quinta-feira, 19 de junho de 2025

 

Em Defesa da Universidade Pública Frente às Investidas da Extrema Direita

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

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Nesta semana, dia 17, sindicatos, parlamentares, movimentos sociais, professores, estudantes, técnicos e representantes governamentais se reuniram em ato de Defesa da Universidade Pública Frente às Investidas da Extrema Direita. A manifestação é uma reação a uma insidiosa investida dessa conjuração que vem contaminando o País, que chegou a inocular-se em sua governança por pouco não totalmente capturada, não fosse a resposta eleitoral que resgatou o curso democrático e a mobilização do sistema de justiça para debelar sua tática de tomada do poder por meio de golpe antidemocrático e de força.

O ato foi também uma afirmação de que não há lugar na universidade e na UnB para o discurso de ódio, a desinformação e qualquer forma de autoritarismo, fascismo na sua pior forma, a se considerar como mostra Umberto Eco sua insistência perene de substituir a política pela violência. Conforme se divulgou, o ato “reafirmou a necessidade da UnB como espaço de pensamento crítico, coletivo e democrático”.

O ato foi organizado pela ADUnB, Sintfub, DCE UnB e ANDES-SN, e contou com a presença de parlamentares distritais, federais, autoridades governamentais, dirigentes de organizações populares e sindicais, que se manifestaram após a abertura, com uma mesa de debate formada pelo professor Fábio Sá e Silva (Universidade de Oklahoma e pesquisador do Ipea), candidato do Brasil a uma vaga de comissário na Comissão Interamericana de Direitos Humanos em eleição na OEA ao final deste mês; e também pela professora Janara Sousa (FAC/CEAM-PPGDH/UnB), incumbidos de indicar elementos para aprofundar a compreensão do avanço da extrema direita como um fenômeno global, com estratégias que ultrapassam fronteiras e refletem no ambiente universitário. 

A professora Janara, é pesquisadora em direitos humanos, mídia e tecnologias digitais, atuante em observatório acadêmico que avalia e organiza disposições para enfrentamento à violência online e discursos de ódio. Enquanto o professor Fábio Sá e Silva, para além de suas qualificações de docente e de pesquisador, é candidato do Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).

A propósito da candidatura de Fábio para exercício comissionado na CIDH, houve no ato, manifestação formal de segmentos organizados na UnB – Assessoria Jurídica Universitária Popular Professor Roberto Lyra Filho (AJUP), Coletivo (Grupo de Pesquisa certificado pelo Diretório do CNPq) O Direito Achado na Rua, Grupo de Pesquisa Justiça de Transição do Programa de Pós-Graduação em Direito/UnB, Grupo Candango de Criminologia, Grupo de Pesquisa Direito, Gênero e Famílias (GCCRIM),  Moitará – Grupo de Pesquisa de Direitos Étnicos e Grupo de Pesquisa Laboratório de Informação, Tecnologia e Diversidade – LabDiv – por meio de moção à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à Organização dos Estados Americanos (OEA), expressando a expectativa de que considere a “candidatura brasileira (que) surge na percepção de que o Brasil, juntamente com os países com mais protagonismo na região – Colômbia e México – não pode estar ausente do sistema interamericano nesse contexto de avanço da extrema-direita glocal. Neste importante momento, a indicação do Professor Doutor Fábio de Sá e Silva para o posto na Comissão Interamericana representa uma oportunidade singular de representação da sociedade do hemisfério sul, em seu caráter social, econômico e geográfico, assim como dos ideais que germinam a partir da trajetória de luta e resistência do povo latino-americano”.

A manifestação desses segmentos corresponde a uma indicação que cabe muito bem no perfil que procurei esboçar quando antecipei a importância de o Brasil se mobilizar para ter protagonismo nesse espaço estratégico interamericano (https://brasilpopular.com/a-importancia-e-a-urgencia-de-o-brasil-ter-protagonismo-no-sistema-interamericano-de-direitos-humanos/). Depois, desenhando o rosto do próprio Fábio a esse perfil, praticamente o sabatinamos, eu e a minha presidenta Ana Paula Daltoé Inglês Barbalho, da Comissão de Justiça e Paz de Brasília, em programas radiofônicos (Programa de Justiça e Paz, da CJP: https://www.youtube.com/watch?v=T-t-cCLiP_I e https://www.youtube.com/watch?v=xtfDctUtO6g&t=2216s

Na sua exposição, no ato da UnB, Fábio balizou quatro perspectivas para chamar ao debate provocado pelas investidas da extrema-direita: 1) o fenômeno é transnacional; 2) há uma apropriação, por seus porta-vozes da linguagem dos direitos, contra os direitos; 3) mas essa apropriação é oportunista e gera contradições; e 4) o Brasil tem condições institucionais que o habilitam a enfrentar isso — autonomia universitária definida na CF, campo que, nessas condições nos proporciona possibilidades de reação, porque a universidade, autônoma e criticamente livre, é por isso, estratégica para o desenvolvimento do País.

Concordando com essas questões-guias, eu próprio tive meus cinco minutos de manifestação no ato, certamente na condição de ex-Reitor. Claro que comecei por marcar posição em relação ao histórico de uma instituição insubmissa, fiel ao seu projeto inscrito na lealdade originária de compromisso com a busca de soluções para os problemas do Brasil (Darcy Ribeiro). Uma universidade que sempre resistiu a intervencionismos autoritários, pagando alto preço na ditadura (expulsões de alunos, banimento de professores, assassinatos políticos – Honestino Guimarães, Ieda Santos Delgado, Paulo de Tarso Celestino, tentativas de interrupção desse projeto). Para mais, ver Roberto Salmeron “A universidade interrompida” e o “Relatório da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB”: https://estadodedireito.com.br/a-universidade-interrompida-brasilia-1964-1965/https://estadodedireito.com.br/relatorio-da-comissao-anisio-teixeira-de-memoria-e-verdade-da-universidade-de-brasilia/

Mas também lembrei que o espaço de produção de conhecimento, especialmente o universitário, por construção histórica crítico, livre, autônomo, é um espaço estratégico e por isso alvo preferencial de qualquer paroxismo autoritário. As investidas desse paroxismo, quando se extrema à direita, no sentido próprio dessa expressão (atualmente em sua ação globalizada, xenofóbica, antiglobalista, autoritária,  negacionista no científico e no climático, historicamente revisionista) assume ostensivamente na prática, o discurso militarizado do ódio e da violência política.

Não por outra razão, tomando como referência a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vê-se a preocupação em preservar a autonomia universitária e a liberdade de ensino, em face dessas investidas continentais e globais, com a adoção de diretrizes sobre esse tema (confira-se em https://brasilpopular.com/principios-interamericanos-sobre-a-liberdade-academica/), que aprovou Princípios Interamericanos sobre a Liberdade Acadêmica, para prevenir “a constatação da ameaça crescente, no continente, de agressões, mobilizações e atitudes contra a autonomia universitária e a liberdade de ensino, sobre a desinstitucionalização e a desconstitucionalização desses fundamentos, caros aos enunciados dos direitos convencionais internacionais, assim como da própria ONU”(https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Principios_Libertad_Academica.pdf). Ver também, ainda sobre esse assunto, minha opinião aqui no Jornal Brasil Popular: https://brasilpopular.com/ameaca-a-liberdade-de-ensino-e-a-autonomia-universitaria/

Na escalada global desse paroxismo espanta que ele ultrapasse até o patamar que um mínimo de pudor pudesse dissimular. Entre os dias 13 e 15 de junho, os ataques aéreos israelenses em Teerã e arredores visaram entre outros alvos, eliminar e consumaram o intento assassino, de nove cientistas nucleares, de um ex-reitor da Faculdade de Engenharia Nuclear, conforme registro do Financial Times e Relatórios de imprensa, entre esses meios, o El País. Confirmando uma ação deliberada que desde 2007, visa letalmente cientistas, não só em bombardeios com o pano de fundo de uma guerra em curso, mas com o assassinato focado no emprego de motos-bomba e armas remotas.

Mas o despudor, o discurso que mesmo entre celerados mergulhados na condição anômica da mais radical criminalidade evita, assume na prepotência que se desvia do direito internacional, a desfaçatez de exibir publicamente e sem filtro editorial o assassinato como plano da política.

Sob a retranca “Rejeição de plano israelense de assassinato”, fontes da Reuters e da CBS confirmam que Trump vetou um plano israelense recente para eliminar Khamenei. Em entrevista à CBS, foi citado: “The Israelis had the opportunity to assassinate Khamenei and Mr. Trump conveyed … that it wasn’t a good idea.”  A mesma cbsnews.com, registra sem se deter na crítica a um discurso delinquente que Benjamin Netanyahu (Primeiro-Ministro de Israel) não descarta eliminação de líderes iranianos (“regime change”). E o mesmo premiê, durante entrevista no Fox News Special Report, disse: “There’s so many false reports of conversations … But I can tell you, I think we do what we need to do, we’ll do what we need to do.” (“Há tantos relatos falsos sobre conversas… Mas posso te dizer o seguinte: acho que fazemos o que precisamos fazer — e faremos o que for necessário.”).

O espantoso, pasme-se, é que também o presidente Donald Trump, em 17 de junho, em uma publicação no Truth Social, conforme reportado pela Reuters, tenha declarado: “We know exactly where the so‑called ‘Supreme Leader’ is hiding. He is an easy target, but is safe there – We are not going to take him out (kill!), at least not for now.” (“Sabemos exatamente onde está escondido o chamado ‘Líder Supremo’. Ele é um alvo fácil, mas está seguro lá — não vamos eliminá-lo (matar!), pelo menos por enquanto.”. A Associated Press (AP) também divulgou o trecho completo, destacando que Trump afirmou conhecer o paradeiro do aiatolá, mas optou por não ordenar seu assassinato, por “enquanto” (“for now”).

Soa nostálgico, como primado da ética, que o paroxismo extremado à direita, descarte, o tempo em que os reis não matavam os reis, mesmo em guerra aberta, na metáfora que o xadrez perenizou, o rei se põe em xeque, mas é a única peça do tabuleiro que não é morta. Se hoje se declara publicamente a intenção de assassinar os reis, quem defenderá os cientistas e os professores, senão nós por nós?!.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

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