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quinta-feira, 7 de novembro de 2024

João Goulart. Mensagem ao Congresso Nacional remetida pelo presidente da república na abertura da sessão legislativa de 1964. Documento histórico que delineou as reformas de base é compilado pelo CMT e disponibilizado virtualmente

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

JOÃO GOULART. MENSAGEM AO CONGRESSO NACIONAL. REMETIDA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA NA ABERTURA DA SESSÃO LEGISLATIVA DE 1964. Documento histórico que delineou as reformas de base é compilado pelo CMT e disponibilizado virtualmente. A publicação está em https://pdt.org.br/index.php/sessenta-anos-da-mensagem-de-jango-ao-congresso-nacional/.  : file:///C:/Users/HP/Downloads/12M12D-Jango-Mens-Congresso-_ml-E04-%E2%80%94CMT%20(1).pdf.

 

 

 

A edição comemorativa, presta tributo a um Presidente que primeiro formulou um programa de metas orientado por grandes reformas para inserir o Brasil no contemporâneo e criar condições de desenvolvimento com justiça social.

Vê-se isso na apresentação do documento publicado:

Há exatos 60 anos, a mensagem presidencial emblemática de João Goulart ao Congresso Nacional representava a derradeira tentativa, à época, de um Brasil mais equitativo, delineando um caminho de reformas profundas que nunca chegariam a se concretizar. Este documento, repleto de esperança e visão trabalhista, está sendo lançado – e eternizado – pelo Centro de Memória Trabalhista (CMT) do PDT como publicação digital.

Quando de novo um governo assentado numa visão democrático-popular se faz escolha democrática para vencer o negacionismo anti-povo que infectou o país com virulência necropolítica, é saudável pensar que não pode haver vazio conceitual na política e projetos radicais são necessários para concretizar democraticamente a justiça social. Esse é o sentido da Mensagem. Nas palavras de Jango, recortadas do preâmbulo:

 

Senhores Membros do Congresso Nacional:

Aceitando o desafio que lhe propõe a realidade brasileira, tem o meu Governo procurado orientar a sua ação por meio de programas objetivos, cuidadosamente planejados, que visam, a par da estabilidade econômica e financeira, à ampliação do mercado do trabalho capaz de assegurar ao País os níveis de vida mais altos a que todos aspiramos. Sem preconceitos ou discriminações, tenho convocado, para colaborarem em todos os setores da administração, técnicos e especialistas de competência e espírito público acima de qualquer dúvida. A introdução do planejamento, como norma de ação governamental, que permite a distribuição de esforços e meios, segundo a magnitude dos problemas, e a fixação de critérios racionais na disciplina da ação administrativa, demonstram a previdência e a exação com que tem procedido o Poder Executivo. Na busca de soluções convenientes para esses problemas, anima-me o propósito de consolidar as conquistas já alcançadas no processo do nosso desenvolvimento e, ao mesmo tempo, abrir frentes de trabalho e produtivo que se constituam em novas fontes de progresso e de riqueza. Entretanto, a nossa atual estrutura econômica e política reduz, quando não anula, a eficácia das providências, pois o anacronismo dos padrões que a sustentam e a constelação de poderes em que ela se apoia, perpetua nas crises e agravam os problemas, eliminando as possibilidades de sua solução.

 

Convicção orgulho, marcam uma promessa, que o golpismo neocolonial arraigado num liberalismo excludente e elitista debelou com despudor e violência. Dizia Jango, a propósito da educação:

Orgulha-se este Governo, Senhores Congressistas, de haver desencadeado, com o propósito de integrar na comunidade brasileira largas faixas marginais da nossa população, um movimento, hoje irreversível, no sentido da democratização do ensino e da adequação de nosso sistema educacional às exigências do desenvolvimento do País. Impressiona saber que somente 46% das crianças brasileiras frequentam escolas e que menos de dois milhões de adolescentes, ou seja, apenas 10% dos maiores de 12 anos, conseguem ingressar nas escolas de grau médio. A ação do Governo, para a mudança desse quadro aviltante, exerce-se, fundamentalmente, para efeito de tornar o ensino primário efetivamente obrigatório e universal e abrir a um número sempre crescente de jovens o acesso à escola média, que deve transformar-se em centro de educação para o trabalho.

Com tal propósito, vem a União atribuindo aos Estados e aos Municípios somas sempre maiores de recursos para que se possa proporcionar o ensino primário, de 4 anos, a toda a população em idade escolar. Por intermédio de convênios com os Estados e os Municípios, o Ministério da Educação está executando um programa de construção de 5.800 salas de aula e reequipamento de mais de 10.000 e de suplementação dos salários da professora primária.

Espera o Governo, com essas e outras providências, assegurar, este ano, um incremento de mais de dois milhões de vagas, em nossa rede de escolas primárias. Simultaneamente, promove-se com amplitude jamais atingida, intensa campanha de alfabetização de adultos, à qual estão sendo convocados professores, estudantes, todas as pessoas, entidades e instituições que possam contribuir com uma parcela de seu esforço, para a erradicação do analfabetismo.

Extenso programa para a democratização da escola de grau médio e sua adaptação às necessidades de habilitação da juventude para as tarefas do desenvolvimento, foi elaborado pelo Ministério da Educação e encontra-se em fase executiva. Seu objetivo inicial é possibilitar a instalação, em todos os municípios brasileiros, de escolas de ensino de grau médio, voltadas todas no sentido da educação para o trabalho.

Quanto ao ensino superior, o esforço governamental destina-se a transformá-lo, efetivamente, em meio para a formação de técnicos de alto nível e que atendam às necessidades do progresso industrial. Mediante reformulação dos currículos universitários e pela duplicação de matrículas no primeiro ano dos cursos de nível superior, estamos dando os primeiros passos para, efetivamente, integrar a Universidade no processo nacional de emancipação econômica e cultural e para abrir-lhe mais largamente as portas ao maior número de jovens aptos a receber preparo científico e treinamento técnico moderno.

É justo pôr em relevo o papel pioneiro da Universidade de Brasília, novo modelo de universidade, inspirado, não só na experiência das mais avançadas organizações mundiais de ensino superior, como também nos reclamos da sociedade brasileira nessa fase decisiva de transformação sociocultural.

 

Ah! se tivessem sido implementadas as Reformas de Base. Outro seria o Brasil e mais alicerçado o patamar para alavancar outras transformações. Na altura das celebrações promovidas pelo PDT e pela Biblioteca Virtual da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (FLB-AP), nesse sentido, houve uma iniciativa para reunir uma série de comentários acerca desse documento histórico. Os organizadores me pediram uma manifestação que tivesse como foco as Reformas de Base da Educação, que me levou a um registro com o acréscimo Para um Projeto de País.

Com um texto mais extenso e contextualizado localizei no comentário um aspecto específico, referido ao ensino superior, até porque, na Mensagem, o Presidente deu relevo a Universidade de Brasília, a instituição que me acolheu como professor e da qual fui Reitor, entre 2008 e 2012.

Sobre esse recorte, lembrei 1964, a quadra de um movimento de ascensão popular por meio de um projeto de desenvolvimento que pudesse vencer o espoliativo de um capitalismo ainda colonial, numa pré-globalização em sua modelagem imperialista. Trata-se do avançado programa de reformas de base, o mais completo documento econômico, político-filosófico e constitucional elaborado depois do Plano de Metas de 1956 proposto pelo Presidente Juscelino Kubitschek, visto como um vendedor de esperanças por Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling (Brasil: uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015), e por elas designado como “o primeiro e o mais ambicioso programa de modernização já apresentado ao país” (p. 415).

Consultando o Atlas Histórico do Brasil – FGV CPDOC (https://atlas.fgv.br/verbete/6355), observa-se as ações que confinaram a crise desencadeada com a renúncia do presidente Jânio Quadros (agosto de 1961) e a superação do impasse instalado pela objeção burguês-militar à posse do vice João Goulart.  Superado o impasse com a aprovação pelo Congresso da Emenda Constitucional nº 4 que instituiu no país o sistema parlamentarista de governo, a instalação do novo regime político com o presidente destituído de parte de suas atribuições, isso não impediu a adoção de uma retomada do regime presidencialista apoiado por um programa de reformas de base, desencadeado pelo slogan de um congresso camponês instalado sob a consigna “Reforma agrária na lei ou na marra”.

Conforme o verbete do Atlas,

No decorrer de 1962, tomou vulto a pressão de setores nacionalistas e de esquerda identificados com as reformas de base. Nesse ano surgiu a Frente de Mobilização Popular (FMP), movimento liderado por Leonel Brizola, que congregava diversos parlamentares, líderes sindicais e representantes de organizações camponesas e de entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o Pacto de Unidade e Ação (PUA). Brizola e outras lideranças chegaram a pedir o fechamento do Congresso, instando Goulart a atuar à margem da Constituição para efetuar as reformas. No interior do Congresso, a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) — bloco suprapartidário contrário às concessões ao capital estrangeiro e às remessas de lucro e favorável ao monopólio estatal na exploração do petróleo e dos minérios brasileiros — incluía entre suas principais teses a defesa das reformas de base.

 

Reformas de base, eis o conteúdo da Mensagem ao Congresso Nacional enviada pelo Presidente João Goulart na abertura da Sessão Legislativa de 1964. Um conjunto articulado de “propostas de mudanças consideradas necessárias à renovação das instituições socioeconômicas e político-jurídicas brasileiras que tinham como objetivo remover os obstáculos à marcha do processo de desenvolvimento do país”. Essas propostas foram a base do programa de governo do presidente João Goulart (1961-1964), assumindo o caráter de bandeira política durante a fase presidencialista daquela gestão. As reformas consideradas prioritárias eram a agrária, a administrativa, a constitucional, a eleitoral, a bancária, a tributária (ou fiscal) e a universitária (ou educacional)”.

Volto ao Atlas:

A expressão “reformas de base” foi empregada formalmente pela primeira vez em março de 1958, no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) apresentou um documento que discutia as reformas — incluindo a agrária, a urbana e a constitucional — e destacava também a disciplina do capital estrangeiro no país, o que implicava uma nova Lei de Remessa de Lucros. O documento, que viria a constituir o programa do partido, serviu de base à pregação de João Goulart, vice-presidente da República e presidente nacional do PTB, em sua campanha para a reeleição à vice-presidência em 1960.

Na Mensagem, distingue-se a proposta de reforma educacional ou reforma universitária. Para a consecução dessa reforma, era necessária a modificação dos “dispositivos constitucionais disciplinadores da educação nacional, a fim de ampliarem-se as garantias de liberdade do docente e redefinir-se o instituto da cátedra”. Nesse desiderato, a Mensagem indicava a conveniência de serem integrados ao texto constitucional os seguintes princípios: “É assegurada ao professor de qualquer dos níveis de ensino plena liberdade docente no exercício do magistério; é abolida a vitaliciedade de cátedra, assegurada aos seus titulares a estabilidade na forma da lei; a lei ordinária regulamentará a carreira do magistério, estabelecendo os processos de seleção e provimento do pessoal docente de todas as categorias, e organizará a docência, subordinando os professores aos respectivos departamentos; às universidades, no exercício de sua autonomia, caberá regulamentar os processos de seleção, provimento e acesso de seu pessoal docente, bem como o sistema departamental, ad referendum do Conselho Federal de Educação.”

Curioso que o tópico IV Progresso Social, relevo para o ítem A) Desenvolvimento Cultural, o sub-ítem 1, trata da Educação, desdobrado em Considerações Gerais, Educação Elementar e Cultura Popular, Educação Média, Nível Superior, fechando com Universidade de Brasília (p. 171).

Sobre a Universidade de Brasília, o enunciado:

Enquanto se cuida de democratizar o sistema escolar de todos os níveis e de colocá-lo a serviço do esforço nacional para o desenvolvimento, no Distrito Federal, por intermédio do Projeto-Piloto da Universidade de Brasília, implanta-se novo modelo de universidade, semelhante às mais avançadas organizações internacionais. A Universidade de Brasília destina-se, sobretudo, a assessorar tecnicamente o Governo brasileiro e tem por objetivos a formação científica de alto nível e o estudo dos problemas nacionais, no propósito de contribuir para a formação de soluções compatíveis com a realidade do País. Em todos os Estados estão sendo recrutados aqueles que desejam dedicar-se à cultura e à pesquisa, de modo que essa Universidade já começa a constituir-se em núcleo de uma autêntica elite intelectual empenhada no estudo e na solução dos múltiplos problemas nacionais no campo da cultura.

Para mim, docente da UnB, seu ex-Reitor (2008-2012), soa como um registro fundacional encontrar a minha instituição com seu projeto esboçado na Mensagem do Presidente João Goulart, como uma meta-síntese da proposta de educação superior no conjunto de enunciados para a Reforma Educacional e da Universidade.

Desde o início do governo autoritário recém contido no país em eleições dramáticas, depois de instalado por um mecanismo golpista que interrompeu a continuidade de uma governança de alta intensidade democrática, o programa neoliberal a que ele serviu, no aspecto econômico e também no aspecto ideológico, é emblemático que a cultura e a educação e, neste caso, o segmento universitário que anima o ensino, a pesquisa e a inovação tecnológica, se constituiram um alvo preferencial de toda a sua hostilidade e com estratégia de captura de sua infraestrutura e sua autonomia de produção crítica de conhecimento.

Mostrei isso em meu texto “Fature-se”: Ataque Privatizante à Universidade Pública, publicado em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/591360-fature-se-ataque-privatizante-a-universidade-publica e também em Future-se valoriza o privado e não acena para o ethos acadêmico, integrante do número especial IHU On-Line – Revista do Instituto HumanitasUnisinos, nº 539 – I Ano XIX, 2019 (https://www.ihuonline.unisinos.br/edicao/539), reunindo importantes depoimentos.

Na esfera ideológica o que se viu foi o intuito de vencer o pensamento crítico, desmistificador da astúcia predadora da governança miliciana e entreguista, que se manifestou seguidamente em ações diretas agressivas (há professoras e professores em programas de proteção no Brasil e no exterior) e em subterfúgios administrativos com o objetivo de criminalizar a liberdade de cátedra e a própria autonomia.

Anota o filósofo católico tomista Jacques Maritain, tão influente na elaboração dos artigos da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, para cujo texto conduziu algumas de suas ideias de seu livro Os direitos do homem (1943), que aquele processo obscurantista do nazi-fascismo, no pensamento e na ação (causou-lhe muita impressão o ensaio genocida da guerra civil espanhola), empurrava as opções para as posições cada vez mais à direita dos conservadores autoritários, extremados no reacionarismo e à esquerda, dos liberais e socialistas, ao extremo da revolução.

Em Lettre sur l’independence, mostra o notável crítico literário e também filosofo da política Álvaro Lins (Cristianismo Político e a Questão-Maritain ante o Fascismo Espanhol, in A Glória de César e o Punhal de Brutus. Ensaios e Estudos. 2ª edição: Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1963), o perigo que a inteligência e a educação afrontam, uma vez que o intelectual, o pensador, o universitário (aqui Lins associa Maritain a outro pensador católico e humanista Bernanos, e poderíamos associar também a Unamuno), longe de delirar na contemplação, devem passar à ação, porque “a vida cotidiana deve estar a seu serviço”, do modo que só possam “ser acusados de traição aqueles que têm capacidade para a ação, numa causa justa, e se afastam dela por medo ou conveniência”.

É para preservar esse espaço de serviço e de compromisso da universidade com causas justas, que se construiu civilizatoriamente, referindo-me somente ao Ocidente, os princípios da autonomia (auto-governo) e de liberdade de ensino, que legaram à modernidade esse espaço irredutível de intangibilidade da instituição universitária.

No Brasil, ainda que a instituição seja retardatária (Século XX) quando já se instalara na América espanhola desde o século XVI, nem por isso foi menos radical a assimilação desses princípios, alcançando com a concepção de universidade necessária, leal à sociedade mais que ao estado, aquele ethos que Darcy Ribeiro canalizou para o projeto da UnB.

Em Universidade de Brasília: projeto de organização, pronunciamento de educadores e cientistas e Lei nº 3.998, de 15 de dezembro de 1961 / Darcy Ribeiro (org), – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011, o nosso primeiro Reitor, em seguida à edição da Lei n. 3998, de 15 de dezembro de 1961, que autorizou o Poder Executivo a instituir a Fundação Universidade de Brasília, fez publicar em 1962 o seu texto, numa edição especial patrocinada pelo Ministério da Educação e Cultura, contendo pronunciamentos de educadores e cientistas sobre o texto da lei e o projeto de organização da nova universidade.

Lembrei em prefácio a essa edição, que para Darcy Ribeiro, não tinha o Brasil uma verdadeira tradição universitária a defender e preservar, porque a universidade brasileira, a rigor, diferentemente do que ocorrera em outros países das Américas nos quais elas foram criadas desde o século XVI, somente em 1920, já no século XX, será instituída.

Com a UnB, segundo ele, é que se dará mais propriamente, a instauração do que se poderia designar de universitário para conferir tal estatuto ao nosso ensino superior. Criar, pois, uma universidade em Brasília, constituiu-se numa dupla oportunidade. Primeiro, por reconhecer que, sendo Brasília uma cidade instalada no centro do país e nela implantado o governo da República, se tornaria inevitável instituir um núcleo cultural a que não poderia faltar uma universidade. Depois, para atender à urgência de dotar o país, na etapa de desenvolvimento em que se lançava, de uma universidade que tivesse “o inteiro domínio do saber humano e que o cultive não como um ato de fruição ou de vaidade acadêmica, mas com o objetivo de, montada nesse saber, pensar o Brasil como problema”.

Por isso que, no prefácio que fiz à reedição comemorativa (jubileu da UnB), afirmei que, certamente, muito terá se perdido a partir das sucessivas interrupções e retomadas desse belo e generoso projeto, que nunca se deixou descolar de seu impulso utópico originário. Quando se examina o texto da lei que autoriza a instituição da fundação, incumbida de criar e de manter a Universidade de Brasília, melhor se afere esse movimento. Criado para ser autônomo, sustentável, público mas não estatal, o novo ente recebe a atribuição de inovar, no mais profundo sentido experencial, a ponto de poder organizar seu regime didático, inclusive de currículo de seus cursos sem restar adstrito às exigências da legislação geral do ensino superior (art. 14).

Necessidades que estão postas quando se discute, nesse momento, a reforma do ensino médio (Lei nº 13.415/2017, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), com nova organização curricular aferida desde a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A implementação da lei, até em razão da nova governança, vem encontrando ampla expectativa de que se prorrogue o debate até para distinguir se a proposta, inserida no contexto da conjuntura agudamente neoliberal (2017), não estaria contaminada por elementos fortemente empresariais que conduzem a uma mercadorização do ensino (na contramão da promessa constitucional de conferir função social e pública à educação), com ênfase numa funcionalização empreendedorista de itinerários formativos, em detrimento de expectativas alternativas para o ensino médio conforme defendem os setores progressistas ligados à educação. Procurei expor os termos dessa discussão em Instituto dos Advogados Brasileiros | I Simpósio da Comissão de Direito Constitucional do IAB, no ensejo das celebrações de seus 180 anos: Novo Ensino Médio: Desafios Estruturantes ao Federalismo Cooperado -https://www.youtube.com/watch?v=ukHP2dKAaig).

Do mesmo modo, na educação superior e na organização universitária, a mobilização corrente é no sentido de recuperar a gestão democrática enquanto processo que possibilita a participação e a responsabilização de todos que se envolvem com a atividade acadêmica, a representação nos processos de tomada de decisão e de avaliação e fiscalização das funções e da autonomia universitária.

É minha convicção que a explicitação de procedimentos e a garantia da participação da comunidade acadêmica na gestão das instituições de educação superior virá a contribuir, efetivamente, para o seu melhor funcionamento, para uma gestão mais eficiente e para a concretização de seus compromissos com a melhoria da qualidade e o cumprimento de sua função social, conforme tenho sustentado (Violação da Autonomia Universitária: Punição ao Abuso de Poder, 14 de janeiro de 2022: https://www.brasilpopular.com/violacao-da-autonomia-universitaria-punicao-ao-abuso-de-poder/).

Nessa intervenção, trago o tema muito sensível que já ativou a atuação preocupada da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (confira em https://www.brasilpopular.com/principios-interamericanos-sobre-a-liberdade-academica/), que aprovou Princípios Interamericanos sobre a Liberdade Acadêmica, para prevenir “a constatação da ameaça crescente, no continente, de agressões, mobilizações e atitudes contra a autonomia universitária e a liberdade de ensino, sobre a desinstitucionalização e a desconstitucionalização desses fundamentos, caros aos enunciados dos direitos convencionais internacionais, assim como da própria ONU”(https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Principios_Libertad_Academica.pdf).

De resto, essas diretrizes estão afinadas com o Comentário Geral 13 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU), que deixou bem assentado o reconhecimento da liberdade acadêmica, cuja satisfação, assegurada em geral pelas constituições dos países: “é imprescindível à autonomia das instituições de ensino superior. A autonomia é o grau de auto governo necessário para que sejam eficazes as decisões adotadas pelas instituições de ensino superior no que respeita o seu trabalho acadêmico, normas, gestão e atividades relacionadas”.

Salvaguardar o espaço crítico autônomo da Universidade é dar concretude a uma categoria constitutiva dos direitos fundamentais, a liberdade de consciência e de expressão, de comunicação, sem falar daquelas ligadas ao sistema de proteção à educação, que estão tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto na Convenção Interamericana de Direitos, quanto nos protocolos derivados dela, como de São Salvador.

Esses princípios asseguram o fundamento convencional e a diretriz constitucional de autonomia universitária e de liberdade de ensino e não podem servir ao escrutínio censor, mesmo do Presidente da República, para acobertar numa elasticidade imprópria de que lhe cabe a direção geral da administração (ar. 84 da CF), para assim, transformar supervisão em subordinação, desconstitucionalizando o princípio da autonomia universitária, e na voragem autoritária, sufocar a crítica acadêmica e até, no limite, a dignidade e a vida, como agora vai se revelando no evento policial-judicial que sacrificou o Reitor Cancellier (MARKUN, Paulo. Recurso Final. A Investigação da Polícia Federal que Levou ao Suicídio um Reitor em Santa Catarina. São Paulo: Cia das Letras, 2021; cf. também meu artigo https://www.brasilpopular.com/o-reitor-cancellier-o-absurdo-e-o-suicido-reparar-a-injustica/) e tem forçado já verdadeiros exílios de professores em nossas universidades e o próprio atual Presidente, num desvio de lawfare, impedido – o que o social mobilizado não permitiu – de retornar à Presidência da República, como agora, para um raro e inédito terceiro mandato.

Rever a Mensagem ao Congresso Nacional enviada pelo Presidente João Goulart ao Congresso Nacional na abertura da Sessão Legislativa de 1964, guarda uma nostalgia repristinatória, no sentido de imaginar o que poderiam ter representado para o país, não fosse a ruptura que frustrou a implementação daquele conjunto articulado de propostas de reformas de base para operar as mudanças necessárias à renovação das instituições socioeconômicas e político-jurídicas brasileiras.

Mas então, tal como agora, pensar reformas alternativas para um projeto de sociedade e de país, significa como dizia Darcy Ribeiro, colocar o Brasil como problema, ou como diz o Presidente Lula, ter o Brasil como causa. Nos desafiarmos ainda com Darcy, a encontrar caminhos de superação do subdesenvolvimento autoperpetuante em que fomos metidos pela política econômica das potências vitoriosas no após-guerra; porque não há, em nenhum lugar da Terra, um modelo comprovadamente eficaz de ação contra a crise político-econômica em que estamos afundados (RIBEIRO, Darcy. O Brasil como Problema. Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro; Brasília: Editora UnB. Coleção Darcy no Bolso vol. 2, 2010).

Tanto mais que agora, é forte a mobilização de retomada democrática em curso no Brasil desde o início deste ano de 2023, com a eleição de um projeto de sociedade democrático e popular, colocar na agenda o tema das reformas para resgatar esse sentido de alternativa e inaugurar uma nova etapa, voltando a Álvaro Lins, que leve a valorizar “a necessidade de um novo mundo político”, para além da angústia alienadora do neoliberalismo.

 

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