José Geraldo de Sousa Junior, ex-Reitor
da UnB (2088-2014); coordenador do projeto “O Direito Achado na Rua”
Não surpreende a vaga de reação à edição
do Decreto n. 8.243/2014, que “Institui a Política Nacional de Participação
Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS. Isso apesar
de que o texto do decreto seja apenas uma diretriz que orienta a administração,
realizando o que está previsto na Constituição Federal para traduzir a
conquista da sociedade, no processo de transição da ditadura para a democracia,
de institucionalizar um sistema de participação e de exercício direto da
democracia. A partir do decreto, o que se tem é uma melhor sistematização, no
âmbito do executivo, do que já vem sendo realizado de vários modos.
Aliás, é preciso enfatizar, que não só o
executivo vem cumprindo a sua responsabilidade nesse processo, considerando que
as figuras colecionadas no decreto – conselhos, comissões, ouvidorias, mesas de
diálogo, fóruns interconselhos, audiências públicas, consultas públicas,
ambiente virtual de participação social já eram objeto de institucionalização
gestora há muito tempo. Algumas formas, inclusive, também experimentadas desde
muito antes da Constituição e por diferentes governos (lembremos que as
experiências de estruturação de poder local foram realizadas em municipalidades
geridas por diferentes partidos e historicamente documentadas, como as de Lages
e Boa Esperança, nos anos 1980, e em São Paulo no governo Montoro), as práticas de
orçamentos participativos celebradas nos múltiplos fóruns sociais mundiais
instalados não só no Brasil e as conferências, fortes desde a década também de 1980
e convocadas estrategicamente como modo de construir políticas públicas e seus
planos diretivos, mas que já foram igualmente realizadas em outras épocas. Para
citar as conferências de saúde, combinando a participação de sociedade, governo
e especialistas, a exemplo da 8ª conferência que desenhou todo o sistema SUS
depois incluído na Constituição de 1988, tem como modelo remoto a primeira
conferência instalada no governo Getúlio Vargas. O Legislativo igualmente
contribuiu para a implementação do modelo participativo mantendo o sistema de
audiências públicas, de comissões deliberativas incluindo as comissões de
legislação participativa. O mesmo acontecendo com o Judiciário, instituindo
também sistemas de audiências públicas, de amicus curiae e, finalmente,
instalando o Conselho Nacional de Justiça para controle do sistema com
participação da cidadania.
O plano proposto na medida funcional é indutor e convoca
para iniciativas que são muito ricas e experimentadas há muito tempo nos vários
níveis da administração pública. Ele contribui para democratizar a democracia
que é uma experiência política sem fim. E quem a teme? Para responder basta ver a resistência oligárquica,
acostumada a subtrair do processo de elaboração legislativa o sentido de
realização democrática dos direitos e assim preservar uma prática negociada de
privilégios e de favores. Victor Nunes Leal mostrou esse processo muito bem em
seu livro “Coronelismo, Enxada e Voto” e Raymundo Faoro em sua obra “Os Donos
do Poder”. Sem a participação popular, nos modos e pelos instrumentos indicados na Constituição, a representação
mantêm aquele modelo que já Getúlio Vargas denunciava com a sua frase lapidar:
“para os amigos tudo, para os inimigos a lei”. Manter-se resistentes aos
avanços democráticos, que inspiraram outras democracias no mundo depois da
constituinte brasileira, é preservar os vícios que caracterizam esses grupos:
clientelismo, nepotismo, prebentismo, filhotismo, apadrinhamento, em suma
a política de favor impedindo a Política de
Direitos.
Essa é a lição que nos trouxe o grande
constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho. Fazendo alusão a “O Direito
Achado na Rua”, ele lembra a necessidade de o jurista se abrir a outros modos
de consideração da norma do direito. Por meio do olhar atento às exigências do
justo, ele precisa levar em conta as teorias da Justiça, mas também teorias da
Sociedade.
(*) Texto elaborado com base em elementos desenvolvidos para entrevista concedida ao Blog Viomundo.
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