quarta-feira, 23 de junho de 2021

 

O Direito Achado na Rua: Questões Emergentes, Revisitações e Travessias

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

 

O Direito Achado na Rua: Questões Emergentes, Revisitações e Travessias: Coleção Direito Vivo, volume 5. José Geraldo de Sousa Junior et al (org). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021, 304 p.

 

                                     

 

         Acaba de ser publicada e na próxima semana iniciamos um programa de lançamentos em eventos a distância, por meio de plataformas remotas (Canal Youtube de O Direito Achado na Rua), em rodas de conversas com autoras, autores, convidadas e convidados, a obra tema deste Lido para Você. Retiro do meu texto de introdução a esse quinto volume da Coleção Direito Vivo, O Direito Achado na Rua: Questões Emergentes, Revisitações e Travessias, texto aliás redigido em co-autoria com meu colega Eduardo Xavier Lemos, os excertos principais para esta apresentaçãoO primeiro, a própria Editora Lumen Juris que abriga a Coleção Direito Vivo, selecionou com síntese para descrever a obra:

            Neste quinto volume, a reflexão coletiva parte do evento internacional realizado entre 11 e 13 de dezembro de 2019 na Universidade de Brasília, denominado o Direito como Liberdade: 30 Anos de O Direito Achado na Rua, organizado e coordenado pelo Coletivo O Direito Achado na Rua, que comemorou os 30 anos de O Direito Achado na Rua tendo como tema O Direito como Liberdade , esse direito entendido como expressão de uma legítima organização social da liberdade , tal como formulado por Roberto Lyra Filho, constitui o marco conceitual original do projeto denominado O Direito Achado na Rua.

        O processo de construção do quinto volume dessa série, não obstante seu impulso conceitual e político anteriormente expostos, deu-se por uma metodologia similar a construção do segundo volume da Coleção, isto é, também teve origem em um programa de docência, dessa vez como desenho curricular de duas disciplinas Democracia e Violência (Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito) e O Direito Achado na Rua (Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos e Cidadania), desenvolvidas em conjunto no 1º Semestre de 2020, tendo como eixo revisitar temas anteriormente trabalhados pela fortuna crítica do Coletivo O Direito Achado na Rua, aqui entendendo os IX Volumes da Série O Direito Achado na Rua.

        E assim, foi montado um curso com estudantes conectados pelas mais diversas localidades do país, de ponta a ponta do espaço geográfico brasileiro, o que, somado as peculiaridades do momento pandêmico, gerou textos complexos, aprofundados, permeados pelas angústias de um tempo único, onde as introspecções das autorias, e as reflexões geradas pelos textos da disciplina (foram refletidos textos chave de O Direito Achado na Rua e de Roberto Lyra Filho), embalaram as revisitações emergentes e as trajetórias possíveis, a partir das inquietudes e urgências de um futuro incerto, impulsionados pelo retorno das utopias.       

         O segundo, mais analítico, mergulha nesse processo de construção do quinto volume da série, de modo a acentuar que não obstante seu impulso conceitual e político anteriormente expostos na apresentação da própria Coleção,, deu-se por uma metodologia similar a construção do segundo volume que a integra – O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática. Isto é, também  teve origem em um programa de docência, dessa vez como desenho curricular de duas disciplinas Democracia e Violência (Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito) e O Direito Achado na Rua (Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos e Cidadania), desenvolvidas em conjunto no 1º Semestre de 2020, tendo como eixo revisitar temas anteriormente trabalhados pela fortuna crítica do Coletivo O Direito Achado na Rua, aqui entendendo os IX Volumes da Série O Direito Achado na Rua, mas também a publicações anteriores da Coleção Direito Vivo, artigos científicos publicados por integrantes do coletivo, livros, dissertações, teses, tendo por provocação e desafio projetar as travessias possíveis a partir dos temas que são emergentes na sociedade atual.

          No entanto, o momento de construção da obra foi peculiar, a população terrestre restringida em sua sanidade e liberdade a partir de uma pandemia causada por um vírus, o COVID-19, ou Coronavírus, que espalhou-se pelo continente aproximadamente 62,3 milhões de pessoas no mundo e deixando um número de aproximados 1,5 milhão de mortos no planeta. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, o número de casos seria equivalente a aproximados 6,3 milhões de pessoas com um total de aproximadamente 173 mil mortos, agora já ultrapassando a cifra estarrecedora de mais de 470 mil mortos.

           A partir de tal fato, a metodologia de ensino de todo o país, e naturalmente da Universidade de Brasília, foi forçosamente adaptada, no início do semestre com poucos dias de aulas, as atividades, que seriam presenciais, foram suspensas por decisão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), de fato, até então entendia-se que a doença impactaria a rotina do continente latino-americano, da mesma forma que na Ásia e Europa. No entanto, em poucas semanas o vírus propagou-se com agressividade no continente, especialmente nas capitais, não sendo diferente o caso de Brasília, resultando em Lockdown, e assim, paralisação dos serviços no Brasil. As aulas só foram retomadas em Agosto de 2020 com atividades virtuais.

          De fato, cumpre ressaltar alguns aspectos, se fez necessária a rápida adaptação da comunidade universitária aos meios tecnológicos, adotando plataformas para aulas ao vivo, permitindo postagens, interatividade entre professores, alunos e servidores, por meio da comunicação virtual. Foi necessária a formação de um coletivo de gestão da disciplina, composto por alunos voluntários, com a finalidade de organizar a plataforma de ensino, mas principalmente para possibilitar um mutirão de acolhida e agrupamento de estudantes da disciplina, em suas diferentes localidades, a partir do novo contexto de ensino, virtual e em tempos de pandemia, assim, em conjunto com servidores da Universidade de Brasília, procurou-se proporcionar por meio de todos os esforços possíveis a integração de todas e todos estudantes que estivessem interessados em cursar a disciplina.  Esse mesmo coletivo de gestão foi responsável pela condução do editorial desse volume, estabelecendo o contato com a editora, traçando metas, prazos, definindo critérios em conjunto com as demais autoras e os demais autores.

        Outro ponto relevante foi o resgate do modelo à distância de O Direito Achado na Rua, que, como expressou-se, surgiu a partir de sua primeira série em um curso à distância promovido pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, naquele tempo realizado por meio da comunicação dos correios, e agora, por meio virtual. O processo tecnológico, mesmo que forçadamente, de certa forma recupera as esperanças de Darcy Ribeiro em sua “Universidade Necessária”, ao expressar a importância do processo tecnológico para o ensino que estava a se projetar. É válido ressaltar, que a experiência do V.7 da Série O Direito Achado na Rua, Introdução Crítica à Justiça de Transição na América Latina, que em conjunto com a obra foi realizado um curso virtual, em parceria com o Ministério da Justiça serviu de legado.

           E assim, foi montado um curso com estudantes conectados pelas mais diversas localidades do país, de ponta a ponta do espaço geográfico brasileiro, o que, somado as peculiaridades do momento pandêmico, gerou textos complexos, aprofundados, permeados pelas angústias de um tempo único, onde as introspecções das autorias, e as reflexões geradas pelos textos da disciplina (foram refletidos textos chave de O Direito Achado na Rua e de Roberto Lyra Filho), embalaram as revisitações emergentes e as trajetórias possíveis, a partir das inquietudes e urgências de um futuro incerto, impulsionados pelo retorno das utopias.

         Para definir os eixos temáticos de escrita, o coletivo abriu uma plataforma interativa onde os alunos representaram suas inquietações a partir da problematização que dá título ao volume, “Questões Emergentes, Revisitações e Travessias Possíveis”, e posteriormente distribuíram-se a partir de suas afinidades temáticas, por meio do critério autoria coletiva.

         Como mencionado, ao longo do programa de curso a primeira tarefa foi pensar temas ascendentes e emergentes tendo uma mirada dos trabalhos já realizados pelo coletivo como balizador, e de fato os desafios futuros como horizonte. E assim, o coletivo dividiu-se em oito eixos temáticos, com subeixos desenvolvidos a partir dos grandes eixos: 1) Povos Indígenas, Quilombolas e demais Povos e Comunidades Tradicionais; 2) Direitos Humanos e a Afirmação Histórica da Universidade Emancipatória; 3) Constitucionalismo Achado na Rua; 4) Emergências e Perspectivas LGBTQIA+; 5) Direito e Arte; 6) Direito à Cidade; 7) Acesso à Justiça na América Latina; 8) Revisitações Emergentes e Travessias Possíveis;

         O livro caracteriza-se pelas experiências do coletivo que o redigiu, assessores jurídicos populares, lideranças indígenas e quilombolas, jornalistas, lideranças políticas, serventuários da justiça, artistas, poetas, ativistas, pesquisadoras e pesquisadores comprometidos com a democracia e um direito emancipatório. De especial relevo para a configuração dos eixos temáticos e de uma escrita renovadora e extremamente sensível é a presença de autores indígenas e quilombolas, dos povos Karajá, Pankararu e Kalunga que acrescentaram conhecimento e experiência transformadores ao curso e à obra.

         Como não poderia ser diferente, o livro retrata os fundamentos de O Coletivo O Direito Achado na Rua, e assim, é inaugurado com uma reivindicação coletiva, as autoras Larissa Carvalho Furtado, Luana Bispo de Assis, Maíra de Oliveira Carneiro Pankararu, Natália Albuquerque Dino, Solange Ferreira Alves  integrantes do primeiro eixo de autoria,  elaboraram o “Manifesto por um Direito Achado nas Aldeias” onde problematizaram sobre a “necessidade de  privilegiar a autonomia dos povos originários, de suas lutas, linguagens, práticas e produções, também no campo da construção do que se entende por “conhecimento”, “ciência” e “Direito” no pensamento jurídico brasileiro” (FURTADO, Larissa; ASSIS, Luana; PANKARARU, Maíra; DINO, Natália; ALVES, Sol) e  assim apresentam uma convocação  à um modelo epistemológico do Direito Achado na Aldeia inserido como um conjunto de instrumento teórico capaz de romper as práticas coloniais ainda hoje vigentes no ensino e na prática jurídica tradicional. (FURTADO, Larissa; ASSIS, Luana; PANKARARU, Maíra; DINO, Natália; ALVES, Sol)

         Ainda referente ao primeiro eixo de redação, o capítulo “Direitos dos povos indígenas, educação judicial e ODANR”, redigido por Andrea Brasil, Célia Bernardes e Jonas Tavares, por sua vez propõe  uma reflexão nucleada na noção de “autonomia dos saberes” dos povos indígenas onde procura-se  a educação judicial como um instrumento emancipatório que contribui para a efetivação do direito à “autonomia dos saberes” dos povos indígenas a partir da fala dos indígenas Ademilson  Kikito  Concianza  e  Gilmar  Kiripuku  Galache . A experiência de educação judicial da Escola de Magistratura Federal da Primeira Região – ESMAF, e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), em sua imersão e intercâmbio intercultura com as comunidades indígenas foi tomada como base para a proposição científica. Ainda, entendem que o encantamento, a partir de um Direito Achado na Encruzilhada, há de expandir novos e frutíferos horizontes nos paradigmas da justiça social brasileira. Afirmam que na encruzilhada reafirma “as relações baseadas na diversidade, na interculturalidade e na multidisciplinaridade, sendo em si uma dinâmica que atenta contra as construções lineares e exclusivas de justiça. A Encruzilhada, portanto, é o local de encontro de epistemologias, metodologias, práticas, símbolos, conhecimentos e modelos analíticos, a partir de onde se desdobram infinitas possibilidades de debate e de intervenção para os problemas das comunidades violentadas pelo carrego colonial”. (BRASIL, Andréia. BERNADES, Célia, TAVARES, Jonas.)

         O 1º eixo ainda teve uma  terceira proposta autoral intitulada “O território achado na aldeia e no quilombo: a antítese da mercantilização neoliberal” de autoria de Carlos Henrique Naegeli Gondim, Joanderson Pankararu, Luís de Camões Lima Boaventura e Vercilene Francisco Dias, onde procuram abordar a complexidade de significados que o território tem na cultura indígena e quilombola, assumindo uma feição de condensador de direitos, “os territórios extrapolam a esfera meramente patrimonial, sendo indispensáveis à subsistência e reprodução das culturas e identidades coletivas desses grupos” (GONDIN, Carlos Henrique; PANKARARU, Joanderson; BOAVENTURA, Luis de Camões; DIAS, Vercilene Franscisco) e porque, diversos outros direitos humanos e fundamentais desses grupos étnicos guardam relação direta como território, tais como educação, saúde, liberdade de culto, e a própria identidade. (GONDIN, Carlos Henrique; PANKARARU, Joanderson; BOAVENTURA, Luis de Camões; DIAS, Vercilene Franscisco)

         Por sua vez, a redação do capítulo “Direitos Humanos e o Papel Histórico da Universidade Emancipatória”, referente ao Eixo 2, ficou à cargo de André Luiz Lacerda Medeiros, José de Ribamar de Araújo e Silva, Mamadu Seidi e Maria Inês A. Ulhôa e tratou da relevância social das universidades públicas, para a construção de espaços emancipatórios, explicam que  para tanto “é fundamental a adoção do modelo de universidade autônoma e necessária, preconizado por Darcy Ribeiro, superando o papel de meras detentoras do saber. Institucionalmente, a gestão universitária deve estar alinhada aos anseios da comunidade que a compõe, garantido o livre pensar e atenta a qualquer violação de direitos nas práticas universitárias.” (MEDEIROS, André Luiz Lacerda; SEIDI, Mamadu; ULHÔA, Inês A.). Destacam ainda em seu texto o papel dos canais de comunicação, avaliação e controle, exemplo das ouvidorias e dos espaços de tomada de decisão colegiada.

         O 3º eixo redigiu o capítulo intitulado “O Constitucionalismo Achado na Rua, os Sujeitos Coletivos Instituintes de Direito e o Caso da APIB na ADPF nº 709”, texto redigido por Priscila Kavamura Guimarães de Moura, Mauro Almeida Noleto, Marconi Moura de Lima Burum e  Renan Sales de Meira, propondo uma revisitação da temática do Constitucionalismo Achado na Rua, a partir da leitura dos sujeitos de direitos fundamentais por meio da análise da Medida Cautelar na ADPF nº 709 que  determinou a legitimidade ativa da Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (APIB) para postulação em controle de constitucionalidade, resgatando a importância dos sujeitos coletivos de direito (instituintes) participarem da disputa hermenêutica do debate  constitucional na Suprema Corte do Brasil (instituído) (MOURA, Priscila; NOLETO, Mauro; BURUM, Marconi; MEIRA, Renan;) .

         Ainda referente ao mesmo eixo, a redação do capítulo “A Democracia Constitucional e a Proposta para um Constitucionalismo Inclusivo no Brasil”, foi realizada por Bárbara R. R. C. de Oliveira, Jean Patrício da Silva, João Paulo Santos Araujo e Samuel Barbosa dos Santos, o tema propôs interpretar o momento constitucional brasileiro tomando O Direito Achado na Rua como ferramenta para sugerir um constitucionalismo inclusivo e emancipatório que resista à escalada autoritária contemporânea. (OLIVEIRA; SILVA; ARAUJO; SANTOS). Para isso, foi realizada uma análise histórica do processo constituinte 1987-88, com base nos movimentos sociais e no conceito de crise constitucional para tratar da construção institucional do Estado brasileiro visando identificar a crise de representação democrática do país.  Ainda, o artigo “destinou espaço para versar sobre a premissa de que somente um constitucionalismo efetivamente inclusivo – que prima pelo fortalecimento das instituições democráticas e pela real inclusão dos grupos sociais vulneráveis – é meio adequado para se instaurar uma concreta resistência à precarização de direitos e silenciamento de vozes em uma democracia cada vez mais frágil.’ (OLIVEIRA, Bárbara; SILVA, Jean; ARAUJO, João Paulo; SANTOS, Samuel)

           O livro avança com o capítulo “Emergencias LGBTQIA+ para um 2030 possível !(?)”, que toca o quarto eixo de divisão de autorias,  foi  redigido por  Caroline Vargas  e Tiago Benício Trentini e refletiu sobre os 17 grandes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que  propôs um desenvolvimento sustentável através das perspectivas sociais, econômicas e ambientais, analisando sob a perspectiva do Direito Achado na Rua se a população LGBTQIA+ pode ser inserida nestas propostas e em que medida (e se)  a população LGBTQIA+ têm suas vivências contempladas nessa agenda, e portanto, sua emancipação é respeitada e contemplada. (VARGAS, Caroline; TRENTINI, Tiago;)

          O quinto eixo de autorias, composto por Anelisa Lacerda de Medeiros, Carla Ramos, Edson Junio Dias de Sousa, Mara Lina Silva do Carmo, Paulo Alves Santos  e Willy da Cruz Moura formou o capítulo  “O Direito Achado na Rua e Arte: ensino jurídico e questões emergentes no contexto de pandemia “ , que refletindo sobre o papel do Direito e  da Arte, suas interações e contribuições, revisitando Roberto Lyra Filho, Luís Alberto Warat, Roberto Aguiar, a partir de suas sensibilidades artísticas e de como as mesmas influenciaram como um todo a concepção e o processo de O Direito Achado na Rua, da literatura de Lyra, à musicalidade de Aguiar, à carnavalização de Warat, os autores ainda se propõe a uma reflexão de como a arte e o direito, podem contribuir para projetos utópicos nos tempos de pandemia.

            A redação do capítulo “Mulheres Negras nas Entrelinhas dos Centros Urbanos Brasileiros: Direito À Cidade Achado na Rua”, à cargo do sexto eixo de autorias, foi escrito por Amanda Machado de Liz, Andrielly Larissa Pereira Silva, Ilka Teodoro, Letícia Miguel Teixeira, Natália Soares Batista, Sabrina Durigon Marques e  Vinícius de Souza Assumpção, e em síntese propôs a discussão do direito à cidade, tendo por fundamento o Direito Achado na Rua, a partir do histórico de subalternidade vivido coletivamente por mulheres negras nos espaços urbanos públicos e privados, construindo sujeitas coletivas em permanente luta pela realização de direitos fundamentais enquanto garantem subsistência, levando em conta que a mulher, e especialmente a mulher negra, que sempre teve protagonismo na ocupação do espaço público da cidade brasileira, e por desempenhar as principais atividades que nesses espaços dão vida à cidade. (LIZ, Amanda; SILVA, Andrielly; TEODORO, Ilka; TEIXEIRA, Letícia; BATISTA, Natália; MARQUES, Sabrina; ASSUMPÇÃO, Vinícius;)

         Por sua vez, o sétimo eixo de redação foi composto por Anne Carolline Rodrigues da Silva Brito, Gustavo de Assis Souza, João Paulo Hakuwi Kuady Karaja,  Manuela de Santana Passos, Marcelo Pires Torreão, Mariane Carolina Gomes da Silva Rocha e Pedro Henrique Fernandes das Chagas, elaboraram o capítulo “Movimentos Sociais, Acesso À Justiça e Emergência do Autoritarismo na América Latina” que se dispôs a refletir sobre como o autoritarismo  neoliberal em países latino-americanos se concretizou à base da redução de direitos e garantias, do enfraquecimento de movimentos sociais, dificultando e restringindo o alcance da população aos sistemas judiciais e extrajudiciais. Explicitam que “o declínio de direitos fundamentais mitiga o acesso à justiça e demanda a adoção de medidas de combate ao autoritarismo, seja através dos mecanismos institucionais legítimos, seja através da educação em direitos e movimentos revolucionários”. (BRITO, Anne; SOUZA, Gustavo; KARAJA, João Paulo; PASSOS, Manuela; TORREÃO, Marcelo; ROCHA, Mariane; CHAGAS, Pedro;)

        O derradeiro capítulo, de incumbência do oitavo eixo, de tema “Revisitações Emergentes e Travessias Possíveis: Olha o Breque! O Direito Achado na Rede e a Greve dos Entregadores de Aplicativos.”, redação de Antonio Carlos de Mello Rosa, Eduardo Xavier Lemos, Rose Dayanne Santana Nogueira e Thaisa Xavier Chaves, que revisitaram o 1º Volume da Série O Direito Achado na Rua, Introdução Crítica ao Estudo do Direito, o 2º. Volume- Introdução Crítica ao Direito do Trabalho, e o Volume 8º  – Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação, para falar dos sujeitos coletivos que emergem num contexto contemporâneo, infocomunicacional, numa sociedade conectada, mas que refletem as desigualdades sociais anteriores, como uma espécie de atualização do capitalismo, especialmente o caso dos entregadores de aplicativo, (ROSA, Antonio; XAVIER LEMOS, Eduardo; NOGUEIRA, Rose; CHAVES, Thaisa;) que no contexto da pandemia passaram a realizar os “breaks”, tornando necessária a reflexão sobre a potencialidade organizacional e emancipatória do incipiente movimento desses trabalhadores.

         O termo que embalou as reuniões de introspecção e aflição em tempos de pandemia foi “potente”, a potência de Roberto Lyra Filho, e do Coletivo O Direito Achado na Rua conduziu um semestre de forte imersão em um futuro possível, em disputa e no rompante à legítima organização social da liberdade.

         As imagens da capa, essa também concebida pelo coletivo de autores e apenas otimizada na elaboração do design gráfico pela equipe técnica da Editora, são de Joanderson Gomes de Almeida (Pankararu), João Paulo Hakuwi Kuady Karajá e Vercilene Franscisco Dias (Quilombola), todos autores; assim como os poemas e as epígrafes que entremeam as unidades também foram elaborações de autoras e autores do livro.

         A participação de acadêmicas e acadêmicos autoras e autores com identidades inscritas em povos originários (indígenas) e tradicionais (quilombolas), ganhou relevo no processo de produção e edição do livro, nesse aspecto de forte imaginário e também na orientação epistemológica da obra. Basta ver que esses intelectuais em sentido o mais expandido possível que se possa atribuir ao termo, acabaram conquistando não apenas o seu lugar narrativo no livro, a partir de seus textos distribuídos em diferentes eixos, como arrebataram o prefácio da obra para a partir dele inscrever no contexto da edição um quase manifesto.

         Retiro do prefácio, nesse sentido, um trecho que integrado ao arranjo coletivo de sua elaboração, recolheu uma enunciação trazida em intervenção nos debates preparatórios – os seminários de redação – por Maíra Carneiro, do Povo Pankararu, de rara beleza e simbolismo:

“Sobre os Pankararu, apresentamos o Flechamento do Imbu , a Corrida do Imbu, o Menino do Rancho , dentre outras tradições, mas o que chamou a atenção da turma foi o Prayá . O Prayá (ou Praiá) não é um homem, um indígena, um Pankararu. Uma vez com as vestes feitas da fibra do caroá (ou croá), ali está a Força Encantada, a expressão máxima da religiosidade do nosso povo. A foto representa um símbolo muito forte dos Pankararu, pois mesmo depois de anos de tentativas de aculturação, assédio, violência, preservamos com afinco aquilo que acreditamos. É o ícone de nossa resistência. Nós Pankararu nascemos da terra, somos filhos da terra. Sã Sé nos enterrou no chão e brotamos como árvores. Também somos guardadores de sementes, onde chegamos preparamos o chão e deixamos um pouco do que é nosso germinar e tomar seu ciclo de vida. Foi assim com o Direito Achado na Rua”.

        Com igual potência afetivo-cognitiva, chamo a atenção para o posfácio – Das palavras, das perguntas e das vozes: uma questão de método sensibilizador – escrito por Tiago Benício Trentini e por mim. Ele diz muito do que representou, nas circunstâncias, construir o percurso da edição dessa obra:

“O pensar, o sentir e o agir foram os verbos que nos trouxeram até aqui e que certamente nos levarão adiante. Não poderíamos renunciar à oportunidade da reunião de tantas pessoas tão completas em suas diversidades quanto potentes em suas perspectivas. Os aproveitamentos deste espaço e deste tempo para articular pensamentos canoas que nos fizessem navegar águas turbulentas em travessias na direção de uma sociedade diferente, mais diversa, plural, justa, humana e emancipada – deram a tônica”.

          Em sua típica organicidade, importante pressuposto do projeto de O Direito Achado na Rua, a dimensão reflexiva e compreensiva emergente da atuação jurídica dos novos movimentos sociais e das experiências populares de criação do direito, o coletivo não somente cumpriu com os objetivos de “determinar estes espaços políticos no qual se enunciam direitos”, de compreender e “definir a natureza jurídica do sujeito coletivo capaz de elaborar um projeto político de transformação social” e de “enquadrar os dados derivados destas práticas sociais criadoras de direitos  e estabelecer novas categorias jurídicas para estruturar as relações solidárias de uma sociedade alternativa” (SOUSA JUNIOR, 1982, p.10 ) como concretizou e deu corpo – diverso, colorido e fluido – à resposta do O que é o Direito? “O Direito não é; ele se faz, nesse processo histórico de libertação – enquanto desvenda progressivamente os impedimentos da liberdade não lesiva aos demais. Nasce na rua, no clamor dos espoliados e oprimidos” (LYRA FILHO, 1982, passim).

        Entre sorrisos alegres pelos encontros nas aulas online e alargamentos de perspectivas, emoções e choros de descobertas e empoderamentos, aprendizados e sensibilidades (re)adquiridas, nasceu esta obra: nossa poesia militante.

      É preciso estar (sempre) atento e forte para sentimento motriz para de toda a travessia: a utopia. O Direito Achado na Rua é projeto das utopias, dos pés no chão de terra batida, de serragens e de asfalto.

        Volto ao texto para dele recuperar, já que mencionei a dimensão poética de autorias exercitadas na elaboração do livro, no caso, um poema de Natália Dino:

 

Lições de um Direito Achado na Rua

(Natália Dino)

 

Aprendi que o coletivo de passarinho é revoada

E de caminho é caminhada

De gente viva intransigente indignada

Que pisa o chão da terra

Sente a terra

Dança a terra

Indigenada

Refaz trajetos traça projetos

De cidade felicidade

Compartilhada

Que tem história

Que tem futuro

Que tem memória

– que toda agrura é transitória –

Se vê a rua

Se vai à rua

Se ocupa a rua

Colore a rua

Compõe a rua

A grande rua

Emancipatória

 

        Com efeito, eis algo, que o poema revela, e que o livro faz questão de escandir: O Direito Achado na Rua é projeto das utopias, dos sonhos realizáveis e das projeções de Roberto Lyra Filho e seus companheiros e companheiras da Nova Escola Jurídica Brasileira desde os primeiros passos de reflexão há pouco mais de três décadas.

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

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