no Seminário Internacional O Direito como Liberdade: 30 anos do Projeto O Direito Achado na Rua. Trata-se do volume 10 da Série O Direito Achado na Rua (a propósito   http://estadodedireito.com.br/o-direito-como-liberdade-30-anos-de-o-direito-achado-na-rua/;consultar também http://estadodedireito.com.br/anais-eletronicos-do-seminario-internacional-o-direito-como-liberdade-30-anos-de-o-direito-achado-na-rua/). O inteiro teor desse volume pode ser obtido, por acesso livre, na Editora da UnB: https://livros.unb.br/index.php/portal/catalog/book/116.

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.