Laura
Leão Melgaço Campos Ribeiro, aluna do Curso de Direito da UnB
O ensaio de José Geraldo de
Sousa Junior “Sociologia Jurídica: condições sociais e possibilidades teóricas”
se inicia ressaltando a importância da conexão do Direito com a Sociologia.
Durkheim é logo citado com a frase “É preciso, pois, que o estudante aprenda
como o direito se forma sob a pressão das necessidades sociais (...)”,
mostrando que não há sentido em realizar um estudo do Direito única e
exclusivamente baseado em dogmas e manuais.
O primeiro problema da Sociologia Jurídica é a
delimitação de seu estudo, questão essa bem resolvida a partir da visão de
Boaventura de Sousa Santos: Ele sugere que lidemos com o conhecimento
utilizando de uma rebeldia metodológica, ou seja, a interconexão entre áreas do
saber não deve ser uma possibilidade, e sim uma necessidade; é o único modo de
se obter conhecimento de forma racional.
O ensaio nos apresenta
então, uma perspectiva histórica da Sociologia, pois é necessário conhecer o
retrospecto antes de se pensar em uma aplicação futura. Assume-se que a
Sociologia adquire seu caráter analítico a partir dos estudos de Emile
Durkheim, todavia, antecessores ao francês (Aristóteles, Montesquieu, Comte e
Marx) são de suma importância para compreender as fases do pensamento
sociológico. Aponto aqui uma predileção pessoal aos estudos de Marx, pois o
considero como um grande teórico do chamado Estado Social (que evolui para o
Estado Socialista), onde a compreensão do espírito coletivo é alta, e os
juristas assumem o papel de análise social, contrapondo-se à análise puramente
mecânica e dogmatizada (CARVALHO NETTO. Menelick de. A hermenêutica
constitucional sob o paradigma do estado democrático de direito).
A partir de Durkheim, a
Sociologia do Direito como ciência distinta da Sociologia em geral começa a
tomar forma. É em Durkheim que se relacionam os tipos de solidariedade com o
Direito, e há um paralelo entre Direito e Moral, estabelecido pela diferença
entre sanções difusas e organizadas. É em Weber, contudo, que a autonomia se
concretiza através da distinção entre os fenômenos jurídicos e os demais
fenômenos sociais.
Na contemporaneidade surgem
autores cujas teorias são chave para entender o desenvolvimento da Sociologia
Jurídica, dentre eles, Boaventura de Sousa Santos, que desloca o foco centrado
na norma para o foco no conflito, pois segundo sua teoria o Direito apresenta
uma “garantia de arranjo harmonioso dos conflitos” e tem como função promover a
mudança social.
Ressalto um paralelo entre a
teoria de Boaventura de Sousa Santos e a teoria de Marx: Os dois teóricos
acreditam no conflito como fonte de
mudança social, e não como um problema.
É em Elías Diaz, porém, que
surge uma análise classificatória que correlaciona as sociedades globais e os
sistemas de Direito, utilizando-se para isso docaráter analítico da Sociologia.
O filósofo do Direito espanhol apresenta a definição de Sociologia Jurídica da
qual mais compartilho interesse: “Estudo
e análise das interrelações entre Direito positivo e sociedade”. Para Diaz,
esse estudo se desdobra em dois níveis: Nível
de legalidade e legitimidade. O nível de legalidade compreende a distinção
entre direito vigente e direito eficaz, já o nível de legitimidade estuda a
aceitação e vivência dos valores jurídicos por diversos grupos sociais.
Entendendo a sociedade como
organismo em constante mutação, é certo que estudar os impactos da modernidade
é de suma importância. Nesse sentido,é necessário entender que estamos em um
processo de destituição contínua de direitos, ao passo em que direitos nunca
antes imaginados passam a ser requisitados. Para acompanhar as inovações
sociais, Boaventura de Sousa Santos diz: “É necessário que o campo do político
seja radicalmente redefinido e ampliado”. Ainda tentando acompanhar a dinâmica
social, existe a tese de Patrick Pharo do chamado “Civismo ordinário”, uma
espécie de interseção entre o direito legislado e a cultura.
Na tentativa de resolver o
problema da distância entre Direito positivo e sociedade, Lyra Filho e
Boaventura de Sousa Santos contribuem intensamente para pluralizar o Direito e
resolver a questão citada.A tese de Lyra Filho é útil para distinguir
Sociologia do Direito e Sociologia Jurídica, sendo a primeira referente à base
social de um direito específico, enquanto a segunda refere-se ao Direito em
geral. Os dois autores se tornam grandes apoiadores do sentido auto reflexivo
da alternatividade, sentido esse utilizado por vários juristas do Rio Grande do
Sul e Santa Catarina.
Como exemplo da aplicação da
Sociologia Jurídica na era atual, o ensaio nos apresenta o projeto de reforma
do ensino jurídico no Brasil, apoiado pela OAB, cuja proposta era a “Renovação
do jurista para que venha a constituir-se em sujeito do novo processo de
construção jurídica de novas categorias e de novos conteúdos emergentes do
dinamismo social, levando a novas figuras de futuro”.
A parte final do ensaio nos
apresenta o panorama atual do Direito conectado com a Sociologia em uma era de
movimentos operários e populares, uma era onde a reivindicação de direitos é
cada vez mais comum. Como principais teóricos dessa nova era, são apontados
Roberto Lyra Filho e Marilena Chauí, que reconhecem o aparecimento de um
“sujeito novo” consciente dos direitos que dispõe e com vontade de lutar pelos
que ainda não o são garantidos.
“A cidadania ativa é a que é
capaz de fazer o salto do interesse ao direito, que é capaz, portanto de
colocar no social a existência de um sujeito novo (...)”
(Chauí, Marilena; 1990)
O “Direito achado na Rua”
representa uma forma de aplicação da Sociologia Jurídica na era moderna, sendo
a rua um elemento simbólico da emersão dos direitos populares e da
reivindicação destes. Acredito que o projeto seja uma síntese do que o ensaio
nos propõe: Utilizar da imaginação, pensar além dos dogmas, romper as amarras
das ideologias pré-fixadas.
O Direito é bem mais do que
os dogmas e os manuais. O Direito é uma ciência que serve a sociedade, e, sendo
assim, acredito ser necessário o estudo constante da própria, uma vez que as
mudanças sociais ocorrem o tempo todo. A sociedade é composta de inúmeros
indivíduos, cada qual com suas ideologias próprias, que juntas, formam, a cada
dia, mais e mais grupos de identidade comum. Creio que é justamente essa
pluralidade de ideias e opiniões a representação do espírito democrático, e
cabe a nós, futuros juristas, tomar parte dessa sociedade diversa e eclética,
sendo o estudo da Sociologia essencial para isso.
Os projetos de extensão
presentes na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília são, a meu ver, a
materialização da Sociologia Jurídica, uma vez que conseguem correlacionar a
teoria com a análise da sociedade além da tentativa real de interferência e
solução dos problemas. Como mencionado anteriormente, Boaventura de Sousa
Santos diz que o Direito garante uma harmonização dos conflitos sociais. Ora,
como estar ciente dos conflitos presentes em nossa sociedade se não a partir da
análise desta? O estudo de códigos e demais formas positivadas de Direito tem
sim sua importância, mas de nada adianta se não há conhecimento do ambiente
onde estes serão aplicados.
A AJUP- Assessoria Jurídica Popular Roberto
Lyra Filho- é um exemplo de projeto que analisa problemas como o Lixão,
demandas rurais e etc. O projeto analisa problemas emergentes e procura
soluções para eles, o que eu acredito ser muito benéfico, principalmente no
âmbito trabalhista, uma vez que passamos por uma situação de atraso de salários
e greves no Distrito Federal, gerando incerteza na população acerca de seus
direitos.
O estudo dos problemas
sociais aliado ao conhecimento teórico garante a formação de Juristas mais
capazes de lidar com as transformações ocorrentes na sociedade. Creio que esta
ideia seja a parte mais importante do ensaio analisado, bem como a proposta
principal da disciplina Sociologia Jurídica.
* Resenha crítica acerca do
ensaio. O ensaio foi publicado em livro homônimo, de José Geraldo de Sousa
Junior, editado por Sergio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, págs. 11-51.
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