Quando o “Galo” canta mais alto que o “Grilo”: a luta do MST na Bahia contra a Grilagem de Terras
Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito
Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito
Saulo Lucio Dantas. Quando o “Galo” canta mais alto que o “Grilo”: a luta do MST na Bahia contra a Grilagem de Terras. São Paulo: Editora Dialética, 2024. 160 p.
Capa de Larissa Brito e Ilustrações de Joatan Oliveira Xavier
O livro abre com a apresentação do professor Pedro Teixeira Diamantino, da Universidade Estadual do Feira de Santana, coordenador das turmas Pronera, Direito, para assentados da reforma agrária.
o livro também agrega à literatura sociojurídica um riquíssimo, engajado e apaixonado processo de formação intelectual, uma pesquisa-ação de quem procurou se educar na ação, e falar do direito e das coisas do direito de “dentro para fora”, no conflito, na crítica, mostrando seus limites, anunciando perplexidades, sem recair em concepções deterministas e paralisantes ao se lançar nas potencialidades de usos e costumes emancipatórios do direito, como ferramenta de luta, mobilização e defesa dos povos da terra em luta.
Direito que tem cheiro de terra e se levanta do chão. Despretensiosamente, o trabalho ainda oferece aos leitores elementos de prática jurídica na defesa de grupos, coletividades e sujeitos de direitos organizados na luta pela e na terra, advindas da advocacia e assessoria jurídica popular pela dramatizada ótica do autor, que descreve e analisa uma rara e bem sucedida defesa jurídica e judicial das famílias do acampamento que hoje não são consideradas acampadas – área provisória que corre risco de despejo – e muito menos assentamento de reforma agrária – área da União que surge através de desapropriação – e sim uma terra comunitária, coletiva e que segue viva, demonstrando por A mais B que aquele “primeiro estágio”, realizado em parceria com seu professor, também advogado popular, quem subscreve esta singela apresentação, foi uma semente de conhecimento plantada que gerou um belíssimo fruto que foi a própria conquista do direito de viver daquelas famílias e não tão somente sobreviver.
Pedro Diamantino, como referência do livro de Saulo, é uma distinção para credenciar a obra. Têm sido assim suas manifestações públicas quando se trata de contribuir para debates no limite de antagonismos, a sua sendo uma opinião que faz diferença. Foi assim
“A comunidade tradicional pesqueira é um sujeito coletivo de direito que deve ser reconhecido e protegido pela lei”. Assim Pedro Diamantino, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana, falou durante a audiência pública da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais na Câmara dos Deputados. O professor destacou a conformidade do PL 131/2020 com a Constituição Federal, enfatizando sua importância na criação e reconhecimento desse sujeito coletivo de direito que é a comunidade tradicional pesqueira. O registro está em – https://www.instagram.com/mppbrasil/reel/C-p522RtsS_/ .
Completa a matéria ele ressaltar “que foi em grandes desastres, como os ocorridos em Mariana, Brumadinho e no crime do petróleo de 2019, que o reconhecimento da existência das comunidades pesqueiras no Brasil foi evidenciado”. Ele alertou que, além das belezas poéticas do modo de ser da pesca artesanal, há também muitas ameaças, violências e conflitos que essas comunidades enfrentam diariamente. Esses desafios precisam estar no centro do debate da sociedade para que os territórios dessas comunidades sejam protegidos e conservados. A manifestação de Pedro Diamantino reforçou a urgência da aprovação do PL 131/2020, que não só protege esses territórios, mas também garante o reconhecimento e a dignidade das comunidades pesqueiras. E ela traduz seus estudos doutorais atuais muito orientados para esse tema e sujeito.
Acompanho com vivo interesse o percurso de Pedro desde quando exerci a orientação de sua dissertação de mestrado na Faculdade de Direito da UnB – “Desde o raiar da aurora o sertão tonteia”: caminhos e descaminhos da trajetória sócio-jurídica das comunidades de fundos de pasto pelo reconhecimento de seus direitos territoriais. 2007. 143 f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
Assim, mesmo, um título com alto teor epistemológico para revelar uma realidade política que desafia reconhecimento jurídico, e muita cognição-expressiva, quase poética, característica de seu estilo. Como em Saulo, nordestino e poeta cordelista – basta ver o título de seu livro – Quando o ‘Galo’ canta mais alto que o ‘grilo’. A luta do MST na Bahia contra a Grilagem de Terras.
Vou à descrição da dissertação de Pedro Diamantino conforme o repositório de teses e dissertações da UnB, até para designar a proximidade temática e os fundamentos teóricos aplicados por ele e por Saulo, a partir de seus temas respectivos:
Paira sobre as pretensões jurídicas de reconhecimento das Comunidades de Fundos de Pasto, especialmente direitos territoriais sobre as terras que tradicionalmente ocupam, uma atmosfera descredibilizadora que subtrai da experiência do mundo tanto as inovações condizentes com projetos de vida que concebem formas, talvez mais democráticas, de acesso e uso de bens sociais, culturais e ambientais que ali se desenvolvem comunitariamente, quanto seus direitos. Nas últimas décadas assistimos à ascensão pública destes atores, desestabilizando velhos padrões hierarquizantes e heterônomos que marcam nossa trajetória política e jurídica e inscrevendo significativas conquistas no plano jurídico e nas políticas públicas. No entanto, a despeito das conquistas de direitos ao reconhecimento de modos de criar, viver e fazer e o acolhimento constitucional do pluralismo jurídico a partir de 1988, observo que estes direitos esbarram em textos e práticas calcadas em formulações concessivas correspondentes à tutela estatal ou privada da cidadania individual ou coletiva, o que remonta a expansão da pecuária nordestina no século XVII, passa pela resposta estatal dada à resistência destes atores nos anos 80 e chega com força nos embates do processo constituinte estadual de 1989, na Bahia. Aqui, em detrimento de proposta de iniciativa popular, com formulação sensivelmente diversa, inscreveu-se no texto do parágrafo único do artigo 178 da Constituição do Estado da Bahia uma regra que agora já não seria mais tão silente quanto antes: o interdito do protagonismo destas comunidades sertanejas. Assim, este trabalho corresponde a uma cartografia jurídica para, com a sugestão de Lyra Filho e nos marcos investigativos da proposta teórica e práxis sócioinstituinte de um Direito Achado na Rua, problematizar aspectos que interferem decisivamente na construção social da “dignidade política do direito”
O livro de Saulo Dantas assenta o plano atual de seus estudos, tanto no âmbito do conhecimento do tema quanto no da perspectiva pedagógico de que se reveste. Tanto que ao desenvolver recensão sobre obra como essas características – https://estadodedireito.com.br/o-direito-e-a-educacao-do-campo/ – O Direito e a Educação do Campo. Experiências, aprendizagens, reflexões. Maria José Andrade de Souza, Paulo Rosa Torres, Flávia Almeida Pita (Organizadores). Turma Elizabeth Teixeira e a Educação Jurídica, vol. I; O Direito na Disputa Sobre O Sentido da História. Contribuições jurídicas à luz da práxis humana. Américo Barbosa Nascimento, Cleudeilton Luiz Oliveira dos Santos, Emmanuel Oguri Freitas, José Raimundo Souza de Santana, Kamila Assis de Abreu e Vanessa Mascarenhas Lima (Organizadores). Turma Elizabeth Teixeira e a Educação Jurídica, vol. II. Salvador: UEFS Editora, 2018, 1o. vol., 294 p.; 2o. vol. 236 p., não pude deixar de observar que isso bem indicava o adensamento do projeto de educação do campo, pelo método de institucionalização das turmas especiais, vai ganhando, no campo da educação para os direitos, um adensamento que se enriquece com contribuições marcantes que são um dos resultados imediatos dessa importante política.
E logo caracterizei na resenha elaborada uma parte desses resultados já documentados e formando um repositório muito qualificado, pelas monografias e artigos dos estudantes participantes, bastando lembrar, para esse registro, o livro A Luta pela Terra, Água, Florestas e o Direito, organizado pelos professores e professoras Euzamara de Carvalho, Luiz Otávio Ribas e Carla Benitez. Goiânia: Kelps, 2017, 220 p. A obra integra o Programa de Formação Permanente do IPDMS (Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais), articulação fundada em 2012 pela Turma de Direito Evandro Lins e Silva, da UFG (Programa Pronera), edição que reúne a participação de quatorze estudantes de diferentes procedências que prepararam trabalhos para o I Encontro das Trumas da Via Campesina e Movimento Sindical, marcando 10 anos da experiência das turmas especiais. Os textos do livro de distribuem nos seguintes temas: educação jurídica, questão agrária, povos e comunidades tradicionais, conflitos socioambientais, teorias criticas, criminologia critica e sistema de justiça. Em Salvador, em 2017, no Seminário de conclusão do Curso da Turma Elizabeth Teixeira, assisti e comentei o painel apresentado por Edlange de Jesus Andrade a partir de seu artigo publicado no livro, pp. 51-82 (retirado de sua monografia): Direito Achado na Rua e Educação do Campo – as Escolas Famílias Agrícolas. Assim, também, o volume 2, com o mesmo título (Goiânia: Lumen Juris, 2018), organizado por Diego Augusto Diehl, Euzamara de Carvalho e Ricardo Prestes Pazello.
Não foi surpresa encontrar Saulo contribuindo nos dois volumes, claro, dando vazão aos seus estudos preparatórios nos cursos avançados de sua pós-graduação em Direito, no primeiro com Resenha Crítica Estado, Governo, Sociedade: para uma Teoria Geral da Política, de Norberto Bobbio; no segundo, com o ensaio Os Princípios Constitucionais da Ampla Defesa, Contraditório e Celeridade Processual à Luz do ‘Estado Democrático de Direito’.
Quando o ‘Galo’ canta mais alto que o ‘grilo’. A luta do MST na Bahia contra a Grilagem de Terras, está assim organizado, tomando os títulos dos capítulos sem mencionar os itens nos quais estão desdobrados:
INTRODUÇÃO
- A GRILAGEM DE TERRAS COMO MARCA NA FORMAÇÃO DA PROPRIEDADE AGRÁRIA BRASILEIRA.
- RESGATANDO O FIO DA HISTÓRIA DA LUTA PELA TERRA NO BRASIL: O MST E SEU PAPEL NA LUTA DE CLASSES BRASILEIRA
- FORMAS DE ATUAÇÃO DOS GRILEIROS E A CONSOLIDAÇÃO DA GRILAGEM POR MEIO DA POLÍTICA INSTITUCIONAL BRASILEIRA
- BALAS, GRITOS E GRILOS E OS DISCURSOS VIVOS E JURÍDICOS DO CASO DA FAZENDA SANTA LUZIA
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
- REFERÊNCIAS
- ANEXOS
E o plano geral do seu desenvolvimento segue um roteiro descrito por Saulo na Introdução:
O objetivo da pesquisa foi estudar a influência da grilagem de terras na formação da propriedade agrária brasileira e em que medida esse fenômeno infl uenciou na luta pela terra no Brasil, em especial no sul da Bahia, no caso da Fazenda Santa Luzia.
A respeito da metodologia desse estudo, para respondermos tanto a nossa inquietação sobre o fenômeno da grilagem de terras no Brasil e entendermos como se deu o processo de grilagem de terras brasileiras e na fazenda Santa Luzia utilizamos várias etapas. Inicialmente, fizemos um levantamento bibliográfico a respeito do nosso objeto de estudo, que é a grilagem de terras no Brasil e como esse fenômeno influenciou na formação da propriedade agrária brasileira.
No caso da fazenda Santa Luzia, apegamo-nos a escritos que possam contribuir na análise dessa parte do estudo, ou seja, documentos, matérias jornalísticas e decisões judiciais.
Para chegar nos nossos objetivos, foi necessário compreender como a terra – bem da natureza – tornou-se propriedade privada latifundiária, tanto num contexto histórico como atual brasileiro, confl itando esse direito perante princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, função social da propriedade e o próprio direito à posse da terra.
Tivemos o tempo que os movimentos sociais de luta pela terra tinham como principal inimigo, o coronel/fazendeiro, hoje, além desse, os movimentos precisam lutar contra grandes empreendimentos que exploram a natureza em busca do lucro, como as multinacionais do agronegócio, agasalhados pelo grande capital.
Para tanto, na análise do conflito agrário na fazenda Santa Luzia, utilizamos o método de pesquisa da observação participante na comunidade em questão e pesquisa de campo de forma direta, realizada nas Comarcas de Itabuna-BA e Camacan-BA, nos seus respectivos Fóruns, na busca pelo levantamento dos processos judiciais.
Sobre o método de observação participante, ele serve principalmente para que o pesquisador sinta de fato a realidade nua e crua dos “sujeitos de pesquisa” e, assim, realize uma pesquisa que, no nosso caso, estamos denominando de estudo, que se aproxime mais do que realmente aconteceu e acontece no cotidiano da comunidade. Dessa forma, para o nosso caso, utilizamos as palavras dos pesquisadores Raymond Quivy e Lucy Van Campenhoudt, afirmando que: A observação participante de tipo etnológico é, logicamente, a que melhor responde, de modo geral, às preocupações habituais dos investigadores em ciências sociais. Consiste em estudar uma comunidade durante um longo período, participando na vida colectiva. O investigador estuda então os seus modos de vida, de dentro e pormenorizadamente, esforçando-se por perturbá-los o menos possível. A validade do seu trabalho assenta, nomeadamente, na precisão e no rigor das observações, bem como no contínuo confronto entre as observações e as hipóteses interpretativas. O investigador estará particularmente atento à reprodução ou não dos fenômenos observados, bem como à convergência entre as diferentes informações obtidas, que devem ser sistematicamente delimitadas. É a partir de procedimentos deste tipo que as lógicas sociais e culturais dos grupos estudados poderão ser reveladas o mais claramente possível e que as hipóteses poderão ser testadas e afinadas. (Quivy; Campenhoudt, 2005. p. 196).
Dessa maneira, para se chegar nas conclusões do nosso estudo, elaboramos um caminho subdividido em quatro capítulos, sendo que, no primeiro capítulo, intitulado “A Grilagem de Terras como Marca na Formação da Propriedade Agrária Brasileira”, discutimos os mecanismos legislativos da época da invasão usados pelos portugueses para a exploração dessas terras, a exemplo das Capitanias Hereditárias, da Lei de Sesmaria e da própria Lei de Terras de 1850, consolidando, assim, a terra – bem da natureza – em propriedade privada nas mãos de poucas pessoas privilegiadas.
Ademais, é preciso entender a construção do pensamento acerca da propriedade privada, analisando os que defendem e criticam as terras públicas brasileiras, como as terras devolutas, por exemplo, que são de competência dos estados da federação brasileira a partir da Constituição de 1891, potencializando, assim, o crime de grilagem de terras, uma vez que a elite brasileira utilizou-se do próprio aparato estatal para usurpar tal bem.
No segundo capítulo, intitulado “Resgatando o fi o da História da Luta pela Terra no Brasil: o MST e o seu papel na Luta de Classes”, fi zemos um apanhado histórico acerca da importância da luta pela terra no Brasil e como essa luta encontra-se ligada diretamente através de classes antagônicas que defendem interesses distintos. Ou seja, de um lado, o latifúndio que se utiliza da grilagem como uma das formas de se perpetuar no domínio das terras brasileiras – como demonstraremos no primeiro capítulo – e, do outro os trabalhadores rurais Sem-Terra, por exemplo, sendo fruto de uma luta histórica.
No terceiro capítulo, intitulado “Formas de atuação dos Grileiros e a consolidação da Grilagem por meio da Política Institucional Brasileira”, abordamos as formas de grilagens e como os grileiros atuam para a consolidação desse fenômeno. Ademais, verificamos alguns mecanismos jurídicos utilizados pelo próprio Estado, através de um dos seus três poderes, na tentativa de fiscalizar esse tipo de crime, exemplificando, as CPIś da grilagem, além de governos que se utilizam da política institucional para implementar medidas que aparentam otimizar o combate à grilagem.
No quarto e último capítulo, foi elaborado um estudo de caso intitulado “Balas, Gritos e Grilos e os Discursos Vivos e Jurídicos do caso da fazenda Santa Luzia”, retratando uma ocupação realizada pelo MST no final do ano de 1999, tendo como personagens a proprietária da fazenda Santa Luzia, conhecida como “a Viúva”, e as famílias de Sem-Terra (entre 1999 a 2005). A partir do ano de 2014, eis que surge um novo personagem nesse conflito agrário, um senhor de sobrenome “Coelho”, desencadeando, assim, um caso de grilagem em terras particulares.
Desse modo, fazemos uma contextualização histórica da região sul da Bahia e presentamos como se deram as primeiras ocupações nessa área e as formas de organização do Movimento Sem Terra, além de um estudo dos processos judiciais na época da “Viúva” e do senhor “Coelho” como, por exemplo, as decisões judiciais, além de análise de processos administrativos, relatórios, parecer do Ministério Público da Bahia e opinião acerca da temática, por meio do Promotor de Justiça da Comarca de Itabuna-BA. Ao final desse último capítulo, relatamos a real situação das famílias de Sem-Terra que ocupam esse imóvel após as várias disputas no campo social e institucional e quais as expectativas das mesmas em busca do direito à terra.
Portanto, para a realização de nosso estudo acerca do nosso objeto de estudo – grilagem de terras no Brasil e a luta pela terra configurada pela atuação do MST – a principal fonte de pesquisa foram os escritos acerca da temática, a luta social histórica em face desse fenômeno e o estudo de caso, juntando a teoria com a prática, fazendo com que pudéssemos realizar um estudo crítico que, de fato, compreendesse as questões levantadas sobre esse fenômeno desde sua origem, interligando-o com a contemporaneidade.
Encontro correspondência entre o recorte do real que Saulo realiza e seu modo analisar o protagonismo social que se define como estratégia política pelo Movimento Social que o representa (o MST). O seu capítulo 2 – Resgatando o fio da história de luta pela terra no Brasil: o MST e seu papel na luta de classes brasileira, guarda muita proximidade com meu próprio modo de interpretar esse processo. E, tal como Saulo, no ítem 2.3 – “Invasão” ou “Ocupação?” Eis a questão…, incido nessa diferenciação que acabei assentado em meu depoimento durante a CPI instalada e felizmente fracassada, na qual o agronegócio e o latifúndio intentaram criminalizar o MST. Sobre isso ver em minhas colunas O Direito Achado na Rua, publicadas regularmente no Jornal Brasil Popular, especialmente https://brasilpopular.com/cpi-do-mst-contexto-e-diagnostico-da-situacao-agraria-brasileira/; https://brasilpopular.com/mst-formacao-comunitaria-em-direitos-humanos/; https://brasilpopular.com/nova-estrategia-do-latifundio-agronegocio-uma-cpi-para-confrontar-o-mst/.
Sobre o que representou essa CPI remeto a Victor de Oliveira Martins. “A História da CPI é a História do Brasil”: Gestão da burocracia, crise democrática e pânicos morais na CPI do MST. Trabalho de conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba, no Departamento de Ciências Jurídicas – Santa Rita, como exigência parcial da obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas, 2023 (https://estadodedireito.com.br/a-historia-da-cpi-e-a-historia-do-brasil/).
O trabalho de Victor apresentado, defendido e aprovado por banca examinadora na qual participei, teve por objetivo analisar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instituída com a finalidade de investigar a atuação do Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), buscando compreender os mecanismos que atravessam e, de certa forma, legitimam a atuação dos(as) deputados(as) da comissão: 1) a defesa do discurso técnico; 2) a crise democrática e o contexto político-eleitoral brasileiro; e 3) o acionamento de pânicos morais. Nesse processo, importa compreender a relação dos sujeitos presentes da comissão com os diversos campos da vida social a que eles aduzem, evidenciando engrenagens discursivas, mobilizações políticas e relações de poder.
Victor acompanhou o desenrolar da CPI até o seu final melancólico e se valeu intensamente de meu pronunciamento e de análises que publiquei. Ele não ignora, que a fonte próxima de meu entendimento sobre o tema está mais sistematicamente articulado em MOLINA, Mônica Castagna, SOUSA JUNIOR, José Geraldo de, TOURINHO NETO, Fernando da Costa (Orgs). Série O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito Agrário. Brasília/São Paulo: Editora Universidade de Brasília/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.
Quem acompanhou o meu depoimento na CPI, ao menos por transmissão da TV Câmara ou de outros veículos terá isto Saulo com assento na bancada de assessoria, me apoiando com a sua presença solidária mas também dados, informações, indicações que me proporcionaram elementos valiosos para a sustentação e debate que fui levado a travar, majoritariamente com interlocutores hostis.
Lendo Quando o ‘Galo’ canta mais alto que o ‘grilo’. A luta do MST na Bahia contra a Grilagem de Terras é possível identificar a fonte da qual Saulo buscou os bons argumentos que transmitiu e que de modo assertivo podem ser extraídos das conclusões de seu livro:
Dois pontos podemos destacar como cruciais no estudo de caso: podemos denominar o primeiro de “luta” social, em que as próprias famílias de Sem-Terra resistiram em busca de permanecerem na terra, por meio do processo de organização do próprio acampamento, com mobilização social e política, através da participação de famílias de outros assentamentos e acampamentos da região e povos indígenas que se solidarizaram com a causa, fazendo, assim, a própria segurança da área, já que o grileiro ameaçou invadir a fazenda e colocar fogo nas casas das famílias. Um segundo ponto que podemos dar destaque no estudo de caso é a “luta” institucional, que se deu por meio da advocacia popular, pois foi através da atuação do advogado das famílias que os direitos foram defendidos nas instâncias do Poder Judiciário, além do assessoramento e esclarecimentos sobre o conflito.
Dessa forma, a história da luta pela terra das famílias Sem-Terra ocupantes da fazenda Santa Luzia deu-se no meio de muita resistência e enfrentamentos dos mais variados tons, e seus direitos foram garantidos graças à própria resistência e persistência em permanecer na área desde da primeira ocupação, em 1999, e na defesa dos seus direitos mediada pela advocacia popular
Podemos concluir que as ações promovidas pelo MST, além de serem legítimas, são necessárias para que haja um processo de democratização da terra, fazendo um combate direto do crime de grilagem e de todas as formas de usurpação das terras brasileiras, em busca da efetivação da CRFB/88 no que diz respeito ao exercício da cidadania, observância aos princípios da dignidade da pessoa humana e função social da propriedade, construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, com promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ressaltamos ainda que um dos principais objetivos do movimento Sem Terra não é a posse da propriedade que venham a ocupar (embora seja preciso agir quando a mesma não cumpre com a função social), mas sim a luta, através da pressão popular, para que o Poder Público tome as medidas cabíveis acerca da política de reforma agrária, a fi m de que se concedam terras aos que querem produzir, desapropriando os grandes latifúndios improdutivos do Brasil, pois, como o próprio movimento afirma: “Enquanto existir Fome, enquanto existir Guerra, o MST vai lutando pela Terra”.
Esses elementos estão designados pelo próprio Saulo Dantas em Cosmovisões na CPI Contra o MST de 2023 e O Direito Achado na Rua, que com seus colegas co-autores Ayala Ferreira e Diego Vedovato, quadros do MST, elaboraram como capítulo para o livro em preparo – Neoliberalismo e Direitos Humanos sob a Ótica de O Direito Achado na Rua (título provisório). O livro vai compor o volume 9 da Coleção Direito Vivo da Editora Lumen Juris, com todos os volumes recortando temas mobilizadores referidos ao direito e aos direitos humanos, sempre numa perspectiva de O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática.
O artigo é uma análise de minha participação na sexta Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI contra o MST, ocorrida no ano de 2023, momento em que a participou permitiu transitar durante a exposição e debates os princípios básicos de O Direito Achado na Rua, para com tal registro sistematizado, responder à seguinte questão: Qual foi a avaliação da participação de O Direito Achado na Rua, representado na pessoa do Prof. José Geraldo, na 6ª CPI contra o MST? Uma questão que permitiu, segundo os autores abrir oportunidade de ver, ouvir e compreender qual o verdadeiro papel do MST na construção da justiça social.
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