sexta-feira, 22 de outubro de 2021

 

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A Constituição e a escolha de Reitores

CATEGORIA: OPINIÃO

 PUBLICADO: 20 OUTUBRO 2021

  ACESSOS: 239

Em defesa do art. 207 da Constituição Federal e da harmonização do posicionamento do STF sobre a escolha de reitores

 

Por ex-reitores(as)

 

A Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, foi elaborada com o objetivo de remover e superar o chamado ‘entulho autoritário’, restabelecendo os fundamentos do Estado de Direito e instituindo direitos sociais capazes de forjar uma nação democrática. Seu artigo 207 estabelece que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, prerrogativa que se expressa por meio do autogoverno e da autonormação, nos marcos da Constituição.

 

O texto constitucional não deixa margem a dúvidas: o autogoverno não é liberalidade, é exercido nos termos do Estatuto da universidade e este, por sua vez, deve estar em conformidade com a Constituição. A elevação da autonomia a preceito constitucional objetivou superar a intervenção de governos ditatoriais nas universidades.

 

Por meio do art. 16 da Lei 5.540/1968, a ditadura aprofundou a heteronomia, institucionalizando a lista sêxtupla e, assim, a ingerência governamental na escolha de reitores, concebendo a universidade como uma instituição incapaz de tomar decisões esclarecidas com base em sua própria lei (Estatuto). Não é possível esquecer que a lei 5.540 é coetânea do Ato Institucional no 5 de dezembro de 1968, que ampliou a violência do Estado sobre as universidades, cassando milhares de servidores e, especialmente, docentes.

 

O fechamento do regime seguiu seu curso autocrático e violento. Em 1977, o Congresso foi fechado e o Decreto-Lei 6.420/1977 ampliou as prerrogativas presidenciais e debilitou, ainda mais, a autonomia universitária, estabelecendo que também os diretores de unidade seriam escolhidos pelo ministro da Educação a partir de uma lista sêxtupla. Foi justamente para colocar um fim em tal violência estatal, que a Constituição elevou a autonomia universitária a preceito constitucional com força pétrea.

 

Em virtude da “transição democrática” sui generis, já no contexto da redemocratização, a Lei 9.192/1995 manteve a heteronomia, por meio da prerrogativa presidencial de escolha dos dirigentes máximos a partir de uma lista tríplice. Desde então, as universidades têm seguido os termos legais, também presentes na LDB, porém sem concordar com eles.

 

As instituições universitárias federais, lutaram, desde os primeiros debates sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases, em prol de um ordenamento legal em conformidade com o texto constitucional. É significativo que a lei que criou os Institutos Federais de Educação Tecnológica, a lei 11.892/2008, reconheceu a hierarquia da Constituição e estabeleceu que a escolha da reitora ou do reitor é feita pela própria instituição, sem lista tríplice, cabendo ao presidente da República tão somente nomear o(a) eleito(a) pela comunidade. Inusitadamente, a mesma prerrogativa não foi garantida para as universidades que estão explicitamente protegidas pelo art. 207.

 

O argumento de que a lista tríplice permite uma correta discricionariedade do presidente da República, não resiste à prova da realidade, conforme é possível verificar nas nomeações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro. Grande parte dos reitores nomeados pelo presidente é desprovida de legitimidade democrática, muitos tiveram menos de 10%, quando não 0%, dos votos dos colegiados superiores e devem sua nomeação à indicação de correligionários do governo. Nada pior do que a conversão das universidades federais, de autarquias públicas autônomas, em estruturas submetidas à pequena política de governos e forças partidárias: a autonomia objetiva, justamente, proteger as universidades de ingerências governamentais ilegítimas.

 

O STF elaborou peças jurídicas meridianas em defesa do preceito constitucional, da autonomia universitária e da liberdade de cátedra. Em virtude do ambiente de instabilidade democrática que vivem as universidades, além de uma legislação que nos remete ao período da ditadura, entendemos que o STF deve declarar a inconstitucionalidade do art. 1o da lei 9.192/95 e do Decreto federal 1.916/96, e a plena eficácia da Constituição Federal. Ao examinar o mérito da ADI 6565, conclamamos a harmonização do posicionamento do STF com a ADPF 548, Plenário, 15/05/2020.

 

Torna-se claro que a autonomia universitária é indispensável para a universidade desenvolver a sua missão, acompanhar o desenvolvimento da ciência, das artes e da cultura, das profissões e das demandas da sociedade. Estas são dimensões que têm ritmo e exigências próprias e que não podem ficar subordinados às contingências estritas de mudanças de governos. Portanto, não se trata de uma defesa corporativa e menor, mas sim da possibilidade de as universidades exercerem o seu papel na antecipação e identificação dos desafios e dos rumos para toda a sociedade. Isto ocorreu quando da criação do Sistema Único de Saúde, na genômica, na produção de vacinas, no desenvolvimento de matrizes energéticas e na conservação do meio ambiente, entre outros. Sem o autogoverno, a liberdade de cátedra seguirá sob severas ameaças e nossas universidade também!

 

Assinam os(as) Reitores(as) :

 

Ana Lúcia Gazzola – UFMG, 2002-2006

Ana Maria Dantas Soares – UFRRJ, 2012-2016

Anísio Brasileiro de Freitas Dourado – 2011-2015, 2015-2019

Carlos Alexandre Netto - UFRGS, 2008-2012, 2012-2016

Clélio Campolina Diniz – UFMG, 2010-2014

Cleusa Sobral Dias - FURG, 2013-2016, 2017-2020

Eliane Superti – UNIFAP, 2014-2018

Francisco César de Sá Barreto – UFMG, 1998-2002

Gilciano Saraiva Nogueira – UFVJM, 2015-2019

Gustavo Oliveira Pereira – UNILA, 2017-2019

Jaime A. Ramírez – UFMG, 2014-2018

Jose Carlos Tavares – UNIFAP, 2006-2010, 2010-2014

José Geraldo de Souza Jr. – UnB, 2008-2012

Jose Rubens Rebelatto - UFSCar, 1996-2000

Julianeli Tolentino de Lima, UFVSF, 2012-2016, 2016-2020

Malvina Tuttmann – UNIRIO, 2004-2008, 2008-2011

Márcia Perales Mendes Silva - UFAM, 2009-2013, 2013-2017

Margarida Salomão – UFJF, 1998-2002, 2002-2006

Maria Lúcia Cavalli Neder - UFMT 2008-2012, 2012-2016

Maria Beatriz Luce, UNIPAMPA, 2008-2011

Maria Stella Coutinho de Alcântara – UFSCar, 2008

Marco Hansen, UNIPAMPA, 2015-2019

Maurílio Monteiro – UNIFESSPA, 2016-2020

Naomar Monteiro de Almeida Filho – UFBA, 2002-2006, 2006-2010 – UFSB 2013-2017

Nelson Maculan Filho – UFRJ, 1990-1994

Newton Lima – UFSCar, 1992-1996

Paulo Speller – UFMT, 2000-2004, 2004-2008 – UNILAB, 2010-2013

Pedro Hallal – UFPEL, 2017-2021

Odilon Antonio Marcuzzo do Canto – UFSM, 1993-1997

Oswaldo Baptista Duarte Filho – UFSCar, 2000-2008

Paulo Gabriel Soledade Nacif – UFRB, 2006-2015

Reinaldo Centoducatte – UFES, 2011-12, 2012-2016, 2016-2020

Ricardo Berbara – URRJ, 2017-2021

Roberto Leher – UFRJ, 2015-2019

Ronaldo Tadeu Pena, UFMG, 2006-2010

Roberto Salles – UFF, 2006-2010, 2010-2014

Rui Oppermann – UFRGS, 2006-2020

Sebastião Elias Kuri – UFSCar, 1988-1992

Sergio A. Araújo da Gama Cerqueira – UFSJ, 2016-2020

Soraya Smaili – UNIFESP, 2013-2017, 2017-2021

Targino de Araujo Filho – UFSCar, 2006-2012, 2012-2016

Valéria Heloísa Kemp – UFSJ, 2012-2016

Valeria Correa – UFAL, 2016-2020

Vicemário Simões – UFCG, 2017-2021

Wrana Maria Panizzi, UFRGS, 1996-2004

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