Beatriz Balestro Izzo
A presidente
Dilma acaba de assinar, no último mês de maio, o Decreto nº 8.243, que institui
a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de
Participação Social – SNPS. A própria Constituição Brasileira estabelece formas
de participação popular, como a ação popular (art. 5º, LXXIII) e a iniciativa
popular de projetos de lei (art. 14, III), além da inquestionável titularidade
popular da soberania democrática.
Apesar de toda
a instrumentalização teórica, poucos são os exemplos da efetiva participação
popular na formação de políticas públicas no Brasil. No entanto, é em Brasília
que podemos citar um dos maiores exemplos de atuação popular efetiva, que serve
de referência para os demais Estados brasileiros: o respeito à faixa de
pedestres. Tal como nos demais Estados, em Brasília, a faixa de pedestres
também não passava de uma mera pintura no asfalto, para a qual não se dava
muita importância e, por este motivo, apresentava altas taxas de morte por
atropelamento. Na capital federal, a situação era agravada por suas pistas
largas que favorecem o abuso de velocidade e dificultam ainda mais a travessia
das ruas pelos pedestres.
O respeito ao
pedestre já era previsto no Código de Trânsito desde 1966[1]
e foi mantido no Novo Código de Trânsito Brasileiro, promulgado em 1997, que
estabelece multa gravíssima ao condutor que “deixar de dar preferência a
pedestre (...) que se encontre na faixa a ele destinada.” A normatização, no
entanto, não era suficiente para conscientizar tanto motoristas quanto
pedestres.
Esse cenário
começa a mudar em Brasília em 1996, a partir de uma mobilização social
denominada “Campanha pela Paz no Trânsito”. O movimento foi encabeçado pelo
jornal de maior circulação em Brasília, o “Correio Braziliense”, que promoveu
uma contagem regressiva para o início da fiscalização, além de setores da sociedade
civil e do governo. Neste mesmo ano, ela já foi responsável pela diminuição da
velocidade dos veículos e das taxas de mortalidade no trânsito. No ano
seguinte, a Universidade de Brasília assumiu a condução da campanha, criando o Fórum Permanente pela Paz no Trânsito
que, em uma de suas primeiras reuniões, aprovou a campanha de conscientização
pelo Respeito a Faixa de Pedestres.
Conforme descrição brilhante do Presidente
do Instituto de Mobilidade Sustentável – RuaViva, Organização Não Governamental
de atuação nacional, Nazareno Stanislau Affonso[2]: “Quase que um
guarda presente por todo dia em cada faixa, lançamento com bailarinas e
palhaços vestidos de faixa ou distribuindo rosas brancas para os que
respeitavam as faixas e o resultado é que foi um mês de trombadas, xingamentos
e reclamações da qualidade da sinalização horizontal e vertical das faixas.
Mas, contrariando o ceticismo, o temor e as expectativas mais pessimistas,
Brasília ofereceu um emocionante espetáculo de cidadania sem precedentes no
País, quando os motoristas passaram a parar orgulhosos de sua cidadania em
frente às faixas, sem quaisquer semáforos, para dar vez à travessia dos
pedestres.” Interessante observar que, inicialmente, os policiais
ficaram escondidos, para que a relação de controle entre motorista e pedestre
fosse estabelecida. Quem devia ser respeitado era o pedestre, e não o fiscal.
Desnecessário
argumentar sobre os números favoráveis em decorrência dessa mudança
comportamental. Nenhuma lei, nenhuma sanção havia tido tanta influência no
comportamento dos cidadãos como a campanha de conscientização.
Deste exemplo,
podemos extrair a força que um movimento social organizado possui perante os
agentes da sociedade. O hábito hoje possui maior força que a obrigatoriedade
prevista em lei. O controle, feito por cada um e por todos, possui maior efeito
repressor que os agentes fiscalizadores. Mas, maior e mais importante que isto,
o orgulho do exercício da cidadania por quem para o carro para o pedestre e a
satisfação destes por ter seu direito respeitado representam um ganho
imensurável para a cidade.
Como toda
proposta de mudança cultural, também o respeito à faixa de pedestre foi visto
inicialmente como uma proposta utópica, não-factível. No entanto, as melhorias
foram tantas e tão positivas, que vêm sendo objeto de estudo de diversos
pesquisadores. A sociedade, frente a uma demanda aparentemente sem solução, não
ficou inerte. Arregaçou as mangas e fez a diferença, criando um modelo
inspirador de respeito à cidadania.
Referências
Bibliográficas:
1)
Affonso, N. S. Respeito à faixa: a marca da “Paz
no Trânsito”. Disponível em: http://www.ruaviva.org.br/pazt_5.html.
Acesso em 04/06/2014.
Machado, V.L.S.;
Todorov, J.C.; Ramos, G.C.C. Dois exemplos de pesquisa documental. Disponível
em: http://www.walden4.com.br/pww4/index.php?title=Cap%C3%ADtulo_12._Dois_Exemplos_de_Pesquisa_Documental(*) O texto foi produzido como atividade da disciplina Sociologia Jurídica, neste 1º semestre de 2014. A disciplina integra o currículo (2º semestre) do Curso de Direito da Faculdade de Direito da UnB.
[1] Lei nº 5.108/66. Art. 83, XI: “É dever de todo
condutor de veículo: Dar preferência aos pedestres que estiverem atravessando a
via transversal na qual entrar, aos que ainda não hajam concluído a travessia,
quando houver mudança de sinal e aos que se encontrem nas faixas a eles
destinadas, onde não houver sinalização.”
[2] Affonso, N. S. Respeito à faixa: a marca da “Paz no
Trânsito”. Disponível em: http://www.ruaviva.org.br/pazt_5.html. Acesso em 04/06/2014.
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