sexta-feira, 22 de agosto de 2025

 

UFFS celebra aula inaugural do Mestrado Profissional em Direitos Humanos no Campus Realeza

Solenidade também marcou defesa pela implementação do curso de Direito, apontado como prioridade pelas audiências públicas do PDI

Assessoria de Comunicação Campus Realeza — 18 de Agosto de 2025 — Atualizado em 19/08/2025

Créditos: Ariel TavaresUFFS celebra aula inaugural do Mestrado Profissional em Direitos Humanos no Campus Realeza

Novo mestrado conta com 20 estudantes na primeira turma, além dos 16 cursistas de disciplinas isoladas

Numa noite considerada histórica, a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) - Campus Realeza promoveu, na última sexta-feira (15), a aula inaugural da primeira turma do Mestrado Profissional em Direitos Humanos. O evento lotou o auditório e simbolizou a consolidação de um projeto, bem como um avanço para a interiorização da pós-graduação no Brasil. O início das atividades acadêmicas do curso também foi marcado pela palestra do renomado jurista José Geraldo Sousa Junior, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB). 

A solenidade reuniu autoridades acadêmicas, docentes, técnicos e estudantes. E na ocasião, o reitor da UFFS, professor João Alfredo Braida, celebrou a inauguração do curso destacando o caráter público e popular da instituição, além da responsabilidade de atuar no interior do país. “A implantação desse programa é mais um tijolo na efetivação do projeto de universidade que está aqui para olhar os problemas, para as dificuldades, para as demandas das pessoas que vivem neste lugar e ajudar a refletir sobre os problemas, as demandas, as necessidades desta região e, assim, ajudar a construir soluções”, enfatizou.  

O coordenador do curso, professor Antônio Valmor de Campos, iniciou agradecendo a todos que transformaram o sonho do mestrado em realidade, reforçando que o programa nasceu de uma mobilização coletiva. Em um gesto simbólico, convidou os 20 estudantes da primeira turma, além dos 16 cursistas de disciplinas isoladas a se levantarem, recebendo-os com afeto: "Sejam todos bem-vindos; vocês carregam o esperançar da luta pela dignidade, pela equidade, pela tolerância, pela liberdade e pela universalização dos direitos", disse. 

O papel central das especializações em Direitos Humanos oferecidas anteriormente foi lembrado pelo diretor do Campus Realeza, professor Marcos Antonio Beal. Ao longo de quatro edições (2016, 2018, 2020 e 2023), 108 estudantes concluíram o curso. "Hoje vivemos a materialização de uma promessa feita a cada turma das nossas especializações em Direitos Humanos”, comemorou.  

A mesa de honra contou ainda com a presença da vice-reitora da UFFS, Sandra Simone Hopner Pierozan, do pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da UFFS, Joviles Vitório Trevisol, da coordenadora adjunta de pesquisa e pós-graduação do Campus Realeza, Vanessa Silva Retuci, e a estudante do curso de mestrado, Wellen Pereira Augusto. Todos fizeram pronunciamentos destacando a importância do curso para a instituição, especialmente para a região onde está inserido. O curso será ofertado nos campi Realeza (PR), Chapecó (SC) e Erechim (RS).

Luta pelo curso de Direito na UFFS - Campus Realeza

Como parte da solenidade, o diretor do Campus Realeza entregou pessoalmente ao professor José Geraldo uma carta solicitando apoio para a implantação do curso de bacharelado em Direito no Campus Realeza. A construção da proposta pedagógica do curso está em estágio avançado de elaboração, a qual é elaborada por uma comissão específica.

“Gostaria de fazer uma referência especial ao fato de que o Campus Realeza está em meio a uma luta importante pela implantação do curso de Direito, fundamentado nas ideias da nova Escola Jurídica Brasileira e do projeto Direito Achado na Rua, que tem como um dos idealizadores o professor José Geraldo. Este movimento busca trazer uma abordagem crítica e transformadora ao ensino jurídico, com o foco no social, nos direitos humanos e nas demandas da sociedade”, defendeu o professor Marcos Antônio Beal. 

A carta reforça que o curso de Direito foi apontado, durante audiências públicas, como a principal prioridade para o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UFFS para o ciclo 2025-2032. “A proposta está vinculada ainda à Escola de Administração Pública do Sudoeste do Paraná, consolidando-se como uma ação estratégica que visa não apenas a formação de profissionais qualificados, mas também o desenvolvimento regional sustentável, em sintonia com as demandas de justiça social e cidadania”, conforme o documento. 

 Palestra "Direitos Humanos: o que o contexto contemporâneo sugere?"

Em sua fala, o professor José Geraldo de Sousa Junior apresentou uma reflexão crítica sobre o papel e os desafios contemporâneos dos direitos humanos, destacando a natureza viva, coletiva e em constante transformação. “Os direitos humanos não são as declarações, não são os monumentos. O que eu quero dizer é que aquilo que se expressa nos símbolos não necessariamente é a representação da ilha que é a realidade que está sendo participada. Os direitos humanos são as lutas sociais da dignidade humana. É o que faz um direito achado na rua, dialogar com os movimentos sociais, extraindo a dimensão real do que nas palavras se revela ou se oculta”, argumentou. 

Também alertou para o poder da linguagem, mostrando como os termos carregam significados históricos que podem reforçar desigualdades de gênero, classe ou raça, e ressaltou a importância de problematizar esses usos no campo jurídico e social. “Pense que as palavras que a gente utiliza, elas não são neutras, elas não são vazias de sentido, elas são todas construídas pelo impulso e condições sociais de pontos políticos”, destacou José Geraldo. 

Por fim, José Geraldo enfatizou que os direitos humanos são uma construção permanente, além de se renovarem diariamente a partir das experiências de inclusão, justiça social e participação popular — valores que, segundo ele, também estão na base do projeto de universidade pública representado pela UFFS. “Os direitos são criados todos os dias. E essa universidade é fruto dessa leitura do que são as lutas e elas são construídas porque todos os movimentos sociais reivindicaram inclusão, acesso, afirmação, política de afirmação”, disse.

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

 

Por uma Educação e Sociedade do Bem Viver: Rumo a uma Abordagem Holística e Sustentável

|

 

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Jair Reck. Por uma Educação e Sociedade do Bem Viver: Rumo a uma Abordagem Holística e Sustentável. Tese apresentada a Universidade de Brasília–UnB, como requisito parcial para promoção na carreira docente de titular. UnB/Planaltina (FUP), 2025, 263 fls.

A Titulação se estabeleceu desde o diálogo interpelante com a Banca Examinadora formada por mim que a presidiu e pelos professores Valdo José Cavallet – UFPR- Titular; Antônio Dari Ramos – UFGD- Titular Losandro Antônio Tedeschi – UFGD- Titular; Marcelo Ximenes Aguiar Bizerril-– UnB- Suplente e Odorico Ferreira Cardoso Neto- UFMT- Suplente.

De acordo com o resumo, a tese

concentrou-se na filosofia do Bem Viver como uma alternativa holística e sustentável aos modelos dominantes de desenvolvimento e educação, buscando caminhos para uma sociedade maisjusta e em harmonia com a natureza. Estruturada em duas partes, a pesquisa inicialmente estabelece as bases teóricas e filosóficas do Bem Viver, investigando suas raízes em saberes ancestrais e milenares de povos originários da América Latina e de outras regiões, e contrastando-as com as lógicas do colonialismo histórico e do neocolonialismo capitalista contemporâneo. Analisa-se o conceito de Bem Viver (Sumak Kawsay/Suma Qamaña/tekoá-porã) e sua aplicação prática nos Estados Plurinacionais da Bolívia, Equador e além destes, destacando princípios como coletividade, direitos da Mãe Terra, espiritualidade integradora e equilíbrio socioambiental. A primeira parte também conecta o Bem Viver às Epistemologias do Sul e a campos como a ecologia política, a agroecologia e o Ecossocialismo, apresentando-os como contrapontos ao paradigma eurocêntrico e desenvolvimentista. A segunda parte da tese foca na aplicação destes princípios no contexto educacional e social brasileiro. Realiza-se uma crítica àsinstituições escolares e universitárias atuais, apontando seu caráter frequentemente reprodutivista e alienante, e propõe-se uma educação cooperativa, criativa, ecológica e contextualizada, comprometida com o Bem Viver. São examinadas as potencialidades e desafios para transformar o Bem Viver em políticas públicas, analisando exemplos como a experiência pedagógica da UFPR Litoral e a consonância dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e do sistema educacional brasileiro (pós-Constituição de 1988) neste, a política de educação do campo e as perspectivas na relação com a filosofia do Bem Viver. Portanto, reafirmando a urgência de adotar o Bem Viver como horizonte para superar as crises contemporâneas, enfatizando a necessidade de mudanças culturais, políticas e institucionais profundas, baseadas na participação social, na valorização da diversidade epistêmica, da sabedoria ancestral e no respeito a todas as formas de vida.

 

Dividida em duas partes, na primeira, depois da Introdução e de Notas Iniciais oferecendo o Objetivo Geral e os Resultados Esperados, a Tese percorre um roteiro analítico à exaustão que logo exibe a perspectiva não só epistemológica do Autor mas sua inserção política inteiramente desvelada no trabalho, que se exibe no Sumário:

 

PRIMEIRA PARTE

POR UMA EDUCAÇÃO E SOCIEDADE DO BEM VIVER: RUMO A UMA ABORDAGEM HOLÍSTICA E SUSTENTÁVEL

1 COMPREENSÕES E RESISTÊNCIAS DAS SOCIEDADES MILENARES E ANCESTRAIS

2 COLONIALISMO DE ONTEM, O NEOCOLONIALISMO CAPITALISTA E A

RESISTÊNCIA DOS POVOS SUBJUGADOS

2.1 As novas formas de neocolonialismo contemporâneas

2.1.1 Novos colonialismos

2.1.2 Recolonização planetária

3 O CONTRAPONTO SÓCIO-EPISTÊMICO AO NECOLONIALISMO DESDE O SUL GLOBAL

3.1 Para além da decolonialidade e das epistemologias do sul: a contracolonialidade

3.2 José Martí: Um Pioneiro do Pensamento Contracolonial na América Latina

3.3 Complementaridade Contracolonial entre a filosofia do Bem Viver e a filosofia Ubuntu

4 O BEM VIVER DESDE O ESTADO PLURINACIONAL DA BOLÍVIA, EQUADOR E PARA ALÉM

4.1 Conceitos de bem viver na Bolívia, Equador e para além

4.2 Algumas das principais características da filosofia do Bem Viver

4.2.1 Coletividade, comunidade e os direitos da Mãe Terra

4.2.2 Vida plena e espiritualidade integradora

4.2.3 Sustentabilidade e Equilíbrio

5 O ESTADO PLURINACIONAL DA BOLÍVIA, EQUADOR E PARA ALÉM

5.1 Características dos Estados plurinacionais

5.1.1 Reconhecimento da plurinacionalidade

5.1.2 Democracia radical, autonomia indígena e governança

5.1.3 Cosmovisão andina na política plurinacional

5.1.4 Direitos sociais e econômicos

5.1.5 Perspectivas de superação do desenvolvimento capitalista e o mundo do trabalho

6 A NECESSIDADE URGENTE DA HUMANIDADE VOLTAR-SE PARA O HORIZONTE DO BEM VIVER – NA PRÁXIS DO REENCONTRO COM A NATUREZA E SUAS ALTERIDADES

7 ECOLOGIA POLÍTICA E AGROECOLOGIA, HERDEIRAS E CAMPO FÉRTIL DOS SABERES E FAZERES ANCESTRAIS: CAMINHOS INTEGRADORES DA PRÁXIS DO BEM VIVER, HORIZONTE PARA UMA VIDA COMUM E SAUDÁVEL

7.1 Bem Viver e Ecossocialismo: ConvergênciaseDiálogos

REFERÊNCIAS

SEGUNDA PARTE

DA EDUCAÇÃO E SOCIEDADE QUE TEMOS: MIRANDO-SE NO HORIZONTE DA FILSOFIA DO BEM VIVER 8 POR UMA EDUCAÇÃO COOPERATIVA, CRIATIVA, ECOLÓGICA, COMPROMETIDA COM O BEM VIVER

9 COMO A INSTITUIÇÃO ESCOLA/UNIVERSIDADE TRATAM DA QUESTÃO DO SENTIDO-SIGNIFICADO DA APRENDIZAGEM E OS DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO DA FILOSOFIA DO BEM VIVER

10 PRINCÍPIOS DO BEM VIVER, SEUS FUNDAMENTOS, COM BASE EM FILOSOFIAS INDÍGENAS E DEMAIS CULTURAS QUE PROMOVAM UMA EDUCAÇÃO PARA UMA VIDA HARMONIOSA

11 BEM VIVER, PRINCÍPIOS E VALORES PARA VIVENCIAR EM TODAS AS

FASES DA VIDA EDUCACIONAL – ALGUMAS APROXIMAÇÕES

11.1 Educação integral, holística-comunitária

11.2 Educação ambiental, sustentabilidade intracultural e intercultural

11.3 Cultura se cooperação e solidariedade para o Bem Viver

11.4 Autocuidado e bem-estar coletivo para o Bem Viver

11.5 Participação comunitária, autonomia, cidadania crítica e ativa

11.6 Relação entre o saber e o fazer na práxis do Bem Viver

11.7 Ética do cuidado com o(a) outro(a) e a cultura da paz

12 PARA IMPLEMENTAR NA PRÁXIS, OS PRINCÍPIOS, VALORES E FUNDAMENTOS NA BUSCA PELO BEM VIVER, ALGUMAS ESTRATÉGIAS PODEM SER ADOTADAS

12.1 Aprendizagem baseada em projetos e problemas da realidade nas/das comunidades

12.2 Educação experiencial voltadas para o Bem Viver

12.3 Uso de tecnologias educacionais

12.4 Conexão com a cultura local

12.5 Avaliação formativa e autêntica

13 COMO TRANSFORMAR O BEM VIVER EM POLÍTICAS PÚBLICAS, ALGUMAS PERSPECTIVAS

13.1 Revisão do conceito de desenvolvimento para o Bem Viver

13.2 Políticas ambientais para o Bem Viver

13.3 Democratização da tomada de decisões para o Bem Viver

13.4 Educação intercultural para o Bem Viver

13.5 Economia solidária e cooperação para o Bem Viver

13.6 Direitos humanos e da natureza em equidade para construção do Bem Viver

13.7 Saúde comunitária e medicina tradicional para o Bem Viver

13.8 Exemplos práticos

14 PRÁXIS POLÍTICA-PEDAGÓGICA DE INTENCIONALIDADE EMANCIPATÓRIA, O CASO DA UFPR LITORAL

14.1 Especialização em Alternativas para uma Nova Educação – ANE

15 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE DO BRASIL-SUS COM FUNDAMENTO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – SUA CONEXÃO COM A BASE DE VALORES DA FILOSOFIA DA PRÁXIS DO BEM VIVER

16 O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO DESDE A CONSTITUIÇÃO DE 1988

E A FILOSOFIA DO BEM VIVER

16.1 A educação e a práxis do Bem Viver no Brasil

17 EDUCAÇÃO DO CAMPO: POSSIBILIDADE DE UMA POLÍTICA PÚBLICA EMANCIPATÓRIA

18 ALGUNS DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO BEM VIVER NAS POLÍTICAS PÚBLICAS E REFLEXÕES EM ABERTO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

ANEXO – Uma Vida Dedicada à Educação Como Processo Emancipatório: Reflexões e Memórias das Vivências Político-Pedagógicas

O arranjo analítico da tese, à luz do sumário, por si indica a satisfação do requisito de ineditismo, mérito e originalidade da tese apresentada. Num primeiro plano, o trazer para fundamento teórico do trabalho, considerando a realidade empírica analisada, experiências brasileiras, o bem viver (Sumak Kawsay/Suma Qamaña/tekoá-porã) e sua aplicação prática nos Estados Plurinacionais da Bolívia, Equador e além destes, destacando princípios como coletividade, direitos da Mãe Terra, espiritualidade integradora e equilíbrio socioambiental), tão espontâneo na realidade andina desde o imaginário dos seus povos originários e ancestrais.

Referi-me a isso, entre outros escritos, em https://estadodedireito.com.br/chaninchay-rondando-en-los-pueblos-por-justicia-seguridad-y-buen-vivir/, para inferir das origens e das culturas constitutivas de Abya Yala e dos Andes, especificamente, as condições que  regulamentaram sua interação e ordem social através de instituições originarias as quais inferem princípios e valores que sustentam suas normas, práticas e costumes, os mesmos que com a conquista e subsequente imposição do Estado baseado num “direito tradicional positivo”,  fazendo que essas práticas e conhecimento da justiça indígena sejam subordinada por um sistema jurídico ocidental positivo através da inserção de categorias artificiosas como a coordenação desde a perspectiva unívoca e hegemônica.

E como contribuição para adensar conhecimentos que se fundem nessa categoria, o poder localizar as potencialidades e desafios para transformar o Bem Viver em políticas públicas, analisando exemplos como a experiência pedagógica da UFPR Litoral e a consonância dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e do sistema educacional brasileiro (pós-Constituição de 1988) neste, a política de educação do campo e as perspectivas na relação com a filosofia do Bem Viver.

Muito particularmente o poder abrir perspectivas pedagógicas para estabelecer pautas para uma educação emancipatória, enfatizando a necessidade de mudanças culturais, políticas e institucionais profundas, baseadas na participação social, na valorização da diversidade epistêmica, da sabedoria ancestral e no respeito a todas as formas de vida, condição, aliás, que Jair Reck recupera de seu percurso, tal como ele já experimentara enquanto reflexão, em texto de 2005 – Por uma educação libertadora: o ideário político-pedagógico do educador cubano José Martí. Cuiabá: EdUFMT – como modo de realizar, tal como coloca o bispo Pedro Casaldáliga, na Apresentação, disposição com a qual que “educadores e militantes deveriam retomar a força transformadora da educação integral como o primeiro serviço à formação das pessoas e dos povos da Pátria Grande”.

Assim que Jair, na tese finaliza com desafios para Implementar o Bem Viver nas Políticas Públicas. De fato, para ele, a implementação do Bem Viver enfrenta obstáculos estruturais e culturais. Entre eles, destacam-se: a influência de grandes corporações, sobretudo do setor extrativista; o conflito entre o modelo capitalista e a cosmovisão indígena; e a resistência à mudança de mentalidade, tanto na sociedade quanto nos governos, ainda guiados por paradigmas de crescimento econômico tradicional.

Transformar o Bem Viver em política pública exige abordagem sistêmica, com mudanças profundas culturais, políticas e institucionais. É um processo de longo prazo, dependente de participação social ampla e do reconhecimento dos saberes indígenas e de outras culturas que cultivam práticas sustentáveis.

Se bem caiba ao Estado corrigir falhas do mercado e promover mudanças estruturais, a principal responsabilidade, entretanto, é da sociedade, que, a partir das comunidades, deve organizar-se de forma igualitária para alcançar equidade e equilíbrio. O Bem Viver requer integração com a natureza, compromisso intergeracional e sintonia com todas as formas de vida.

Para uma sociedade do Bem Viver, é necessário superar a lógica capitalista e seus mecanismos ideológicos, promovendo uma cultura de paz baseada em cooperação, solidariedade, respeito e diálogo. Devem-se valorizar as diferenças e buscar soluções pacíficas para conflitos, visando uma dimensão integrativa, regenerativa e ecossocialista.

Práticas sustentáveis devem permear produção, consumo e gestão ambiental, respeitando limites planetários, garantindo equidade e combatendo discriminações. É essencial ampliar a democracia participativa e fortalecer o protagonismo comunitário.

A educação deve ter abordagem holística, voltada à compreensão crítica da realidade e ao compromisso com a superação de injustiças, englobando dimensões emocionais, políticas, ecológicas, econômicas e sociais, pautada na ética do cuidado.

Ao mesmo tempo, relações solidárias e cooperativas devem fortalecer redes comunitárias, reconhecendo e valorizando a diversidade cultural, étnica, religiosa e de gênero. É preciso também fomentar consciência ecológica desde a infância, priorizando as comunidades locais e seus saberes tradicionais.

Portanto, promover o Bem Viver requer transformação profunda das estruturas psíquicas, sociais, ecopolíticas e econômicas. É um caminho de esperança que pode levar a comunidades saudáveis, equilibradas e sustentáveis, onde a economia sirva à vida, à felicidade e ao respeito pela natureza.

Em sua arguição, o professor Antonio Dari Ramos, sintetizou a tese de Jair Reck,  numa metáfora sensível e elegante: A vida que pulsa a partir das margens. Retenho uma passagem do belo comentário que ele enviou por escrito ao final da defesa:

O texto Por uma educação e sociedade do bem viver: rumo a uma abordagem holística e sustentável, que ora analiso, é vida que pulsa a partir das margens, um grito contra as injustiças e em favor de um mundo novo. Nele, Jair Reck expressa, a partir de sua militância tanto nos movimentos sociais quanto na educação formal, sua convicção e crença numa humanidade despojada de outras pretensões que não a de viver bem, em harmonia consigo mesma e com a natureza. Por ser expressão do modo de pensar e viver de Jair, ele não é composto apenas de palavras, mas de experiências pessoais calcadas em um intenso compromisso com a dignidade humana. Convivi mais diretamente com Jair entre 1989 e 1994, e sempre o vi extremamente solidário e abnegado, ao mesmo tempo profundamente inquieto, sonhador, comprometido politicamente com o pensamento libertário e revolucionário, além de indignado com os rumos que a humanidade toma em direção à morte, o que conserva ainda hoje, como se vê no texto apresentado.

O texto é provocativo, repleto de utopias que valorizam as experiências dos povos tradicionais, especialmente africanos e indígenas, mas também da UFPR, de projetos educacionais, do SUS, do MST e da Licenciatura em Educação do Campo, tomados como caminhos para a superação das mazelas coloniais ainda presentes entre nós. Mais do que apoiar-se em teorias de gabinete ou, como diz, em filosofias abstratas, Jair busca inspiração nos saberes tradicionais de grupos humanos que foram e continuam sendo silenciados pela colonialidade, reconhecendo que sua práxis filosófica pode ser a chave para tal superação, hipótese que ele apresenta e conclui com êxito ao longo do trabalho

O texto repete, direta ou indiretamente, que as comunidades tradicionais não são comunidades do passado. Elas se reinventam constantemente. Sua ancestralidade aponta para um futuro, não para o passado, de modo que o teko porã é uma bússola a ser perseguida para superar os traumas do colonialismo reiterado. Quanto a isso, há que se reafirmar que todos os povos indígenas foram e são vítimas do colonialismo e sofrem violências de todos os tipos, porém muitos deles continuam resistindo às investidas de seus agentes. No Mato Grosso do Sul, isso não é diferente, mas o esbulho territorial os torna dependentes do capitalismo para o atendimento de suas necessidades básicas. O problema é que seu acesso ao capitalismo se dá a um preço que está acabando com eles próprios e com o sentido mesmo da existência, de modo que a taxa de suicídio entre eles é mais de dez vezes superior do que entre o restante da população brasileira, num evidente sintoma da perda de sentido da vida. Sua situação de confinamento territorial é, certamente, a principal causa.

A resistência ao colonialismo praticada ao longo da história por quilombolas e povos indígenas, negando-se a serem colonizados, é o que leva Antônio Bispo a se dizer contracolonial e não decolonial, uma vez que acredita que os quilombos não foram colonizados. Isso é expresso na tese de Jair, à página 49, quando ele critica a categoria da “decolonialidade”, devido ao prefixo “de” significar depressão, deterioração. Resta o desafio, então, de articular teoricamente o pensamento decolonial à contracolonialidade.

Apesar do pertinente comentário do Prof. Dr. José Geraldo de Sousa Junior, no momento da banca de defesa desta tese, sobre o fato de a ciência ser uma criação moderna, carregando consigo todo um conjunto de teorias e ideologias, os intelectuais indígenas com os quais convivo reivindicam o título de ciência para seus saberes. A percepção que demonstram é que, enquanto os saberes acadêmicos são tidos como ciência, os seus ou são escondidos e negados, ou são tratados como de status inferior. É nesse sentido que a leitura desta tese me leva a questionar se a divisão do conhecimento em científico, indígena e popular é a melhor possível. Por outro lado, me leva a pensar sobre os limites de se tomar os saberes tradicionais indígenas, quilombolas e populares como ciência, conformando-os à racionalidade ocidental. Esse é um debate em aberto, mas central quando se pensa no diálogo de saberes, tanto em termos da filosofia do bem viver quanto nas práticas acadêmicas e sociais.

 

Penso que o fecho da tese dialoga com esse belo comentário. Com efeito, o trabalho refletiu sobre a filosofia e a prática do Bem Viver, evidenciando seu potencial transformador para sociedade e educação. Ao valorizar saberes ancestrais, questionar estruturas coloniais e propor alternativas de convivência, apontou a urgência de mudanças profundas nas esferas políticas, econômicas, educacionais e sociais, visando superar desigualdades e degradação ambiental.

O Bem Viver rompe com visões deterministas, resgatando experiências históricas de reciprocidade com a natureza, solidariedade e diversidade cultural, tratando a natureza como sujeito de direitos. Mostrou-se que a agroecologia, enraizada na ancestralidade, contrasta com o agronegócio, que compromete biodiversidade e convivialidade.

Sua implementação requer esforços coletivos e integrados — interétnicos, intergeracionais, interculturais e transdisciplinares —, reconhecendo a plurinacionalidade e promovendo práticas sustentáveis, inclusivas e emancipatórias. A educação é central nesse processo, devendo estimular consciência crítica, cooperativa e criativa, em oposição à “educação bancária” denunciada por Paulo Freire.

O Bem Viver influencia debates globais sobre sustentabilidade, direitos da natureza e alternativas ao desenvolvimento, como demonstram as constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009). Defende-se a superação do individualismo e da exploração, em favor de formas de vida baseadas na cooperação, comércio justo e harmonia ambiental.

Mais que conceito, o Bem Viver deve ser compromisso coletivo por um futuro ecossocialista, com profundo respeito a todas as formas de vida. Apesar dos desafios, oferece uma alternativa inspiradora para sociedades justas, sustentáveis e inclusivas, com relevância além da América Latina.

Em Jair Reck, as “trilhas” do Bem Viver representam reencontros e novas perspectivas, abertas e emancipatórias, com raízes ancestrais, sempre voltadas à autenticidade e à construção coletiva de horizontes inéditos.

 

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

 

Universidades públicas, inclusão e permanência: vetores de desenvolvimento e integração territorial e nacional

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

Facebook
Twitter
WhatsApp

Realiza-se em Brasília o 74º Forum Nacional de Reitoras e Reitores da ABRUEM (Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais) – Universidades Estaduais e Municipais e suas conexões com a agenda estratégica para o desenvolvimento territorial do Brasil (UnDF), 12 a 14 de agosto de 2025.

Organizado a partir das agendas das Câmaras em que se organiza – Câmara de Assuntos Estudantis e Políticas Afirmativas, Câmara de Gestão e Governança, Câmara de Saúde e Hospitais de Ensino, Câmara de Internacionalização e Mobilidade Acadêmica, o Forum se desenvolveu a partir de palestras, painéis, debates e relatos de experiências.

Fui o palestrante da abertura no espaço da Câmara de Assuntos Estudantis e Políticas Afirmativas, com o tema “Assuntos Estudantis e Políticas Afirmativas – conexões com a agenda estratégica para o desenvolvimento territorial e do Brasil”, numa sessão presidida pelo Reitor Clay Anderson Nunes Chagas – UEPA e secretariada pela Professora Maria Darlene Trindade Corrêa – UEPA. Devo o convite certamente à homologação da Reitora Simone Benk, da UnDF, a anfitriã do Fórum.

Pautei minha exposição sob a perspectiva de que o tema permite articular dois campos que, embora às vezes sejam tratados separadamente, têm interdependência estratégica: a atuação de Assuntos Estudantis e Políticas Afirmativas no ensino superior e a agenda de desenvolvimento territorial e nacional, quando entendida de forma inclusiva, democrática e sustentável.

Em qualquer caso, uma articulação que pressupõe um contexto. Desde logo, ter como baliza o entendimento de que assuntos estudantis não se restringem a serviços administrativos — são um campo estratégico que garante condições de permanência, participação e protagonismo dos estudantes no projeto acadêmico.

Vale dizer, tomar posição, tal como se estabeleceu no plano constitucional, que educação é um direito e um bem social, público, enquanto tal, fora de mercado, não podendo ser reduzido a injunções de mercado, porque responde a pressupostos estratégicos necessários ao desenvolvimento do País.

Esse pressuposto está firmemente sustentado, no sentido, eu já o disse alhures, dando-me conta que tanto as transformações políticas que se atualizam no social, quanto os seus impactos na educação superior, a partir das expectativas de reforma democrática de da universidade pública (e insisto no público como princípio mesmo se funcionalmente se realizar pelo sistema privado), necessariamente emancipatória, podem ser percebidas na mobilização desta CRES+5 e nos eventos e conferências que a precedem e a preparam. Basta ver, e chamei a atenção para isso em artigo que publiquei no principal jornal de Brasília, nessa quarta-feira, dia 12/3, o fio condutor dos debates da III Conferência são as condições de trabalho na educação superior. O trabalho decente e as condições de vida dos atores da educação superior enquanto afirmação do princípio de que é impossível haver educação superior de qualidade sem assegurar os direitos e as condições laborais estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho, como emprego produtivo com salário justo, oportunidades e tratamento igualitário, seguridade social e possibilidades de desenvolvimento pessoal e integração social. Entre as especificidades que ativam essa questão, estão as garantias de direitos, incluindo questões emergentes aceleradas pela pandemia de covid-19, como a digitalização da educação e seus efeitos nas rotinas, cargas e jornadas de trabalho. Assim, entre as tarefas atribuídas aos participantes, estão avaliar a situação atual das condições de vida e trabalho na educação superior e propor caminhos concretos para a proteção dos direitos e a promoção do bem-estar de todos os trabalhadores da educação superior na região (a propósito https://estadodedireito.com.br/descolonizar-la-universidad/; e mais incisivamente, em https://estadodedireito.com.br/revista-humanidades-existindo-resistindo-e-reinventando-universidades-publicas-no-brasil-atual/; e também https://estadodedireito.com.br/revista-forges-comemorativo-do-10o-ano/, neste último aspecto para fundamentar minha contribuição ao tema, justificando-a com um texto que corresponde a minha exposição no encerramento da 9ª CONFERÊNCIA DO FÓRUM DE GESTÃO DO ENSINO SUPERIOR NOS PAÍSES E REGIÕES DE LÍNGUA PORTUGUESA – FORGES, realizada de 20 a 22 de Novembro – 2019, Brasília, Brasil, na Universidade de Brasília, tendo como tema central “A integração do ensino superior dos países lusófonos para a promoção do desenvolvimento humano”, ao defender posicionamento com a tese de “Uma Universidade Popular para uma Educação Emancipatória”.

Por isso que, ainda contextualizando, a conexão estratégica com Políticas Afirmativas, enquanto essas ampliam o acesso e corrigem desigualdades históricas de raça, gênero, território, deficiência e condição socioeconômica. A conexão é de saída, com o desenvolvimento territorial e nacional e se dá porque a inclusão universitária porque impacta diretamente com a formação de quadros qualificados vindos de contextos historicamente excluídos; com a capacidade de inovação social e tecnológica; com a coesão social e a cidadania ativa.

Na palestra indiquei eixos de conexão: Acesso e permanência como motor do desenvolvimento, aí as ações afirmativas (cotas raciais, sociais, para indígenas, quilombolas, PCD, refugiados etc.) trazendo para a universidade saberes e experiências territoriais que enriquecem o conhecimento produzido. Situação que caracterizam assuntos estudantis como garantes de permanência por meio de bolsas, moradia, alimentação, transporte, apoio psicológico e pedagógico — investimento em capital humano e social.

Um outro eixo, a universidade como âncora territorial porque, especialmente as públicas, têm papel de núcleo irradiador de desenvolvimento local. Falando num ambiente de natural reconhecimento, acentuar que programas de extensão e pesquisa vinculados a comunidades (quilombolas, indígenas, rurais, periferias urbanas) integram o estudante a agendas territoriais estratégicas: agroecologia, saúde, educação básica, economia solidária, preservação ambiental, cultura.

Um terceiro eixo, referido a formação para a soberania e inovação, cumprindo políticas afirmativas fator de diversificação das áreas estratégicas do conhecimento com profissionais oriundos de contextos diversos. A presença de estudantes de origens plurais alinha o desenvolvimento científico e tecnológico às necessidades reais do país, não apenas às demandas de mercado global.

Esses eixos levam a uma problematização da qual decorrem, à luz do debate que se travou, a constituir uma agenda estratégica para o desenvolvimento territorial e nacional, constituída por experiências orientadas por políticas de assuntos estudantis orientadas por políticas afirmativas, cujo desempenho já avaliado, revela que elas contribuem para reduzir desigualdades regionais, considerando o sistema ABRUEM, com a interiorização e fortalecimento de campi em áreas menos atendidas; colaboram para ações de inovação com base na diversidade inserida em práticas de ciência e tecnologia pensadas a partir de problemas locais; e levam a consolidar redes de solidariedade e cooperação → protagonismo estudantil em movimentos sociais, culturais e econômicos, evitando evasão e desperdício de investimento público com a permanência estudantil como política de eficiência. Ao fim e ao cabo, conferem ampliação da cidadania e do tecido democrático na medida em que estudantes formados com compromisso social retornam aos territórios como agentes de transformação.

Em suma, assuntos estudantis e políticas afirmativas não são apenas instrumentos de inclusão no ensino superior; são vetores de desenvolvimento que, se integrados a uma agenda territorial e nacional, podem reduzir desigualdades históricas, fortalecer a democracia e preparar o Brasil para um crescimento soberano e socialmente justo.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)