Rondas Campesinas. Principios de Organización y Trabajo.
Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Rondas Campesinas. Principios de Organización y Trabajo. Oscar Sanchez Ruiz. Chiclayo, Peru: Ediciones e Impressiones Frías/Grupo Cultural Wayrak/Colección Bicentenario, 2021, 64 p.
Pelas mãos de Andréa Brasil e de Shyrley Aymara, ao regresso de visita técnica a Puno, às margens do Titicaca, em intercâmbio com o Instituto de Interculturalidad de Puno (https://www.youtube.com/watch?v=1qA-Q4_UEN0), recebi o livro objeto deste Lido para Você, com uma dedicatória amigável de Santos Saavedra Vasquez, Presidente da CUNARC (Central Única Nacional de Rondas Campesinas y Urbanas) del Perú: “Hermano professor Jose Geraldo lo saluda la Central Única Nacional de Rondas Campesinas del Perú, asismismo felicitar su aporte de la defensa de los derechos de los pueblos indígenas. Muchos êxitos em la lucha. Perú, 20 noviembre del 2021. Atentatemente”.
Eu conheci Santos, em Lima, numa de minhas participações, desde 1990, em Programas concebidos e desenvolvidos pelo Instituto Internacional Derecho y Sociedad, de Lima, dirigido pela professora Raquel Yrigoyen Fajardo, voltados para a formação em direito internacional interdisciplinar e intercultural, proteção internacional dos direitos de povos indígenas e litígio estratégico.
Sobre esses cursos, e nas variações programáticas que eles articulam, confira-se aqui neste espaço – http://estadodedireito.com.br/memoria-del-i-curso-internacional-interdisciplinario-e-intercultural-proteccion-internacional-de-los-derechos-humanos-de-pueblos-indigenas/.
Também, mais recentemente, dezembro de 2021, a edição concluída, da segunda versão, com o tema geral Monitoreo Internacional de los Derechos Humanos de los Pueblos Indígenas: Derechos Territoriales y Consulta Previa em Tiempos de Pandemia, no qual, ainda com o objetivo de contribuir para a formação de uma rede de monitoramento regional (sistema OEA – Comissão Interamericana de Direitos Humanos), me incumbi, por designação de Raquel e de Soraya Yrigoyen Fajardo, de oferecer a fala de clausura (https://www.youtube.com/watch?v=rAV0LdyeCR8).
Uma nota designativa desses cursos e da concepção que os organiza, está a diretriz conceitual elaborada por Raquel Yrigoyen Fajardo, no sentido de que o Curso se desdobre do mandato de capacitação e de assessoria jurídica, em sede de litígio estratégico em direitos humanos e em direitos indígenas, em apoio aos povos tradicionais originários indígenas do Peru, e aos camponeses, principalmente das Rondas Campesinas titulares da construção político-jurídica de autonomia na gestão administrativa e de acesso à justiça, partir de seus territórios de produção e de existência.
E que, na “linha desse acumulado se ponha em relevo a série de Cursos (plataforma digital) ‘Sistemas Jurídicos Indígenas, Pluralismo Jurídico Igualitário e Descolonização’, cujos objetivos têm sido promover o respeito efetivo aos direitos humanos dos povos indígenas a seus sistemas jurídicos próprios (instituições, normas e funções jurisdicionais) e promover um diálogo intercultural e relações de coordenação igualitária entre sistemas jurídicos, desde um enfoque descolonizador e despatriarcalizador. O fundamento que orienta os respectivos programas é o de que os povos originários têm ancestralmente seus próprios sistemas jurídicos” (http://estadodedireito.com.br/memoria-del-i-curso-internacional-interdisciplinario-e-intercultural-proteccion-internacional-de-los-derechos-humanos-de-pueblos-indigenas/).
Conforme expõe Raquel Yrigoyen Fajardo, diretora do IIDS, que concebe e projeta esses cursos, “desde a invasão, os colonizadores buscam anular, reduzir ou subordinar a autoridade indígena, para facilitar a expropriação de seus recursos e impor-lhes o seus valores. Não obstante isso, os sistemas jurídicos indígenas têm resistido e se recriado para enfrentar problemas contemporâneos. Desde há uma três décadas, o direito internacional e o constitucionalismo pluralista reconhecem os direitos dos povos indígenas a sua identidade, territórios, ao controle de suas instituições, formas de vida e a seus sistemas jurídicos, incluindo funções jurisdicionais. Isso tem permitido passar do paradigma do monismo jurídico ao do pluralismo jurídico igualitário”. (sobre esses fundamentos cf. YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. Qué es el Pluralismo Jurídico Igualitário?;. Revista Alertanet 2017 Em Litígio Estratégico y Formatión em Derechos Indígenas. IIDS – Instituto Internacional Derecho y Sociedad. Lima: IIDS/IILS, año 2, nº 1. 140, marzo 2017, p. 10-17).
Para ela, “Apesar dos avanços referidos, na região, segue-se desconhecendo efeitos jurídicos às decisões indígenas e continua-se a criminalizar as práticas consentidas dos sistemas jurídicos indígenas, seus usos culturais e o exercício de sua autoridade em seus territórios, especialmente quando a justiça indígena intervêm em casos graves ou relacionados a terceiros e a corporações. Daí a necessidade de um Curso que promova a troca de saberes; que difunda os avanços normativos e anime uma reflexão sobre como encarar os possíveis conflitos entre o direito indígena e os direitos humanos, desde uma perspectiva intercultural e descolonizadora”.
Raquel Yrigoyen, que já inscrevera em sua concepção a tese de um constitucionalismo plurinacional, tem avançado fortemente, desde seu diálogo com as cosmogonias e cosmovisões dos povos ancestrais, em direção a um constitucionalismo ecológico ou eco-constitucionalismo (cf. O Direito à Alimentação como um Direito Humano Coletivo dos Povos Indígenas. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et al, organizadores. O Direito Achado na Rua – volume 10. Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Brasília: Editora OAB/Editora UnB, 2021), sem contudo abdicar de suas teses originais sobre o pluralismo jurídico.
Ainda que nessa passagem o foco da leitura do pluralismo jurídico, desde a leitura de Raquel Yrigoyen, compreendido propriamente como pluralismo jurídico igualitário (consulte-se entre outros estudos, os escritos fundamentais com aberturas inéditas para a aplicação dessa categoria, de Boaventura de Sousa Santos – sempre presente nas atividades do IIDS -, até o mais recente de Antonio Carlos Wolkmer e de Maria de Fatima S. Wolkmer, Horizontes Contemporâneos do Direito na América Latina. Pluralismo, Buen Vivir, Bens Comuns e Princípio do ‘Comum’. Criciúma, SC: UNESC, 2020), se dirija aos povos indígenas e originários, essa acepção, orientada “por uma racionalidade jurídica diferente”, alcança também os ronderos campesinos, em enfoque autoral bem conhecido:
Outro claro ejemplo de racionalidade jurídica diferente, resulta em palavras de Raquel Yrigoyen, la de las Rondas Campesinas, que si bien nacen em uma primera etapa, como respuesta a uma demanda de seguridade, frente al robô y el abigeato se traduce finalmente, em prácticas sociales de auto administración de justicia (SONZA, Bettina. El outro Derecho ‘Rondas Campesinas’ em la Selva y Sierra Peruana. In ETHOS. Boletin de Antropologia Juridica, ano 2 – número 4. Lima: Universidad de Lima/Facultad de Ciencias Humanas/Facultad de Drecho y Ciencias Políticas/Centro de Investigación Jurídica, 1993).
Inserto nessa perspectiva do pluralismo jurídico, minhas intervenções na várias ocasiões em que participei de cursos ou de algum Taller, guardou correspondência com esse campo sociológico-jurídico, um dos pressupostos epistemológicos de O Direito Achado na Rua, tema de minha exposição no I Curso Interdisciplinar, conforme: Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=9xtcajEney0, parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=cvVZ7F6qgM8, parte 3: https://www.youtube.com/watch?v=6jzIUQflW3o.
Até porque, no Perú, notadamente, a força protagonista das Rondas Campesinas logrou configurar em formato de proposta constitucional, o reconhecimento da capacidade das comunidades campesinas, nativas y rondas campesinas para ejercer jurisdicción de acuerdo a sus costumbres.
O livro Rondas Capesinas trata de todos esses temas relevantes, desde seu prólogo e introducción, histórico-político, até formar um arco altamente informativo para ativistas e pesquisadores: I. Transcendencia histórica de las Rondas; II. Benefícios de las Rondas; III. Nuevo modelo de organización; IV. Cómo surgió la Ronda?; V. Por qué surgieron las Rondas?; VI. Qué son las Rondas?; VII. Fines y objetivos; VIII. Princípios de organización; IX. Carácter de las Rondas; X. Mandamientos del rondero; XI. Cualidades del buen dirigente; XII. Justicia rondera; XIII. Fundamentos legales; XIV. Programa Reivindicativo; XV. Tareas de las Rondas; XVI. Slogans y símbolos.
Shyrley Tatiana Peña Aymara que com Andréa Brasil me regalou com o livro, está cumprindo um programa doutoral aqui na Universidade de Brasília, na Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, sob minha orientação, no marco da concepção pluralista de O Direito Achado na Rua.
Há poucos meses, sendo como é, da base política do recém presidente eleito, “rondero, campesino y maestro, Pedro Castillo Terrones”. Presente na cerimônia da posse, na popular Juramentación Simbólica en la Pampa de la Quinua en Ayacucho, região andina ao sul do Perú profundo, enviou um despacho para seus colegas de grupo de Pesquisa (http://odireitoachadonarua.blogspot.com/search?q=shyrley): CARTA DESDE LA PAMPA DE LA QUINUA PARA MIS COMPAÑERXS DEL “DERECHO HALLADO EN LA CALLE”.
Na Carta ela relata a emoção: “Dentro de la muchedumbre el pueblo gritaba: ‘Al fin tenemos presidente’ y: “por fin alguien que nos representa ha vencido al monstruo que quería que asumamos que esta victoria había sido producto de un fraude”, e constata:
Por ello y más, las rondas campesinas, líderes y lideresas de organizaciones populares, pueblos indígenas, mujeres, trabajadores, jóvenes, afrodescendientes, sindicatos, gremios, partidos políticos, etc. tuvieron que llegar hasta Lima para defender su voto y no permitir que las atrocidades disfrazadas en “legalidad” puedan vencer la voluntad popular. El día 19 de julio, nos congregamos con esos grupos que hace semanas estaban acampando frente al JNE. Estaban poniendo el cuerpo y el alma de manera autogestionada para rescatar la pobre y enclenque democracia que aún nos queda.
Al son de huaynos peruanos, zapateos democráticos, música en quechua, música rebelde y nuestros temas más originarios, celebrábamos esa noche en un lugar abierto al aire libre. Por un momento, olvidamos que vivíamos en una pandemia que había causado tanta desolación y desigualdad, principalmente para los más desposeídos históricamente. Este escenario se vestía de esperanza, pero también de muchos desafíos, pues tener nuestro primer gobierno de izquierda democráticamente elegido se mostraba como un gran hecho histórico y solo la historia, y nada más que ella nos demostrará el camino de sostenerlo.
Em artigo para o Portal da Universidade de Brasília (https://noticias.unb.br/artigos-main/5138-memorias-do-bicentenario-peruano-no-juramento-simbolico-do-presidente-pedro-castillo-terrones-em-ayacucho) – Memórias do Bicentenário peruano no Juramento Simbólico do Presidente Pedro Castillo Terrones em Ayacucho, a mesma Shyrley, mesmo considerando todas as dificuldades que o novo governo vai enfrentar, não deixa de esboçar uma esperança legítima que vem com a tremenda mobilização de todo o Perú profundo, território das Rondas Campesinas: “Diante disso, um homem como Pedro Castilho, que usa um chapéu da sua cultura originária, marca um precedente que leva muitas expectativas de mudança. Porém, a construção de um Peru sem desigualdade, racismo, homofobia e misoginia vai ser um projeto que deverá ser defendido por aqueles que acreditam em mudanças reais com projeção ao futuro. Sabemos que temos que aproveitar esse momento histórico e nos fortalecer com as energias de tantos peruanos patriotas que morreram em Pampa da Quinua por causa de uma pauta poderosíssima: emancipação e não só independência”.
De toda forma, no plano investigativo, todo esse percurso alimenta o interesse e a disponibilidade de Shyrley Aymara para acrescentar aos estudos sobre os protagonismos que se dão hoje na América ao sul do Rio Grande, e a avaliar sua pertinência política nos processos de transformação em curso nos países em luta por descolonização. Seu projeto de tese: AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DAS RONDAS CAMPESINAS EM CAJAMARCA (PERU) E AS RONDAS COMUNITARIAS EM CHERÁN (MÉXICO): CAMINHOS PARA DESCOLONIZAÇÃO DO DIREITO NA AMÉRICA LATINA, abre perspectivas para essa disposição.
A viagem de Shyrley a Puno e o seu encontro com os ronderos, constatam a força desse movimento emancipatório, tal como está no livro de Oscar Sanchez Ruiz – Rondas Campesinas. Principios de Organización y Trabajo. Um tanto ao estilo de manual de uso, a sua dupla condição de intelectual e de antigo presidente da Federação Departamental de Rondas Campesinas de Cajamarca, história e processo político são estudados enquanto um fenômeno singular, importante para os estudos sobre esse tema, mas há destaque para “um aspecto que muy pocos investigadores han advertido y estudiado: los princípios de organización estabelecidos em la primeira reunión histórica de las rondas de Cuyumalca (29 de enero de 1977) assumidos comio las líneas matrices del acionar ronderil, cuyo desarrollo práctico permitió la fortaleza de las rondas campesinas, su autonomia e independencia respecto de organismos estatales, a pesar de que los sucessivos governos primero pretendieron desconocerlas y perseguir a sus dirigentes, luego crear organizaciones paralelas, someterlas a control policial y militar, o convertirlas em apêndices del gobierno”, sem que esse cerco tenha logrado desviá-las de seus princípios de fundação.
Responsável direto pela aproximação não só minha mas de minhas queridas colegas de coletivo de pesquisa Andréa Brasil e Shyrley Aymara, meu dileto amigo Hernan Layme Yepez, juiz de direito em Puno no altiplano andino peruano e que conheci em Lima nas Jornadas do I Curso Internacional, Interdisciplinario e Intercultural – Protección Internacional de los Derechos Humanos de los Pueblos Indígenas Derechos Territoriales y Consulta Previa, organizado por IIDS-Instituto Internacional Derecho y Sociedad (Raquel Yrigoyen), nos havia convidado para participar da grande assembleia das rondas campesinas do altiplano, e da cerimônia de consulta a pachamama para a realização dos eventos, afinal adiado por conta da pandemia.
Hernan Layme Yepez, fiel a sua ancestralidade indígena, é um ativista na objeção à visão eurocentrada, pós-colonial do direito internacional e constitucional, repercutindo a mesma unidade de vida, (diz Hernan:
“La muerte no existe en nuestra cultura. Nuestros seres queridos viven con nosotros en cada instante. La cosmovisión andina ha generado saberes de derrotabilidad de la muerte, una cultura de respeto a la vida, armonía del cosmos. Vida-muerte-vida, una unidad dialéctica. ‘Así nomás nos iremos, así nomás volveremos’”).
Hernan aponta, pois, para um outro humanismo:
“Hasta cuándo TC, TC, TC… debemos soportarte?. Cómo puede impartirse justicia sin conocer el Perú profundo?. Deben viajar, sesionar en una comunidad campesina, nativa, ronda. La corrida de toros y la pelea de gallos son imposiciones culturales crueles de occidente y Asia, asimilados por los criollos peruanos; primero fueron explotados, torturados y asesinados nuestros ancestros; y, luego siguieron los animales inocentes. En nuestra cultura, en nuestros pueblos, no existe más que amor en la crianza de los animales, por eso le ponen sus nombres “Pepito”, “Panchito”, “Marianito”; son un integrante más de la familia y si los van a vender, le piden que los cuiden; y si les van a sacrificar le piden permiso con una quintuska (hojas de coca y vino), saben quiénes son los padres, pueden adivinar en sus rostros de que padecen. Los hacen “casar” a los ovinos para mayor reproduccion. Y aun, al zorro le tienen respeto, y le dicen: “Tiula” (de tío), le designan al mejor animalito para que se vaya a otro lugar y el zorro entiende y se va -vivencias contadas de los ronderos, el Arariwa; dicen: “ellos también tienen hambre, frío, tienen crías que alimentar, hay que hablarles, ellos entienden, si le odias es peor”-. Qué hermosa es nuestra cultura, no de fiesta de la sangre, de la crueldad, no de una cultura de la muerte. Se debe ir a las instancias internacionales”.
Sobre a possibilidade desse encontro com ronderos, Hernan justifica as suas razões que fazemos nossas: “Me siento inmerecidamente mencionado, solo soy un juez que vivo de cerca de los comuneros, ronderos. Sin escucharlos no podría saber qué pasa en sus mundos. He querido escribir sobre ellos, pero tengo temor de traicionar su confianza”.
Por isso é tão importante oferecer o livro nesse momento. Com o Autor Oscar Sanchez Ruiz, nos damos conta de que a obra “sintetiza históricas reivindicaciónes andinas: es uma original experiência y contribución a la edificación de um estado plurinacional, democrático, representativo, de todas las voces y todas las sangres”.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua |
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