quinta-feira, 13 de novembro de 2025

 

Diversidade e Equidade: Olhares da Advocacia Pública

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Diversidade e Equidade: Olhares da Advocacia Pública. Aline Leal Nunes, Fernanda Mainier Hack. Kleidson Nascimento e Márcia dos Anjos (Organização). Salvador: Editora Mente Aberta, 2025, 312 p.

Interessante na edição da obra é que figura na organização o único homem com status autoral. Todas as demais autorias (incluindo a organização) são femininas, mulheres procuradoras e uma servidora de carreira em Procuradoria: Aline Teixeira Leal Nunes, Ana Carla Pires Meira Cardoso, Apoenna Alencar de Amaral Castro, Cintia Morgado, Claudia Zacarias Almeida Medici, Fabíola Marquetti Sanches  Rahim, Fernanda Mainier Hack, Ivania Lúcia Silva Costa, Lais Maria Costa Andrade, Laura de Araújo da Silva, Lenita Leite Pinho, Márcia dos Anjos, Margarete Gonçalves Pedroso, Mariana Andrade Vieira, Maristela Barbosa Santos, Martha Jackson Franco de Sá monteiro, Sara da Cunha Campos Rabelo e Suzana Magalhães Campos.

Elas traduzem desde seu ofício, mas com fundamentos que seus compromissos com a diversidade, a equidade que constituem o núcleo da função essencial de promoção da justiça, imprimem à atuação que realizam em procuradorias de estado.

Para Lenita Pinheiro, Presidente do Fonped (Forum Permanente de Equidade e Diversidade), ligado ao Conpeg (Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal) e para Aline Leal  Nunes, vice-presidente, “a iniciativa de organizar a coletânea teve como norte a compreensão de que a atuação institucional verdadeiramente transformadora passa pelo reconhecimento das desigualdades estruturais e pela proposição de caminhos concretos para enfrenta-las e para fomentar e fortalecer políticas públicas comprometidas com os direitos humanos”.

A obra conta com 16 artigos tratando, com essa disposição, de temas sobre Governança e Equidade Institucional; Gênero, Raça e Carreiras; Contratações e Responsabilidade Social; Direitos Socioambientais e Justiça Territorial e Comunicação, Cultura e Engajamento; e seu impacto social na advocacia pública em recíproca circuição, vale dizer, o impacto da advocacia pública, no social.

Assim é que Márcia dos Anjos, uma das autoras e organizadoras, que participa das atividades acadêmicas da pós-graduação em direito e em direitos humanos, no âmbito da disciplina O Direito Achado na Rua, confere a sua própria atuação, funcional e autoral, afirmando-se, tal como está em seus artigos na obra, mas especialmente na dedicatória manuscrita que me atribuiu ao me oferecer o livro, como o manifestar-se “de almas inquietas pelo uso do seu múnus público em busca da redução de desigualdades, no exercício de uma prática jurídica emancipatória”.

No Prólogo do livro, aliás, as organizadoras (e o organizador), justificam a publicação nesses fundamentos: “A advocacia pública, em sua essência, desempenha um papel fundamental na construção de uma sociedade justa e democrática. Ela é a guardiã dos direitos fundamentais, a defensora da legalidade e da justiça nas esferas governamentais. E, mais do que isso, a advocacia pública tem um papel estratégico na promoção da equidade e da diversidade, dentro da administração pública, sendo o pilar da implementação de políticas que busquem diminuir desigualdades e construir um futuro mais inclusivo para todas as pessoas”.

Na Apresentação da obra Inês Maria dos Santos Coimbra, Procuradora-Geral do Estado de São Paulo e Presidente do Conpeg, demarca o seu alcance:

Como procuradora-geral do Estado de São Paulo e presidente do Conpeg, vejo a urgência de uma advocacia pública que não apenas seja efi ciente e técnica, mas que abrace a legitimidade e a inclusão em sua essência. Não podemos nos dar ao luxo de ignorar os debates cruciais da nossa sociedade, e a equidade é, sem dúvida, um deles.

A diversidade não é pauta secundária; é o alicerce para construirmos instituições mais humanas, democráticas e verdadeiramente representativas. É por isso que o Fórum Permanente de Equidade e Diversidade (Fonped) – uma iniciativa do Conpeg – é tão significativo. Ele reflete nosso compro misso com a promoção de justiça dentro da própria advocacia pública.

Criado em 2022, o Fonped surgiu como resposta direta à necessidade de combater as desigualdades que, muitas vezes, persistem silenciosamente em nossas procuradorias estaduais. Refiro-me às questões de gênero, raça, orientação sexual, deficiência e outros marcadores sociais. A presença do Fonped no Conpeg demonstra nossa crescente consciência de que a advoca cia pública estadual precisa estar em sintonia com as transformações sociais e com a demanda por instituições mais inclusivas e representativas.

Esse é um passo fundamental, alinhado a uma pauta que ganha cada vez mais força no debate público. Reconhecemos que a diversidade e a equi dade são, de fato, pilares para o fortalecimento institucional. Ao analisar a composição de nossas PGEs, a distribuição das posições de poder e os obstáculos enfrentados por grupos historicamente sub-representados, o Fonped estabelece-se como um espaço contínuo para ouvir, diagnosticar e propor mudanças.

Para mim, o Fonped vai além de um grupo de trabalho, representando uma postura institucional clara: não podemos mais aceitar a exclusão como algo natural. A presença de mulheres, pessoas negras, LGBTQIAPN+, pes soas com deficiência e outras identidades diversas em nossas procuradorias não deve ser vista como uma exceção ou uma conquista individual. É exigência ética e republicana, que demanda políticas estruturadas, dados confiáveis, recursos adequados e, acima de tudo, vontade coletiva de transformação.

Os esforços do Fonped – como o diagnóstico nacional da força de trabalho nas PGEs, a articulação de representantes estaduais, a promoção de debates internos e a construção de estratégias inclusivas – dialogam dire tamente com os temas que este livro explora. Esta coletânea de artigos traz 9 10 | Apresentação – Inês Maria dos Santos Coimbra reflexões inestimáveis sobre os desafios e as potencialidades da advocacia pública sob a ótica da diversidade.

Em cada texto, percebemos a reafirmação de que o direito não é neutro e que as instituições só se transformam quando enfrentam ativamente as desigualdades que as permeiam. A obra busca ampliar o debate sobre equi dade na advocacia pública, ampliando a visibilidade e conferindo substância a experiências, conhecimentos e propostas que nos guiam para um futuro mais plural.

A equidade, para mim, não é um ideal abstrato; é prática diária, escolha institucional e compromisso com um Estado mais justo. Que este livro seja mais do que uma coletânea. Que seja instrumento para que a advocacia pú blica brasileira caminhe com firmeza rumo a uma cultura institucional que, em sua totalidade, reconheça e valorize a diversidade de seus membros e de sua missão.

De minha parte assinalo que a coletânea proporciona uma leitura emancipatória da advocacia pública porque desloca o ofício e a aplicação do direito da posição burocrática de defesa da máquina estatal, isolada num legalismo estiolante que bloqueia o olhar vigilante sobre as exigências do justo, incapaz de apreender o direito achado na rua (CANOTILHO, J. J. Gomes. Teoria da Constituição e do Direito Constitucional, nota 122). Ao contrário, com inspiração em teorias de sociedade e de justiça abre perspectivas para reconstruir-se como agente de efetivação de direitos humanos, promoção da justiça social e democratização do Estado.

Penso que essa forma de ativar o agir institucional guarda pertinência com os enunciados de O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática, que tem procurado atribuir à prática jurídica e da própria advocacia pública uma agência interesse público emancipatório, ou seja, uma advocacia voltada à realização concreta dos direitos humanos e sociais, à transparência administrativa e à inclusão dos sujeitos historicamente invisibilizados nas decisões do Estado.

Essa concepção rompe com a visão meramente técnica ou corporativa e insere a advocacia pública no campo das lutas sociais pela dignidade, como parte da construção de um “direito insurgente” — aquele que nasce de baixo, das ruas, dos movimentos e das demandas coletivas.

Nos marcos dessa corrente teórica, o direito é compreendido como: “expressão das práticas sociais de liberdade” (Lyra Filho, O que é Direito, 1982), tanto que, no que toca à advocacia pública, esta é convocada a ser mediadora dessas práticas de liberdade, reconhecendo os sujeitos coletivos de direito e orientando sua atuação não apenas pela legalidade formal, mas pela legitimidade democrática e pelo compromisso ético com os direitos fundamentais.

Concretizar a função social do Estado e não apenas defendê-lo formalmente; é fazer o controle interno da juridicidade com base nos direitos humanos; é agir como promotora da diversidade e da equidade dentro da administração e em suas políticas públicas; é abrir espaços institucionais de escuta e participação popular; é resgatar o sentido republicano da coisa pública, impedindo a captura privada do Estado.

Pode-se dizer, nesse passo, que a advocacia pública emancipatória é o exercício ético e político da defesa do interesse público fundado nos direitos humanos, na justiça social e na participação democrática, sendo expressão da juridicidade cidadã que transforma o Estado em instrumento da liberdade.

Sobre essa perspectiva emancipatória que convoca a advocacia pública e principalmente a defensoria pública, ver https://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-na-sociedade-acesso-a-justica-genero-e-protecao-de-direitos/https://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-e-as-possibilidades-de-praticas-juridicas-emancipadoras/;

https://estadodedireito.com.br/defensoria-publica-e-a-tutela-estrategica-dos-coletivamente-vulnerabilizados/.

Para onde tange essa perspectiva? Para escapar ao estiolamento formalista a que alude Canotilho. A mera enunciação de direitos, não se mostra suficiente para assegurar o respeito aos ditames essenciais para o regime democrático. Além da notória inflação legislativa, que em momentos críticos tende a reprimir com mais severidade, lesionar, ainda mais, os já lesionados e fragilizados, e a blindar, com mais força, os já extremamente poderosos e bem-sucedidos em suas empreitadas, temos o próprio agir judicial, que não reconhece potências nos destinatários das normas, que esbarra em questões técnicas de pouca importância e que atua em uma agir que fica distanciado dos reais conflitos que perpassam a sociedade e que marcam o distanciamento entre os muitos que não possuem quase nada e os poucos que tem quase tudo.

As audiências e os processos judiciais, físicos ou digitais, são marcados por hierarquias, submissão, poderes. Acredita-se no primado da lei e há uma crença (quase) inabalável no simbolismo da normatização. Uma verdadeira fé cívica na norma, que mastiga qualquer possibilidade de análise crítica em seus efeitos e em seus postulados, de tal sorte que direito material e processual se confundem quanto à relevância, em detrimento do bem da vida discutido e dos efeitos sociais implicados pela decisão. E, nisso, o direito e a rua se perdem para formalismos contrafactuais. Consagra-se uma estrutura sistêmica que obsta, ou dificulta sobremaneira, o atendimento sinestésico de magistrados, promotores, defensores e advogados com os reais interesses, preocupações e necessidades da vítima. A anestesia judicial, atenta expressão cunhada por David Sánchez Rubio (Encantos e desencantos dos direitos humanos: de emancipações, libertações e dominações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 128), afasta o elemento que poderia dotar de maior potencialidade o sistema judicial, que consiste em uma atuação mais próxima e atenta para a proteção dos direitos humanos, com sensibilidade, preocupação real, enfim, afetividade na atuação com populações diariamente vitimizadas por condições sociais desiguais (AMARAL, Alberto Carvalho. A violência doméstica a partir do olhar das vítimas: reflexões sobre a Lei Maria da Penha em juízo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017; AMARAL, Alberto Carvalho. Mulheres, violência de gênero e as dificuldades no acesso às proteções judiciais da Lei Maria da Penha. In: 13º Congresso Mundos de Mulheres e Seminário Internacional Fazendo Gênero, “Transformações, Conexões, Deslocamentos”. Florianópolis: UFSC, 2018).

A humanização do direito e do sistema judicial demanda, também, discutir o direito que se ensina e que é aprendido. Aponta-se, com bastante destaque, que o positivismo hermético, matriz adotada pelas nossas faculdades de direito e que é reforçada pela prática diária calcada em precedentes, enunciados, estudos para concursos, vai firmar uma docência e uma prática na qual “não há direito para os juristas. O que existem são leis. Logo, nossas faculdades não são de direito, são escolas técnicas de leis. Isso significa que está na hora de criarmos os cursos jurídicos no Brasil” (AGUIAR, Roberto A. R. de. O Imaginário dos Juristas. In CARVALHO, Amilton Bueno de (Diretor). Revista de Direito Alternativo, São Paulo, n. 2, 1993, p. 26), fazendo-se ressoar outros saberes e outras matizes de pensamento que não se vinculem e não exteriorizem um direito que se acha válido por si e que afaste a realidade na consideração de sua própria legitimidade.

Compulsando o trabalho o que se confirma é o desiderato assinalado por suas Organizadoras (e organizador), contando-se que cada texto é uma contribuição valiosa para a reflexão sobre a implementação de políticas públicas inclusivas e a construção de um serviço público mais acessível, plural e atento às diversas realidades e necessidades da sociedade. Aqui, o compromisso com a justiça não se limita à interpretação das leis, mas se estende à aplicação delas de maneira equânime, com respeito às diferenças e com um olhar atento para as questões de gênero, raça, orientação sexual e outras identidades muitas vezes marginalizadas.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

 

20 Anos das Promotoras Legais Populares – PLPs, do Distrito Federal e Entorno

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

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Foto de Eneida Bello Dultra

As Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e Entorno (PLPs/DF) promoveram nesse 8 de novembro, no NPJ – Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da UnB e Polo de Extensão da Universidade de Brasília, em Ceilândia, onde o projeto está instalado e desenvolve suas principais atividades, uma bonita, afetiva e memorialista celebração de seus 20 anos.

Matéria especial no site do CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria, conta um pouco mais sobre a história e a importância desse projeto. https://www.cfemea.org.br/index.php?view=article&id=11069:20-anos-das-promotoras-legais-populares-do-df-e-entorno&catid=562.

Mas uma visita à página do Projeto PLP na internet –https://plpunb.blogspot.com/p/atuacao.html – revela de modo bem completo a fortuna crítica do projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e Entorno.

Ali vamos encontrar que ele é inspirado na experiência produzida há mais de 25 anos no Brasil pela União de Mulheres de São Paulo e pela Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, do Rio Grande do Sul.

No Distrito Federal, as PLPs surgiram em 2005 e se estruturaram como projeto de extensão vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Atualmente, para além do projeto de extensão, as PLPs/DF também se identificam como um coletivo auto-organizado de mulheres que lutam pelo fim das opressões de gênero, raça e classe.

Uma das principais formas de atuação das PLPs consiste na oferta de um curso anual de formação de Promotoras Legais Populares, que conta com o apoio da Universidade de Brasília (UnB), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz).

O curso é voltado para mulheres de perfis econômico, social e cultural diferenciados e promove a formação das mulheres em noções de direito, gênero e cidadania a partir do método da educação popular. Assim, o curso se propõe a ser um espaço no qual as mulheres possam debater sobre suas realidades e construir sentidos sobre o direito e a sociedade a partir da categoria de gênero.

Também em https://www.cfemea.org.br/index.php?view=article&id=11069:20-anos-das-promotoras-legais-populares-do-df-e-entorno&catid=562, vamos poder conhecer que originado na década de 1990, o projeto é realizado em diversos estados e em vários formatos com apoio de Universidades, organizações feministas e instituições não governamentais, como promotor de processos emancipatórios por meio da prática da educação popular feminista. A primeira turma formada foi no Rio Grande do Sul, por iniciativa da Themis em 1993, organização feminista de Porto Alegre, em seguida em 1994, foi a vez de São Paulo, com a União de Mulheres de São Paulo. O projeto promove a formação de mulheres líderes comunitárias que orientam outras mulheres sobre direitos, acesso à justiça, combate à violência de gênero e discriminação.

Estive na celebração pelos meus vínculos estreitos com o projeto da UnB, do qual, aliás, fui o primeiro coordenador, em 2005, por convocação de alunas do curso de direito da da UnB, que queriam uma prática extensionista capaz de interpelar o dogmatismo positivista que frustrava suas mais utópicas expectativas de uma atuação jurídica de apoio à cidadania e aos direitos humanos, muito ausente quando não com viés redutor, limitando teórica e politicamente a sua formação.

Contei um pouco dessa fase em https://estadodedireito.com.br/a-promocao-da-cidadania-nas-ruas-defensoras-populares-dpe-go-2019-e-a-praxis-da-educacao-critica-e-popular-em-direitos-humanos-das-mulheres-para-alem-dos-muros-institucionais/ , ao resenhar o trabalho acadêmico de Isabella Silva Fitas. A promoção da cidadania nas ruas “Defensoras Populares (DPE-GO/2019)” e a práxis da educação crítica e popular em direitos humanos das mulheres para além dos muros institucionais. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Direitos Humanos e Cidadania, da Universidade de Brasília. Brasília: UnB, 2024, 108 fls e anexos.

Trouxe registros desse percurso inicial, com referência a estudo de Carolina Pereira Tokarski, Alguma Coisa Acontece na Faculdade de Direito, publicado no volume Direitos Humanos e Gênero: Promotoras Legais Populares editado pelo Projeto, com apoio da UnB, com registros de orientadores, monitoras/oficineiras e alunas da 5a Turma PLP/UnB.

Para Carolina Torkarski, uma das alunas líderes da mobilização que levou à institucionalização do projeto na UnB, a partir da constatação do modo empobrecedor que o curso jurídico trazia para a formação acadêmica, era decepcionante constatar a perda do brilho do olhar, da criatividade, da habilidade de urdir soluções novas, carentes de pressupostos deferentes e teorias transformadoras.

Ela e o grupo de estudantes que se mobilizaram para repensar a sua formação, carente de estudos de gênero, juntamente com a expectativa de pensar o jurídico com a mediação do sensível e da solidariedade, implicou uma adesão aos pressupostos da corrente teórico-política constituída ao embalo da crítica epistemológica animando também o campo do Direito na UnB na forma do projeto/movimento O Direito Achado na Rua. Elas também reivindicaram uma outra forma de inserção das estudantes-mulheres no contexto pedagógico emancipatório, direito como legítima organização social da liberdade que é o fundamento de O Direito Achado na Rua, e se lançaram a um experimento de extensão universitária, compartilhando com a comunidade do entorno da UnB, onde escolheram seu campo de trabalho, estímulo para leituras sobre as experiências de educação popular com mulheres, no modelo dos cursos de Promotoras Legais Populares que já existiam em outras partes do país, conduzidos por ONGs, a exemplo do Themis, à época dirigido por Denise Dora, uma das principais formuladoras dessa proposta no Brasil. As alunas leram avidamente o artigo de Virgínia Feix Em Frente da Lei tem um Guarda, do Themis, publicado no livro Educando para os Direitos Humanos. Pautas Pedagógicas para a Cidadania na Universidade, que organizei com colegas do Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos da UnB, no qual Vírginia, àquela altura Coordenadora Executiva do Themis, avalia a estratégia das lutas femininas, inclusive de Promotoras Legais Populares para utilizar o Direito como instrumento de transformação da realidade de exclusão das mulheres e enfrentamento de todas as formas de discriminação derivadas de uma das diferenças fundantes de nossa sociedade: a diferença de gênero.

Depois, em sua dissertação de Mestrado, Com quem dialogam os bacharéis em direito da Universidade de Brasília?: a experiência da extensão jurídica popular no aprendizado da democracia, defendida em 2009 na Faculdade de Direito da UnB, sob minha orientação, Carolina Torkarski interpela essa realidade e traz para o centro de sua análise crítica vários projetos de extensão da Faculdade de Direito da UnB e, notadamente, o Projeto Promotoras Legais Populares. A dissertação, ela mesma, é um registro da experiência pioneira da UnB pode ser conferida no Repositório de Teses e Dissertações da UnB, a partir da sua indexação.

Na página do Projeto já indicada, há uma seleção importante de livros, artigos, monografias, dissertações e teses que se voltaram para a identificação e a análise crítica do significado desse modelo emancipador de formação de mulheres em gênero e em direitos humanos. Basta ver alguns de seus desdobramentos notáveis: a institucionalização em Águas Lindas – GO, do projeto Vez e Voz, para enfrentamento de tráfico de pessoas, com o grande protagonismo da Promotora Legal Rosa Maria, recentemente falecida e por seu ativismo homenageada na celebração. Sobre o Vez e Voz, ver https://estadodedireito.com.br/sonhos-que-viram-pesadelos-o-trafico-de-pessoas-e-a-zona-do-nao-ser/, livro originado da monografia de Sabrina Beatriz Ribeiro, Sonhos que Viram Pesadelos: o tráfico de pessoas e a zona do não-ser. Salvador: Editora Segundo Selo, Coleção Monografias (Direito), 2025. Sabrina, ex-PLP desenvolve atualmente dissertação de mestrado sobre essa experiência. Ver também o debate no Forum Social Mundial Temático Justiça e Democracia: https://www.youtube.com/watch?v=3z_4_I_iLao. Sobre Rosa Maria, confira-se o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=KaT3sUwW-RE&t=3193s.

Outro importante desdobramento foi a criação em Brasília do Forum de Promotoras Legais Populares, que opera como um espaço político de agregação das promotoras legais populares formadas no projeto em apoio a sua atuação social. O Forum tem logrado assegurar cadeiras no Conselho de Defesa de Direitos da Mulher do Distrito Federal

Acho importante oferecer ao leitor um catálogo desse rico material de análise que forma a fortuna crítica do Projeto.

Livros:

SOUSA JUNIOR, José Geraldo; FONSECA, Lívia Gimenes Dias; BAQUEIRO, Paula de Andrade (Org.). Promotoras Legais Populares movimentando mulheres pelo Brasil: análises de experiências. Brasília: Universidade de Brasília, 2019, v. 1, 336p.

APOSTOLOVA, Bistra Stefanova; FONSECA, Lívia Gimenes Dias; SOUSA JUNIOR, José Geraldo (Org.). Introdução crítica ao direito das mulheres. Brasília: CEAD, Fundação Universidade de Brasília, 2014, v. 1, 210p .

Artigos:

COSTA, Bruna Santos; LIMA, Fernanda Truite Pereira; MENDES, Juliana Manhães; SENRA, Laura Carneiro de Mello; SANTOS, Luna Borges Pereira; RABELO, Mariana Cintra; COSTA, Renata Cristina de F. G. Direito, emancipação e cidadania: a experiência do projeto Promotoras Legais Populares no embate à violência contra a mulher e na transformação de realidades. Revista Participação. N. 15. Revista do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília. UnB. Brasília, 2009.

COSTA, Alexandre Bernardino; FONSECA, Lívia Gimenes Dias da; SOUSA, Nair Heloísa Bicalho de; BICALHO, Mariana de Faria. O Direito Achado na Rua: 25 anos de experiência de extensão. Revista Participação. Revista do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília. n. 18, UnB. Brasília, 2010.

FONSECA, Lívia G.D.; COSTA, Renata; SANTOS, Bruna; BORGES, Luna. Direitos humanos, gênero e cidadania:a experiência emancipatória das promotoras legais populares no Distrito Federal, Brasil. Revista Punto Género, editada por el Núcleo de Investigación en Género y Sociedad Julieta Kirkwood de la Facultad de Ciencias Sociales – Universidad de Chile, 2011.

DUQUE, Ana Paula Del Vieira; WEYL, Luana Medeiros; SOUSA, Lucas Ferreira Cacau de; JORGENSEN, Nuni Vieira. Promotoras Legais Populares: Repensando Direito e Educação para o empoderamento das mulheres. Revista Direito e Sensibilidade, vol. 1, n. 1, 2011.

DUQUE, Ana Paula Del Vieira; LIMA, Anna Beatriz Parlato de; CUSTÓDIO, Cíntia Mara Dias; WEYL, Luana Medeiros; SOUSA, Lucas Ferreira Cacau de; JACOBSEN, Luiza Rocha; JORGENSEN, Nuni Vieira. Direito e Gênero: o Projeto Promotoras Legais Populares e sua orientação à emancipação feminina. Revista Direito E Práxis, vol. 2, n. 1, 2011.

WEYL, Luana M. Combater a Feminização da Pobreza com Empoderamento Feminino – A Experiência do Projeto de Extensão Universitária: “Promotoras Legais Populares” da Universidade de Brasília. Anis. XI Congreso Iberoamericano de Extension Universitaria. Santa Fé, Argentina, 2011.

GIMENES DIAS DA FONSECA, Lívia; DE FARIA GONÇALVES COSTA, Renata Cristina; NEPOMUCENO NARDI, Diego. Extensão Popular Feminista por uma Universidade Democrática e Emancipatória/Feminist Popular Extension towards a Democratic and Emancipatory University. Revista Direito e Práxis, v. 6, p. 143-171, 2015.

Monografias:

SANTOS, Thalita Najara da Silva. Yalodês: mulheres negras na encruzilhada do direito achado na rua: a centralidade racial nas Promotoras Legais Populares do Distrito Federal. 2018. 97 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2018.

MENDONÇA, Cristiane Terra. Debate de Gênero e de Direitos: O Projeto De Extensão Promotoras Legais Populares/DF como instrumento de transformação social. Monografia (Bacharelado em Direito), Universidade de Brasília, Brasília, 2016.

COSTA, Juliana Barbosa da. Mulheres Latino-Americanas em Luta por Direitos: Aproximações entre o Projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal e o Pensamento Feminista Latino-Americano. Monografia (Bacharelado em Direito), Universidade de Brasília, Brasília, 2015.

CORREIA, Ana Elisa Banhatto. Primeira edição do Curso a Distância “Introdução crítica ao Direito das Mulheres”: uma experiência de educação popular jurídica e feminista. Monografia (Bacharelado em Direito), Universidade de Brasília, Brasília, 2015.

TOKARSKI, Carolina. A extensão nos cursos de direito à luz do humanismo dialético: a experiência do Projeto Promotoras Legais Populares. Monografia (Bacharelado em Direito),

Universidade de Brasília, Brasília: 2007.

Dissertações de mestrado:

FONSECA, Lívia Gimenes Dias da. A luta pela liberdade em casa e na rua: a construção do direito das mulheres a partir do projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal. 2012. 171 f. Dissertação (Mestrado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2012.

TOKARSKI, Carolina Pereira. Com quem dialogam os bacharéis em direito da Universidade de Brasília?: a experiência da extensão jurídica popular no aprendizado da democracia. 2009. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Universidade de Brasília, Brasília, 2009.

O projeto PLPs da UnB, enraizado e consolidado institucionalmente, atualmente coordenado pela Professora Lívia Gimenes Dias da Fonseca (depois de mim e antes dela, pelas professoras Bistra Stefanova Apostolova e Talita Tatiana Dias Rampin),T é uma ação paradigmática, reconhecida e premiada. Em 2017 foi Menção Honrosa – A – Educação Formal, do 5º Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos (Prêmio Ibero-Americano de Educação em Direitos Humanos); em 2019 I Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos, na categoria Organização da Sociedade Civil (Câmara Legislativa do Distrito Federal); e nesse 18 de novembro de 2024, recebe Menção Honrosa no IIIº PRÊMIO ANUAL DE DIREITOS HUMANOS ANÍSIO TEIXEIRA, da Universidade de Brasília, pela projeto PEAC Direitos Humanos e Gênero: capacitação em noções de direito e cidadania (Promotoras Legais Populares (PLP) -Faculdade de Direito (FD).

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

 

Lido para Você: Entre Versos e Lutas. O Direito Achado na Poesia e nas Vozes de Jovens Poetas que Fazem Parte do Sarau da Quarta, em Ceilândia, DF

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito, nesta edição, com Elisa Meirelles Reis*

Entre Versos e Lutas. O Direito Achado na Poesia e nas Vozes de Jovens Poetas que Fazem Parte do Sarau da Quarta, em Ceilândia, DF. Dissertação de Mestrado, defendida e aprovada no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania. UnB/Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, 2025, 105 fls.

Em uma das semanas mais tristes da história recente brasileira, em que mais de 100 pessoas, incluindo muitos jovens, foram mortos violentamente pela polícia do Rio de Janeiro, uma dissertação defendida no PPGDH colocou em destaque o grito das juventudes periféricas por Direitos Humanos. A dissertação, de autoria de Elisa Meirelles Reis, e sob minha orientação, trouxe à tona O Direito Achado na Poesia e nas Vozes de Jovens Poetas que participam do Sarau da Quarta, em Ceilândia, DF. Trata-se de um Sarau de poesia organizado, semanalmente, por jovens poetas e poetisas periféricos, dentro do espaço Cultural Cio das Artes, no Setor P-Norte, em Ceilândia.

Na banca, estavam a Profa. Dra. Adriana Andrade Miranda, que em março defendeu o doutorado também no PPDGH, sobre as mulheres coralinas; o prof. Dr. Menelick de Carvalho Netto; e o prof. Dr. Breitner Luiz Tavares, nascido em Ceilândia e hoje professor da UnB campus Ceilândia.

Elisa e eu decidimos escrever juntos este texto, incluindo aqui os slides utilizados na apresentação da dissertação. Em cada slide, é possível conhecer melhor o Sarau da Quarta por meio de fotos, a grande maioria delas de autoria de Vitor Miguel Mendes, um dos jovens que organiza o Sarau e foi entrevistado para a pesquisa. Eis aqui o resumo, juntamente com uma foto do palco do Sarau:

Como embasamento teórico, a pesquisa trouxe:

Com relação à metodologia, surgiu uma dúvida interessante durante a banca, que trazemos aqui. A dissertação foi escrita seguindo uma estrutura de pesquisa proposta em 1990, em tese apresentada durante a XIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Belo Horizonte (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Movimento Social – Emergência de Novos Sujeitos: O Sujeito Coletivo de Direito. Anais, Brasília: Conselho Federal da OAB, 1990, p. 307-315) e depois, de modo mais sistematizado, no texto “O Direito Achado na Rua: concepção e prática”, publicado no volume 1 da Série O Direito Achado na Rua. No texto, era colocado que “o sentido que orienta o trabalho político e teórico de O Direito Achado na Rua consiste em compreender e refletir sobre a atuação jurídica dos novos sujeitos sociais e, com base na análise das experiências populares de criação de direito:

  1. Determinar o espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciam Direitos;

  2. Definir a natureza jurídica do sujeito coletivo capaz de elaborar um projeto político de transformação social e elaborar a sua representação teórica como Sujeito Coletivo de Direito;

  3. Enquadrar os dados derivados destas práticas sociais criadoras de Direitos e estabelecer novas categorias jurídicas para estruturar as relações solidárias de uma sociedade alternativa em que sejam superadas condições de espoliação e de opressão do homem pelo homem e na qual o Direito possa realizar-se como projeto de uma legítima organização social da liberdade”. (Sousa Júnior, 1993)

Na defesa da Dissertação, no debate que se deu com a Banca, Elisa diz se lembrar de o professor José Geraldo ter abordado esses três pontos – a rua, o sujeito e os achados – chamando-os de “mediadores de ingresso no real”. Ela acreditou ser esse um termo e uma estrutura comum às pesquisas no campo de ODNAR. Baseou, então, sua dissertação nesses três mediadores, estruturando os capítulos de forma a analisar o espaço político do Cio das Artes, em Ceilândia, onde acontece Sarau da Quarta; o Sarau em si, enquanto Sujeito Coletivo de Direito; e os achados que ele traz, por meio das poesias, para o debate acadêmico sobre Direitos Humanos.

Sabendo serem esses os três objetivos que norteariam a dissertação, ela foi desenvolvida usando como método a Pesquisa Ação-Participativa, proposta pelo colombiano Falls Borda (2007). Ao longo de todo o texto, além das vozes de jovens poetas e poetisas, e das vozes teóricas, foram trazidas as poesias em si, reproduzidas na íntegra, como fonte também de diálogo.

Seguindo a proposta de Borda de uma pesquisa sentipensante, que une coração e cabeça e busca romper com as hierarquias entre pesquisadora e pesquisados, a dissertação buscou ampliar e dar destaque à voz dos poetas e poetisas que fazem parte do Sarau da Quarta. Para tanto, foram realizados 2 anos de observação participante do Sarau, com muitas conversas e trocas com os participantes; foi feita uma análise de uma antologia poética publicada pelo Sarau; e foram realizadas 5 entrevistas individuais com o criador do Espaço Cultural Cio das Artes e quatro jovens poetas que organizam o Sarau da Quarta:

A partir dessas entrevistas, análises e observações, os resultados da dissertação foram divididos em três capítulos, seguindo aquela estrutura de pesquisa proposta por José Geraldo em 1993.

Começando pelo primeiro mediador: o espaço político no qual se desenvolvem práticas que enunciam direitos. A dissertação apresentou o território de Ceilândia, com seus desafios e também suas lutas; o Espaço Cultural Cio das Artes; e o Sarau da Quarta.

      

A partir daí, a dissertação entrou no segundo mediador de ingresso no real, analisando o Sarau da Quarta enquanto um novíssimo Sujeito Coletivo de Direito, mostrando que existe uma conexão possível entre o Sujeito Coletivo de Direito e os novíssimos movimentos sociais, como os coletivos. Neste sentido, o Sarau da Quarta traz todas as características que o legitimam como Sujeito Coletivo de Direito, ao mesmo tempo em que se caracterizam como um novíssimo movimento social, muito menos oficializado, estruturado e perene.

    

Por fim, a dissertação trouxe “O Direito Achado na Poesia”, apresentando as contribuições que jovens poetas e poetisas trazem ao debate teórico sobre Direitos Humanos. Para tanto, foi analisado o livro “Sarau da Quarta: Antologia Poética”, lançado em 2024, reunindo escritos de 45 poetas e poetisas periféricos que passaram pelos palcos do Sarau em seus dois primeiros anos.

Foram escolhidas 11 poesias do livro, que dialogam com quatro conceitos operacionais fundamentais ao debate acadêmico sobre Direitos Humanos: raça, gênero, classe e O Direito Achado na Rua. A partir daí, as poesias foram colocadas em diálogo com esses conceitos, mostrando que o que se discute no Sarau da Quarta também faz parte da construção teórica, da formação dos jovens e do debate sobre Direitos Humanos.

           

A dissertação termina mostrando a força do Direito Achado na Poesia, como já bem colocava Roberto Lyra Filho, ao que cada poeta apresenta, por meio da poesia, um dos inúmeros retratos possíveis de um determinado momento histórico, trazendo a fala de um grupo ao qual pertence (Lyra Filho, 1972).

E a banca terminou com um vídeo, apresentado por Elisa, do momento em que ela entregou a dissertação ao criador do Espaço Cultural Cio das Artes. Essa foi uma prática adotada pela pesquisadora, de não só abrir espaço para que jovens poetas e poetisas falassem por meio da pesquisa, mas também entregar o texto antes a eles, para que pudessem ler e opinar sobre os resultados.

Entre Versos e Lutas. O Direito Achado na Poesia e nas Vozes de Jovens Poetas que Fazem Parte do Sarau da Quarta, em Ceilândia, DF. Dissertação de Mestrado, o instigante trabalho acadêmico elaborado por Elisa Reis, que não poderia deixar de assinar a sua própria recensão da obra acadêmica que elaborou, é uma expressão destacada de apropriação do real pelo discurso literário.

A resenha colima um rico catálogo de estudos mediados pelo artístico, o literário e o poético, distribuídos circunstancialmente pelos espaços da Coluna Lido para Você. Com tal intensidade e relevo que mereceram da Editora do próprio Jornal Estado de Direito, um incentivo para que fosse publicado em edição específica, um primeiro conjunto de textos referidos ao Direito, ao Cinema e à Literatura (José Geraldo de Sousa Junior. Lido para Você: Direito, Cinema e Literatura – São Paulo : Editora Dialética, 2023. 168 p. (https://loja.editoradialetica.com/humanidades/lido-para-voce-direito-cinema-e-literatura), conforme melhor indicado em https://estadodedireito.com.br/lido-para-voce-direito-cinema-e-literatura/.

São leituras que desvendam no discurso artístico o intuir que não precisa fundamentar, explicar, disponibilizando-se, como se tem, exemplarmente, em Entre Versos e Lutas. É um modo de conhecer que revela o real, e o expõe em compreensão direta e sem mediações. Conforme lembra o grande acadêmico de Coimbra Eduardo Lourenço (Mitologia da Saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999), a arte, o teatro, o cinema, muito expressivamente a literatura, a música, a poesia, não são um delírio, mas a apropriação do real por meio de uma outra linguagem.

*Coluna assinada com Elisa Meirelles Reis, autora da Dissertação que é seu objeto de recensão