segunda-feira, 2 de novembro de 2020

 

SOCIOLOGIA JURÍDICA: saber a orientar o fazer

 Maria Rosinete dos Reis Silva[1]

No artigo Sociologia Jurídica: condições sociais e possibilidades teóricas, José Geraldo de Sousa Junior (2002), retrata a importância da Sociologia Jurídica como campo epistemológico para a compreensão e análise das mútuas e recíprocas conexões entre Direito e Sociedade. Não se trata de um mero arranjo curricular. Pensar sociologicamente interfere na capacidade de fazer uma leitura interpretativa dos processos políticos e jurídicos.

Na análise dessas conexões entre Direito e sociedade, que não são equivalentes, mas que se interligam de várias formas com algumas tensões de reconhecimento e de legitimação, deve-se considerar os valores, os costumes, as tradições, compreensão que será alcançada com o auxílio da Sociologia Jurídica, pois esta tem, na experiência, um lugar de pertencimento.  Com isso, será possível entender como a sociedade se forma e como o jurídico toma o lugar que já foi da religião, da moral, da ética, dos costumes, da tradição, por exemplo.  Aqui está a distinção feita por Max Weber entre racionalidade tradicional e racionalidade positiva e, a partir daí, entender o direito além da mera formalidade, cuja continuidade normativa só sobrevive se amparada na validade social.

Nessa dinâmica da construção do conhecimento é indispensável a articulação das condições sociais com as possibilidades teóricas que o tempo torna assimiláveis, razoáveis. Boaventura de Souza Santos defende que, o paradigma, para ser totalmente conhecimento, precisa ser social. Trazer para o debate as questões teóricas que derivam dessa leitura sociológica conferirá validade ao conhecimento, já que as articulações que se estabelecem no social e que se interconectam com o direito vão modificando o próprio direito, conferindo-lhe continuidade normativa.

Para a análise da Sociologia Jurídica, enquanto condições sociais e possiblidades teóricas, José Geraldo de Sousa Junior traça, em primeiro lugar, um percurso histórico, destacando seus antecedentes e precursores, como Durkheim, que considera a sociedade como “unidade por excelência do estudo da Sociologia”.

Na sequência, o autor aborda a constituição e desenvolvimento da Sociologia Jurídica na contemporaneidade, alicerçado, sobretudo, nos ensinamentos de Elias Diaz. Para este, as interrelações entre Direito e sociedade subdividem-se em sistema de legalidade (direito positivo) e sociedade, explicando, por exemplo, o que está formalmente assegurado e vigente no ordenamento jurídico e o que é eficaz, ou seja, se o que está sendo vivenciado pelos seus destinatários ainda tem sentido de ser, a exemplo da expressão “mulher honesta”, empregada desde as Ordenações Filipinas como integrante de figuras delitivas, sendo suprimida do Código Penal somente pela Lei 12.015/2009; e  sistema de legitimidade (valores jurídicos) e sociedade, com reflexos em temas relevantes, como a dignidade da pessoa humana e a defesa dos direitos humanos.

O autor também apresentou as direções temáticas de renovação do campo sociológico, sem a qual continuará sendo constatado e vivenciado as discrepâncias de articulação entre Estado e sociedade. Enquanto aquele (Estado formal) manter-se isolado das regras que articulam os indivíduos no seu espaço social, advindas da realidade vivenciada por cada um dentro de sua comunidade, permitirá a atuação paralela do Estado informal, o qual surge e mantem-se com outras formas de democracia e cidadania que não se subsumem ao ato de votar.

Desse distanciamento do direito positivo da realidade, dos fatos sociais, é possível compreender a razão pela qual muitas leis, inclusive a Constituição Federal, não possuem efetividade, mas continuam em vigor. Apesar de serem feitas com caráter erga omnes, na verdade, tem-se uma seletividade que vai, desde a sua elaboração, até sua aplicação, a exemplo das leis penais, cuja seletividade é exercida pelo sistema de controle formal da criminalidade, com a escolha das condutas que se quer considerar como infração penal, quem realmente deseja-se punir, a forma de punição e como deverá ser executada e, por fim, entender a razão pela qual muitas leis são criadas para uma finalidade e, na prática, servem a fins diversos, até mesmo contrário do que se propôs formalmente.

Para tanto, o conhecimento sociológico da formação dos ordenamentos jurídicos é imprescindível para a compreensão das constantes transgressões dos mesmos, que não encontram validade e legitimidade normativa nas práticas sociais. Neste ponto, a Sociologia Jurídica apresenta-se como mediação transformadora da realidade, apontando a realização de novos direitos, como O Direito Achado na Rua, de Roberto Lyra Filho, por meio do qual busca-se a superação dessas contradições entre as leis e a justiça, entendendo o direito como modelo de legítima organização social da liberdade, em que as práticas sociais criam direitos e estabelecem novas categorias jurídicas.



[1] Doutoranda – DINTER UNB/UFAC/IFAC

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