terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

 

OPINIÃO

Alexandre Bernardino Costa é professor associado da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH/CEAM/UnB); Co-líder do grupo de pesquisa CNPq e O Direito Achado na Rua. Membro do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Alexandre Bernardino Costa

 

A Organização da Nações Unidas (ONU) estabeleceu o Dia Mundial da Justiça Social em 20 de fevereiro. Essa data foi criada em novembro de 2007 e comemorada pela primeira vez em 2009. Isso ocorreu para reforçar o estabelecimento das metas da ONU na Cimeira Mundial do Desenvolvimento Social, em 1995, Cúpula Social de Copenhagen e na Cúpula do Milênio, entre outros encontros.

Entre outras, as principais metas a serem atingidas estão a eliminação da pobreza e do desemprego, o bem-estar da sociedade, e o fim de qualquer tipo de discriminação. A promoção da igualdade de gênero, igualdade racial, proteção da infância e proteção dos direitos dos indígenas e dos migrantes fazem parte dos princípios defendidos pela ONU.

 

Alguns dos elementos básicos para alcançar a Justiça Social são os direitos fundamentais à saúde, à educação e à assistência social. Os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras são também essenciais para alcançarmos a Justiça Social.

 

Todavia, em 2008 o mundo viveu uma crise econômica que somente teve paralelo com a grande crise de 1929. A crise no sistema bancário/hipotecário/financeiro dos Estados Unidos da América atingiu o mundo todo. Foram gastos em dinheiro do contribuinte aproximadamente 13 trilhões de dólares e, segundo alguns autores, já chegou a 21 trilhões. Uma nova crise atingiu o mundo, com menor intensidade, em 2011, quando novamente o socorro veio dos Estados nacionais, dos seus cidadãos.

 

A política de austeridade fiscal não é uma novidade. Porém, após a crise econômica mundial de 2008, a austeridade passou a ser a palavra de ordem. Como uma crise que foi gerada pelos bancos e pelo sistema financeiro – e foi salva pelos países, pelos cidadãos –, transformou-se em uma crise da dívida pública e afetou diretamente as políticas de igualdade e a busca da Justiça Social?

 

No mundo todo, sobretudo nos países do Sul global (SANTOS, 2015), está sendo aplicada a política econômica neoliberal de austeridade, inclusive no Brasil. Contudo, essa política apresenta evidentes falhas na sua eficácia, já reconhecidas, inclusive pelo próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), que ainda assim a recomenda. Da mesma forma, a política econômica de austeridade carece de comprovação empírica e sustentação científica.

Ainda assim, aplicar austeridade tem um caráter moral, ideológico e resulta por beneficiar um determinado segmento da economia. Para isso, o neoliberalismo precisa transformar-se em uma racionalidade, uma razão social, uma moralidade e uma governamentalidade.

 

Segundo a teoria da austeridade neoliberal, se os Estados gastadores passarem a poupar para garantir o pagamento da dívida pública aos bancos, os investimentos privados retornarão e a confiança retornará. A economia dos países crescerá e aqueles que adotaram a austeridade, após o sacrifício de sua população, terão o benefício recebido ao final. Só que isso não corresponde à realidade, e somente beneficia os bancos.

 

Um efeito imediato da política de austeridade e da retirada de direitos é que atingem diretamente com mais intensidade os mais pobres, pois eles dependem das políticas públicas de direitos sociais, ao passo que os ricos têm instrumentos para lidar com a ausência de tais políticas, que, no final das contas, nunca lhes fez falta. A parte inferior da pirâmide social depende diretamente do sistema de direitos oriundo das políticas públicas: saúde, educação, transporte, seguridade social, saneamento básico, lazer, cultura, etc.

 

Em outros termos, os efeitos são exatamente contrários à ideia de Justiça Social. Em um país com as desigualdades que há no Brasil, as políticas de austeridade são ainda mais cruéis, pois, conforme destacado por Pedro H. G. Ferreira de Souza, o milésimo mais rico apropriou-se de 10% da renda total, o centésimo mais rico recebeu quase 23%, e o décimo mais rico como um todo teve pouco mais de 51% (2018, p. 337). Roberto Lyra Filho assim dispõe a respeito do tema: Justiça é a Justiça Social, antes de tudo: é a atualização dos princípios condutores, emergindo das lutas sociais, para levar à criação duma sociedade em que cessem a exploração e opressão do homem pelo homem; e o Direito não é mais, nem menos, do que a expressão daqueles princípios supremos, enquanto modelo avançado de legítima organização social da liberdade. (1988, p. 125)

Podemos afirmar, portanto, que a Justiça Social necessita de luta constante para que tenhamos processos jurídicos, políticos e sociais de igualdade. E que isso se constrói com diretrizes da ONU, com a Constituição e com as Leis, mas sobretudo com a luta dos movimentos sociais contra as políticas de austeridade neoliberal e pela afirmação dos Direitos Humanos.

 

Referências:

LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 17 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
SANTOS, Boaventura de Sousa. O Direito dos Oprimidos. São Paulo: Cortez, 2015.
SOUZA, Pedro H. G. de. Uma história de desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil 1926-2013. São Paulo: Hucitec, 2018.

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