O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

 

(Eco) Constitucionalismo Achado na Rua como Chave para um Direito Emancipatório: lições quilombolas de Procópia Kalunga

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Marconi Moura de Lima Burum. (Eco) Constitucionalismo Achado na Rua como Chave para um Direito Emancipatório: lições quilombolas de Procópia Kalunga. Dissertação apresentada e defendida no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM). Brasília: UnB, 2024,  232 fls.

 

Banca Examinadora que presidi na qualidade de Orientador da Dissertação, formada pelo professor Gladstone Leonel da Silva Júnior, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pela professora Walkyria Chagas da Silva Santos Guimarães, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), membros externos e pelo professor Antônio Sérgio Escrivão Filho, da Universidade de Brasília (UnB), membro interno. Presente na sessão Dona Procópia Kalunga (Procópia dos Santos Rosa), usou a palavra e fez comentários sobre o trabalho.

Do que trata a dissertação, diz o seu resumo:

A pesquisa que neste se apresenta vem trazer inquietações filosófico-teoréticas ao estado da arte dos estudos para um (Eco)constitucionalismo – Achado na Rua. Buscando sua fundamentação nas concepções da Teoria Crítica do Direito, neste quadrante, do Direito Achado na Rua, propõe-se no excerto monográfico em comento, problematizar o discurso dos domínios da colonialidade, ou de uma cognição colonial que se espraia pela cultura latinoamericana, neste particular, nosso estudo ao conteúdo brasileiro. Como rio que corre para o mar, é nascente para este percurso os postulados teóricos de Roberto Lyra Filho. No fundamento, duas questões são condições sine qua non em sua sociologia jurídica: a primeira é que o direito está para a liberdade; e a segunda é que a liberdade se dá na história. Logo, a cadeia semiológica da presente dissertação, como uma espiral em que se galga o horizonte da utopia, contudo, sem perder de vista em qualquer instante a certeza de que é na luta que se rompe com os fatores histórico-culturais de opressão e vulnerabilização dos sujeitos, a emancipação é a práxis. Destarte, o trabalho, ao lado da potência teorética que se quer apresentar, é também ferramenta adicional para a superação dos mecanismos que, deste modo de se realizar a sociedade, ao longo de seu enviesamento conceitual e político, passaram a subsidiar a estiolação e a subalternização dos sujeitos. A presente dissertação traz consigo uma forte tônica de trans e interdisciplinaridade. Não como centro, contudo, como órbita, busca-se atribuir a partir do todo que percorre o trabalho, a gramática dos Direitos Humanos e dos Direitos da Mãe Terra. Por conseguinte, o campo analítico é o legado de uma liderança matriarca quilombola, Procópia dos Santos Rosa, do povo kalunga. E pelo espelho de suas lutas históricas que problematizamos, de um lado, a violação dos direitos fundamentais de sujeitos coletivos de direito em semântica de espoliação e, do outro, os fatores de influência para lutas e conquistas do povo contra a colonização – sempre – reinventada. Entre os desdobramentos que se faz estudo de caso, os impactos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF Quilombola (nº 742), em cuja síntese é a demarcação estratégica dos povos quilombolas junto ao “território” do sistema de Justiça, isto é, como sujeitos instituintes de direitos constitucionais. A luta de Procópia Kalunga e dos demais sujeitos quilombolas é pela vida, pelos direitos inscritos na promessa constitucional e pela preservação ecológica do sistema Terra. É nisto que se captura um outro escopo de Constitucionalismo. Isto posto, pesquisando, em especial Roberto Lyra Filho, José Geraldo de Sousa Junior, Raquel Yrigoyen Fajardo, e outras/os que entregam as epistemologias de potência científica, contudo, também de resistência às (super)estruturas estiolantes, apresentamos à sociedade um compêndio adicional para o que se denomina aqui como (Eco)constitucionalismo Achado na Rua.

Analiticamente a dissertação se desenvolve conforme os itens designados no Sumário do trabalho:

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1: A história como esteira do movimento humano 1.1. Considerações iniciais – para a História e para o Constitucionalismo

1.2. A História enquanto ciência: noções gerais

1.3. Aplicação de um caso concreto à (nossa) proposta de observação da História

1.4. O Direito Achado na Rua – por sua disposição histórica

1.5. O Constitucionalismo Achado na Rua diante dos “deboches” da História

1.5.1. Cenário 1: o Marco Temporal, no STF, é criado

1.5.2. Cenário 2: o Marco Temporal volta ao STF, agora para ser julgado

1.5.3. Cenário 3: o Marco Temporal retornará ao STF, após revisionado no Congresso

CAPÍTULO 2: Constitucionalismo e (Eco)constitucionalismo:  panoramas e paradigmas

2.1. Escopo histórico e teorético do(s) Constitucionalismo(s)

2.2. Do Constitucionalismo para a Constituição: questões conceituais

2.3. Dimensões de um Constitucionalismo – para reflexão e mobilização adicionais

2.4. Novo Constitucionalismo Latino-americano: paradigmas contra-hegemônicos

2.5. Constitucionalismo Achado na Rua: concepções teóricas

2.6. (Eco)constitucionalismo Achado na Rua: uma introdução

2.7. O Ecoconstitucionalismo como premissa de um Direito Geopolítico

2.8. O trans-ecoconstitucionalismo como mobilização de outra cultura (inter)nacional

2.10. Econstitucionalismo Latino-americano: contraste com a perspectiva de um  “Cisne Negro”

CAPÍTULO 3: O Direito em Procópia dos Santos Rosa, liderança do povo kalunga

3.1. Procópia: Doutora Honoris da causa da humanidade

3.2. Quem é Procópia dos Santos Rosa e o que nela conectamos a Ecologia?

3.3. Procópia: uma aliada fundamental

3.4. Quem vem primeiro: o sujeito ou o sujeito coletivo de direito?

3.5. Dimensão indissociável entre decolonialidade e sujeitos coletivos (de Direito)

3.6. Procópia: inspiração e luta pelos Direitos Humanos – não apenas a seu povo

3.7. Procópia, a ADPF nº 742 e os ventos de um novo STF

3.8. ADPF nº 742 sela quilombolas como sujeitos instituintes de direito

3.9. Polos irrenunciáveis da principiologia contida no instituto da ADPF

3.10. A ADPF, por ela mesma

3.11. O Direito Achado na Rua como chave para um Direito Emancipatório

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APÊNDICE I – As variações linguísticas e o sentido real das coisas

APÊNDICE II – Intersecções tentadas entre Lyra Filho e Procópia Kalunga

APÊNDICE III – Formação complementar ou (melhor) Formação essencial

ANEXO I – A Dra. Honoris Causa, Procópia dos Santos Rosa

ANEXO III – Registros:  Momento em que a direção da CONAQ protocoliza a ADPF nº

742

ANEXO IV – Dialogias da Dissertação nº 1: Semiologia da Dominação

ANEXO V – Dialogias da Dissertação nº 2: Distopia e Humanidade

Dialogias da Dissertação nº 2: Distopia e Humanidade

ANEXO V – Araras presas – e a utopia da Liberdade: : paradigmas para o ECANR

ANEXO VII – Dialogias da Dissertação nº 3: Esperança(r)

ANEXO VIII – Direito de “Ulisses” e Direito Achado na Rua: encontros!

ANEXO IX – Dialogias da Dissertação nº 4: a História como Juíza

ANEXO X – Território Constitucional

 

A Introdução se constitui num consistente ensaio de posicionamento. O Autor é reconhecidamente convicto e assertivo no seu protagonismo intelectual e político, por isso sempre se colocando em primeira pessoa, embora com o cuidado de demarcar o plano de objetividade e de distanciamento para o estabelecimento de seus juízos. Constrói invariavelmente categorias e modelos classificatórios para a apresentação e organização dessas categorias, dos conceitos e das noções que maneja.

Assim que propõe como determinação de seu lugar de análise e da novidade de seu programa, estabelecer uma categoria própria que lhe situa e que propõe para ter validação no acumulado do que se tem chamado de fortuna crítica de O Direito Achado na Rua: tal como está no título de sua dissertação: (Eco) Constitucionalismo Achado na Rua como Chave para um Direito Emancipatório.

Com efeito, com essa designação, o seu desiderato acadêmico imprime uma caracterização a um processo em movimento que vai discriminando aproximações teórico-políticas como contribuição para a teoria crítica do direito e dos direitos humanos (https://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-contribuicoes-para-a-teoria-critica-do-direito/).  É um movimento que opera no protagonismo de sua ação política, formas emancipatórias na perspectiva dos direitos humanos – germinais – já caracterizadas até aqui, por seus protagonistas intelectuais, associados à Nova Escola Jurídica Brasileira – NAIR, como sindicalismo achado na rua, ítem anterior acrescido ao catálogo de ricos achados que formam a fortuna crítica de O Direito Achado na Rua: a Aldeia, o Quilombo, a Rede, os Lares, a Noite, o Manicômio, o Cárcere, a Encruzilhada, as Águas, Campos e Florestas Amapaenses, o Constitucionalismo Achado na Rua (Victor Nunes Leal e JJ Gomes Canotilho), a Rua em seu sentido amplo de espaço de cidadania (Milton Santos, Paulo e Nita Freire, Roberto Lyra Filho).

O percurso de Marconi Burum na dissertação está mapeado a partir dos capítulos em que o trabalho se sumaria:

Capítulo 1, “A história como esteira do movimento humano”. A intenção deste instrumento é conectar o quanto possível as concepções da história ao elementar do movimento constitucional, ao caminhar humano para a vida e para o conjunto das coisas que permeiam a vida, entre as quais, o direito.

O Capítulo opera como um grande preâmbulo, um ensaio ao momento maior do trabalho – que vai transladando.

Capítulo 2, por seu escopo lido como: “Constitucionalismo(s) e Ecoconstitucionalismo: panoramas e paradigmas”, buscamos descrever entre os principais eventos, contextos gerais acerca do Constitucionalismo, isto é, um a apresentação sintética de teorias que tratam sobre esta categoria que é teoria e que é movimento. Também faremos dissertar as concepções acerca do Novo Constitucionalismo Latino-americano, e dimensões outras que sejam fundamentais na concatenação do capítulo em comento.

Nesse Capítulo o esforço conecta-se com as concepções gerais do Constitucionalismo Achado na Rua até desdobrar-se na proposta do Ecoconstitucionalismo Achado na Rua. Este último é o mote da seção mencionada, contudo, dividido em algumas dimensões que compreendemos estratégicas para a produção de uma epistemologia, que não integralmente autoral, carente de ampliação do seu estado da arte.

Capítulo 3, “O Direito em Procópia dos Santos Rosa, liderança do povo kalunga”, cujo núcleo é também o escopo da proposta do trabalho.  Esse Capítulo traz ainda os pressupostos teóricos do Direito Achado na Rua; as concepções e mobilizações que se desdobram dos sujeitos coletivos de direito; e uma ampliação do conteúdo acerca da decolonialidade, isto é, instrumentos para uma cognição decolonial. E é neste Capítulo que também se inscrevem as interpretações autorais quanto à ADPF Quilombola.

Para o Autor, com estes capítulos, ele busca responder a pergunta-problema que o conduziu no trabalho, qual seja, “sabendo-se das crises por que possa a humanidade, particularmente, os eventos contra-climáticos, os abismos produzidos pelos mecanismos neoliberais (seus modos de produção e de extração de riquezas da Terra), os contenciosos geopolíticos com escaladas de conflitos intransponíveis e as de estabelecimento de uma cognição coletiva cada vez mais hegemonizada à competição entre humanos, como o Constitucionalismo Achado na Rua pode reunir vozes epistemológicas e políticas – a exemplo: a de Procópia dos Santos Rosa – para mobilizar (e assessorar as mobilizações) que colaborem com a noção de um movimento Ecoconstitucional, concomitantemente, com um Direito Emancipatório?”:

 

 

A Constituição, uma vez instituída, não deve ser reduzida a mero documento jurídico incapaz de influenciar na vida política e social do território que está submetida. Um olhar abstrato e idealizado desse instrumento inviabiliza a construção cotidiana da soberania popular e da legítima organização social da liberdade. A Constituição deverá sim, conferir sentido político ao direito garantindo concretude a uma Teoria Constitucional que reconhece a luta social, proveniente da dialética, ou seja, garanta o exercício real do que chamamos aqui de soberania popular. Este é o papel do Constitucionalismo Achado na Rua. (LEONEL JÚNIOR, 2018, p. 186)

É isto que requeremos como vitrine da presente dissertação, entretanto, cientes de que, o Constitucionalismo Achado na Rua não é a “salvação” do mundo – para além da metáfora que o presente texto buscou invocar como uma “genética” cognitiva-ativa aos sujeitos. No entanto, sua potência, indubitavelmente, pode apontar instrumentos – casos concretos e epistemologias de engajamento – que inspirem reflexões e ações (estruturais e institucionais) para que, ainda presos à ideologia dos Estados modernos, ao menos assim, possam repactuar sua gramática civilizatória, inaugurando acervos normativos-culturais novos que, se não consigam impedir a sucumbência da humanidade; ao menos “adiem o fim do mundo”, em sentido literal ao que se vislumbra concretamente.

Numa síntese geral, ademais, o Constitucionalismo se dá na história e para a história. É uma chave de guinada do arranjo histórico de uma civilização. Neste ínterim, o Constitucionalismo Achado na Rua representa a chave de uma outra dimensão diametralmente oposta a que se conhecia até o século XXI da humanidade. Um Constitucionalismo de pertença, de solidariedade, de cooperação, de integração do ser humano aos ecossistemas, ambiental, social, cultural diversos. 

 

Esse constitucionalismo, dito por Marconi, de pertença, de solidariedade, de cooperação, é o que temos no Coletivo que formamos, designado como Constitucionalismo Achado na Rua (https://estadodedireito.com.br/constitucionalismo-achado-na-rua-uma-contribuicao-a-teoria-critica-do-direito-e-dos-direitos-humanos-constitucionais/). É uma uma proposta de decolonização do Direito, que escrevi com minha colega Lívia           Gimenes Dias da Fonseca (Revista Direito e Práxis, Rio  de Janeiro, vol.08, nº. 4, 2017, p. 2882-2902), cf. em https://www.scielo.br/j/rdp/a/nshLTQJxwGHYJVk3Km6453P/?lang=pt&format=pdf. Também, https://pt.wikipedia.org/wiki/Constitucionalismo_achado_na_rua, verbete construído por meus alunos da disciplina Pesquisa Jurídica (Faculdade de Direito da UnB), que na compreensão deles “consiste em construções teóricas e práticas jurídicas resultantes de estudos do Grupo da linha de Pesquisa O Direito Achado na Rua, integrante do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Tem entre seus objetivos conceber condições concretas de garantia e exercício de direitos por sujeitos coletivos, como grupos oprimidos e movimentos sociais. Tal concepção recebe influência da sociedade em diversos aspectos, como das lutas constituintes e da atuação de movimentos sociais, do novo constitucionalismo latino-americano e do pluralismo jurídico”.

Entretanto, para sugerir muitas aproximações, reporto-me à recensão que preparei para a Coluna Lido para Você – https://estadodedireito.com.br/sociologia-do-novo-constitucionalismo-latino-americano-debates-e-desafios-contemporaneos/, quando aludo ter resenhado esse percurso. Claro que em O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática, volume 2, cit., no capítulo (Parte IV): O Direito Achado na Rua: Desafios, Tarefas e Perspectivas Atuais, já inscrevemos uma anotação programática nessa direção, ao indicar (p. 224): que “Essas experiências refletem uma espécie de ‘Constitucionalismo Achado na Rua’, em que os atores constituintes, os protagonistas desses processos, que envolveram povos indígenas, feministas, campesinas e campesinos, trabalhadoras e trabalhadores e setores historicamente excluídos, arrancam do processo constitucional novas formas de pluralismo jurídico e conquistas de Direitos”.

Com Gladstone Leonel Silva Junior, presente na banca como examinador, eu também trabalhei o tema, procurando fixar a sua mais precisa enunciação. Assim, em Revista Direito e Práxis, On-line version ISSN 2179-8966 (http://old.scielo.br/scielo.php?pid=S2179-89662017000201008&script=sci_abstract&tlng=pt). LEONEL JUNIOR, Gladstone  and  GERALDO DE SOUSA JUNIOR, José. A luta pela constituinte e a reforma política no Brasil: caminhos para um “constitucionalismo achado na rua”. Rev. Direito Práx. [online]. 2017, vol.8, n.2, pp.1008-1027. ISSN 2179-8966.  https://doi.org/10.12957/dep.2017.22331, valendo o resumo: “A crise política brasileira, evidenciada a partir de junho 2013, enseja novas reflexões para a conjuntura recente. A reforma do sistema político é necessária e um das formas de viabilizá-la é por meio de uma Assembleia Constituinte. Sobretudo, se observado os movimentos político-jurídicos dos últimos 15 anos nos países da América Latina. Cabe refletir sobre o momento e as possibilidades dessa aposta pautando-se em um ‘constitucionalismo achado na rua’”.

Quase que simultaneamente, também com Gladstone publicamos em La Migraña… Revista de Análisis Político, nº 17/2016. Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolívia: La Paz, o artigo La lucha por la constituyente y reforma del sistema político em Brasil: caminhos hacia um ‘constitucionalismo desde la calle’.

Com essas referências, alcança-se o patamar que, juntamente com Antonio Escrivão Filho (ESCRIVÃO FILHO; SOUSA JUNIOR, Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016), especialmente no Capítulo V – América Latina, desenvolvimento e um Novo Constitucionalismo Achado na Rua, páginas 123-150), enunciamos, vale dizer, que o Constitucionalismo Achado na Rua vem aliar-se à Teoria Constitucional que percorre o caminho de retorno a sua função social. Uma espécie de devolução conceitual para a sociedade, da função constitucional de atribuir o sentido político do Direito, através do reconhecimento teórico-conceitual da luta social como expressão cotidiana da soberania popular. Um reencontro entre a Teoria Constitucional, e o Direito compreendido como a enunciação dos princípios de uma legítima organização social da liberdade (p. 149).

Em Marconi Burum, o seu arranque, instigado pelo aprendizado telúrico que a aproximação com Dona Procópia inspirou, levando-o pela mão nos territórios quilombolas, faz com que ele se coloque na órbita do novo ciclo de constitucionalização na América Latina (https://estadodedireito.com.br/sociologia-do-novo-constitucionalismo-latino-americano-debates-e-desafios-contemporaneos/).

Como anota a peruana Raquel Yrigoyen Fajardo (El horizonte del constitucionalismo pluralista: del multiculturalismo a la descolonización. In: GARVITO, César Rodriguez (Coord.). El derecho en América Latina: un mapa para el pensamiento jurídico del siglo XXI. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2011), aferindo as experiências constitucionais na América Latina, incluindo o Canadá, há um primeiro ciclo caracterizado como “constitucionalismo multicultural” (Canadá, 1982), (Guatemala, 1985), (Nicarágua 1987) e (Brasil, 1988). O segundo ciclo referente ao “constitucionalismo pluricultural” (Colômbia, 1991), (México e Paraguai, 1992), (Peru, 1993), Bolívia e Argentina, 1994), (Equador, 1996 e 1998) e (Venezuela, 1999). E o terceiro ciclo, finalmente, é reconhecido pelo alcance de um “constitucionalismo plurinacional”, a partir das inovadoras Constituições do (Equador, 2008) e (Bolívia, 2009), nas quais, diz Raquel, já se trata de um ciclo pluricultural, plurinacional e ecológico, nas quais “se pluraliza a definição de direitos, a democracia e a composição dos órgãos públicos e as formas de exercício do poder”.

Raquel Yrigoyen, que já inscrevera em sua concepção a tese de um constitucionalismo plurinacional, tem avançado fortemente, desde seu diálogo com as cosmogonias e cosmovisões dos povos ancestrais, em direção a um constitucionalismo ecológico ou eco-constitucionalismo, sem contudo abdicar de suas teses originais sobre o pluralismo jurídico (YRIGOYEN, O Direito à Alimentação como um Direito Humano Coletivo dos Povos Indígenas, in O Direito humano à alimentação e à nutrição adequadas [livro eletrônico] : enunciados jurídicos / organizadores Valéria Torres Amaral Burity…[et al.]. — Brasília, DF FIAN Brasil : O Direito Achado na Rua, 2021. PDF).

Concluo a indicação da dissertação como trabalho importante para pesquisadores e também para editores, com o que a obra representa, nas considerações de seu próprio Autores:

Precisamos compreender – e é esta a intenção de entrega do presente trabalho – que o Direito, como todo corpo (infra)estrutural que formam o tecido social (e os Estados modernos), possui um compêndio ideológico. Roberto Lyra Filho, em seu opúsculo tão magnificamente oportuno, “O que é Direito”, oferece uma reflexão dialética indubitavelmente oportuna para se escolher um dos “lados” da ciência do Direito.

A teoria crítica é gênese de nossa escolha ideológica para o conjunto referencial desta dissertação. Seu recorte gramatical: um direito que seja emancipatório – como nos educa Paulo Freire; como nos postula o próprio Roberto Lyra Filho; como mobiliza José Geraldo de Sousa Junior. Sua abordagem epistemológica: os acúmulos do Direito Achado na Rua a empreender no estado da arte do Constitucionalismo Achado na Rua, mais nuclearmente, a potência de um Ecoconstitucionalismo Achado na Rua, acréscimos teoréticos. Seu expoente para um estudo de caso: os sujeitos coletivos de direito do quilombo kalunga, neste particular, a semiologia que se desdobra da luta e inspiração para a luta de Procópia dos Santos Rosa.   Procópia é sujeito (e o são os sujeitos coletivos) instituinte de um Constitucionalismo Achado na Rua, de viés Ecoconstitucional. Bolsonaro é sujeito (e o são os neocolonizadores da superestrutura capitalista latino-americana) desconstituinte de direitos. Lula é sujeito (e o são os movimentos sindicais, estudantis, negros, de mulheres etc.) constituintes – como em 1988 e nos tempos atuais – de um modelo cidadão, democrático de sociedade, com potência ao respeito para as coisas da Natureza, dos Direitos Humanos, da igualdade e equidade utópicas realizáveis. 

O Direito Achado na Rua estuda isso. O Direito Achado na Rua aprende (com) isso. O

Direito Achado na Rua mobiliza isso. O Direito Achado na Rua assessora isso. O Direito Achado na Rua (re)existe a partir disso. E este trabalho é um recorte disso – tudo – que O Direito Achado na Rua encontra todos os dias – da História – nas várias tipologias de Ruas, onde mora a liberdade, a emancipação e a possibilidade de um mundo sem dominação, esbulho e exploração de cada pessoa (e de todas as pessoas), e da Natureza

 

É nesse diapasão que Marconi vai ficar O Direito Achado na Rua como chave para um Direito Emancipatório, apto a transitar para o outro lado da rua, como o percebe J. J. Gomes Canotilho, e “Do outro lado da rua, o ‘direito achado na rua’ e perante o sangue vivo que brota dos vasos normativos da realidade e a sedução de um direito outro, alternativo ao direito formal das constituições, códigos e leis, compreende-se que o discurso hermenêutico dos juristas mais não seja que um manto ocultador do insustentável peso do poder” (Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora; São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008).

 

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