quarta-feira, 28 de setembro de 2022

 

O Papel da Extensão Popular na Democratização da Justiça: A experiência da Assessoria Jurídica Universitária Popular Roberto Lyra Filho

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

ADDA LUISA DE MELO SOUSA. O Papel da Extensão Popular na Democratização da Justiça: A experiência da Assessoria Jurídica Universitária Popular Roberto Lyra Filho. Monografia apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Brasília: UnB/FD, 2022, 43 folhas.

 

                  

 

A defesa dessa bela monografia foi feita perante a Banca Examinadora formada pela Orientadora professora Talita Tatiana Dias Rampin – FD/UnB; pela Doutoranda e advogada popular Emília Joana Viana de Oliveira – FD/UnB; pelo professor Antonio Sérgio Escrivão Filho – FD/UnB. Também integrei a banca, tendo sido, co-orientador juntamente com a professora Talita, orientador de Adda no Programa de Iniciação Científica, no qual ela desenvolveu parte da pesquisa objeto da Monografia.

A Monografia, confirmando o modo sensível de pensar o mundo que é parte da identidade da Autora, já se afirmando, como anotou o professor Escrivão, um vislumbre antecipador do próprio texto, abre a narrativa como que “uma chave de leitura do próprio texto”, com toda a “liberdade poética”.

O trabalho, está no resumo: “objetiva analisar o processo de democratização da Justiça a partir da análise do histórico da Assessoria Jurídica Universitária Popular Roberto Lyra Filho – AJUP RLJ, projeto de extensão da UnB, ao longo dos seus 10 anos de trajetória, relacionando seu desenvolvimento com a luta dos movimentos sociais no Distrito Federal, a partir da educação popular em direitos humanos, em três gerações de integrantes desde sua fundação, em 2012. Desenvolve um debate sobre extensão popular e assessoria jurídica universitária popular. Apresenta um apanhado teórico sobre concepção e acesso à Justiça, com foco no marco teórico do Direito Achado na Rua. Defende as contribuições da AJUP RLF, junto aos movimentos sociais, para a democratização do acesso à Justiça no Distrito Federal e Entorno, apesar das limitações inerentes ao sistema capitalista”.

O contido no resumo se distribui tematicamente, tal como o indica o Sumário, com uma Introdução, seguida de um capítulo de apresentação que historia a criação da AJUP-RLF, designando três “gerações” de protagonismos (um critério próprio proposto pela Autora; o professor Escrivão aludiu que também poderia ser e validamente, “a primeira década”; de fato, assim designou a professora Loussia Felix em belo ensaio constante da obra fundacional OAB Recomenda Um Retrato dos Cursos Jurídicos. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2001, o ciclo de contribuições da Comissão de Ensino Jurídico da Entidade: Da Reinvenção do Ensino Jurídico – Considerações sobre a Primeira Década).

  1. A ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR ROBERTO LYRA FILHO 1.1. Primeira geração: a fundação; 1.2. Segunda geração: fase de amadurecimento do Projeto; 1.3. Terceira geração e extensão popular em tempos de pandemia 20
  2. ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR E DEMOCRATIZAÇÃO DA JUSTIÇA 2.1. Extensão Popular; 2.2. Assessoria Jurídica Universitária Popular – AJUP.
  3. A JUSTIÇA E SUAS DISPUTAS: conceitos de justiça e contribuições desde a AJUP; 3.1. A justiça e os seus conceitos; 3.2. A justiça e o seu acesso; 3.1. A justiça e sua necessária democratização 35

            Fecha o Sumário As Considerações Finais e as Referências.

 

            Recupero o trabalho a partir das Considerações Finais:

 

Em linhas gerais, pudemos identificar que as três gerações AJUP – RLF com os acúmulos trazidos por esses sujeitos e seus trabalhos coletivos, inclusive, articulações anteriores com movimentos sociais e com extensões populares, refletiram diretamente no trabalho desenvolvido pelo Projeto.

A primeira geração é marcada pela fundação da AJUP – RLF, entre 2012 e 2014, nascida a partir do encontro de pós-graduadas(os), de diversos estados do país, que vieram fazer mestrado ou doutorado na Faculdade de Direito (FD) da UnB, na linha do Direito Achado na Rua, sendo muitos já advogadas(os) populares. Ademais, contou com a participação também de estudantes que já possuíam experiência com outros projetos de extensão da FD, assim como, graduandas(os) de outras instituições de ensino.

Nesse primeiro momento, a AJUP-RLF desenvolve parceria com diversos movimentos populares organizados no DF, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Via Campesina, Movimento Popular por uma Ceilândia Melhor (MOPOCEM), organização de Catadores da Estrutural, Santuários dos Pajés, Comitê Popular da Copa do DF e Movimento Popular de Saúde.

Já a segunda geração, entre 2015 e 2017, conta com uma participação maior de estudantes da graduação da FD-UnB, assim como, de outros cursos e faculdades do DF, dando continuidade às parcerias com o MTST e a organização de Catadores da Estrutural, e iniciando trabalho com o movimento Mercado Sul Vive, de Taguatinga. Além disso, contribuiu com a construção de várias iniciativas nacionais, como o Acampamento Terra Livre, a Frente Brasil de Juristas e no debate sobre a Lei Antiterrorismo.

A partir de 2017 até os dias atuais, identificamos a terceira geração, composta majoritariamente de calouras(os) de direito, que entraram na Universidade em 2017, assim como, no Projeto, e permanecem até hoje, e estudantes da graduação que se somaram posteriormente. A maioria desses estudantes não tinha contato ainda com a assessoria jurídica universitária popular nem com os movimentos sociais. Cabe destacar que coube a essa geração reinventar o seu trabalho frente à pandemia do novo Coronavírus.

Com o estudo realizado, observamos que a AJUP-RLF passa por um processo geracional ao decorrer da sua história de quase uma década, sendo cada geração marcada pelo perfil dos seus integrantes e o trabalho desenvolvido coletivamente entre os sujeitos e os movimentos sociais, a partir da assessoria jurídica popular, desenvolvida por meio da extensão e educação popular em direitos humanos.

Ao analisar a contribuição da atuação da AJUP-RLF, concluímos que suas práticas possuem um caráter democratizante, seja no seu diálogo orgânico com os sujeitos coletivos de direito, ocupando um papel de mediação que o Judiciário é incapaz de cumprir, seja na criação de novas categorias jurídicas ou na a ocupação da institucionalidade a partir de demandas coletivas.

Destacamos como elemento central a “dimensão pedagógica” da assessoria jurídica universitária popular, fomentando uma cultura comunitário democratizante junto ao povo.

Outro desdobramento também no campo educativa trata-se da crítica e nova proposição para o ensino jurídico, que cumpre uma função contra hegemônico nas Faculdades de Direito.

Finalizamos ressaltando a importância da AJUP-RLF no processo de democratização do acesso à Justiça no DF e Entorno, todavia, reconhecendo as limitações impostas pela própria estrutura social, que se reflete na Universidade, advinda da organização do sistema capitalista.

Assim, para que ocorra verdadeira democratização da Justiça, precisamos que a Universidade passe a ser ocupada pelo povo com o rompimento do sistema capitalista.

Destaco como enunciados estruturantes do trabalho, a partir das Considerações Finais, o que a Autora põe em relevo: “Com o estudo realizado, observamos que a AJUP-RLF passa por um processo geracional ao decorrer da sua história de quase uma década, sendo cada geração marcada pelo perfil dos seus integrantes e o trabalho desenvolvido coletivamente entre os sujeitos e os movimentos sociais, a partir da assessoria jurídica popular, desenvolvida por meio da extensão e educação popular em direitos humanos. Ao analisar a contribuição da atuação da AJUP-RLF, concluímos que suas práticas possuem um caráter democratizante, seja no seu diálogo orgânico com os sujeitos coletivos de direito, ocupando um papel de mediação que o Judiciário é incapaz de cumprir, seja na criação de novas categorias jurídicas ou na ocupação da institucionalidade a partir de demandas coletivas. Destacamos como elemento central a “dimensão pedagógica” da assessoria jurídica universitária popular, fomentando uma cultura comunitário democratizante junto ao povo”.

Os enunciados aí estabelecidos se sustentam teoricamente no trabalho desenvolvido, à luz, sobretudo, das categorias analíticas designada por O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática. Assim que a Autora percorre com precisão, a parir de seu campo o caminho epistemológico-político constante do protocolo de pesquisa dessa concepção: determinar o espaço político no qual as sociabilidades de movem (a extensão universitária e a educação popular no circuito freiriano de comunicação, que permite adensar-se a consciência que leva ao salto da história para a política transformadora da realidade candente que exclui e oprime pela mediação do Direito); a designação dos sujeitos, que protagonizam em movimento social essa ação transformadora enquanto sujeitos coletivos de direito; e os achados, sintetizados no projeto de sociedade democrática ambiente de humanização emancipada pela conquista e realização permanente de direitos.

Coincidentemente, na semana em que se montou a defesa em Banca Examinadora, uma decisão judicial no Distrito Federal, circunscreveu em seus termos todos esses enunciados, tomando um dos sujeitos estudados pela Autora – Mercado Sul Vive – e externalizando os elementos que a Monografia articula, em sua materialidade realizadora de direitos e promotora de reconhecimentos de titularidade ativa.

Referi-me a esse fato em artigo de opinião, lançado em coluna que mantenho no Jornal Brasil Popular (https://www.brasilpopular.com/mercado-sul-fica/). Reporto-me a esse texto, ao qual dei o título de Mercado Sul Fica!.

Digo no artigo, em argumentos que trouxe para arguição:

O título do artigo é a palavra de ordem que ecoou no Beco da Cultura – Taguatinga – desde fevereiro de 2015.  Refere-se ao sonho e esperança que pulsa por lá se tornou em um inédito viável. Agora, o Juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros, da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, em setença prolatada no dia 31 de agosto, em processo de reintegração/manutenção de posse (Processo número: 0003872-11.2015.8.07.0007) reconheceu que o MovimentoOcupação Cultural Mercado Sul Vive atende “ao interesse social e às diretrizes constitucionais e legais relativas à função socioambiental da propriedade e ao direito à cidade” e negou a remoção forçada dos artistas e produtores culturais.

A decisão foi festejada pela advocacia popular que acompanhou o Movimento na causa. Conforme seus integrantes, o “compromisso com a luta do povo e o projeto de sociedade defendido pelos movimentos sociais e possui como princípio e método a educação popular. Nesse sentido, o direito foi achado e conquistado no beco. Achado porque as teses jurídicas defendidas no judiciário foram construídas com fundamento no fazer cultural comunitário, em longos diálogos e debates entre o Mercado Sul Vive, a Candanga Assessoria Popular e a AJUP Roberto Lyra Filho (Coletivo O Direito Achado na Rua). Conquistado pois foi a organização coletiva e a luta política que possibilitaram a conquista dessa batalha”.

Para os estudantes da UnB e os advogados populares, decisão reconhece que o movimento requalificou o espaço como equipamento cultural e como tal deve ter a proteção do Estado:“Por isso, seguiremos esperançando e cobrando do governo ações que fortaleçam a produção cultural realizada ali”.

Com efeito, na Sentença, o Juiz qualifica a Ocupação Cultural Mercado Sul Vive, representada nos autos do processo por artistas, artesãos, produtores culturais, repudiando os termos depreciativos dos pretensos proprietários da área abandonada, acolhendo o argumento de “não ter havido invasão, já que o espaço estava abandonado há mais de dez anos, servindo apenas de especulação imobiliária, além de propiciar a propagação da dengue; menciona que os ocupantes são pessoas reivindicando direito constitucional à moradia, cultura e exercício profissional; enfim, a ocupação é antiga, sendo o espaço conhecido como Beco da Cultura, de modo que o Movimento Cultural Mercado Sul Vive apenas para estabelecer função social ao local”.

Considerou que o imóvel litigioso permaneceu em estado de franco abandono por razoável período de tempo, donde despontou a oportunidade para a ocupação perpetrada pelos réus. Embora ilegal em sua forma e origem, a ocupação acabou por revitalizar o imóvel até então abandonado, tornando-se um reconhecido centro de produção e reprodução de cultura. O imóvel outrora abandonado agora passou a acolher ateliês, luthiers e outros artistas, além de se tornar palco de eventos dedicados à cultura e lazer, requalificando, na prática, toda uma região que até então era vista pela comunidade apenas como um lugar degradado e perigoso. Antes de ser ocupado, o imóvel abandonado encontrava-se em acelerada deterioração. Sendo um imóvel de razoável proporção, sua deterioração impactava diretamente sobre a região onde está situado, causando notória degradação de todo o espaço urbano local.

Para o juiz, “são deveras conhecidas as externalidades negativas sobre o espaço urbano causadas pelo abandono e degradação de imóveis da cidade. Deveras representativo do que se está a falar é a célebre teoria das janelas quebradas (“broken Windows theory”), tão conhecida pelos criminalistas: se uma janela de um imóvel não é prontamente consertada, parte da população se sente estimulada a quebrar outras, ocasionando uma desordem crescente no ambiente urbano. Embora tematizada entre os criminalistas a partir de uma leitura simbólica, a teoria das janelas quebradas é também uma abordagem de direito urbanístico, pois enfoca exatamente a influência do uso e conservação dos imóveis urbanos sobre todo o ambiente social e, por conseguinte, do bem-estar da comunidade (interesse primordial das ponderações urbanísticas): regiões degradadas e abandonadas tendem a contaminar todo o entorno, expandindo a degradação urbana, em prejuízo crescente ao bem-estar da população, inclusive da situada no entorno dos locais abandonados”.

Com avançada argumentação a propósito da ordenação e do controle do uso do solo, o juiz põe em relevo na legislação, a diretriz que visa inibir “a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; a deterioração das áreas urbanizadas”, caracterizando o fato de que “os imóveis litigiosos, conforme já anotado, estavam em estado de abandono até o momento da ocupação e requalificação do local pelos réus. Restituir o imóvel que está atualmente requalificado de modo a oferecer arte e cultura à população representaria fomento à retenção especulativa e prejuízo ao uso socialmente proveitoso do bem, em frontal contrariedade à diretriz do Estatuto da Cidade, que, vale reiterar, é de ordem pública e interesse social”.

Assim, segundo a Sentença, “o imóvel litigioso hoje tem a nítida função de bem cultural da cidade, e é assim reconhecido pela comunidade. A relevância do bem cultural é característica inerente ao próprio bem, que não carece da chancela de atos formais como o de tombamento ou registros (os quais têm caráter meramente declaratório, ou seja, apenas certificam a relevância preexistente do bem cultural)”.

Portanto, ele conclui, “no caso concreto, é inequívoco que o imóvel assumiu a condição de bem cultural, o que atrai a exigência legal ora referida de se prover a sua proteção e preservação. O mesmo princípio ora enfocado é também consagrado no art. 312, VI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, como instrumento da política urbana distrital”.

Em resumo, fixa a Sentença,“é inequívoco que a posse exercitada pelos réus atende, em muito maior medida, ao interesse social e às diretrizes constitucionais e legais relativas à função socioambiental da propriedade e ao direito à cidade, o que impede o acolhimento da pretensão autoral”.

Coincidentemente, no dia seguinte à sentença (1º/9) participei na UnB (Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania), da banca de defesa de dissertação de Mestrado, de Willy da Cruz Moura, “Cultura e Vida Noturna em Brasília: Poder, espaço, coletividade e o o Direito Achado na Noite”. Na Dissertação – confira-se na Coluna Lido para Você a recensão que fiz sobre a Dissertação: http://estadodedireito.com.br/cultura-e-vida-noturna-em-brasilia-poder-espaco-coletividade-e-o-direito-achado-na-noite/ – o agora Mestre sustenta, num aspecto que guarda relevância com a Sentença do Juiz Maroja,  que pode-se falar em espaço político, o território no qual “sujeitos podem adquirir consciência coletiva, estabelecer redes, operar afetos, desenvolver práticas sociais, visibilizar e consolidar direitos, conduzir transformação social emancipadora, estruturar solidariedade e materializar alternativas contra-hegemônicas, como sugere o percurso de O Direito Achado na Rua”. Espaços que se afiguram, ontologicamente, nesse passo citando a mim e a meu colega co-autorAntonio Escrivão Filho (Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos. Belo Horizonte: Editora D‘Plácido, 2016) como lugares  de criação e realização do direito, apresentado e posto à disposição do povo na qualidade de sujeito histórico com capacidade criativa, criadora e instituinte de direitos, e, metaforicamente, como a esfera pública onde se reivindica a cidadania e os direitos, onde se agregam cidadãos, onde se lhes protege da dispersão e da desmobilização.

Espaços de Cidadania, como sustenta Milton Santos, que formam “cidades educadoras”, enquanto compreendem territórios como lugares em disputa na construção das cidades, quando se envolve relações humanas e suas produções materiais, formando uma geografia cidadã e ativa, conforme lembram Sara da Nova Quadros Cortes e Cloves Araújo, em belo texto – “Dialética Social no Rastro dos Pensamentos de Roberto Lyra Filho e de Milton Santos: aportes teóricos no campo do direito e da geografia” – também publicado nesse dia 1º de setembro, na Revista Direito.UnB (volume 6, número 2 – maio/agosto 2022), com um dossiê em homenagem a O Direito Achado na Rua e a Contribuições para a Teoria Crítica do Direito. Aí aonde bebe, teórica e politicamente, o agir interpelante e comprometido com a emancipação, dos jovens militantes da Assessoria Jurídica Popular Universitária Roberto Lyra Filho e da Assessoria Jurídica Popular Candanga que promovem a causa do Movimento Ocupação Cultural Mercado Sul Vive.

Na arguição de Adda houve uma indagação sobre a hipótese teórica do pluralismo jurídico, uma questão que está pressuposta em seu trabalho mas não diretamente confrontada. Adda, a meu ver de modo politicamente crítico como indica Franco Ferraroti, em sua proposição de uma sociologia alternativa como crítica da sociologia tradicional e como proposta para o desenvolvimento criativo do pensamento crítico mobilizado pela emancipação (Uma Sociologia Alternativa: da sociologia como técnica do conformismo à sociologia crítica. Porto: Edições Afrontamento, 1976), centrou sua atenção nas condições sociais e nas possibilidades teóricas que dão densidade à emergência protagonista de sujeitos coletivos de direitos, para os quais se volta a atuação das assessorias jurídicas populares.

Digo, de modo politicamente crítico porque parece estar havendo uma descoberta do sujeito coletivo de direito como uma categoria cogente à realização de direitos que sejam efetivamente emancipatórios.

Em arguição recente na UFF (Universidade Federal Fluminense), o professor Carlos Marés reivindicou essa atenção ao autor da tese Eloy Terena, a propósito da reivindicação indígena a direitos anteriores ao direito legal estatal inscritos nos usos sociais dos povos originários, pré-colombianos e pré-cabralinos, no contexto do colonialismo transplantado para o “novo mundo”. Adda recupera essa noção, cogente no posicionamento epistemológico de O Direito Achado na Rua, tal como eu próprio em minha arguição a Eloy Terena, na Banca mencionada (cf. http://estadodedireito.com.br/o-campo-social-do-direito-e-a-teoria-do-direito-indigenista/):

Para a vertente crítica que pensa o Direito como emancipação e o compreende como criação do social, a hipótese do pluralismo jurídico e a condição da insurgência, são critérios constitutivos do campo, das referências possíveis de teorias de sociedade e de justiça, e de qualquer consideração que se elabore sobre o tema.

Assim, por exemplo, em minhas leituras, articulando questões sociais e possibilidades teóricas, com esse objetivo, quando tratei de esboçar a minha crítica sobre o processo de formação, conforme por exemplo, meus primeiros estudos, se mostrou inafastável abrir um capítulo sobre a pluralidade de ordenamentos e, simultaneamente, na sequência, situar a questão nas articulação entre as condições sociais e as possibilidades teóricas que abrem ensejo para a materialização do jurídico, na tensão dialética entre o instituinte e o instituído.

Algo, anota Marilena Chauí, que abre a perspectiva para a “apreensão do Direito no campo das relações sociais e políticas entre classes, grupos e Estados diferentes [que] permite melhor perceber as contradições entre as leis e ajustiça e abrir a consciência tanto quanto a prática para a superação dessas contradições [o que] significa abrir o Direito para a História e, nessa ação, para a política transformadora”.

Na consideração dessas interpelações, tanto políticas quanto epistemológicas, nenhum estudo terá sido desenvolvido sob a perspectiva da crítica jurídica e dos direitos humanos, sem que se estabeleça um vínculo de interlocução com a precedência de pesquisas e de análises de Jesús Antonio de la Torre Rangel, na sua sofisticada e engajada concepção de Derecho que Nace del Pueblo como Derecho Insurgente,

De fato, no plano teórico, considerando as principais abordagens, todos os autores e autoras (pelo menos aqueles com os quais mais proximamente mantenho diálogo) – Boaventura de Sousa Santos, Carlos Maria Cárcova, Oscar Correas, Raquel Yrigoyen Fajardo, David Sanches Rubio, Miguel Pressburger, Miguel Baldez, Luiz Edson Fachin, Antonio Carlos Wolkmer, Salo de Carvalho, José Carlos Moreira Silva Filho conformaram suas aproximações, em diálogo constante e intenso com o professor de la Torre Rangel, entre esses Carlos Frederico Marés de quem adota várias expressões, principalmente quando adverte para o risco da técnica jurídica converter-se em concepção univocista do jurídico, operando como um ‘procedimento mata Direito’.

Na articulação dos fundamentos do pluralismo e da insurgência enquanto filosofia e teoria do Direito que nasce do povo, assertivamente, “uma nova teoria do Direito”, desde 1986, com El Derecho que nasce del pueblo, depois, em 2012, com El Derecho que sigue nascendo del pueblo. Movimientos sociales y pluralismo jurídico; e agora. 2022, com El Derecho que Nasce del Pueblo como Derecho Insurgente, de la Torre Rangel percorre um caminho disciplinado, imaginativo e criativo que consolida uma referência para o campo.

Por muitas dessas razões, ao fazer circular nas redes sociais do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, o convite para a defesa da Monografia de Adda Sousa, insisti na mobilização para a sessão de defesa. Nas minhas considerações, primeiro porque além de uma pesquisa que historia um projeto claramente inscrito na concepção e prática de O Direito Achado na Rua, o trabalho se configurava por ser uma boa articulação de protocolo e achados de uma abordagem inscrita em observação participante, própria da modalidade de pesquisa-ação. Por isso também programei a defesa na agenda dos alunos e alunas da disciplina Pesquisa Juridica, pensando que eles pudessem se beneficiar pedagogicamente com os elementos que a defesa da monografia proporcionaria.

Em segundo lugar, porque constatei, já à leitura do original, que o trabalho se ancorava muito convictamente no reconhecimento da capacidade instituinte de sujeitos coletivos de direito.

E, sobretudo, porque, estar com Adda na defesa proporcionaria realizar o fundamento de Escola (NAIR), na solidariedade de diálogo (lyriano), no que compartilhamos nossos achados, nosso intercâmbio acadêmico fazendo entre nós interlocução de nosso acumulado interpretativo sobre como agimos no mundo e o transformamos.

Assim que, na Banca, interpelei a Autora para a necessidade de rever a suas referências para não descuidar a importância de revelar, pensando a perspectiva contra-hegemônica de toda concepção crítica, o acervo acumulado da autoria nesse campo, indicando o agregado político-epistemológico construído por seus pesquisadores.

Tanto que reivindiquei que ela trouxesse para o rol de referências que foram animadas pela atuação extensionista e mais organicamente, no próprio projeto da Assessoria Jurídica Popular Universitária Roberto Lyra Filho. Tanto mais porquanto, completadas três gerações ou ao menos a primeira década, esta está sendo celebrada na conjuntura em que a própria defesa se realiza e que se constitui evento também celebratório.

Desse modo lembrei que o trabalho de Rafael de Acypreste, hoje doutorando em economia na UnB, onde obteve seu Mestrado em Direito, teve como tema Direito à Moradia e o Poder Judiciário, mesmo título que levou para livro logo publicado pela Editora Lumen Juris, do Rio de Janeiro, em 2017. O livro, como sintetiza o professor Alexandre Bernardino Costa, seu orientador (por sua vez co-líder do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua), guarda inteira fidelidade a esse percurso: “A teoria fundamentada nos dados, pouco utilizada nas pesquisas em direito, possibilitou que o autor desenvolvesse uma investigação segura, que demonstrou como o Poder Judiciário, nos conflitos nos quais o MTST está na luta por moradia, afasta os princípios constitucionais da função social da propriedade; do direito à cidade; do direito à moradia; da dignidade da pessoa humana, dentre outros, para prevalecer o título de propriedade, ainda que sem a legitimidade da posse. Fazer pesquisa qualitativa nas decisões do Poder Judiciário que envolvem movimentos sociais, na luta por direitos fundamentais, é uma escolha acertada que vai levar o leitor a caminhos pouco percorridos na pesquisa jurídica. Por fim, Rafael Acypreste apresenta sua pesquisa de forma elegante, fácil de ser lida, para que seja possível compreender a relação entre o movimento social — MTST — e o Poder Judiciário”.

Digo isso porque o percurso do Autor teve início, dada a sai inserção no Projeto, com a Monografia O direito achado no “lixo”: a construção do direito pela organização do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis. 2013. 74 f., il. Monografia (Bacharelado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2013. (https://bdm.unb.br/handle/10483/6790).

Na síntese do próprio Rafael, lançada no repositório, “No presente trabalho, busco perceber a visão do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) acerca da normatização de algumas de suas reivindicações, em especial na Lei 12.305/2010, conhecida como Política Nacional de Resíduos Sólidos. Desde o início do Movimento em 2001, os catadores vêm ensejando debates acerca de seu papel histórico enquanto trabalhadores da reciclagem invisibilizados socialmente e não reconhecidos pelo Poder Público ou pelas empresas privadas. A partir da perspectiva humanista dialética de Roberto Lyra Filho, assumo a compreensão de que a construção do Direito é uma das facetas de um processo mais amplo de libertação, que se desenvolve a partir dos caminhos de conscientização de situações de exploração (eminentemente econômica) e opressão (eminentemente cultural). Estas, por sua vez, desencadeiam processos de lutas por afirmação de liberdade que não prejudique a outrem. Deste modo, a capacidade de libertação caracteriza o ser humano e se realiza quando ele, conscientizado, descobre quais são as forças da natureza e da sociedade que o condicionam. Assim, a essência do Direito está em fazer a mediação coordenada destas liberdades (conquistadas) em coexistência. Com base nesta compreensão, analiso inicialmente os documentos públicos elaborados pelo MNCR e complemento a produção de conhecimentos com entrevistas semi-estruturadas realizadas com integrantes da Coordenação Nacional e Regional. Tento, neste processo, conhecer a visão que estas lideranças têm sobre o papel do Movimento no processo de formação do sujeito catador, consciente da sua situação de exploração. A partir desta consciência, estes trabalhadores da reciclagem se organizam, conseguindo posição de destaque nas normativas sobre resíduos sólidos, o que não esgota a necessidade de o Movimento continuar na luta pela efetivação destes direitos e conquista de outros, sob os ditames da Justiça Social”.

Com a mesma procedência, referi-me à Dissertação de Karoline  Ferreira Martins O direito que nasce da luta: a construção social do direito à moradia e à cidade pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto no Distrito Federal. 2015. 159 f. Dissertação (Mestrado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2015. (https://repositorio.unb.br/handle/10482/18604).

A Dissertação, que tive ensejo de orientar, foi escolhida Prêmio UnB de Dissertação e Tese de 2016 Prêmio UnB de Dissertação e Tese de 2016, categoria Multidisciplinar (Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e Cidadania).

Consultando o Repositório consta, em redação da Autora: “O que pretende o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto? Quem são essas pessoas que queimam pneus, travam rodovias e ocupam prédios e terrenos abandonados nas cidades? O que o direito tem a ver com isso? O que elas têm a ver com o direito? Por meio da pesquisa-militante e do acompanhamento do MTST do Distrito Federal desde o final de 2013, o presente trabalho busca compreender a relação entre o MTST e a produção e realização do direito. Os dados foram coletados a partir de metodologias qualitativas da pesquisa científica, como entrevistas semiestruturadas e rodas de conversa, bem como ampla pesquisa bibliográfica, documental, atas de reuniões, matérias jornalísticas, notas públicas, sites, vídeos, cartilhas entre outros. O trabalho pretende investigar de que modo o movimento constrói – enuncia e efetiva – o direito à moradia e à cidade a partir de sua práxis e organização social e coletiva. Para isso, traço um panorama geral da questão urbana, do modelo capitalista de organização das cidades e de como sua divisão socioterritorial tem provocado um aumento da segregação e periferização da população pobre e negando a contingentes cada vez maiores da população o acesso à cidade, seus bens, espaços e serviços. Posteriormente, traço um histórico do MTST nacional e regionalmente, bem como busco destacar as principais características que compõem a identidade do movimento. Finalmente, com base nos referenciais da teoria crítica do direito, do pluralismo jurídico e do Direito Achado na Rua, analiso uma ocupação do MTST-DF, o “Novo Pinheirinho de Taguatinga”, a fim de extrair categorias e chaves interpretativas que permitam avaliar, na prática, as estratégias e ações do movimento no sentido da construção, reivindicação e enunciação do direito à moradia urbana adequada e do direito à cidade”.

Certo é que Adda esteve atenta a esses referenciais (minha alusão é no sentido programático e estratégico), buscando a co-participação construtiva dos “princípios e valores firmados ao decorrer dos anos do Projeto se mantém e se aperfeiçoam com essa nova geração”.

Citando Karoline Martins sobre o que essa “sistematiza bem esse processo de acúmulo de compreensão”, Adda se põe em consonância com sua colega, ainda hoje advofada popular, no sentido de que “A nossa concepção enquanto assessoria jurídica universitária popular é no sentido de que a via jurídica é só mais uma ferramenta de apoio e de caminhar com e ao lado das lutas e dos sujeitos coletivos de direito, dos movimentos sociais. Nunca em uma perspectiva de que seria o direito enquanto instituição messiânica, que por meio do direito, exclusivamente das instituições ou dos processos judiciais, conseguiria defender as demandas e garantir os direitos dos sujeitos com os quais a gente atuava […] Para que, a partir das suas próprias mobilizações e organizações políticas, eles próprios construam os caminhos, políticas públicas, reivindicação, mesas de negociação com entes do poder tanto legislativo quanto executivo.”

E logo, uma afirmação que me levou a interpelar problematicamente, no interesse do refinamento das categorias esgrimidas segundo a planta epistemológica de O Direito Achado na Rua. Diz Adda:

Assim, é visível o amadurecimento coletivo em torno do debate da concepção de assessoria jurídica popular, em que se compreende como mais um instrumento de luta possível na luta por direitos (SOUSA JUNIOR et al, 2021). Ao mesmo tempo, avançamos no entendimento da AJUP-RLF também como um sujeito coletivo de direito, ator político que tem sua individualidade, destacada dos movimentos, com análise política própria e linhas de atuação (grifei).

Claro que em seu modo de raciocinar Adda nunca perde o arranque dialético para o qual orientava Roberto Lyra Filho, sobre o ser sendo do real, incluído o real jurídico. Isso fica claro quando ela examina, na linha conduzida por sua Orientadora Talira Rampin, a propósito da Justiça e suas Disputas e de como os conceitos de justiça se movem por tensão conceitual aí incidindo as contribuições desde a AJUP, que a própria Justiça não e um artefato, algo que se estabelece uma vez no social, mas é uma questão aberta no social (e sua criação imaginária, a Castoriadis).

O mesmo quanto à categoria sujeito coletivo de direito. Tenho para mim que um sujeito coletivo se instala em movimentos sociais, os personagens que entram em cena (Eder Sader), disputando seu projeto democrático de sociedade, de justiça e de direito, e que somente assim pode ser pensado como sujeito coletivo de direito. Diante da afirmação de Adda, na parte que grifei, indaguei se é possível pensar uma assessoria um sujeito?

A pergunta pode ser lançada urbi et orbi. No sentido da auto-reflexibilidade. Registro que a resposta de Adda foi um primor de pensamento dialético. Creio que vai se tornar uma nota de rodapé, acrescentada à Monografia para depósito. Vale à pena conferir a serenidade amadurecida com que a Autora respondeu à interpelação com convicção não abalada pelo fragor à quente próprio ao debate que caracteriza o sistema de arguição e de defesa, de teses, dissertações e monografias.

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

 

Memórias e Afetos [recurso eletrônico]

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

Memórias e Afetos [recurso eletrônico] / organizadores: Leides Barroso Azevedo Moura, Marisete Peralta Safons, Nanahira de Rabelo e Sant’Anna, Gabriel Corrêa Borges e Cristina Flores Garcia. – Brasília: Universidade de Brasília, 2022. 239 p.: il. Modo de acesso: World Wide Web: <http://dasu.unb.br/>. ISBN 978-65-998701-0-1

 

 

                  

 

         Foi lançado no dia 5/9, em evento promovido pelo CEAM – Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, da UnB – Universidade de Brasília, o e-book Memórias e Afetos. 60 Anos da Universidade de Brasília. Os organizadores e organizadoras informam que um extenso programa de divulgação, no mesmo estilo do lançamento, terá sequência para melhor divulgação da obra e do projeto que a tornou possível.

            No Prefácio, assinado pela Reitora Márcia Abrão, junta-se à motivação os fundamentos do projeto e da obra:

Este é um livro de perguntas e respostas sobre o lugar da Universidade de Brasília na vida de pessoas que passaram algum tempo por aqui, umas mais, outros menos. A história da UnB afeta trajetórias, transforma biografias.

Técnicos, professores e estudantes que tramaram na própria história laços de afeto com a instituição que agora completa 60 anos.

A UnB soube envelhecer, porque soube se reinventar. Tem orgulho do passado, sobre o qual não se cansa de refletir, mas segue adiante de braços dados com as oportunidades do presente e de olho muito atento ao futuro.

O aprendizado de vida da Universidade se confunde com a sabedoria de todos e todas que deixaram ao menos uma gota de suor e outra de felicidade nesses campi espalhados pelo Distrito Federal.

Com a marca do Grupo de Trabalho “Envelhecimento Saudável e Participativo”, da Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade (DASU) vinculada ao Decanato de Assuntos Comunitários (DAC) e ao Projeto de Extensão de Ação Contínua “Construindo uma universidade para todas as idades”, este livro é a prova do que a Universidade de Brasília busca oferecer em suas ações contínuas.

Fico muito honrada de estar ao lado, nestas páginas, de tanta gente querida que dedicou e dedica seus esforços diários para o engrandecimento da UnB.

Sigamos em frente para aprender cada vez com a velhice, para fazer desta etapa momento de celebração da alegria de viver, reconhecendo os próprios valores e reverberando no cotidiano o prazer de compartilhar com dignidade e solidariedade o lugar de trabalho e estudos. Viva a UnB, que sabe envelhecer!

 

            Ainda em disposição prefacial, o Decano de Assuntos Comunitários da UnB, professor Ileno Izídio, acentua essa condição do envelhecimento, que não significa perder a dimensão da vida ativa e preservar lugares de dignidade para continuar solidário com o mundo:

Por algum tempo envelhecer significava estar fora da atualidade quando não da própria dinâmica da vida. A contemporaneidade não comporta mais uma visão excludente de uma das etapas mais ricas do crescimento humano.

Esta publicação, ímpar, afetiva, amorosa e acima de tudo histórica, é verdadeiramente um presente e uma homenagem a este processo de vida de muitas pessoas ímpares de nossa comunidade. Saudamos sua edição como registro dos 60 anos de nossa jovem senhora UnB, porém com a perspectiva mais promissora ainda: de promoção de saúde e engajamento ativo no mundo a nossa volta.

Cícero escreveu De Senectude (Da Velhice), aos sessenta anos; Norberto Bobbio, também escreveu Da Velhice, aos oitenta anos; o ministro Evandro Lins e Silva, o seu O Salão dos Passos Perdidos, perto nos noventa anos. E me dizia, com seu ânimo sempre jovial, quando o cumprimentei por ter se tornado imortal logo que admitido na Academia Brasileira de Letras, que o que ele queria mesmo era ser imorrível.

A obra, com depoimentos de que chegou e ultrapassou os 60 anos, para se identificar com a UnB, neste ano, sexagenária, mostra que a memória nos deixa imorríveis.

Pelo menos, é o que depreendo, da nota explicativa com que a Organização abre o livro, num texto instigante e mobilizador, assinado pela professora Leides Barroso Azevedo Moura, Coordenadora do Projeto de Extensão PEAC ENF-FS “Construindo uma universidade para todas as idades. O texto traz como título: “Uma palavra sobre o projeto: ‘Construindo uma universidade para todas as idades’”. Reproduzo:

A dignidade do envelhecer pode ser institucionalmente celebrada e defendida. Construir a narrativa de uma universidade para todas as idades favorece o preparo de profissionais do cuidado e de toda a comunidade do Distrito Federal para eliminar a discriminação e o silenciamento das necessidades, reivindicações e riquezas das variadas velhices.

O conceito de Universidade Promotora da Saúde (UPS) nasce da percepção de que as Instituições de Ensino Superior exercem papel fundamental na saúde de docentes, discentes, técnicos administrativos, equipes de serviços e também na população das suas cidades.

De acordo com a Carta de Okanagan, um documento basilar aprovado no Congresso Internacional de Universidades Promotoras da Saúde, uma UPS deve ter visão transformadora da saúde e da sustentabilidade da sociedade presente e futura e adotar como parte de sua responsabilidade decifrar as oportunidades de promoção da saúde no cotidiano, propiciar no campus e para além dele uma cultura de valorização da diversidade geracional, de gênero, raça, na defesa da equidade e da justiça social. Uma UPS se envolve em projetos de transformação de valores societários e busca “fortalecer a comunidade e contribuir para o bem estar das pessoas, lugares e do planeta” (Carta de Okanagan, 2016).

O projeto “Construindo uma universidade para todas as idades “objetiva desenvolver parcerias e ações entre a universidade e os coletivos inteligentes da cidade na promoção do envelhecimento saudável e participativo e desenvolverá atividades de ensino, pesquisa e extensão junto à comunidade acadêmica da UnB, profissionais e estudantes em formação, pessoas idosas, famílias, gestores e ativistas no tema do envelhecimento na universidade e na cidade. Possui um caráter interdisciplinar na sua concepção e está articulado aos trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho “Envelhecimento Saudável e Participativo” da Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade (DASU) vinculada ao Decanato de Assuntos Comunitários e ao Programa de Extensão “Envelhecimento Saudável e Participativo com cidadania: UnB como Universidade Promotora de Saúde”.

As atividades do projeto se organizam segundo as ações estabelecidas pela Política Nacional da Pessoa Idosa, Estatuto da Pessoa Idosa, Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa e Política Distrital da Pessoa Idosa.

 

            O livro contêm 60 depoimentos, conforme um formulário de entrevista que associa a biografia dos entrevistados a sua atuação na UnB.

            Fui um desses entrevistados e compartilho meu depoimento como efeito demonstração do roteiro memorialista que acaba caracterizando a obra:

Como você entra na história da UnB? Já antes de conhecê-la, chegando em Brasília (1971) e descobrindo a univer(c)idade. Depois, na advocacia de cidadania e defesa das garantias constitucionais, em tempos sombrios (Ditadura), participando das ações da Ordem dos Advogados em defesa da universidade sempre sob investida autoritária, com ocorrências graves ao seu projeto e à sua comunidade. Depois, como aluno de pós-graduação, a partir de 1978, na Faculdade de Direito. Em seguida (1985), sendo admitido na UnB, na redemocratização, no Reitorado Cristovam Buarque, primeiro como procurador-geral (PJU) depois como chefe de Gabinete do Reitor e, finalmente, também desde 1985, admitido como docente (1985) até hoje (aposentado como professor titular na compulsória dos 75 anos) mas permanecendo como pesquisador voluntário sênior. Nesse ínterim, exercendo atividades de gestão, desde coordenador – graduação, pós-graduação), diretor de unidade, reitor (2008-2012), nessa condição, atuando ou presidindo todos os Conselhos de Unidade e Superiores da Universidade.

O que a UnB representa na sua história? É minha própria história e eu sou parte de sua história. É minha mais definida identidade social.

TEMPO PRESENTE E TEMPO FUTURO

O que você tem feito? Continuo a docência e pelo acumulado, com alguma projeção, que me abre interlocução cultural e política. Tenho colunas permanentes em meios de comunicação o que amplia meu auditório e no modo presencial mantenho um diálogo interativo com um público muito extenso. Tendo sido reitor, me recuso exercer qualquer outra atribuição pública senão a de ex-reitor, mas não me furto de atuação honorífica ou benemérita em organismos civis: Ordem dos Advogados, Comissão Justiça e Paz (Arquidiocese), Instituto dos Advogados Brasileiros (fundado em 1843).

Você tem algum hobby? Até 3 anos atrás futebol society; atualmente, caminhadas ao ar livre.

Qual seu projeto de vida? Projeto de vida eu o compreendo como uma categoria do bem viver. O que me constitui nesse entendimento é contribuir para compreender as condições de dignidade da existência, notadamente em sentido coletivo e social. O que procuro realizar por meio das dimensões que agregam os fundamentos e princípios desse projeto: democracia, cidadania, justiça e direito/direitos humanos. A síntese desses fundamentos se concentra num programa teórico-político que co-organizo há 30 anos: O Direito Achado na Rua.

PERSPECTIVA SOBRE A VELHICE

O que você teria a dizer sobre envelhecimento e aprendizados da velhice? Em 40 anos de docência, cumprindo todos os fundamentos – ensino, pesquisa e extensão – tendo a leitura e a escrita como hábitos diários e ainda, mantendo ativo o engajamento acadêmico e associativo, estou disponível para a troca cotidiana ensinando, aprendendo, desaprendendo (como diz Manoel de Barros em Didática da Invenção) e de novo ensinando.

COMPARTILHANDO SABERES

Que aprendizado de vida gostaria de repassar às outras pessoas/gerações? O ganho biográfico que conhecimentos, saberes e vivências me fizeram “acumular”. Espaço para falar sobre algo não contemplado nas questões anteriores Apenas para indicar o endereço da plataforma na qual estão organizados os fatos principais desse projeto de vida: www.odireitoachadonarua.blogspot.com

 

            Não há indicação no livro, mas na transmissão do evento de lançamento, a professora Leides exibiu as ilustrações que ornam o livro, indicando a capa – O céu que não vemos 2 – de Lígia de Medeiros e arte a seguir – Preciosidades da UnB – de Elda Evelina Vieira.

Cícero escreveu De Senectute (Da Velhice), aos sessenta anos; Norberto Bobbio, também escreveu Da Velhice, aos oitenta anos; o ministro Evandro Lins e Silva, o seu O Salão dos Passos Perdidos, perto nos noventa anos. E me dizia, com seu ânimo sempre jovial, quando o cumprimentei por ter se tornado imortal logo que admitido na Academia Brasileira de Letras, que o que ele queria mesmo era ser imorrível.

A obra, com depoimentos de quem chegou e ultrapassou os 60 anos, para se identificar com a UnB, neste ano, sexagenária, mostra que a memória nos deixa imorríveis. O livro abre com uma epígrafe que bem diz sobre a sua motivação: ‘Minha máquina do tempo é feita com memória e palavras. Entrando na memória, eu voo para o passado. Escrevendo as minhas memórias, eu levo outros a voar comigo.’’ (Rubem Alves)

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.5

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

 

Direitos Humanos nas Entrelinhas das Crônicas de Carlos Drummond de Andrade

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

 

Luiza de Andrade Penido. Direitos Humanos nas Entrelinhas das Crônicas de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Blucher, 2022. 202 p.

 

                  

 

 Conforme a sinopse preparada pela Editora, o livro analisa como a temática de direitos humanos está expressa nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade, publicadas no Jornal do Brasil nos períodos de outubro de 1969 a outubro de 1970 e de setembro de 1983 a setembro de 1984. A seleção dos textos foi amparada na correspondência a dois momentos marcantes da ditadura civil-militar no Brasil: o governo Médici, fase conhecida como “anos de chumbo”; e a gestão de Figueiredo, caracterizada pelo crescimento das lutas pela democratização, como na campanha Diretas-já.

As relações entre direitos humanos e literatura, gênero crônica e opinião pública são alguns dos temas abordados. Em seguida, as crônicas drummondianas do período são categorizadas e analisadas conforme os direitos humanos que saltam do conjunto das publicações, como direitos às liberdades; à cultura e ao patrimônio; à participação efetiva da mulher; direitos econômicos e sociais; à democracia e à participação política e social.

A autora – Luiza de Andrade Penido – é graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília, e atua há dez anos como servidora pública na área de direitos humanos.

A Autora conforme se anota nesse registro biográfico desenvolveu a pesquisa da qual resulta o livro, no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, vinculado ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares – CEAM, da Universidade de Brasília, no qual sou professor. Lá a conheci, bem assim o seu projeto, em profundidade quando a dissertação foi submetida a banca examinadora, composta por seu Orientador Professor Menelick de Carvalho Netto, pelas Professoras Mariana Martins de Carvalho e Sinara Zardo e por mim.

Desde logo o trabalho me encantou. Pelo tema, articulando direitos humanos e literatura, nexo que me mobiliza, conforme se deduz das muitas recensões que elaborei aqui neste espaço, na medida em que vejo nessa relação – direito e direitos humanos, arte e literatura – uma racionalidade expressiva que permite ao discurso literário conduzir temas densos, e com linguagem persuasiva própria da retórica, traduzir o discurso epistemológico da ciência. Por isso dediquei à Dissertação uma atenta recensão, numa Coluna Lido para Você, para a qual remeto o leitor: http://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-nas-entrelinhas-das-cronicas-de-carlos-drummond-de-andrade/.

 

Volto a tratar do assunto com a publicação do livro porque entre a Dissertação e a sua edição há sempre um rearranjo, sabido que o só tempero já forja ineditismo como acréscimo de sentido, dá sabor, de modo que não seja só, lembra Roberto Lyra Filho, chover no molhado, nem deitar chuvisco, depois das chuvas copiosas (LYRA FILHO, Roberto. Pesquisa em QUE Direito?. Brasília: Edições Nair Ltda, 1984), sobre o que já foi escrito anteriormente. No mesmo texto, apoiando-se em Pascal, acresce que até as mesmas palavras, noutra ordem, constituem novas ideias e que as ideias antigas, noutro arranjo, formam um novo de corpo de doutrina.

É o que podemos aduzir do comentário da Autora na edição do livro:

Este livro surgiu a partir da minha dissertação de mestrado em Direitos Humanos e Cidadania na Universidade de Brasília – UnB, defendida em 2020. Embora a pesquisa e a escrita tenham durado dois anos, a escolha do tema passou por anos de maturação até se circunscrever em autenticidade, já que envolve atuação profissional (há dez anos atuo como servidora pública na área de direitos humanos), a formação como jornalista e também o amor pela literatura, em especial por Carlos Drummond de Andrade, autor cujas letras marcaram minha vivência familiar.

Ao longo da escrita, porém, o avanço da extrema-direita no poder e as ameaças do autoritarismo no Brasil transformaram a pesquisa em refúgio e busca de caminhos de resistência, ao investigar sobre como a literatura e o jornalismo podem se constituir elementos formadores de uma cultura emancipatória. O tema se revelou também inédito, uma vez que o viés específico dos direitos humanos não havia sido ainda tratado em Carlos Drummond de Andrade.

Ao analisar como os direitos humanos estão presentes nas crônicas drummondianas publicadas no Jornal do Brasil e como se integram a um movimento de abertura democrática, encontramos literatura e direitos humanos a iluminar-se mutuamente. Nas crônicas em que Drummond enlaçava leitoras e leitores para tecer uma civilização mais justa e igualitária, encontramos também alumbramentos para enfrentar os fundamentalismos da atualidade.

 

Já o Sumário do livro indica a continuidade da escrita na sua continuidade entre a Dissertação e a publicação do livro:

Sumário

Introdução

  1. Direitos humanos e literatura

Um lugar no diamante ético dos direitos humanos

Direitos humanos e literatura se enlaçam

  1. A crônica que aviva a opinião pública e afirma direitos

O direito achado no jornal

Literatura, jornalismo e cultura na ditadura civil-militar brasileira

  1. Direitos humanos nas entrelinhas drummondianas (1969-70/1983-84)

Breve trajetória do JB

“Drummond aqui entre nós”

Encontros entre os direitos humanos e as crônicas drummondianas

  1. O Sentimento do mundo nos jornais

“Cronista da ambiguidade”

Pelas lentes da Crítica

O lutador

Referências

Notícias, crônicas e artigos jornalísticos

Apêndice

No que me concerne, remeto ao texto de minha recensão no qual aludo inclusive, a satisfação de me ver localizado como referência teórica, entre Lynn Hunt e Joaquín Herrera Flores, os autores de ancoragem epistemológica de Luiza Penido. No que me diz respeito, a Autora quer sustentar o duplo enlace – o teórico e o político –  para a condução de sua análise. Me vejo íntegro no recorte que ela elabora, na página 27, sobretudo, de maneira mais ampla mas, notadamente, a propósito, nessa passagem:

Para a teoria, por meio das manifestações da rua, o direito alcança a positivação, concretizando-se em normativo reflexo das lutas por justiça social e equidade, com base legítima de movimentos e controles sociais. Dessa forma, o direito se desloca da norma e se coloca na rua, conquistada no interior do processo histórico, dialético e social, suas lutas e contradições, ao passo que adquire caráter concreto e plural, pois baseado no que pulsa na rua: o povo. Assim, o direito é visto por seu caráter transformador, capaz de alterar a lógica jurídica opressora, ao positivar demandas de novos movimentos sociais, formados por novos sujeitos de direito originários das ruas

Aqui ela remete ao meu (organizador) O Direito Achado na Rua: concepção e prática (Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2015). O recorte é preciso e ganha adensamento, no que se refere aos novos sujeitos de direito originários das ruas, na atualização mais recente conforme os consensos alcançados no Seminário Internacional 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua: O Direito como Liberdade (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (et al org). Série O Direito Achado na Rua volume 10: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Brasília: Editora UnB/Editora OAB Nacional, 2021).

Muito interessante, conforme o Sumário, que a Autora tenha aberto uma seção O Direito Achado no Jornal (p. 49-55). Assim que ela indica, na sequência de seu argumento, que ao “compreender que o Direito se constrói nas ruas, dentro da concepção de Roberto Lyra Filho e José Geraldo [de] Sousa Junior, encontramos o Direito que se constrói nos jornais, entendido como meio de comunicação de massa e, portanto, plataforma para compartilhamento e difusão, o que resulta, em última instância, na própria construção de um espaço público etéreo, mas que se concretiza ao balizar as lutas sociais travadas na rua”.

Reproduzo aqui o fecho de meu comentário sobre a sua dissertação, para reafirmar o meu sentimento de que Luiza Penido, com seu trabalho sensível, traz com delicadeza, e não só com esse gesto, um arremate para sua obra que vale como um desagravo, algo que ela traduz no mesmo sentimento de injustiça que move o Autor de sua estima, e que o projeta, diz um de seus interpretes, para o “máximo de espírito do tempo e da consciência possível com relação à sua época”. Ou, tal como ela inscreve na sua apresentação do livro que, “ao enfocar o perfil cronista e humanista de Drummond, o livro revela como os direitos humanos estão consistente e recorrentemente presentes nas crônicas do autor, constituídas por entrelinhas comprometidas com valores democráticos e libertários que foram difundidos no café da manhã de leitoras e leitores brasileiros durante o período de autoritarismo”.

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.