segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

 

Samuel Pinheiro Guimarães, morre um imprescindível. Um brasileiro que fez e faz a diferença


(*) Por José Geraldo de Sousa Junior, para o Jornal Brasil Popular


A notícia da morte, hoje, de Samuel Pinheiro Guimarães ao mesmo tempo que nos abala, também nos mobiliza. Morre um imprescindível.Um daqueles cuja estirpe, Bertolt Brecht definiu, são os homensque lutam toda a vida (Os que Lutam).

Os jornais, aliás, toda a mídia, já iniciaram o laudatório, justificável, que forma a biografia de um homem e de um servidor público (diplomata) notável. Num ensaio escrito no ano passado, “Samuel Pinheiro Guimarães e a negociação com os europeus”, a propósito de refletir hoje, sobre  “O acordo com a União Europeia/Mercosul [é] tão ruim para o Brasil como seria a Alca”, Paulo Nogueira Batista Jr, ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, do BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e outros países (https://www.brasildefato.com.br/2023/11/18/samuel-pinheiro-guimaraes-e-a-negociacao-com-os-europeus), põe em relevo a atuação de Samuel Pinheiro Guimarães, “um brasileiro que não pode ser esquecido”, destacado por seus serviços ao país, sempre sob a perspectiva de preservar os interesses nacionais, por convicção, conhecimento geo-político e discernimento sobre a complexa interpretação das relações internacionais.

Alguém que fez e faz a diferença. Em muitas atuações no campo profissional e que, com Celso Amorim, contribuiu para alçar o Brasil à posição de protagonismo que passou a exercer nesse ambiente sensível e arriscado.

Samuel morreu em Brasília nesta segunda-feira (29).Diplomata que entrou no serviço do Itamaraty já graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (atual UFRJ), expandiu a sua formação no âmbito do econômico (mestre em economia pela Universidade de Boston), conhecimentos que balizaram a sua qualificada atuação em estratégicas missões e funções no Ministério das Relações Exteriores e em outras áreas do Governo Federal.

Assim que, tendo sido secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores entre 2003 e 2009 foi designado Alto-Representante Geral do Mercosul para um mandato de três anos, tendo como funções a articulação política, formulação de propostas e representação das posições comuns do bloco, altamente relevante para a autonomia e desenvolvimento regionais (América Latina), num plano de exercício de soberania no hemisfério, somente ultrapassado em relevância pela atual conformação do modelos constituído pelos BRICS.

Intelectual altamente dotado, é possível encontrar os fundamentos para seus mais fortes posicionamentos em trabalhos que elaborou e que são chaves de leitura de sua forma de interpretar a realidade. Consulte-se, por exemplo, o seu “Nação, nacionalismo, estado”, publicado em 2008, pela Revista de informação legislativa, v. 45, n. 179, p. 245-256, jul./set. 2008, numa edição especial em comemoração aos vinte anos de promulgação da Constituição de 1988.

Também de Samuel Pinheiro Guimarães o livro “Quinhentos anos de periferia“, no qual  analisa a reestruturação da ordem mundial pós-Guerra Fria e a afirmação de uma nova hegemonia norte-americana, além de abordar as implicações do status periférico dos grandes Estados do Terceiro Mundo, particularmente o Brasil (GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. 500 anos de Periferia: Uma contribuição ao estudo da política internacional. Porto Alegre: Ed. da Universidade, 1999). Sobre essa obra leia-se a precisa resenha feita por Jamil Cezar Chade (https://www.scielo.br/j/rbpi/a/SnvCF697WVpNsp6kvN8y4RB/), para a Revista Brasileira de Política Internacional, e a percepção que esse autor tem da obra, cujo objetivo  “é desenvolver uma interpretação pragmática dos fenômenos que orientam as relações internacionais e como esses movimentos impactam nos grandes Estados periféricos, nem sempre beneficiados pelo processo de globalização. Entre as características desses Estados, o autor destaca a fragilidade político-econômica e a estreita vinculação com um único centro como razões para que seja realizada uma análise do sistema internacional a partir do ponto de vista periférico. A idéia é de que a marginalização desses países será crescente se não enfrentarem os desafios da nova ordem, como a concentração de poder econômico, político e militar”.

Samuel fez em julho de 2022 um relançamento desse livro, para marcar um evento intelectual de sua esposa, a escritora e poeta Maria Maia, que lançava na mesma data seu livro “PoemAção“.  Maria Maia, a companheira sempre presente e associada às múltiplas dimensões do agir profundamente humano que o casal traduzia em cada gesto,produzira seu livro durante a pandemia, ao desenvolver como hábito o exercício de escrever um poema por dia, reunidos em 300 páginas de Poemas militantes, Poemas do confinamento e, de PoemAção.

Quantas vezes encontrei o casal quando acontecia de coincidirem nossas presenças na cena cultural e política de Brasília. Em gravações para o Latitud Brasil (TeleSur), ancorado pelo engajado jornalista Beto Almeida; em mesas-redondas, na televisão, entre outros o transmitido em 6 de maio de 2019, pela TV Brasil com o programa especial “Impeachment e a luta pela democracia”,  ancorado pelo jornalista Paulo Moreira Leite, com a participação do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o ex-presidente da OAB, Marcelo Lavenère Machado, o jornalista Beto Almeida e eu próprio entre eles (https://www.youtube.com/watch?v=yORwhBtwk_g).

Ao preparar essas linhas, conversei com o querido amigo, Alessandro Candeas, hoje embaixador do Brasil na Palestina. Pedi-lhe que ele me dirigisse o olhar sobre a brilhante atuação de seu colega embaixador. Agradeço a Alessandro – cujo notável trabalho na área conflagrada de Gaza, muito contribuiu para o repatriamento de brasileiros expostos aos bombardeios indiscriminados na área, agora sob a atenção crítica do Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça (Haia) – as indicações. Principalmente a sua sugestão de trazer ao conhecimento uma das mais notáveis contribuições de Samuel Pinheiro Guimarães, então ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos: a elaboração do Plano Brasil 2022, uma demanda do Presidente Lula para pensar o Brasil no contexto do bicentenário da Independência.

O Plano afinal elaborado, envolveu grupos de trabalho formados por técnicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), representantes de todos os Ministérios, da Casa Civil e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O Plano Brasil 2022 é composto por quatro capítulos: O Mundo em 2022; América do Sul em 2022; O Brasil em 2022 e As Metas do Centenário. A íntegra do texto, transformado em livro, pode ser encontrada na página eletrônica da Secretaria de Assuntos Estratégicos, no endereço: www.sae.gov.br.

Um Plano carregado de esperanças, utópico no sentido de abrir perspectivas realistas para ações políticas de grande transformação: “Para que o Brasil atinja essas aspirações nacionais em 2022 – ser um Estado soberano e democrático, ser uma sociedade justa e progressista, ser um país em acelerado desenvolvimento – teremos todos nós: trabalhadores, empresários, políticos, profissionais, intelectuais, militares, artistas, administradores, homens e mulheres, jovens, adultos e idosos, de enfrentar até 2022 os árduos desafios de reduzir as disparidades sociais, eliminar as vulnerabilidades externas, realizar todo o potencial de nosso território e de nosso povo”. Um horizonte utópico ainda impulsionador de futuro que nem esse interregno necropolítico de seis anos de obscurantismo logrou desconstruir, permanecendo como um projeto a realizar, uma possibilidade para suleara disposição política de um governo comprometido com a democracia, a justiça e os direitos humanos.

Um mapa de navegação para alcançar esse futuro, pré-inscrito em leituras generosas de brasileiros imprescindíveis. Homens e mulheres que não desistem de lutar. Homens e mulheres que fazem a diferença. Homens como Samuel Pinheiro Guimarães, sempre em vigília, como aprendemos em nossos saraus de solidariedade, em espaços como o de construção de diálogos (Coleção Diálogos em Construção”, desenvolvido pelo OLMA, que resultaram na Coleção Diálogos em Construção (https://olma.org.br/2022/04/01/lancamento-da-colecao-dialogos-em-construcao/), lançada pelo Observatório de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) e o Centro Cultural de Brasília (CCB) – https://estadodedireito.com.br/proposta-dialogica-para-tratar-temas-contemporaneos-e-superar-a-intolerancia/ – nos quais, com a participação permanente de Samuel, pudemos trabalhar consensos “no sentido do apelo aos aspectos mais doutrinais da reforma política, caminhando a argumentação para que a reforma política se faça comprometida com a justiça social, pois não pode haver prática da virtude, em sentido de virtude democrática, sem o atendimento das necessidades básicas ou o mínimo da condição humana”.

 


(*) Por José Geraldo de Sousa Junior, professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

 

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

 

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

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