sexta-feira, 20 de setembro de 2024

 

          Professor Emérito: Renovação de Compromisso de Lealdade a UnB

DISCURSO DO PROFESSOR EMÉRITO DA UnB JOSÉ GERALDO DE SOUSA JUNIOR, POR OCASIÃO DA SOLENIDADE DE OUTORGA DO RESPECTIVO TÍTULO HONORÍFICO

 

Início com as saudações protocolares, mas carregadas de reconhecimento à Magnífica Reitora Márcia Abrahão Moura que preside a sessão solene de outorga do título ao Professor Alexandre Bernardino Costa, Diretor da Faculdade de Direito, que formam a mesa diretora da solenidade. comitiva (expressão das relações afetivas-institucionais), oradores, artistas, familiares.

Saúdo à Comitiva de Honra, que me conduziu ao centro desse auditório Esperança Garcia, forte no simbolismo que imanta um sempre ampliado espaço de construção de cidadania e de direitos, a Faculdade de Direito da UnB: as professoras Nair Heloisa Bicalho de Sousa, Daniela Moraes, Lívia Gimenes Dias da Fonseca, Bistra Stefanova Apostolova, o professor Antônio Escrivão Filho e a servidora Euzilene Moraes.

Agradeço a presença da presidenta da nova gestão da ADUnB, nosso sindicato, professora Maria Lídia Bueno Fernandes, e da ex-presidente, que acaba de cumprir seu mandato, professora Eliene Novaes Rocha. Há muitas personalidades e autoridades presentes. Não terei condições de nomeá-las. O tempo Cerimonial para o discurso, não o permite.

Com precedência, me conforta a presença aqui e virtualmente, graças à transmissão da cerimônia pela UnB TV e pela TV Supren (agradeço ao seu presidente e amigo Ulisses Riedel), de minha família, próxima e a distância.

O Cerimonial referiu-se à extensa nominata de cumprimentos daqueles e daquelas que os compromissos do dia não permitiram estar presentes. Mas não posso de fazer alguns registros ao correr do discurso, para marcar alguma singular e pessoal sensibilidade.

Começo por referir-me, ex-alunas da Faculdade de Direito, às ministras Daniela Teixeira (STJ) e Delaíde Arantes (TST). Agradeço a ministra Delaíde as orquídeas e o comovente cartão que me enviou. Bem assim, à desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin, na sua dupla condição de querida amiga e de representação de seu marido o Ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

Não posso deixar de registrar as mensagens corteses e carinhosas das Ministras Carmen Lúcia (STF) e Vera Lúcia Santana (TSE). O horário do protocolo universitário é incompatível com a pauta de trabalho da Praça dos Três Poderes e da Esplanada.

Quero aludir às inúmeras mensagens de ex-Reitores (Cristovam Buarque, Antonio Ibañez e Ivan Camargo) da UnB e de meus contemporâneos na Andifes, alguns e algumas seus presidentes, como a professora Márcia em breve, depois de novembro, estará na gerúsia dos ex-reitores. O que isso representa: defesa da autonomia e de um projeto de universidade estratégica para o desenvolvimento do país e para a felicidade do povo: inclusão e descolonização de sua estrutura e de sua planta epistemológica.

Cumprimento a advogada Carmela Grüne, que vem com a representação do Presidente Sidney Sanches, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diretora de Comunicação dessa entidade centenária, 181 anos em 2024, que integro como membro benemérito, a Dra. Carmela dirige o Jornal Estado de Direito, do Rio Grande do Sul, que acolhe a minha coluna semanal Lido para Você.

Aos colegas da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, entre os presentes, a Presidenta Ana Paula Daltoé Ingles Barbalho, Daniel Seidel, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e Melillo Dinis, do Grupo de Análise de Conjuntura da CNBB.

Aos colegas professores e artistas Pilar Acosta e Alessandro Borges, traduzindo com sensibilidade e encanto o valor da gratidão pela vida bem vivida, movida pelo impulso do utópico, inscrito no sentipensar, no corazonar, compartilhados, que orientam para transformação justa e democrática do social.

"O título de Professor Emérito, outorgado na forma do Estatuto da UnB ao docente aposentado na Universidade, que tenha alcançado uma posição eminente em atividades universitárias, não é somente um ato celebratório, honorífico; é uma atualização de compromisso, inscrito na dupla lealdade a que convoca o projeto de fundação da UnB: lealdade aos padrões civilizatórios de conhecimento; lealdade ao povo, uma exigência de que esse conhecimento contribua para o bem viver, para atender as necessidades sociais. Ser emérito é continuar leal a esse mandato, para que a universidade se mantenha necessária e mais que isso, emancipatória".

Sou honrado por meus colegas professores Talita Tatiana Dias Rampin e Alexandre Bernardino Costa, autores do memorial apresentado ao Conselho da Faculdade de Direito, que exaltaram meu percurso acadêmico para conferir fidedignidade a esses princípios; aos meus pares no Colegiado da Faculdade que dirigi e que acolheram o parecer do professor Cristiano Paixão, generoso relator da proposição. Assim como, sem envaidecimento, à aprovação, por aclamação, no Conselho Universitário, do relatório da Comissão Especial de análise da indicação. Agradeço todos os testemunhos, da magnífica Reitora e do vice-reitor Enrique Huelva, e dos conselheiros, recolhidos nos anais do conselho superior da UnB, espaço da colegialidade que caracteriza a instituição, garante do aprendizado que me fortaleceu o discernimento ao tempo em que o integrei como membro e como seu Presidente.

Uma síntese dessas manifestações, de justificação e de confirmação, foi anotada no discurso de saudação de meu querido colega e amigo, professor Menelick de Carvalho Netto, com quem compartilho assento na Faculdade de Direito e no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, do CEAM, e há muitos anos, em muitos auditórios Brasil afora, na interlocução mediada pelos temas teórico-políticos que balizam os nossos posicionamentos. Aproveito para expressar a satisfação de ter aqui presentes, colegas professores, servidores e estudantes das minhas duas unidades de lotação, nas quais permaneço atuante com o vínculo de docente e pesquisador voluntário.

Extraio da síntese do discurso do professor Menelick, o eixo que organiza a minha práxis, constituída pela instigação de uma consciência que se faz na história e que dela salta para a política transformadora da realidade, pela mediação do Direito. Mas Direito Achado na Rua. Direito que não se deixa estiolar no formalismo redutor, mas que enuncia os princípios de uma legítima organização social da liberdade, numa sociedade que luta por emancipação. Era o que propunha Roberto Lyra Filho, também do Colégio de Eméritos da UnB, ao lançar os fundamentos de uma Nova Escola Jurídica Brasileira, tal como hoje é reconhecida. Isso significa não fazer da lei uma promessa vazia de realização do Direito. Mas discutir o acesso democrático à Justiça e a própria Justiça a que se quer acesso. Ser guardião, como escreveu um colega meu Antonio Escrivão Filho, aqui integrando a Comitiva de Honra, e não porteiro da Constituição (Kafka), principalmente em temas como direitos humanos (vida), em face do neoliberalismo (coisificação do humano). Fazer-se teoricamente sensível às exigências do justo com enfoque de gênero, antirracista, atento a sistemas justos de produção e de trabalho e ancestrais de juridicidade. Compreender que a Constituição não é só o texto que a veicula, mas são as disputas por posições interpretativas que a realizam. Em suma, com Victor Nunes Leal (antigo ministro do STF, aposentado pelo AI-5), referindo-se ao Supremo, exatamente em sessão do Conselho Universitário da UnB quando lhe foi outorgado o título de professor emérito, dizendo dele esperar que a sua atenção capte o movimento do direito a andar pelas ruas porque, "quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a aresto".

É o que se pode caracterizar como Direitos Humanos Instituyentes e Lutas Sociais Sob uma Perspectiva Latino-Americana. Assim o faz o professor David Sanchez Rubio, das Universidades de Sevilla e Pablo de Olavide, cuja presença aqui me comove. É certo que veio a UnB para uma visita de cooperação com os Programas de Direito e de Direitos Humanos. Mas ouso esperar que escolheu a data da visita também para reafirmar nossa parceria de décadas, desde quando a iniciamos ali na Universidade Internacional da Andalucia, no curso de pós-graduação em direitos humanos. Noo espaço histórico do Monastério de La Rábida (Palos de la Frontera), onde Colombo armou a expedição colonizadora, as bases daquele programa formavam o empreendimento descolonizador, emancipatório, dos Direitos Humanos Instituintes.

A outorga se faz no momento em que a UnB promove um forte debate para a renovação de sua Reitoria. Saúdo aqui presentes as três mulheres, destacadas professoras, que trouxeram para o espaço universitário a agenda das questões que convocam, estrategicamente, a universidade pública para o papel que a civilização, e em relação ao Brasil, a Constituição lhe confere.

Como escrevi a propósito, estando às vésperas da indicação oficial pelo Colégio Eleitoral Especial, para compor a lista a ser enviada ao Presidente da República, a comunidade universitária pode dispor de três biografias acadêmicas nutridas nas lealdades do projeto fundacional da UnB: professoras Fátima de Souza, Olgamir Amancia e Rozana Naves A consulta à comunidade sufragou, nos três segmentos, a professora Rozana. É de esperar que o Colégio Eleitoral, constituído pelo Conselho Superior, como tem sido a tradição desde a redemocratização do país, homologue a escolha da comunidade. Professora Rozana, não podendo se fazer presente, imagino as convocações a que precisa atender nesse momento, enviou-me saudações numa mensagem elegante e gentil.

Por instigação do debate que essa conjuntura proporcionou, recupero, nesse sentido, minha conferência inaugural do XXIIIº Congresso Internacional de Humanidades, realizado em Brasília na Universidade de Brasília. O Tema geral do Congresso foi:  PODER, CONFLITO E CONSTRUÇÃO CULTURAL NOS ESPAÇOS LATINO-AMERICANOS (10 e 11 de setembro de 2020) e também, o evento da CRES+5 – III Conferência Regional de Educação Superior: a Universidade hoje na América Latina e Caribe, (13 a 15 de março de 2023) quando fui convidado,  pelo Reitor Rui Opperman (Diretor de Relações Internacionais da CAPES), - convite a que aquiescei como uma responsabilidade de ex-Reitor, e também para honrar a confiança da indicação que devo a minha Reitora professora Marcia Abrahão Moura, presidenta da Andifes. O ensejo dos dois eventos me permitiu traçar um plano contínuo e evocativo de ligação entre os eventos: “Universidade, hoje, no contexto de América Latina”.

Realizando-se em Brasília, a cidade na qual Darcy Ribeiro implantou a síntese de seu mais elaborado projeto, a universidade necessária inscrita na proposta de criação da Universidade de Brasília, é fundamental que se possa pensar o destino compartilhado de sociedades cuja origem comum, a colonial, somente pode se consumar, de novo Darcy, como uma pátria grande, num contexto de emancipação.

Por isso, de saída, repudiei a moldura de tecnicalidade e de modernização eficiente, mediadas por um protagonismo esvaziado de intencionalidade política, confundida com mudança racional, mas que não escapa do engodo econômico e social que o neoliberalismo promove com a denominação de reforma no plano estrutural e de empreendedorismo no plano do engajamento dos indivíduos, sujeitos de seu próprio desenvolvimento independentemente de políticas públicas. O Mercado substituindo o Estado e permeando toda institucionalidade inclusive a educacional e a universitária.

Ao contrário, e contra esse engodo, trata-se, portanto, de pensar uma universidade emancipada, que se livre das injunções colonizadoras que alienaram o humano no passado colonial e que não podem se conformar, a alienação do pós-humano, no contexto neocolonial e neoliberal.

Por isso, a defesa da autonomia, no conhecimento, para escapar ao empreendedorismo que o mercadoriza, numa modelagem funcional de acumulação privatizante (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de Future-se valoriza o privado e não acena para o ethos acadêmico, in IHU-Revista do Instituto Humanitas Unisinos, nº 539, ano XIX, 2019) quando a luta emancipatória (por inclusões: de classe, de gênero, de raça), alcançaram o simbólico da educação como bem público, social, fora do mercado, como está no desenho das principais constituições da região.

Mas significa mais que isso. Significa que no moderno a institucionalização universitária passou a ter uma relação incindível com a institucionalidade estatal, numa coexistência problemática e reflexa. Os pontos de confluência entre as duas institucionalidades, é o que política e historicamente se definiu como autonomia. E os limites de possibilidade para o exercício autônomo são estabelecidos, de um lado pelo arco democrático que configura seus espaços de atuação e o estatuto de liberdade que preside o modo respectivo de realizar suas funções institucionais. Quando a institucionalidade estatal é autoritária, instala-se um mecanismo que interrompe a continuidade de uma governança de alta intensidade democrática, e conforme programa que orienta a ação política, há condicionantes que afetam o econômico e também no aspecto ideológico, incidindo sobre as dimensões culturais e educacionais que permeiam a ação política.

Muito recorrentemente recai sobre o segmento universitário que anima o ensino, a pesquisa, a extensão e a inovação tecnológica, o foco preferencial de hostilidade e de intenção de captura de sua infraestrutura e sua autonomia na produção crítica de conhecimento e de sua difusão.

Na esfera ideológica o que se viu, e ainda se vê, é o intuito de vencer o pensamento crítico, desmistificador da astúcia da governança no interesse de programas e das alianças que os sustentam, abrindo ensejo para subterfúgios administrativos com o objetivo de criminalizar a liberdade de cátedra e a própria autonomia das universidades.

O contexto hoje, na América Latina e no Caribe, mas também um pouco por toda parte, é o de necessidade de preservação desse espaço de serviço e de compromisso da universidade com causas justas, construído civilizatoriamente, referindo-me somente ao Ocidente, os princípios da autonomia (auto-governo) e de liberdade de ensino, que legaram à modernidade esse espaço irredutível de intangibilidade da instituição universitária.

Por isso o tema é tão sensível e já ativou a atuação preocupada da Comissão Interamericana de Direitos Humanos  que aprovou Princípios Interamericanos sobre a Liberdade Acadêmica, para prevenir “a constatação da ameaça crescente, no continente, de agressões, mobilizações e atitudes contra a autonomia universitária e a liberdade de ensino, sobre a desinstitucionalização e a desconstitucionalização desses fundamentos, caros aos enunciados dos direitos convencionais internacionais, assim como da própria ONU”(https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Principios_Libertad_Academica.pdf).

Salvaguardar o espaço crítico autônomo da Universidade é dar concretude a uma categoria constitutiva dos direitos fundamentais, a liberdade de consciência e de expressão, de comunicação, sem falar daquelas ligadas ao sistema de proteção à educação, que estão tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto na Convenção Interamericana de Direitos, quanto nos protocolos derivados dela, como de São Salvador

Esses princípios asseguram o fundamento convencional e as diretrizes constitucionais hegemônicas nos países da Região de autonomia universitária e de liberdade de ensino e não podem servir ao escrutínio censor, de nenhum Poder, que leve a desconstitucionalizar o princípio da autonomia universitária, e na voragem autoritária, sufocar a crítica acadêmica e até, no limite, a dignidade e a vida. Isso significa cautela com relação ao artificial e ao distanciamento porque o conhecimento só pode ser construção do comunitário, do diálogo real, preservado na sua liberdade, na luta por emancipação, até com marcas dramáticas de memória, dos que tombaram nessa luta, como Salvador Allende, há 51 anos, num 11 de setembro.

Muito dessa reflexão, seja sobre a origem e os balizamentos subsequentes no percurso de realização e atualização do projeto de criação da UnB (http://estadodedireito.com.br/universidade-de-brasilia-projeto-de-organizacao-pronunciamento-de-educadores-e-cientistas/), seja nos percalços que sofreu (http://estadodedireito.com.br/a-universidade-interrompida-brasilia-1964-1965/; http://estadodedireito.com.br/relatorio-da-comissao-anisio-teixeira-de-memoria-e-verdade-da-universidade-de-brasilia/), quando o projeto sofreu interrupções, revelam uma contínua e nunca negligenciada exigência de fidelidade, que a memórias vão tecendo (http://estadodedireito.com.br/minhas-memorias-da-unb-edson-nery-da-fonseca/) e que sempre, orientadas pelo seu compromisso social (http://estadodedireito.com.br/universidade-e-movimentos-sociais/), religam a utopia do projeto ao fim epistemológico de não se deixar alienar nos colonialismos que rondam seus currículos e programas e que a convocam para continuamente se reinventar (http://estadodedireito.com.br/revista-humanidades-existindo-resistindo-e-reinventando-universidades-publicas-no-brasil-atual/).

 

 

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