quarta-feira, 27 de abril de 2022

 

Democracia, Autoritarismo e Resistência: América Latina e Caribe

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

Democracia, Autoritarismo e Resistência: América Latina e Caribe. Roberto Bueno (Organizador). São Paulo: Editora Max Limonad, 2021

 

                  

                           

 

São fortes e enunciativas as designações do Professor Roberto Bueno, organizador da obra.

Este livro  – diz ele – foi concebido, escrito e organizado em tempos de radical crise que se abate sobre o Brasil e também sobre a América Latina e o Caribe, embora a gestação do colapso imposto à periferia ocorra em centros de poder globais. Estes são tempos em que recrudesce o autoritarismo em alta densidade sob a organização da classe privilegiada que ocupa os mais altos postos de poder e na burocracia do Estado, superando a fase de concepção e desenho do fenômeno neofascista para dedicar-se a sua implementação a partir do coração do império ocidental, os EUA, cuja decadência se expressa precisamente neste recurso do capital às estruturas do neofascismo que, paradoxalmente, alimentam as vias de resistência popular tanto no núcleo duro do império como na periferia.  A abordagem deste fenômeno e suas decorrências em diversas áreas da vida humana foi o objetivo do organizador desta obra coletiva e proposto para todos os(as) autores(as) no sentido de contemplar tal perspectiva em seus textos desde o recorte metodológico escolhido em suas áreas de especialidade, tanto do ponto de vista histórico como de sua aplicação prática”.

Esse é o sentido e alcance dos textos e das leituras dos autores e autoras convocados para compor a obra, na medida crítica que transparece do seu Sumário:

Apresentação, Roberto Bueno

Prefácio – As Razões da América Latina, Maria Cecília Pedreira de Almeida

Prefácio – Os Desafios para a Democracia na América Latina, Delamar José Valpato Dutra

Prefácio – Os Povos Indígenas como Prova das Contradições e Limites do Discurso Institucional Brasileiro, Luís Filipe Trois Bueno e Silva

Posfácio – Por uma Assembleia Popular Instituinte: uma constituinte especificamente política é a melhor solução para nossa crítica, Willis Santiago Guerra Filho

Estudo Introdutório – A recolonização da América Latina: o grande saque imperial, Roberto Bueno

Capítulo I – Determinaciones del Estado dependentiente y razones de las rupturas políticas, Jaime Sebastián Osorio Urbina

Capítulo 2 – A lógica neoliberal e a desconstrução da democracia, Roberto Bueno

Capítulo 3 – Ontologia e soberania: reflexões sobre Agamben e Negri, Miroslav Milovic (in memoriam)

Capítulo 4 – La economia política de lo público y lo privado em la transición al socialismo em Cuba, Jaime Gabriel García Ruiz

Capítulo 5 – Fórmula e formação: deficiências deialéticas para a revolução brasileira, Clarisse Gurgel; Frederico Duarte Irias

Capítulo 6 – Necesidad y possibilidad de la democracia em América Latina del siglo XXI, Edgardo R. Romero Fernández

Capítulo 7 – Civilização e barbárie: sobre resistência e desobediência na América Latina, Caio Henrique Lopes Ramiro

Capítulo 8 – Democracia racial y formas de blanquitud, Ángel Octavio Álvarez Solis

Capítulo 9 – La guerra contra el terrorismo, Rodrigo Karmy Bolton

Capítulo 10 – El pueblo que deviene em población y la emergencia del movimiento feminista en las democracias actuales, Natalia Paz Morales Cerda

Capítulo 11 – O direito de existir como pessoa no mundo do trabalho: o eterno retorno do direito do trabalho, Alessandro Severino Valler Zenni

Capítulo 12 – Ativismo judicial e Estado de exceção: apontamentos a partir da politização da Lava Jato, Victor de Oliveira Pinto Coelho

Capítulo 13 – Autoritarismo líquido e exceção, Pedro E. A. P. Serrano

Capítulo 14 – Democracia y derecho al voto em el Perú: encuentros y desencuentros, Ada L. D. Paccaya; Dennis J. Almanza Torres

Capítulo 15 – Chile: la democracia desafiada, Claudia Heiss Bendersky

Capítulo 16 – Latinoamericanidade, lugares políticos, reencontro de humanidades, José Geraldo de Sousa Junior

Capítulo 17 – Por entre questionamentos às irregularidades: em busca do diálogo, Erika Ribeiro de Albuququerque

Capítulo 18 – A soberania econômica e o desmonte do Estado no Brasil, Gilberto Barcovici

Capítulo 19 – A produção intensificada da desigualdade social na América Latina pelos capitalistas financeiros rentistas, Joelma Lúcia Vieira Pires

Nota biográfica dos (as) autores (as)

 

Esse elenco e respectivos temas traduzem, diz o Organizador,  “o objetivo declarado de refletir sobre as condições históricas e as consequências do avanço do neofascismo na América Latina e as formas de resistência que incluem os notáveis esforços no Caribe foram convidados especialistas de diversas áreas, do direito à história, da sociologia e à filosofia, da ciência política à economia. Embora com extensão insuficiente para a complexidade do tema proposto o planejamento deste livro contemplou especialistas originários de tradição intelectual e formação acadêmica a qual pertencem ademais dos(as) autores(as) do Brasil, do Chile, Cuba e México. Resta projetada a expectativa de que proximamente seja publicado segundo título com idêntica proposta a esta presente publicação com abordagens teórico-analíticas que contemplem as vicissitudes dos dias e dos tempos, e que, paralelamente, tomem por preocupação a dimensão normativa do ponto de vista filosófico-política, do que é exemplo o capítulo 7 intitulado “Civilização e barbárie: sobre resistência e desobediência na América Latina”, assinado por Caio Henrique Lopes Ramiro.

Os textos incluídos neste livro têm em comum a preocupação com o autoritarismo nas diversas formas que pode assumir historicamente. Ao longo do livro os autores(as) elaboram e analisam conceitos centrais da política nos países periféricos e como a dominação instruída a partir do imperialismo se concretiza na área econômica, sociológica, etc., especialmente em seu movimento de pressão e cooptação realizado na América Latina. Há diálogo interno entre os autores(as) sobre a emersão dos conceitos de ditadura e Estado de exceção, que aparecem horizontalmente em diversos capítulos que compõem o livro”.

O perfil dos processos políticos autoritários ora em curso e seu esforço por solapar os fundamentos da democracia guarda similaridades em diversos países, sugerindo sua elaboração por uma matriz comum. A sua elaboração e aprofundamento encontra expressão concreta nas políticas adotadas pelo decadente império norte-americano para a América Latina e Caribe, mas também por suas estratégias subterrâneas de dominação dos países da região. A preocupação e o ataque a esta tradição e seus referenciais antilibertários são calçados nos princípios de reconhecimento da soberania política popular, e este é um dos pontos da análise do capítulo 9 intitulado “La guerra contra el terrorismo”. Assinado por Rodrigo Karmy Bolton, o texto articula a crítica sobre a política externa imperialista com os seus instrumentos implícitos de controle e domínio global, caracterizados por seu perfil de interesses eminentemente econômico orientado a partir de seu complexo industrial-militar conduzido a concretizar guerras de dominação cuja lógica interna requer incessante acionamento.

Tal como é possível observar no livro, o eixo teórico e analítico em torno do qual oscilam os textos incluídos neste livro é a preocupação, explícita ou implícita, com a alienação de riquezas nacionais em detrimento do favorecimento de potências estrangeiras, a preocupação com a emasculação da soberania, virtualmente alienada em favor dos interesses da grande potência imperial que espraia a sua decisiva influência tanto através de pressões comerciais quanto militares. Estas últimas são hoje expressas por meios distintos do que os de antanho através de golpes militares. Hoje as pressões militares ocorrem por meios distintos, tendo a inteligência e o mundo digital como eixo coordenador do projeto de (re)colonização, alerta que aparece já no Estudo Introdutório deste e intitulado “A recolonização da América Latina: o grande saque imperial”, texto que tem por foco o que o título expressa com clareza, a saber, a pressão expropriatória realizada pelos EUA sobre a América Latina e Caribe, sem prejuízo de outras áreas do globo em que sobressaiam seus interesses econômicos e geopolíticos.

            Como se nota no sumário, contribuo com um texto, originado de intervenção que fiz, com o mesmo título, no  XXIII Congresso Internacional de Humanidades (janeiro de 2021), realizado sob os auspícios da UnB (Instituto de Letras)  e  da Faculdade de Historia, Geografía e Letras da UMCE (Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación) do Chile. Minha participação se deu na qualidade de Conferencia Inaugural do Congresso. O tema do Congresso:  Poder, Conflito e Construção Cultural nos Espaços Latino-Americanos. 

Eu pretendia fazer aqui uma síntese de meu ensaio, mas não resisto a aproveitar lisonjeado, a que o próprio Organizador, dileto amigo, preparou para a edição:

            “O livro é encerrado em seu capítulo 16 com texto de José Geraldo de Sousa Junior que evoca a cultura latino-americana que este livro sugere ser a chave para a afirmação da soberania latino-americana por intermédio da constituição de identidade cultural com reflexos políticos imediatos capazes de alavancar a unidade popular afirmada estavelemente sobre a diversidade mas não cristalizadamente. A riqueza da heterogeneidade cultural latino-americana precisa ser afirmada e defendida através de ancoragem em pontos de convergência políticos capazes de reunir o continente e marcar a homogeneização relativamente à política externa. Esta é via eficiente para consolidar a soberania nacional dos países da América Latina através do estreitamento das relações internacionais de bloco de poder continental.

Intitulado “Latinoamericanidade, lugares políticos, reencontro de humanidades”, o texto de Sousa Junior é sugestivo sobre aspectos culturais e políticos, pois à partida sugere a necessidade de “nos constituirmos um espaço comum latino-americano social e político”. Tal forja comunitária pressupõe menos a superação de dificuldades culturais e interesses comuns divergentes do que, em verdade, o empenho político popular e da superação e final derrota dos interesses da elite de cada um dos países da região cooptadas pelo poder imperial.

O sonho do desenvolvimento coletivo da América Latina esbarra no propósito imperial de dar continuidade ao projeto expropriatório que reclama a aplicação de métodos e estratégias para dar azo a drenagem incessante das riquezas da região, evitando destiná-la ao seu próprio povo. Enfrentar esta continuidade da política invasiva imperial pressupõe a formação da comunidade de afetos para a qual alerta Sousa Jr., que desperte para a aspiração comum para horizonte coletivo. Aponta o autor que dispomos de diferenças que nos separam enquanto povos latino-americanos, mas é preciso reconhecer este como um elemento característico da riqueza que potencializa a união da diversidade sob horizonte compartilhado e não da debilidade que fomenta a homogeneidade”.

Um registro final que insisto em fazer é sobre a participação de Miroslav Milovic na edição. Conforme Roberto Bueno, o Organizador, esclarece em nota, o “livro já se encontrava em avançada fase de produção quando ocorreu o falecimento do grande colega e excepcional intelectual Miroslav Milovic (1955, Iugoslávia), por motivos decorrentes da Covid-19, no dia 11 de fevereiro de 2021. Miroslav concluiu seu doutoramento em Filosofia na Universidade de Frankfurt em 1987, e um segundo doutoramento em Estado na Universidade Sorbonne, Paris IV, já no ano de 1990. Foi professor de Filosofia em seu país natal e também na Turquia, Espanha e Japão. Entre nós desempenhou funções docentes na Universidade de Brasília (UnB), inicialmente na Faculdade de Filosofia e, posteriormente, como professor Titular da Faculdade de Direito, ministrando aulas na graduação e pós-graduação”.

A referência é, pois, in memoriam. Mas não só, como está na Apresentação, aludindo a essa contribuição, “Milovic chama atenção para a leitura schmittiana de Agamben assim como para os ataques contra a cultura das democracias liberal-parlamentares e o conjunto de sua estrutura normativa, sendo notável a relativização de seu poder de controle sobre os fatos, a respeito do que Milovic é claro ao ancorado em Schmitt destacar que não é o caos não pode ser contido com normas, nem são elas exatamente que o introduzem, senão que está na esfera política e, segundo a gramática schmittiana, na decisão soberana, cujas fronteiras de ação são maleáveis, ora atuando sob a lei, ora sobre ela, não sendo raro que a exceção seja tornada a regra, confirmando assim a relevância da continuada análise sobre as formas de autoritarismo que os diferentes capítulos deste livro, de uma ou outra forma, se preocupam em desenvolver”.

Aproveito para me juntar ao preito saudoso do grande intelectual e colega. A seu respeito, logo do impacto de seu sacrifício na ara de um desgoverno necropolítico, que deixa algo de podre aqui (Hamlet, ato I, cena IV), não posso deixar de dar atenção ao risco de despolitização a que adverte Miroslav. Projetando essa ordem de preocupação, anoto o que diz em obra recente, o livro Política e Metafísica, de 2017, tecendo críticas aos processos de globalização, o quanto eles se desenvolvem como “forma de colonização do mundo”, até para advertir as opções que se colocam para o Brasil, nesse processo, afirmando que “o futuro do Brasil não é seguir os caminhos estabelecidos e metafísicos da globalização. Isso seria muito estranho”, pois, “um país tão grande ficar como uma pequena nota de rodapé na história“.

Claro que em seu pensamento filosófico, muito mais instigado por uma percepção sistêmica, racional ao impulso espiral dos grandes processos, hegelianamente falando, Miro se propunha pensar o Brasil num movimento dialético inscrito na historicidade. Não podia sequer imaginar que se pusesse intencionalmente numa vocação redutora para descer ao nível de rodapé, tangido pelo banal malicioso convertido em ação política. Quem poderia imaginar esse regresso? Esse suicídio histórico? Essa politização despolitizadora do social?

Penso que na obra que Roberto Bueno gestou e que agora vem a lume, há uma advertência próxima a que faz Miroslav. Mencionei isso em texto de homenagem (https://www.ihu.unisinos.br/sobre-o-ihu/78-noticias/606856-miro-compromisso-com-a-filosofia-politica-e-o-mundo). Ao ferir a questão da despolitização da modernidade como um sintoma de tipo de fenômeno profundo de nosso tempo, Miro apontava para o que considerava um fenômeno característico de nosso tempo, a despolitização, indicando a exigência de reinvenção da política como perspectiva de articulação das novas subjetividades.

Com ele é também sobre essa condição dramática que devemos estar mobilizados não só para discernir, mas  para agir. Lembra Miroslav, em aguda entrevista que concedeu ao sítio IHU Unisinos, para a EDIÇÃO 438 | 24 MARÇO 2014, na inteligente instigação de Márcia Junges e Ricardo Machado, afinal resumidas no título que indexa seus comentários: “Contemplar para compreender, entender a si mesmo para fazer o bem”, pois, para Miro, “agir no mundo requer, antes de tudo, saber o que é o mundo, o que é a própria natureza, para nos entendermos”. Por isso ele diz: “Tantos crimes, mas quase sem culpados. O indivíduo que não pensa e se torna cúmplice dos crimes: essa é a banalidade do mal diagnosticada por Hannah Arendt como a consequência dessa tradição filosófica que quase mumificou a estrutura do ser e nos marginalizou”.

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

 


 


sábado, 23 de abril de 2022

 

Termidor 9; outubro 2. J’Accuse

  •  em 



O 9 Termidor ou a Queda de MaximilienRobespierre refere-se à série de eventos que começam com o discurso de MaximilienRobespierre na Convenção Nacional no 8 Termidor do Ano II, sua prisão no dia seguinte e sua execução no 10 do Termidor.

 

Anote-se que nem a execução retirou de Robespierre a reputação de incorruptível. Não era disso que se tratava, mas a percepção de sua inclinação sem freios para o despotismo, a tirania, a exceção, o exercício desequilibrado de uma potestade acentuada em relação aos demais poderes da República, sustentado por um Comitê de Segurança Pública destacado da própria institucionalidade, transformado em instrumento de terror que não excluía caracterizar o poder executivo, encarnado em sua pessoa, como se fora propriamente um assassino.

 

Montado nesse dispositivo prepotente, Robespierre se sentia intocável, inalcançável em sua posição de poder, incorrigível. Assim que no dia 8 do Termidor fez seu discurso ameaçador perante a Convenção, visando adversários, certo de se sentir inatingível, para preservar seus aliados e constranger seus supostos inimigos.

 

Qui ouse accuserRobespierre! Tal o tom de sua arrogância.

 

O que se viu foi no framir da insurreição, na voz trêmula de um Billaud-Varenne, de um Collot d’Herbois, de um Tallien, o chega, não dá mais, a recusa a viver sob tirania: J’AccuseRobespierre!,“aspirante à ditadura”.

 

O que se seguiu é História. O que se seguiu foi a prisão de Robespierreno dia seguinte e sua execução no 10 do Termidor (28 de julho de 1794). Junto com ele foi executado Saint-Just / Louis-Antonie de Saint-Just, Georges Couton e outros vinte robespierristas e 87 membros da Comuna de Paris, colocando fim ao descaminho institucional, ao despotismo, ao milicianismo (Milícias de Paris), ao terror.

 

Por aqui, do mesmo modo, atingimos o nível de chega, do não dá mais. Depois de impugnações de chapas em sede eleitoral, de mais de uma centena de petições de impeachment em sede legislativa, de ações cíveis para afastamento por incapacidade, de inúmeras ações constitucionais que vão do pedido de responsabilização à declaração de estado de coisas inconstitucional, em sede judicial, de 663 mil mortes em decorrência da pandemia (Pesquisas apontam que 400 mil mortes poderiam ser evitadas, conforme https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/06/24/pesquisas-apontam-que-400-mil-mortes-poderiam-ser-evitadas-governistas-questionam, em depoimento recolhido pela CPI da Pandemia no Senado), chega-se ao inusitado de um decreto presidencial de concessão de graça (perdão individual) a réu-deputado,menos de 24 horas depois de condenação pelo STF, que estabeleceu pena de reclusão e cassou os seus direitos políticos pelas condutas e atos atentatórios à democracia e ao Estado de Direito.

 

A reação nos meios jurídicos é de repúdio, combinando argumentos políticos e jurídicos. Por todas as manifestações tomo a que foi notificada pelo IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros,a mais tradicional entidade jurídica das Américas (fundado em 1843),por meio de nota assinada pelos presidente nacional, Sydney Sanches, e pela ex-presidente Rita Cortez, representando a mim e aos meus confrades e consorores:

 

 

O inusitado decreto busca justificativa na suposta violação à imunidade parlamentar e à liberdade de expressão. Tais requisitos são importantes para o exercício independente dos mandatos de deputados e senadores, mas não devem ser exercidos ou apropriados para atentarem contra as instituições nacionais e o Estado Democrático de Direito. Por certo, é prerrogativa da presidência a concessão de graça e indulto, cujos institutos, que devem sempre atender à impessoalidade, servem para restaurar a liberdade daqueles que preencham os requisitos exigidos pela Lei Penal e pela Constituição.

 

 

 

Todavia, neste caso, houve deliberada deturpação do espírito da norma, com o objetivo de atender a posicionamento ideológico e proteger aliado político do presidente, em franco desvio de finalidade, o que viola o artigo 37 da Constituição. O inapropriado interesse do presidente da República em desautorizar e colidir com o Supremo Tribunal Federal macula o pilar da independência entre os poderes, fere a democracia e visa a inaugurar nova crise, gerando sério risco de ruptura institucional em desfavor das liberdades e das conquistas constitucionais.

 

 

A conduta é gravíssima! As instituições e as forças democráticas do País não deverão limitar-se a repudiá-la por atentar contra os princípios constitucionais, mas precisarão impedir, de forma conjunta, qualquer tentativa de prática de ato antidemocrático. O IAB reafirma seu compromisso com a intransigível defesa do Estado Democrático de Direito, acredita na superação de mais um momento de confrontação não republicana criado pelo chefe do Executivo e manifesta sua plena solidariedade e irrestrito apoio ao STF e aos seus ilustres ministros, na certeza de que os ditames constitucionais irão prevalecer e a democracia permanecerá hígida e firme”.

 

 

Esse é um libelo de quem não tem o direito de calar. É um j’accuseque o social lança contra quem subverte a soberania popular, a precedência da Constituição e os fundamentos democráticos. O institucional não pode subtrair-se a sua responsabilidade, e em último sufrágio, o nosso 8 Termidor, será em 2 de outubro.

 

 

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

 

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

 

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).


quinta-feira, 21 de abril de 2022

 

             O que não falei sobre Brasília, o tempo dirá por mim¹
< Artigos

Luara Borges Dias, advogada de LBS Advogados

 

Certa vez, contaram-me a história de um seringueiro, filho de pessoas escravizadas, que sentia uma inexplicável atração pelo Norte do Brasil. Que durante suas andanças não entendia muito bem o porquê, mas sabia que era para lá que deveria seguir. Seguiu. E se tornou um mestre espiritual.

 

Essa mesma mística parece ter guiado o padre São João Bosco a indicar um lugar, próximo ao lago, entre os paralelos 15 e 20 do hemisfério sul, onde seria a Capital do Brasil. Aqui na cidade dos planos conheço um cigano que não se enganou.[1] Pronunciou na leitura: "a cabeça pensa onde pisam os pés".[2] Uma profecia? Por que pensar com os pés em Brasília?

 

Por que a cabeça pensa rodeada de vermelho, rosa, laranja, amplo, aberto, a noite, iluminado céu de Brasília? Céu de Brasília, traço do arquiteto, gosto tanto dela assim![3]

 

Se falar do céu de Brasília é clichê, deve ser dos clichês mais bonitos.

Mas mais bonitos que ver florescer os ipês? Roxo, rosa, amarelo e finaliza com o branco, a cerejeira do cerrado.[4]

 

Mas mais bonitos os ipês ou as margaridas? Em Brasília as margaridas marcham!

 

A cabeça pensa onde pisam os pés. Então serão as marchas? Os protestos? As greves? Os breques?

 

Será andar entre os pilotis, estar nos sindicatos, deitar no gramado infinito da esplanada?[5]

 

Crescer na Colina? Caminhar na UNB?[6] E como essa, descentralizar Brasília?

 

É com certeza para pensar plural, escutar com todos os sotaques, viver no mesmo dia com tanta gente cultural e regionalmente autêntica, diferentes entre si, magicamente conectadas. É para viver, candango!

 

Candango, palavra musicada: Oi você, que vem de longe caminhando há tanto tempo. Que vem de vida cansada carregada pelo vento. Oi você, que vai chegando, vá entrando tome assento.[7]

 

Brasília, também musicada: Legião Urbana, Natiruts, Móveis Coloniais de Acaju.

 

Brasília de GOG, do Brasil com P.

 

Brasília de Ellen Oléria, Flora Matos, Bia Ferreira: cota não é esmola.[8]

 

Brasília da UNB, a pioneira.[9]

 

Brasília de Darcy Ribeiro, d'o povo brasileiro.

 

Brasília da NAIR. Brilhante, luminosa, cheia de luz.

 

Brasília de Direito Achado na Rua, do direito como liberdade, a mais marginal das poesias que pude encontrar bem no meio da rua. E são muitas poesias na rua:  Não tem lei que cale as ruas.[10]

 

Brasília dos movimentos sociais, coletivamente organizados na busca por liberdade.[11]

 

Brasília de ocupações: música na piscina, Vila Telebrasília (aqui tem história, faixa na entrada[12]), Acampamento Terra Livre, livre e atemporal.

 

Brasília de minhas amigas e amigos de todos os cantos. Em todos, encantos.

 

Brasília candanga, de quem escolha estar e se deixa ficar.

 

Brasília das oportunidades, mas das desigualdades.

 

Norucongo.[13] Por isso, Brasília, há de ser permanente palco planalto da incessante luta por libertação e liberdade.

 

(Então não é mística, é liberdade? É liberdade mística?)

 

 Ah, minha Brasília! Brasília nossa!

 

"Quase que me sinto em casa em meio a suas asas"[14]: sinto sem quase.  

 

 

De São José do Rio Preto para Brasília, 21 de abril de 2022.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

[1] Música Brasília, de Sérgio Sampaio.

 

[2] Frase dita pelo Prof. José Geraldo em uma das aulas na disciplina "O Direito Achado na Rua".

 

[3] Música Linha do Equador, de Caetano Veloso e Djavan.

 

[4] Samantha Braga Guedes.

 

[5] Meilliane Pinheiro.

 

[6]  Danielle Almada Rodrigues.

 

[7]  Poema Vento de Maio, de Torquato Neto.

 

[8]  Música Cota não é esmola, de Bia Ferreira.

 

[9]  Artigo "As universidades e seu papel para a promoção da cidadania e a defesa dos direitos fundamentais", Márcia Abrahão Moura e Mônica Nogueira. Volume X da Série "O Direito Achado na Rua".

 

[10]  Um dos muros citados em Descobri que as formigas gritam, artigo de Raquel Bartholo no livro Cuidadania - Construir coletivamente o igual no diferente.

 

[11]  Referências das aulas com Prof. José Geraldo na disciplina "O Direito Achado na Rua".

 

[12] Idem.

 

[13]  Termo utilizado pelo Prof. Isaac Roitman para explicar a gritante desigualdade do DF: Lago Sul com IDH maior que da Noruega, Estrutural com IDH menor que o Congo. Disponível para leitura em: https://www.abc.org.br/2014/02/11/norucongo-no-quadrilatero/.

 

[14] Música Brasília, de Sérgio Sampaio.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

 

Direitos Humanos & Covid-19, vol. 2. Respostas Sociais à Pandemia

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Direitos Humanos & Covid-19, vol. 2. Respostas Sociais à Pandemia. José Geraldo de Sousa Junior, Talita Tatiana Dias Rampin, Alberto Carvalho Amaral (orgs.). Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2022, 918 p.

 

                           

 

         Já publicado, com lançamento marcado para o dia 28 de abril, em evento presencial com protocolo sanitário, a D’Plácido ilustra seu catálogo com esta obra seminal. Aliás, formando um conjunto, em dois volumes, ambos com Prefácio de Boaventura de Sousa Santos, abrindo uma perspectiva singular de abordagem crítica da pandemia, a partir do contexto dos vulnerabilizados (vol. 1) e com o protagonismo social em face da pandemia, respostas de nós por nós (vol. 2), quando o governamental colapsa ou assume disposição negacionista, anti-povo, contra a vida, associada aos negócios em subordinação ao econômico e ao mercado.

            Lançado no ano passado, o volume 1 vem cumprindo uma boa fortuna, emprestando seu conteúdo para programas acadêmicos na área de direito à saúde, direito sanitário e bioética. O seu lançamento, no crescendo da pandemia, foi virtual, em formato de seminário ou roda de conversa. Sobre esse volume conferir aqui neste espaço – Lido para Você – a resenha: http://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-e-covid-19/ e no Blog de O Direito Achado na Rua (www.odireitoachadonarua.blogspot.com). Assim como na rica e expressiva apresentação que pode ser conferida na live de lançamento: https://www.youtube.com/watch?v=0j6-JRRBVFU. Ver também entrevista sobre a obra no Programa UnBTV Entrevista Em Casa: (https://www.youtube.com/watch?v=RH3KmMvauS4).

            Os eixos que organizam a obra e que servem de fio condutor são deduzidos do chamamento proposto no Prefácio a cargo de Boaventura de Sousa Santos  e da Apresentação que fizemos os Organizadores, tal como enunciado no Sumário do Livro, com a designação ao lado, das autoras e dos autores:

Da participação à pertença, ideias emprestadas a título de prefácio ao livro Direitos Humanos & Covid-19: respostas sociais à pandemia, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS.

Direitos Humanos e Covid-19: resposta sociais à pandemia, JOSÉ GERALDO DE SOUSA JUNIOR, ALBERTO CARVALHO AMARAL e TALITA TATIANA DIAS RAMPIN    

PARTE 1 – Quando o Estatal colapsa é o social organizado que institui direitos: nós por nós         

A história contada da pandemia em Paraisópolis: um registro da experiência da UDMC, ANA DO CARMO CARDOSO COSTA, ETEVALDO ALVES DA SILVA, JOSÉ MANOEL DA SILVA, JOSÉ MARIA LACERDA OLIVEIRA, LOURIVAL ZACARIAS ALVES, MARIA BETÂNIA FERREIRA MENDONÇA e WILLIAM BASTOS DE OLIVEIRA

Direitos Humanos e pandemia: solidariedade ativa, EUZAMARA DE CARVALHO e MARÍLIA LOMANTO VELOSO

Pandemia do coronavírus e organização social: respostas exitosas das comunidades periféricas, ANA PAULA DALTOÉ INGLÊZ BARBALHO.

Migrar para sobreviver ou sobreviver para migrar: o deslocamento de venezuelanos no Brasil em tempos de pandemia, MERILANE PIRES COELHO        

Conviver para viver: formação e atuação das Mulheres Coralinas no enfrentamento aos efeitos perversos da pandemia do coronavírus, ADRIANA ANDRADE MIRANDA, EBE MARIA DE LIMA SIQUEIRA e NAIR HELOISA BICALHO DE SOUSA   

PARTE 2 – Quando a universidade é pública, a pesquisa e a educação não se submetem ao mercado, não se mercadorizam     

Solidariedade, Direitos Humanos e extensão popular em tempos de pandemia, ADDA LUISA DE MELO SOUSA,         KELLE CRISTINA PEREIRA DA SILVA, MARCOS VÍTOR EVANGELISTA PRÓBIO, MARIA ANTÔNIA MELO BERALDO, MOEMA OLIVEIRA RODRIGUES e RAYSSA CAVALCANTE MATOS        

Projeto vez e voz: a extensão universitária popular trabalhando a prevenção ao tráfico de pessoas na pandemia da Covid-19, HELENA PEIXINHO CAMPOS, LAERZI INÊS DE SOUZA CHAUL, LUDMILLA NAIVA CERQUEIRA, ROSA MARIA SILVA DOS SANTOS, SABRINA BEATRIZ RIBEIRO PEREIRA DA SILVA e YASMIM FERREIRA DE SOUSA  

Promotoras Legais Populares: relato de experiência, CARLA ADRIANA OLIVEIRA SILVA , CAROLINA FREIRE NASCIMENTO, CLÉIA PEREIRA DE SOUSA FERREIRA, ERIKA SILVA FIGUEREDO , JANAÍNA DA SILVA RODRIGUES, LAERZI INÊS DE SOUZA CHAUL, LUDMILLA AMARAL PONTES, MARIA LAURA ROMERO, NARA MENEZES SANTOS, ROSA MARIA SILVA DOS SANTOS, SHEILA DE SOUSA OLIVEIRA, SONIA MARIA HAUTSCH REINEHR e TALITA TATIANA DIAS RAMPIN

O compromisso social das universidades públicas na construção de estratégias de enfrentamento à Covid-19, OLGAMIR AMANCIA FERREIRA     

“Existirmos, a que será que se destina?”: notas reflexivas sobre Direitos Humanos em tempos de Bolsonarismo, GILMARA JOANE MACÊDO DE MEDEIROS              

PARTE 3 – Quando o mundo do trabalho confronta o capital e defende a vida

O sindicato cidadão: a campanha “petroleiro solidário” como instrumento de conscientização e consciência de classe

Circuitos do capital, desigualdade, fome e doenças: agronegócio e pandemia desde o capitalismo dependente periférico brasileiro, HELGA MARIA MARTINS PAULA, LARISSA CARVALHO OLIVEIRA, KAROLINA DADU NUNES, CLAUDIA CRISTINA NASCIMENTO, JULYANA MACEDO REGO e LAÍSA MIRANDA SANTOS

A mulher no mercado de trabalho e os entraves impostos pela pandemia, MARINA JUNQUEIRA DE FREITAS, RENATA SILVEIRA VEIGA CABRAL         

Trabalho teleguiado por meios eletrônicos: quando o novo é a repetição do velho modo da expropriação do trabalho vivo pelo capital e não desnatura a relação de emprego, GRIJALBO FERNANDES COUTINHO e CATHERINE FONSECA COUTINHO    

Pandemia da Covid-19 e profissionais da saúde no Brasil: desafios e violações de direitos vivenciados por trabalhadoras/es da linha de frente, LUCIANA LOMBAS BELMONTE AMARAL          

Negociar para sair da crise: resistência do movimento sindical e sua redescoberta como ator necessário para o enfrentamento das consequências da pandemia para o trabalho JOSÉ EYMARD LOGUERCIO, FERNANDA CALDAS GIORGI e ANTONIO FERNANDO MEGALE LOPES

Denúncias de trabalho escravo – Direitos e resistências das trabalhadoras domésticas na pandemia, ENEIDA VINHAES BELLO DULTRA, MYLLENA CALASANS DE MATOS e ADRIANA ANDRADE MIRANDA      

As Centrais Sindicais no enfretamento da crise sanitária do novo coronavírus, CLEMENTE GANZ LÚCIO          

PARTE 4 – Quando a crise sanitária constata os limites do sistema de justiça e problematiza a justiça a que quer acesso    

Do vírus à jurisdição: notas sobre a pandemia e a relação ‘justiça e direitos humanos’ a partir das ADPFs 709 e 742 no STF, ROBERTA AMANAJÁS MONTEIRO e ANTONIO ESCRIVÃO FILHO 

Justiça comunitária e o acesso à justiça na pandemia, LARISSA ESTEVAN RODRIGUES DA SILVA

Disputa de narrativas e hermenêutica constitucional: ADPF 822 e a declaração do “estado de coisas inconstitucional” na gestão da saúde pública na pandemia, JOSÉ EYMARD LOGUERCIO, MAURO DE AZEVEDO MENEZES e RICARDO QUINTAS CARNEIRO          

Direitos emergentes: violações a preceitos fundamentais dos Povos Quilombolas e luta pela imunização da população quilombola em contexto de pandemia, VERCILENE FRANCISCO DIAS

O protagonismo indígena na defesa da vida: a pandemia da Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira, RENATA CAROLINA CORRÊA VIEIRA e MARIVELTON BARROSO BARÉ         

PARTE 5 – Quando a resposta social à pandemia pede um novo paradigma para a institucionalidade e a governança 

Cidadania, políticas sociais e a pandemia de Covid-19 no Brasil: um olhar popular latino-americano, PAMELA MOTA CONTE CAMPELLO e GLADSTONE LEONEL JÚNIOR  

“Toda prisão é crueldade, tem corpo e cara da tristeza”: medidas de enfrentamento à Covid-19 e o sistema manicomial carcerário da Paraíba, LUDMILA CERQUEIRA CORREIA e OLÍVIA MARIA DE ALMEIDA         

Resistência e a afirmação de direitos humanos no enfrentamento à sindemia COVID-19, o caso do Consórcio Nordeste no Brasil, ARIADNE MURICY BARRETO, EVA MARIA DAL CHIAVON e PAULA RAVANELLI LOSADA   

Direitos Humanos e Covid-19: a Fiocruz e as respostas à pandemia, SWEDENBERGER DO NASCIMENTO BARBOSA, MARIA FABIANA DAMASIO PASSOS e LEANDRO PINHEIRO SAFATLE     

China, Cuba e Pandemia: o socialismo no enfrentamento à Covid-19, DANIEL ARAÚJO VALENÇA, THIAGO MATIAS DE SOUSA ARAÚJO e GUSTAVO FREIRE BARBOSA  

A Defesa da moradia na pandemia: uma análise sobre a aprovação do projeto de lei que suspende despejos durante a crise sanitária da Covid-19, NATÁLIA BONAVIDES e LORENA CORDEIRO.

 

            De certo modo, o segundo volume dá continuidade aos enunciados propostos no primeiro volume. O texto dos Organizadores que abre o primeiro volume (os mesmos Organizadores editam o segundo volume): estabelece a filiação da obra: “          O texto dos organizadores, que abre o livro, está assim resumido: “a partir dos pressupostos teóricos de O Direito Achado na Rua e visualizando as mudanças drásticas de rotinas, vidas e relacionamentos, o texto procura situar o acesso à justiça em tempos de pandemia do Covid-19, problematizando uma situação de isolamento que é marcada pelas dessemelhanças estruturais, que fragiliza ainda mais os grupos socialmente. Compreender o acesso à justiça exige, com ainda maior força, visualizar para além da letra positivada e visualizar o não-dito, mas socialmente inegável, na busca de minorar a exclusão de direitos dos excluídos. E ainda que se tenha, em tempos de pandemia, a rua sensivelmente esvaziada, já que são preenchidas, com todos os riscos e adversidades inerentes, pelos necessitados, precarizados, obrigados a se expor para garantir uma condição mínima para si e sua família, ao lado dos impertinentes negativistas, negadores e afrontadores, que amealharam uma discussão política mais profunda em um triste episódio de desrespeito à razoabilidade, sem qualquer empatia para os demais e, pior, sem qualquer estima por sua própria situação e das pessoas próximas a si.  Mas se a rua é esvaziada, de outro lado, esta rua indiscutivelmente irá adentrar nos lares e os locais, antes públicos, são publicizados por formas diversas, que acabam por ressignificar e reposicionar questões históricas e sentidos novos” (http://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-e-covid-19/).

 

                           

 

                           

         Na divulgação, a Editora pôs em relevo na sua página web um recorte do Prefácio de Boaventura de Sousa Santos que é como uma senha para a sua compreensão: “Uma lição que a história pode nos ensinar se estivermos dispostos a aprender, nessa quadra em que a pandemia parece acentuar a deriva da participação da pertença, sobretudo no colapso que os governos autoritários e antipovo revelam, é a que encontramos nas respostas sociais, autogestionadas, comunitárias que os movimentos e organizações sociais estão a oferecer. Neste livro há uma boa mostra dessas respostas, que representam um alento para conter a deriva, extremamente dramática, na realidade brasileira”.

            Para nós os Organizadores, o fracasso na gestão da pandemia, por incompetência e por malícia, põe em risco a saúde do povo e a própria democracia. O livro busca responder a questões que nos fazemos, a partir de uma indagação básica: “Estaremos, então, dados à destruição, assim como nossa democracia? Acreditamos que não”.

            Para nós, a pandemia reforçou o nosso entendimento de que é necessário transformar a realidade a partir da revisão da forma como realizamos nossa reprodução social. Construir outro modelo de sociedade é tarefa imperativa, inclusive, enquanto espécie. E essa transformação, a nosso ver, vem sendo historicamente pautada por sujeitos coletivos de direitos, que formulam e vivenciam outras formas de construção do real, tendo em seu horizonte a preservação da vida.

            O primeiro cenário, que inaugura a obra, destaca um importante ator no vetor histórico de transformação social: o sujeito coletivo de direitos.

            O Direito Achado na Rua tem como uma de suas categorias centrais o sujeito coletivo de direitos, que contribui para o desenvolvimento da abordagem dialética humanista do direito formulada por Roberto Lyra Filho e pela Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR), na década de 1980.

            Refletimos, no primeiro volume de “Direitos humanos e Covid-19: grupos sociais vulnerabilizados e o contexto da pandemia”, que a metáfora “é um convite à ampliação da reflexão sobre os espaços de reprodução do direito a partir da consideração da reprodução social”, e por isso é “direito construído em movimento, ‘em casa e na rua’, ‘na encruza’, ‘no campo’, ‘no cárcere’, ‘na rede’, ‘no rio’, ‘no lixo, nos becos, nas aldeias, nas matas’” . Trata-se de uma provocação à identificação das zonas em que as ambiguidades, as contradições e as vindicações sociais são mobilizadas em torno da formação de sociabilidades reinventadas que permitem abrir a consciência de novos sujeitos para uma cultura de cidadania e de participação democrática .

            Assim, como o social se expressa, atua e é constituído é o que a obra oferece. Por isso que na obra buscamos reunir relatos e análises de algumas dessas respostas sociais, que acabaram sendo formuladas pela sociedade civil e pelos sujeitos coletivos de direito, categoria central para O Direito Achado na Rua, diante cinco cenários que impulsionaram a organização interna da publicação: Quando o Estatal colapsa é o social organizado que institui direitos: nós por nós (parte 1); Quando a universidade é pública, a pesquisa e a educação não se submetem ao mercado, não se mercadorizam (parte 2); Quando o mundo do trabalho confronta o capital e defende a vida (parte 3); Quando a crise sanitária constata os limites do sistema de justiça e problematiza a justiça a que quer acessar (parte 4); Quando a resposta social à pandemia pede um novo paradigma para a institucionalidade e a governança (parte 5).

            Nossa expectativa é a de que, com a difusão dessa obra, possamos, Editora, autoras e autores contribuir para o aprofundamento da própria experiência democrática, destacando iniciativas e reações de resistência e luta social com potencial emancipador, não obstante nosso momento histórico ainda seja marcado por um sistema econômico e governo federal alinhados não com a vida, mas com a morte. Certamente, o livro contém potencialidade para diálogos que serão necessários – e ainda o são -, quando o futuro voltar seus olhos para o passado e para esse momento da história brasileira, que no âmbito da crise sanitária, retirou as cortinas do descaso, da incompetência, da falta de humanidade de diversos setores diante daqueles por eles próprios vulnerabilizados. 

 

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.