quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

 

Direitos Humanos Hoje. Uma Discussão para o Presente e Para o Futuro

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

DARCY. Revista de Jornalismo Científico e Cultural da Universidade de Brasília. Nº 20 – setembro a novembro de 2018. Direitos Humanos Hoje. Uma Discussão para o Presente e Para o Futuro

 

                          

 

            Sim, eu sei que a edição da Darcy que trago para este Lido para Você é de 2018, de há quatro anos. Mas me senti motivado a revisitá-la, primeiro porque a Secretaria de Comunicação da UnB que a edita, a trouxe como referência para marcar 74 anos da Declaração de Direitos Humanos, e numa agenda de memória RELEMBRE, valeu-se desse número para marcar que no atual, permanecem as “Dificuldades e desafios no cotidiano dos brasileiros”.

            Numa matéria de Gisele Pimenta, Serena Veloso e Vanessa Vieira (09/12/2022), com o título “Desigualdades sociais são abordadas na revista Darcy 20. Conteúdo é resgatado em celebração ao 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos”.

Volto ao texto das jornalistas:

Além das dificuldades na mobilidade urbana, Viviane Queiroz enfrenta diariamente os desafios de acessibilidade sendo estudante cega na Universidade de Brasília;

Direitos para todos os humanos. É o que assegura a declaração oficializada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948. O documento, que em 2022 completa seus 74 anos, motivou a promulgação da data como Dia Internacional dos Direitos Humanos. Diante da proximidade do marco, o UnBNotícias dá visibilidade à temática a partir da publicação de duas de matérias do Dossiê do número 20, lançado em 2018, da revista Darcy, publicação de jornalismo científico e cultural da UnB.

 

Importante a Darcy ser a fonte dessa matéria da Secom da UnB em UnBNotícias. Para isso a Darcy foi criada, em minha gestão como Reitor, o seu número 1, publicado em julho/agosto de 2009. Para ser uma revista de jornalismo incumbida de divulgação científica. Uma revista feita por jornalistas para assegurar uma comunicação fluente de temas em geral sisudos elaborados por cientistas, pensadores, intelectuais.

O nome um achado. O devemos ao professor Luis Gonzaga Motta, da Faculdade de Comunicação que dirigiu a Secom na primeira metade de meu mandato e da brilhante jornalista, ex-aluna da UnB (graduação e pós-graduação) e que o sucedeu até o final do mandato (2012). Não sei se Motta se inspirou na Getúlio, da Fundação Getúlio Vargas. Creio que não. Darcy Ribeiro era e é ainda potente o suficiente para inspirar e nominar uma revista da Universidade que criou.

O certo é que guardando lugar de zelo para tudo que se publica na UnB, tenho pela Darcy um carinho incondicional. Em todas as publicações a partir da nº 1, até o final de meu mandato, cuidei e abri cada edição com uma coluna do Reitor, pessoalmente assinada.

Nesse nº 1, meu texto trouxe, a propósito da edição de lançamento, o título Porque Darcy. Lembrei que em discurso que fez no Auditório Dois Candangos, na UnB, em 16 de agosto de 1985, o fundador da UnB, antecipara o que poderia ser uma publicação como a nova Revista, o que deveria ser o espírito e a sua linha editorial: “o compromisso com o conhecimento e a disposição inquietante para divulga-lo, levando em conta que ‘toda ideia é provisória e tem de ser posta em causa. ‘Numa universidade’, ele dizia, ‘tudo é discutível’”.

Ser a Darcy “esse espaço de diálogo possível entre saberes e se fazer galeria para o livre trânsito entre conhecimentos que possam se interligar”. Os Direitos Humanos podem ser e de fato são esse carrefour que torna possível a universidade se fazer necessária e nessa medida, também emancipatória.

          

 

Em materia de fundo nea edição nº20 (2018) – Um Grito por Dignidade, Liberdade e Igualdade, os editores aceitam o meu argumento de que as declarações apenas não alcançam a escuta plena desse grito:

Correntes teóricas de vertente mais crítica ao entendimento estritamente jurídico apontam que os marcos documentais não são suficientes para explicar a complexidade dos direitos humanos. O professor José Geraldo acredita que a temática extrapola a perspectiva das garantias de proteção, porque integra um campo de disputas ideológicas com diferentes conjunturas e demandas específicas. “Os direitos humanos são as lutas pelo reconhecimento da dignidade do humano, e isso é uma construção política e histórica no social”, define.

Para compreender as duas dimensões do conceito — o que são os direitos e qual consenso se estabelece sobre a condição humana — é preciso responder a outra pergunta: direitos para quem? Ex-reitor e estudioso do direito achado na rua, o professor José Geraldo observa: “Se a princípio parece óbvio o que se entende por humano, tal reconhecimento esbarra nas contradições da história. No Brasil, a concessão de direitos limitou-se por muito tempo a determinados grupos sociais”.

A Constituição de 1824, após a proclamação da Independência, foi um exemplo dessa contradição, segundo José Geraldo. “O documento estava apoiado na tese de que todo homem nasce livre e igual em direitos. Porém, em uma sociedade escravocrata, em que o trabalho era alienado da dignidade, o escravo não era reconhecido como pessoa humana”. Analfabetos, indígenas, mulheres e outros grupos que não tinham propriedade e renda eram excluídos, ou seja, não eram vistos como “homens de bem”, para ser literal à linguagem constitucional daquela época.

Do que se trata é aferir o que dessa herança se prorroga para a contemporaneidade:

Essa herança ecoa na própria contemporaneidade, quando ainda persistem limitações para o exercício político dos direitos humanos entre segmentos sociais historicamente excluídos. Por isso, José Geraldo defende que, mais do que declarados, os direitos humanos devem ser exercidos. O caminho para isso seria aproximá-los da política e colocá-los como agenda na definição de políticas públicas. “A transformação da teoria em prática só é possível pela participação política e pela educação, com o envolvimento dos cidadãos nos processos democráticos por meio do debate e da escolha de representantes que possam direcionar as demandas sociais”, argumenta o professor de Direito.

Curioso é que os argumentos que ofereci à matéria de Darcy há quatro anos tenham sido repostos agora, por Campus Multiplataforma, um espaço de temas do Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB.

Na matéria 74 anos da Declaração de Direitos Humanos, preparada por Júlia Mano e Mateus Gaudêncio (https://sites.google.com/view/diadosdireitoshumanos/in%C3%ADcio?pli=1), pude contribuir para a construção da narrativa dos estudantes-jornalistas que aproveitaram no atual, alguns dos argumentos que eu havia lançado em 2018:

O professor do núcleo de práticas jurídicas da Faculdade de Direito José Geraldo de Sousa Junior disse ao Campus Multiplataforma que os pactos dos anos 1960 e documentos promulgados nos anos 1990 apresentaram alternativas à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Afirmou que os acordos tinham “novos temas e o protagonismo dos movimentos sociais e de organizações da sociedade civil”.

Já sobre os atuais desafios de respeito aos artigos do documento, o professor afirmou que as medidas estabelecidas precisam “sair do plano retórico e celebratório”.

“O pensador e político Norberto Bobbio dizia que: ‘o problema atual dos direitos humanos já não é a sua fundamentação, uma questão filosófica; mas a sua dimensão política e, em última análise jurídica. Não basta conceituá-los, é necessário exercê-los, fazê-los efetivos’”, disse Sousa Junior.

 

Penso que conseguiram captar, para além do declaratório, a dimensão instituinte do social inscrito na história para realizar concretamente os direitos humanos. Fico feliz por ter a concordância nessa caracterização de minha colega Elen Geraldes, da Faculdade de Comunicação, atualmente Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos e Cidadania (CEAM). É desse lugar que ela fala:

Elen Geraldes afirmou que “os direitos humanos são produto das lutas sociais”. Da mesma forma, José Geraldo de Sousa Junior disse que os movimentos “por reconhecimento e aquisições materiais permitem a humanização contínua de sujeitos, individuais e coletivos que se relacionam em uma experiência de humanização”. 

O professor também disse que “sem direitos verdadeiramente humanos a cidadania não se realiza e a dignidade do humano não se afirma plenamente”. Em locais em que não há respeito aos direitos humanos a população sofre com a “redução de dignidade que os impede se emanciparem, [são] excluídos e alienados cultural e legalmente, um estado de ‘subcidadania’, sub-humano, destituídos de direitos e de participação política”, segundo Sousa Junior

Certo que Elen Geraldes e eu próprio estamos falando desde uma perspectiva libertadora, uma plena educação para os direitos humanos, freireanamente considerada. Por isso que, por sua indicação, concorreu e foi contemplado no lançamento dos prêmios de direitos humanos (Anísio Teixeira) e de educação para os direitos humanos (Mireya Suárez), projeto coordenado pelas professoras Nair Heloisa Bicalho de Sousa (NEP/PPGDH) e Flávia Beleza (NEP) –O projeto Estudar em Paz ocorre desde 2009, com foco na mediação de conflitos, e já beneficiou mais de mil pessoas da comunidade escolar da educação básica do Distrito Federal – conforme matéria da Secom (https://www.noticias.unb.br/76-institucional/6208-unb-entrega-premio-de-direitos-humanos-a-11-projetos).

Tudo isso remete a um processo, diz Nair Heloisa Bicalho de Sousa, motivada pela leitura de Nita Freire em aludir à “pedagogia dos direitos humanos” como proposta freireana de “inserção crítica dos homens e das mulheres nas suas sociedades ao possibilitar-lhes terem voz, dizerem a sua palavra, biografarem-se (FREIRE, Ana Maria Araújo (Nita Freire). Acesso à Justiça e a Pedagogia dos Vulneráveis. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de GERALDES, Elen et al. Organizador. Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação. Série O Direito Achado na Rua, vol. 8. Brasília: FAC/UnB Livros, 2017, p. 69-77), uma base consistente, apta a constituir um programa de educação em e para os direitos humanos e a orientar a “construção de saberes, práticas pedagógicas e metodologias participativas da educação em direitos humanos” (cf. Retrospectiva Histórica e Concepções da Educação em e para os Direitos Humanos. In PULINO, Lúcia Helena Zabotto et al. (Orgs). Educação em e para os Direitos Humanos. Biblioteca Educação, Diversidade Cultural e Direitos Humanos volume II. Brasília: Paralelo 15, 2016, p. 73-124), cf. http://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-e-educacao-libertadora/.

 

 

                       

 

            Assim que, nas circunstâncias desta resenha e para contextualizar meus argumentos, recupero o completo depoimento que ofereci para a edição, a partir das questões propostas por seus repórteres, até para preservar o esforço de reflexão:

– Qual era o contexto histórico que levou à necessidade de se criar uma Declaração dos Direitos Humanos da ONU?

Término da segunda guerra mundial, um conflito que exacerbou a violência no teatro de operações, num conflito que projetou interesses vitais para a configuração de espaços territoriais para alavancar pretensões hegemônicas, mas que tinha embutida nas mobilizações projeções de concepções de mundo dissociadas do humano, sacrificadas às lógicas de acumulação: o capitalismo que sacrifica o social ao desempenho dos negócios; o socialismo de estado que subordina a subjetividade individual e os direitos fundamentais ao planejamento coletivista; o totalitarismo em suas expressões nazi-fascistas que sacrifica violentamente na opção eugênica, comunidades, povos, identidades, culturas que expressem o diferente. Em todas essas dimensões, o progresso operado pelo consumo canibalizador da natureza e o empreendimento colonizador produzindo a redução da dignidade humanas em suas incidências excludentes de classes, raças e gênero.

– Houve impactos à época em que a Declaração dos Direitos Humanos da ONU foi promulgada? Se sim, quais?

Sim. Nas mentalidades, exibindo o horror do holocausto e da descartabilidade do humano e de suas subjetividades reivindicantes contra as opressões e as espoliações, afetando o núcleo da emancipação legítima pela fome, pelo medo e as restrições às crenças e ao direito de reivindicar. As chamadas quaro liberdades fundamentais que balizaram o trabalho de preparação do documento (a Declaração), muito enriquecido pela contribuição de filósofos, entre eles Jacques Maritain e René Cassin. Fortemente liberal (as chamadas liberdades elementares) o texto, avançado, exortador, convocava ações públicas nos planos políticos, econômico, culturais, “Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão”. Aprovada por unanimidade, houve abstenções, de países de socialismo real, insatisfeitos por não terem as chamadas “liberdades alimentares” e os direitos de fundo econômico, político e cultural sido contemplados. Os pactos dos anos 1960 cuidaram de formular opções nesse plano e as declarações dos anos 1990 (Viena, Pequim, Cairo, Istambul, Teerã, Copenhague, Roma, Rio, Durban) trazendo novos temas (Populações, Mulheres, Moradia, Tolerância, Racismo e Xenofobia, Alimentação, Ambiente) e o protagonismo dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil.

– Quais foram os desafios à época para a adoção da Declaração dos Direitos Humanos da ONU?

Superar os antagonismos ideológicos inscritos nos conflitos não resolvidos com o fim da guerra e que se prorrogam no que o Papa Francisco vem chamando de “terceira guerra mundial em partes…com risco de se tornar total”.

– Quais são os atuais desafios para que os artigos previstos na Declaração dos Direitos Humanos da ONU sejam respeitados?

Saírem do plano retórico e celebratório, satisfeito com a reverberação filosófica de seus enunciados, enquanto meros enunciados e se projetarem para a política que organiza planos e programas de realização concreta. Aliás, o pensador e político Norberto Bobbio dizia exatamente isso: “o problema atual dos direitos humanos já não é a sua fundamentação, uma questão filosófica; mas a sua dimensão política e, em última análise jurídica. Não basta conceituá-los, é necessário exercê-los, fazê-los efetivos”.

– Como você avalia o trabalho da comunidade internacional na promoção dos direitos humanos? E do Brasil? E da UnB?

O sistema nacional, regional e global (universal) de direitos humanos se funcionalizou por meio de órgãos (assembleias, comissões) de elaboração, monitoramento (comissariados, relatórios, com acesso de pessoas individualmente e participação da sociedade civil) e julgamento (comissões e cortes). Nesse exato momento o Brasil está sendo sabatinado sobre o cumprimento de diretrizes e violações de direitos humanos, a partir dos tratados, das convenções e de recomendações. Muito em evidência, entre outros atos as violações, principalmente praticadas ou toleradas pelo próprio governo. Relevo para a Convenção 169 da OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais, notadamente por omissão ao cumprimento da exigência de consulta prévia, livre e informada, para atender a devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário, questão que ganhou muito relevo na América Latina e também no Brasil. Depois de um período de deliberada ação política hostil a esses direitos e até genocida (conforme já consta de livros didáticos internacionais e promoções judicias nacionais e internacionais), a abertura democrática para uma nova governança pautou definitivamente o reconhecimento dos direitos ancestrais dos povos originários, seus usos e seu direito a terra, territórios e modos de existir. Na UnB a sua própria história se confunde com a o reconhecimento e a atenção aos direitos humanos. Basta ler o Relatório da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB com significativos registros. E mais ainda as iniciativas acadêmicas (disciplina Direitos Humanos e Cidadania, criada em 1986 por iniciativa do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos, também instituído em 1986); a implantação dos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) em direitos humanos e cidadania; as políticas de ações afirmativas adotadas pioneiramente pela UnB, legitimadas por sua autonomia universitária e homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental). A UnB cuidou de criar uma Câmara de Direitos Humanos em seu Conselho Universitário e uma Secretaria de Direitos Humanos e nos próximos dias entregara aos agraciados os prêmios de direitos humanos (Prêmio Anísio Teixeira) e de educação em direitos humanos (Prêmio Mireya Suárez). O catálogo de monografias, dissertações e teses da UnB sobre o tema é um dos mais importantes repositórios do Brasil.

– Como pode ser explicado de forma simples o que são os direitos humanos?

À luz de tudo que aqui se expôs os direitos humanos não são as declarações, os monumentos ou sequer as ideias que sumariam as aquisições nesse campo, mas as lutas concretas por reconhecimento e aquisições materiais que permitem a humanização contínua de sujeitos, individuais e coletivos, que se inte-relacionam numa experiência de humanização.

– Qual a importância dos direitos humanos na vida de um cidadão?

Sem direitos verdadeiramente humanos a cidadania não se realiza e a dignidade do humano não se afirma plenamente.

– Quais são os prejuízos à vida de um indivíduo por viver em locais em que não se respeita os direitos humanos?

Sofrerem a redução de dignidade que os impede de se emanciparem, excluídos dos bens da vida, socialmente produzidos, excluídos e alienados cultural e legalmente, num estado de sub-cidadania, sub-humano, destituídos de direitos e de participação política (meras “ferramentas falantes” (estrangeiros, escravos, mulheres) como os classificava Aristoteles, sem a autonomia que constitui o “animal político”, o único que exerce funções e direitos na Pólis.

– Teria algo a mais a falar que não foi contemplado com as perguntas?

Somente na democracia, não apenas por realizar uma forma de governo, mas um projeto de sociedade, os direitos como relações podem se constituir e materializar condições de bem viver.

 

Com Antonio Escrivão Filho cuidamos de radicalizar essa passagem, da mera enunciação para uma perspectiva de realização, na direção de consumar uma compreensão dos direitos humanos como projeto de sociedade. Foi o que fizemos em livro – Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016 (ver meu Lido para Você http://estadodedireito.com.br/para-um-debate-teorico-conceitual-e-politico-sobre-os-direitos-humanos/).

Assim, cogitar da teoria e da história dos direitos humanos, especialmente, a partir do Brasil, parece algo pertinente, sobretudo desde uma aproximação que encontra, na América Latina, novos horizontes epistêmicos; no Estado, um complexo agente de garantia e, simultaneamente, de violação de direitos; e nas lutas sociais, o compromisso ético-político que põe em movimento e dá fundamento a uma sociedade livre, justa e solidária.

De um lado, recusar a abordagem linear segundo a qual os direitos humanos se manifestam por etapas, como se fossem um suceder de gerações, em espiral evolutiva,  de cujo evolver naturalizado derivassem os direitos individuais, civis e políticos, seguidos dos direitos econômicos, sociais e culturais. Em vez disso, buscar conferir os processos ou as dimensões, designadas num cotidiano de afirmação e de reconhecimento, do qual emergem de modo indivisível, interdependente e integralizados os direitos humanos, manifestados ontologicamente na realidade instituinte e deontologicamente, abrigados num plano de garantias institucionalizado.

De outra parte, rastrear a emergência dos direitos humanos como projeto de sociedade. Vale dizer, na consideração de que não se realizam enquanto expectativas de indivíduos, senão em perspectiva de coletividade, como tarefa cuja concretização se dá em ação de conjunto.

Assim sendo, partimos do debate conceitual dos direitos humanos, para esboçar o panorama do cenário internacional e de sua emergência histórica, no mundo e no Brasil. Para, desse modo, articular o seu percurso no contexto da conquista da democracia, assim designada enquanto protagonismo de movimentos sociais, ao mesmo tempo sujeitos de afirmação e de aquisição dos direitos humanos. Em relevo, pois, a historicidade latino-americana para acentuar a singularidade da questão pós-colonial forte na caracterização de um modo de desenvolvimento que abra ensejo para um constitucionalismo “Achado na Rua”. Problematiza-se, em conseqüência, os modos de conhecer e de realizar os direitos humanos, em razão das lutas para o seu reconhecimento, a partir das quais se constituem como núcleo da expansão política da justiça e condição de legitimação das formas de articulação do poder e de distribuição equitativa dos bens e valores socialmente produzidos”.

Em suma, compreender os direitos humanos dentro de “um programa que dá conteúdo ao protagonismo humanista, conquanto orienta projetos de vida e percursos emancipatórios que levam à formulação de projetos de sociedade para instaurar espaços recriados pelas lutas sociais pela dignidade”.

 

 

 

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

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