quinta-feira, 24 de julho de 2025

 

Direito e Justiça - Correio Braziliense, 

postado em 24/07/2025



Revogação de vistos: medida arbitrária e falaciosa

“A medida é claramente vista como parte de uma operação bem calculada pelos EUA: apontar a violação de liberdade de expressão americana, ativar ferramentas, como a Lei Magnitsky e desestabilizar a coesão entre os magistrados brasileiros”

 
José Geraldo de Sousa Júnior, Jurista e ex-reitor da UNB - (crédito: Antonio Cunha/CB/D.A Press)
Por José Geraldo de Sousa Junior* — Em 18 de julho, o secretário de Estado dos EUA anunciou a "revogação imediata" dos vistos do ministro Alexandre de Moraes "e seus aliados no Tribunal, assim como de seus familiares".
 
A alegação é de que essas autoridades participaram de uma "caça política" que restringiu a liberdade de expressão — especialmente via bloqueios, em redes como X e Rumble, que também afetaram usuários americanos. Especificamente citado o "complexo de perseguição e censura" liderado por Moraes contra ex-presidente da República e seus aliados como justificativa para revogar os vistos.
 
Sabe-se que uma possível origem desse contraditório está no interesse contrariado da Trump Media & Technology Group, empresa criada por Donald Trump, para operar a Truth Social, uma rede social que é uma extensão da persona política e digital de Donald Trump, funcionando como meio de divulgação de ideias alinhadas ao movimento da extrema-direita internacional.
 
O contraditório com o ministro Alexandre de Moraes surgiu porque a Truth Social começou a hospedar perfis e conteúdos de usuários brasileiros envolvidos em atos antidemocráticos, especialmente após os ataques de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, abrigando muitos usuários que haviam sido banidos ou tiveram conteúdos suspensos por ordem do STF e de Alexandre de Moraes, relator de ações que investigam a tentativa de golpe e redes de desinformação, tendo o ministro expedido ordens judiciais de bloqueio de perfis, inclusive, com notificações a provedores estrangeiros, por facilitar a continuidade de práticas criminosas sob o pretexto de liberdade de expressão.
 
É nesse contexto que deve ser examinada a suspensão dos vistos. A medida é claramente vista como parte de uma operação bem calculada pelos EUA: apontar a violação de liberdade de expressão americana, ativar ferramentas, como a Lei Magnitsky e desestabilizar a coesão entre os magistrados brasileiros.
 
Todo Estado tem o direito soberano de decidir quem pode entrar, permanecer ou sair de seu território. Isso é reconhecido pelo direito internacional, especialmente no princípio da soberania territorial. Assim, a decisão de conceder, negar ou revogar um visto é em grande parte discricionária, ou seja, depende da avaliação unilateral do Estado emissor, sobretudo por razões de segurança nacional, ordem pública, interesse público.
 
Mas há limites a essa discricionariedade, referidos a acordos e obrigações internacionais, comprometendo os signatários à aplicação de critérios comuns, situações que devem condicionar a revogação de um visto em face de repercussões diplomáticas. Um Estado não pode negar ou revogar vistos com base em discriminação (raça, religião, orientação sexual, por exemplo) ou repatriar alguém a um país onde corra risco de tortura ou perseguição, ou situações que afrontem convenções internacionais de direitos humanos.
 
Vê-se, assim, que é principalmente uma confrontação com o Poder Judiciário, usando o pretexto de ação penal em curso contra réus indiciados por atentados à democracia e a Constituição, preparando uma escalada, da qual, a suspensão dos vistos, é pretexto para apontar a violação de liberdade de expressão americana, ativar ferramentas como a Lei Magnitsky e desestabilizar a coesão entre os magistrados brasileiros.
 
Mas a Lei Magnitsky até pode ser considerada como ferramenta poderosa de diplomacia de direitos humanos e combate à impunidade transnacional, mas não pode servir de pretexto para a adoção de medidas sancionadoras de protocolos internacionais ou bloqueios e sanções econômicas, não caracterizadas as situações que são o seu escopo.
 
O mais, é mobilização entreguista, no jogo dos interesses da alta burguesia econômica e financeira, também no plano interno, a se observar, inclusive, editoriais de mídias coligadas, que não hesitam em tomar o partido unilateralista indicando saídas para fragilizar esforços nesse sentido, como o Brasil tem sabido fazer com articulações como o Mercosul e o Brics.
 
O que está em causa, oportunismos à parte para fugir de responsabilização por crimes de lesa-pátria, ou aderir ao jogo de um alinhamento prepotente e guloso, é a ofensiva contra o Brasil, são o Brics. É o quinta-colunismo que quer ver o Brasil como peça mais frágil e dobrável, de quintal, sabotando o seu protagonismo na formação de blocos multilateralistas na estrutura de poder global.
 
Professor emérito e ex-reitor da UnB. Membro Benemérito do Instituto dos Advogados Brasileiros*
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário